Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | OLIVEIRA MENDES | ||
Descritores: | HOMICÍDIO HOMICÍDIO PRIVILEGIADO CULPA MEDIDA CONCRETA DA PENA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ200603010037893 | ||
Data do Acordão: | 03/01/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - Ao crime de homicídio privilegiado, facto típico introduzido no nosso ordenamento jurídico-penal com o CP de 1982, subjazem, como resulta do próprio texto legal, considerações atinentes à culpa, que se situam ao nível da exigibilidade. II - É, pois, a especial diminuição da culpa, em resultado de exigibilidade diminuída, que justifica o crime do art. 133.º do CP. III - A compreensível emoção violenta consiste na ocorrência de um estado de alteração ou perturbação, que Figueiredo Dias (Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 47) apelida de estado de afecto, estado este que condiciona as faculdades e capacidades do agente, designadamente a sua capacidade de escolha e de determinação. IV - O agente, face a uma alteração do seu estado psicológico, resultante de um forte abalo emocional provocado por uma situação pela qual não pode ser censurado e à qual o homem normalmente «fiel ao direito» não deixaria de ser sensível, conquanto mantenha a imputabilidade, vê limitada ou comprometida a capacidade de posicionamento ético e de controlo dos seus actos, sendo empurrado ou conduzido para o crime. V - Assim se estabelece e se exige uma relação de causalidade entre o crime e a emoção, a que Eduardo Correia, no seio da Comissão Revisora do CP, a propósito da redacção dada ao art. 139.° do Anteprojecto, chamou de conexão entre a emoção e o crime. VI - Essa conexão, conquanto não implique, em princípio, que a vítima seja pessoa estranha ao desencadeamento da emoção, consabido que o que está na base do lícito típico não é a provocação da vítima, mas sim a diminuição da culpa do agente, impõe uma especial atenção e um especial cuidado no exame e análise do facto, tendo em vista a averiguação da ocorrência, em concreto, de uma diminuição sensível da culpa. VII - A culpa só deverá ter-se por sensivelmente diminuída quando o agente, devido ao seu estado emocional, seja colocado numa situação de exigibilidade diminuída, ou seja, quando actue dominado por aquele estado, isto é, seja levado a matar, no sentido de que não lhe era exigível, suposta a sua fidelidade ao direito, que agisse de maneira diferente, que assumisse outro comportamento. VIII - Melhor analisando o requisito da compreensibilidade da emoção, dir-se-á que o mesmo consiste no entendimento, compreensibilidade e perceptibilidade da emoção, no sentido de que esta só será relevante quando aceitável. Esta aferição deve ser avaliada em função de um padrão de homem médio, colocado nas condições do agente, com as suas características, o seu grau de cultura e formação, sem perder de vista o agente em concreto; a partir da imagem do homem médio (diligente, fiel ao direito, bom chefe de família) tentar-se-á apurar se, colocado perante o facto desencadeador da emoção, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar em que o agente se encontrava, se conseguiria ou não libertar da emoção violenta que dele se apoderou, sem esquecer que o que se pretende apurar não é se o homem médio também mataria a vítima ou se reagia em termos idênticos (o que interessa averiguar é se a emoção é ou não compreensível), mas sim se o homem médio não deixaria de ser sensível àquela situação, sem se conseguir libertar da emoção, para se compreender se é menos exigível ao agente que não mate naquelas circunstâncias. IX - Estando demonstrado que: - na génese dos factos está uma discussão mantida entre os dois filhos do recorrente e da vítima, J e M, o que era frequente e decorria do comportamento agressivo assumido pelo M, em consequência do qual se conduzia de forma a lesar a integridade física do recorrente, do irmão e de outras pessoas que com ele conviviam, comportamento condizente com sintomatologia que vinha apresentando, compatível com um quadro psicótico de provável esquizofrenia e que determinara a sua submissão a consulta médica tendo em vista tratamento psiquiátrico, que não se concretizou, apesar de haver sido requerido o seu internamento compulsivo, dado que o mesmo se ausentou, então, para a Venezuela; - na sequência da referida discussão, a vítima subiu ao primeiro andar da residência da família, com vista a pôr termo à discussão, sendo que depois, com o mesmo objectivo, o arguido também subiu àquele andar munido com um pau de 70/80 cm para com ele repreender o M; - este, porém, retirou o pau ao recorrente e com ele vibrou-lhe uma pancada na cabeça, provocando uma pequena escoriação, que não necessitou de assistência médica; - em seguida, o recorrente desceu as escadas e muniu-se da sua arma de caça de dois canos, calibre 12 mm, sendo que com ela carregada, com dois cartuchos, e destravada, voltou a subir as escadas; - ao chegar ao piso superior, encontrando-se a vítima e o filho M lado a lado, próximos um do outro, continuando aquele a fazer desacatos, numa altura em que se achava muito exaltado e nervoso devido aos factos descritos, o recorrente apontou a arma na direcção do local onde se encontravam a vítima e o M, a uma distância não superior a 8 m, tendo disparado em tal direcção, com o que atingiu a vítima; - quando aquela já se encontrava no chão, o recorrente deu mais alguns passos na direcção do M, o qual agarrou a arma que aquele trazia, acabando por apontar a mesma ao tecto da sala, produzindo outro disparo; - o recorrente ao efectuar o disparo que atingiu a vítima aceitou que do mesmo pudesse resultar a morte dela ou do filho M, tendo-se conformado com tal possibilidade; é de afastar a subsunção dos factos à norma do art. 133.º do CP, pois, embora o quadro descrito nos mostre um homem muito exaltado e nervoso, isto é, irado e excitado, devido a comportamento doentio do filho, ao homem médio (pai e marido), perante a concreta situação, era claramente exigível algum controlo sobre os sentimentos por ela desencadeados, com assunção de uma conduta diferente daquela que o recorrente protagonizou, conduta essa que, aliás, assumiu contornos de pura retaliação pela ofensa ou provocação sofrida, posto que a decisão de disparar só foi tomada, obviamente, após o recorrente se haver munido da sua arma caçadeira, o que se verificou após haver tentado pôr termo à discussão e haver sido atingido pelo filho com o pau com o qual o pretendia repreender. X - Tudo ponderado, e atenta a aplicação pela 1.ª instância do instituto da atenuação especial, há que concluir que a pena de 4 anos de prisão fixada pelas instâncias para o crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131.º do CP, não merece qualquer reparo. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 407/98, do 2º Juízo Criminal da comarca de Santa Maria da Feira, após a realização do contraditório foi proferido acórdão que condenou o arguido AA, com os sinais dos autos, como autor material, em concurso real, de um crime de homicídio simples previsto e punível pelos artigos 131º, 72º, n.º1 e 73º, n.º1, alíneas a) e b), do Código Penal, e de uma contra-ordenação prevista e punível pelos artigos 66º, do Regulamento Geral de Armas e 7º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 399/93, de 5 de Dezembro, na redacção dada pela Lei n.º 22/97, de 27 de Junho (redacção originária), na pena de 4 anos de prisão e na coima de € 375. Nos termos do artigo 109º, do Código Penal, foi declarada perdida a favor do Estado a arma apreendida ao arguido e dois invólucros da mesma. O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, visando o reexame da matéria de direito, no qual arguiu a nulidade do acórdão por haver sido condenado por factos diversos dos descritos na acusação e invocou ser incorrecta a qualificação jurídica dos factos provados e ser desajustada a dosimetria da pena, recurso que foi julgado improcedente. Inconformado, recorre agora para este Supremo Tribunal, sendo do seguinte teor a parte conclusiva da respectiva motivação: 1. Resulta dos autos que o arguido ao empunhar a arma estava dominado por um estado emotivo intenso – muito nervoso e exaltado –, uma vez que tinha sido injustamente provocado pelo seu filho BB, que o levou à prática dos ilícitos. 2. O arguido ao munir-se da arma e ao efectuar os disparos estava fortemente perturbado, humilhado, provocado e em estado de exaltação nervosa, num elevado grau de perturbação psicológica e mesmo de possível fúria, e que tudo era devido às situações descritas, designadamente porque tinha sido agredido pelo filho. 3. Na esteira do que argumenta a doutrina e a jurisprudência, o estado de exaltação e perturbação psicológica do arguido resultou do acumular de situações que geraram um conflito interior inalterável, que durava há já bastante tempo (vide pontos 2.1.3, 2.1.15 e 2.1.16 da factualidade provada), que levou ao fenómeno do transbordamento, da descarga afectiva. 4. Foi o comportamento agressivo do filho BB, com as constantes discussões e agressões perpetradas na pessoa do arguido e restantes membros do agregado familiar, que criou o tal conflito interior que o arguido não conseguiu resolver e que o levou a uma perda progressiva de forças, a um estado de emoção violenta que o dominou e o levou a empunhar a arma e a disparar na direcção onde se encontravam a esposa e o BB. 5. Face ao circunstancialismo provado, está-se perante um crime de homicídio privilegiado, levado a cabo sob o impulso de grande perturbação psicológica e fúria do arguido, que lhe diminui sensivelmente a culpa. 6. A conduta do arguido enquadra-se no artigo 133º, do Código Penal, a que corresponde a pena máxima de 5 anos de prisão, devendo ao arguido ser aplicada pena não superior a 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, considerando o circunstancialismo supra descrito que envolveu e motivou a conduta do arguido. 7. Finalmente, as verificadas circunstâncias atenuantes, elencadas na sentença, a idade do arguido, o facto de ter prestado declarações confessando os factos, terem já decorrido cerca de 7 anos, mantendo o arguido bom comportamento, mostrando-se perfeitamente inserido na comunidade local, onde goza de enorme reputação, respeito e estima, ou seja, revela uma personalidade adaptada ao dever ser ético-jurídico, ter aguardado sempre o julgamento em liberdade provisória, cumprindo sempre as obrigações que lhe foram impostas, determinavam a atenuação especial da pena, ao abrigo do disposto no artigo 72º, do Código Penal, entendendo-se como excessiva a pena aplicada que deve fixar-se em 3 anos de prisão. 8. Esta pena, tendo em conta as circunstâncias enumeradas que depõem a favor do arguido e que permitem formar um juízo de prognose favorável à sua adequação à ilicitude jurídico-criminal, fazendo a ameaça da execução da pena aliada à simples censura do facto uma adequada e suficiente cautela das finalidades da punição, deve ser suspensa na sua execução. 9. O douto acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação dos artigos 40º, 48º, 72º, 73º, 131º e 133º, do Código Penal. Com tais fundamentos, no provimento do recurso, pretende se revogue o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, fixando-se a pena em 3 anos de prisão suspensa na sua execução. O recurso foi admitido. Na contra-motivação apresentada o Ministério Público formulou as seguintes conclusões: O acórdão recorrido está devidamente fundamentado, não merecendo qualquer reparo, quer quanto à subsunção jurídica efectuada, quer quanto à determinação da medida da pena concretamente aplicada ao recorrente. Com efeito, por um lado, a factualidade provada não é susceptível de ser integrada pela norma contida no artigo 133º, do Código Penal; e, Por outro, na escolha e determinação da pena foram adoptados os critérios legalmente estabelecidos nos artigos 71º e 72º, do Código Penal, ou seja, foi levado em linha de conta a moldura penal prevista na norma infringida, o grau de ilicitude do facto e de culpa do agente, as exigências de prevenção, geral e especial, bem como todo o circunstancialismo que, de forma acentuada, é susceptível de diminuir a culpa do agente. O Exm.º Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, no seu sucinto parecer, consignou que o recurso não merece provimento. O recorrente não respondeu. Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir. São duas as questões que o recorrente submete à apreciação e julgamento deste Supremo Tribunal, quais sejam a da qualificação jurídica dos factos provados e a da determinação da pena. É do seguinte teor a decisão proferida sobre a matéria de facto (factos provados) (1): «7-1 O arguido e a CC eram casados um com o outro desde o dia 13/7/1957. 7-2 Desse casamento nasceram dois filhos, o DD e BB, os quais à data o factos viviam com os pais. 7-3 Entre os dois irmãos eram frequentes as discussões, sendo que a responsabilidade pelas mesmas eram atribuídas pelo arguido ao BB. 7-4 No dia 20 de Dezembro de 1998, cerca das 18 horas, no interior da residência do arguido e da família, sita no Lugar de 00000, nº 00, em ----, o DD e o BB travaram-se de razões por motivos não concretamente apurados. 7-5 Nessa altura a CC, mãe de ambos, subiu as escadas da residência e dirigiu-se ao primeiro andar da mesma casa, com vista a pôr termo à discussão que aí decorria entre os dois irmãos e durante a qual o BB já tinha partido alguns objectos que ali se encontravam. 7-6 Pouco tempo depois, e com o mesmo desiderato, subiu também o arguido munido de um pau com cerca de 70/80 cm com vista a repreender o BB; porém, usando da força, o BB retirou-lhe o referido pau, desferindo-lhe, de seguida, com ele um golpe na cabeça, provocando-lhe uma pequena escoriação, que não necessitou, todavia, de assistência médica (esta parte factual a negritos foi acrescentada após a produção de prova deste último julgamento). 7-7 Nessa altura, o arguido desceu as escadas e muniu-se da sua arma de caça, de dois canos paralelos, marca “Amadeo Rossi S.A.”, com o nº R-62891, com a inscrição “Made in Brasil 12 Gauge 3”, calibre 12 mm, canos pretos e coronha em madeira de cor castanha, melhor descrita e examinada a fls. 162; 7-8 De seguida, com a referida arma, já destravada e devidamente carregada com dois cartuchos – os quais se encontravam já introduzidos na mesma quando nela então pegou - , o arguido voltou a subir as escadas. 7-9 Nesse momento o BB e a CC encontravam-se os dois lado a lado e próximos um do outro na sala que dá acesso aos quartos, sendo que o BB continuava os desacatos e no interior de um dos quartos se encontrava o AA. 7-10 Depois de subir as escadas e aceder à referida sala, e numa altura em que se encontrava muito exaltado e nervoso devido devidos aos factos atrás descritos, o arguido apontou a arma, que empunhava com a mão direita, na direcção onde se encontravam o BB e a CC – na posição referida no ponto anterior e a uma distância não superior a 8 metros – tendo disparado em tal direcção (esta parte factual a negritos foi acrescentada após a produção de prova deste último julgamento). 7-11 Com tal disparo veio a atingir a CC diante para trás e latero-medialmente, na zona do pescoço e do tórax, a qual caiu de imediato, tendo sofrido as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 137 a 152, designadamente lesões traumáticas do pescoço e torácicas associadas a choque hipovolémico que surgiu como complicação, as quais foram causa directa e necessária da sua morte. 7-12 Quando a vítima já se encontrava no chão, o arguido deu mais alguns passos na direcção do BB; este, nesse momento, agarrou a arma que o arguido trazia consigo acabando por a apontar ao tecto da sala, surgindo nessa ocasião um outro disparo cujos vagos de chumbo embateram, na sua maioria, no referido tecto. 7-13 A arma de caça em causa pertencia ao arguido, que a havia adquirido na Venezuela, sendo certo que a mesma não se encontrava manifestada nem registada, nem o arguido, à data, era possuidor de licença de uso, porte ou detenção de arma de caça, isto apesar de saber que tais documentos eram obrigatórios. 7-1 4 O arguido ao efectuar o primeiro disparo acima referido – na direcção do seu filho BB e da sua esposa CC, que se encontravam lado a lado e a uma distância não superior a 8 metros – aceitou que do mesmo pudesse resultar a morte de qualquer daquelas pessoas e conformou-se com tal possibilidade; agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punida. 7-15 Eram frequentes as discussões entre os filhos do casal motivadas pelo comportamento do BB, o qual vinha apresentando sintomatologia compatível com um quadro psicótico de provável esquizofrenia paranoide, assumindo comportamento agressivo e condutas lesivas da integridade física do arguido seu pai, irmão e outras pessoas que com ele conviviam. 7-16 O BB chegou a ir a uma consulta médica para iniciar tratamento médico psiquiátrico mas rejeitou tal tratamento; por via disso, pelo MºPº junto do tribunal desta comarca, em Junho de 2000, foi requerido o seu internamento compulsivo, o qual não se chegou a concretizar devido ao facto de aquele se ter ausentado para a Venezuela; 7-17 O arguido nutria respeito e amor pela sua esposa; sentiu-se e sente-se abalado com o acontecido e denotou arrependimento pela sua conduta; é tido como uma pessoa séria e considerada por amigos, vizinhos e familiares; vive com o filho DD em comunhão de mesa e habitação; tem a profissão de supervisor da construção civil, no que aufere cerca de esc. 100 a 120.000$00 mensais (na altura em que estes factos foram dados como assentes pelo 1º acordão acima referida ainda não se encontrava em vigor, como moeda oficial, o euro) e não tem qualquer condenação criminal anterior. Qualificação Jurídica dos Factos Alega o recorrente que os factos provados, designadamente na parte em que se considerou encontrar-se muito nervoso e exaltado, face à injusta provocação de seu filho BB, devem conduzir a que o comportamento por si assumido, com o qual causou a morte de sua mulher, seja subsumido à norma do artigo 133º, do Código Penal – homicídio privilegiado –, tanto mais que não é elemento constitutivo daquele ilícito típico a proporcionalidade entre o facto que desencadeia a emoção e o facto provocado, nem é exigível que o fenómeno determinador da emoção seja causado pela vítima. Decidindo, dir-se-á. Ao crime de homicídio privilegiado, facto típico introduzido no nosso ordenamento jurídico-penal com o Código de 1982, subjazem, como resulta do próprio texto legal (2 ),considerações atinentesá culpa que como refere figueiredo Dias(3) se situam ao nível da exigibilidade. É, pois, a especial diminuição da culpa, em resultado de exigibilidade diminuída, que justifica e fundamenta o crime do artigo 133º (4 ). No caso vertente é com base em eventual compreensível emoção violenta – primeira parte do artigo 133º – que o recorrente entende dever censurado pelo referido crime. Analisando este elemento privilegiador do homicídio, começar-se-á por assinalar que ele consiste na ocorrência de um estado de alteração ou de perturbação emocional, que Figueiredo Dias dogmaticamente apelida de estado de afecto (5), estado este que condiciona as faculdades e capacidades do agente, designadamente a sua capacidade de escolha e de determinação. O agente, face a uma alteração do seu estado psicológico, resultante de um forte abalo emocional provocado por uma situação pela qual não pode ser censurado e à qual o homem normalmente “fiel ao direito” não deixaria de ser sensível (6) , conquanto mantenha a imputabilidade, vê limitada ou comprometida a capacidade de controlo dos seus actos, sendo empurrado ou conduzido para o crime. Assim se estabelece e se exige uma relação de causalidade entre o crime e a emoção (7), a que Eduardo Correia no seio da Comissão Revisora do Código Penal, a propósito da redacção dada ao artigo 139º do Anteprojecto (8), chamou de conexão entre a emoção e o crime. Conexão que, conquanto não implique, em princípio, que a vítima seja pessoa estranha ao desencadeamento da emoção, consabido que o que está na base do ilícito típico não é a provocação da vítima, mas sim a diminuição da culpa do agente, impõe uma especial atenção e um especial cuidado no exame e análise do facto, tendo em vista a averiguação da ocorrência, em concreto, de uma diminuição sensível da culpa (9). Culpa que só deverá ter-se por sensivelmente diminuída quando o agente, devido ao seu estado emocional, seja colocado numa situação de exigibilidade diminuída, ou seja, quando actue dominado por aquele estado, isto é, seja levado a matar, no sentido de que não lhe era exigível, suposta a sua fidelidade ao direito, que agisse de maneira diferente, que assumisse outro comportamento. Melhor analisando o requisito da compreensibilidade da emoção, dir-se-á que o mesmo consiste no entendimento, compreensibilidade e perceptibilidade da emoção, no sentido de que a emoção só será relevante quando aceitável (10), cuja aferição deve ser avaliada em função de um padrão de homem médio, colocado nas condições do agente, com as suas características, o seu grau de cultura e formação, sem perder de vista o agente em concreto; a partir da imagem do homem médio (diligente, fiel ao direito, bom chefe de família) tentar-se-á apurar se, colocado perante o facto desencadeador da emoção, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar em que o agente se encontrava, se conseguiria ou não libertar da emoção violenta que dele se apoderou (11 ), sem esquecer que o que se pretende apurar não é se o homem médio também mataria a vítima ou se reagia em termos idênticos (o que interessa averiguar é se a emoção é ou não compreensível), mas sim se o homem médio não deixaria de ser sensível àquela situação, sem se conseguir libertar da emoção, para se compreender se é menos exigível ao agente que não mate naquelas circunstâncias. Apreciando o quadro factual apurado em sede de audiência verifica-se que na génese dos factos está uma discussão mantida entre os dois filhos do recorrente e da vítima, DD e BB, o que era frequente e decorria do comportamento agressivo assumido pelo BB, em consequência do qual se conduzia de forma a lesar a integridade física do recorrente, do irmão e de outras pessoas que com ele conviviam, comportamento condizente com sintomatologia que vinha apresentado, compatível com um quadro psicótico de provável esquizofrenia e que determinara a sua submissão a consulta médica tendo em vista tratamento psiquiátrico, que não se concretizou, apesar de haver sido requerido o seu internamento compulsivo, dado que o mesmo se ausentou, então, para a Venezuela. Na sequência da referida discussão, certo é que a vítima subiu ao primeiro andar da residência da família, com vista a pôr termo à discussão, sendo que pouco depois, com o mesmo objectivo, o arguido também subiu àquele andar munido com um pau de 70/80 centímetros para com ele repreender o BB. Este, porém, retirou o pau ao arguido e com ele vibrou naquele uma pancada na cabeça, provocando uma pequena escoriação, que não necessitou de assistência médica. Em seguida, o arguido desceu as escadas e muniu-se da sua arma de caça de dois canos, calibre 12 mm, sendo que com ela carregada, com dois cartuchos, e destravada, voltou a subir as escadas. Ao chegar ao piso superior, encontrando-se a vítima e o filho BB lado a lado, próximos um do outro, continuando aquele a fazer desacatos, numa altura em que se achava muito exaltado e nervoso devido aos factos descritos, empunhou a arma na direcção do local onde se encontravam a vítima e o BB, a uma distância não superior a oito metros, tendo disparado em tal direcção, com o que atingiu a vítima. Quando aquela já se encontrava no chão, o arguido deu mais alguns passos na direcção do BB, o qual agarrou a arma que o arguido trazia, acabando por apontar a mesma ao tecto da sala, produzindo-se então outro disparo. O arguido ao efectuar o disparo que atingiu a vítima aceitou que do mesmo pudesse resultar a morte dela ou do filho BB, tendo-se conformado com tal possibilidade. Como atrás se deixou consignado, o crime de homicídio privilegiado tem por fundamento uma diminuição sensível da culpa, ao nível da exigibilidade, que tanto pode decorrer de uma situação de compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social. Decorrendo o crime de alteração do estado psicológico do agente, só se pode e deve ter por verificado o privilegiamento, em virtude de emoção violenta, quando esta seja compreensível, ou seja, quando o agente, visto pelo padrão do homem médio, não se consegue libertar da emoção, sendo devido a essa emoção levado a matar, não sendo exigível, suposta a sua fidelidade ao direito, comportamento distinto. Ora, se é certo que o quadro factual acabado de descrever nos apresenta um homem muito exaltado e nervoso, isto é, irado e excitado, devido a comportamento doentio do filho, menos certo não é que, ao homem médio (pai e marido), perante a concreta situação ocorrente, é claramente exigível algum controlo sobre os sentimentos por ela desencadeados, com assunção de uma conduta diferente daquela que o arguido protagonizou, conduta esta que, aliás, assume contornos de pura retaliação pela ofensa ou provocação sofrida, posto que a decisão de disparar só foi tomada, obviamente, após o arguido se haver munido da sua arma caçadeira, o que se verificou após haver tentado pôr termo à discussão e haver sido atingido pelo filho com o pau com o qual o pretendia repreender. Sendo exigível ao arguido comportamento diverso é evidente que bem andaram as instâncias ao afastarem a subsunção dos factos à norma do artigo 133º, do Código Penal, razão pela qual o recurso terá de improceder nesta parte. Determinação da Pena Entende o recorrente que as circunstâncias concretamente ocorrentes, designadamente o ter confessado os factos, ter mantido bom comportamento, mostrar-se perfeitamente inserido na comunidade onde vive e ali gozar de enorme reputação, respeito e estima, o que revela uma personalidade adaptada ao dever ser ético-jurídico, ter aguardado o julgamento em liberdade provisória cumprindo sempre as obrigações que lhe foram impostas e terem decorrido sete anos sobre os factos, circunstâncias que determinaram a atenuação especial da pena, impõem a fixação daquela nos 3 anos de prisão, com suspensão da sua execução, face ao juízo de prognose favorável que deve ser formulado. Apreciando, dir-se-á. Observação prévia a fazer é a de que a competência deste Supremo Tribunal em matéria de controlo e de fiscalização da pena não é ilimitada. Com efeito, no recurso de revista pode sindicar-se a decisão proferida sobre a determinação da sanção, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada (12). Certo é que a determinação da medida concreta da pena faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no artigo 71º, do Código Penal, tendo em vista as finalidades das respostas punitivas em sede de Direito Penal, quais sejam a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40º, n.º1, do Código Penal –, sem esquecer, obviamente, que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena – artigo 40º, n.º 2. Efectivamente, a partir da revisão operada em 1995 ao Código Penal, a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995 (13) Como refere Anabela Rodrigues, (14), o artigo 40º, do Código Penal, após a revisão de 1995, condensa em três proposições fundamentais um programa político-criminal – a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena, de onde resulta que: «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas» (15). Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa ,(16) elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra (17). Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. Há que ter em atenção, porém, que aquilo que é “merecido” não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral (18) No caso vertente estamos perante um crime de homicídio – artigo 131º, do Código Penal –, facto típico que tutela a vida humana, bem jurídico inviolável – artigo 24º, da Constituição da República Portuguesa. Ao crime, atenta a aplicação pela 1ª instância do instituto da atenuação especial, cabe a pena de prisão de 1 ano e 8 meses a 10 anos e 8 meses. Como atrás ficou consignado, a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização. A esta luz, tendo em vista todas as circunstâncias ocorrentes e atendendo aos poderes de cognição deste Supremo Tribunal, há que concluir que a pena de 4 anos de prisão fixada pelas instâncias se situa dentro das sub-molduras referidas, não merecendo, por isso, qualquer reparo. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente – 6 UCs de taxa de justiça. 01-03-2006 Proc. n.º 3789/05 - 3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) João Bernardo Pires Salpico Henriques Gaspar _______________________________________________ 1 - O texto que a seguir se transcreve corresponde ipsis verbis ao do acórdão proferido pelo tribunal colectivo.) 2- É do seguinte teor o artigo 133º, do Código Penal: «Quem matar outra pessoa dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos».), 3 - Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 47. 4- O menor grau de culpa do agente advém, como adiante melhor se verá, do facto de o seu comportamento ser ofuscado e comandado pelo seu estado de espírito alterado, pela afectação do seu entender e querer. 5 - ibidem. 6- Como diz Figueiredo Dias, ibidem, 51, mostrando-se concordante com alguma jurisprudência deste Supremo Tribunal, a compreensibilidade não prescinde de um mínimo de gravidade ou peso da emoção que estorva o cumprimento das intenções normais do agente, devendo ser determinada por facto que lhe não seja imputável; asserção esta não totalmente coincidente com a que consignou no parecer publicado na CJ, XII, 4, 51/55, segundo a qual: «…na valoração da situação psíquica que leva o agente ao crime –, o que interessa é “compreender” esse mesmo estado psíquico, no contexto em que se verificou, a fim de se poder simultaneamente “compreender” a personalidade do agente manifestada no facto criminoso e, assim, efectuar sobre a mesma o juízo de (des)valor que afinal constitui o juízo de culpa. A compreensibilidade da emoção é mais, assim, o estabelecer de uma relação não desvaliosa entre os factos que provocaram a emoção e essa mesma emoção. Se essa relação for estabelecida, a emoção é compreensível e provoca, portanto, uma diminuição da culpa do agente».) 7 - Cf. Amadeu Ferreira, Homicídio Privilegiado (1991), 97, o qual defende que o crime terá de ser perpetrado durante o estado emocional, devendo este ser o elementos decisivo para levar o agente ao crime. 8 - É do seguinte teor o texto do artigo 139º, do Anteprojecto da Parte Especial do Código Penal: 9 - Neste sentido Figueiredo Dias, ibidem, 52. 10 - Aceitabilidade que se refere apenas à emoção e não ao facto de matar – cf. Fernando Silva, Direito Penal Especial – Crimes Contra as Pessoas (2005), 91. 11 - Neste sentido Curado Neves, “O homicídio privilegiado na doutrina e na jurisprudência do STJ”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 11, 2001, 181, Sousa e Brito, Direito Penal (AAFDL-1984), II, 64 e Fernando Silva, ibidem, 94 Em sentido semelhante os acórdãos deste Supremo Tribunal de 98.11.24 e de 00.03.29, proferidos nos processos n.ºs 645/98 e 27/00.) 12 - Neste sentido Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 197, bem como os acórdãos deste Supremo Tribunal de 02.04.18, 02.05.09 e 04.03.04, publicados na CJ (STJ), X, II, 179 e 193 e XII, I, 220.). 13 - Vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111.). 14 - Problemas fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin (2002), “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, 177/208, estudo também publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182. 15 - Em sentido concordante, mas não totalmente coincidente, de jure constituto, veja-se Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena”, Liber Discipulorum Para Jorge Figueiredo Dias (2003), 317/329, que considera a prevenção, geral e especial, o fundamento legitimador da aplicação da pena, desempenhando a culpa do infractor, apenas, o (importante) papel de pressuposto e de limite máximo da pena a aplicar, por maiores que sejam, as exigências sociais de prevenção, e entende ser correcta a afirmação de que está subjacente ao artigo 40º, do Código Penal, uma concepção preventivo-ética da pena: preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência de culpa, no entanto, acaba por defender, de forma aparentemente contraditória ou, no mínimo, dificilmente compatível, que o actual Código Penal, apesar do artigo 40º, não se opõe a uma concepção ético-preventiva da pena semelhante à que é defendida pela “teoria da margem da liberdade”, isto é, a uma concepção em que a prevenção é a finalidade legitimadora da pena, mas em que a culpa também desempenharia uma função na determinação da medida da pena, não sendo exclusivamente seu pressuposto e seu limite máximo. Também este Supremo Tribunal se orienta em sentido concordante ao assumir que a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização – entre outros, acórdãos de 97.09.17 e de 02.04.18, o primeiro proferido no processo n.º 624/97 e o segundo publicado na CJ (STJ), X, II, 178. Em sentido discordante veja-se Sousa Brito, “Os fins das penas no Código Penal”, Problemas Fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin, 155/175, o qual entende que a retribuição da culpa continua a ser uma das finalidades da pena, constituindo a determinação da medida da culpa dentro da medida legal da pena o primeiro passo obrigatório da medida judicial da pena, defendendo, ainda, que a prevenção especial tem primazia sobre a prevenção geral, designadamente em matéria de determinação da medida judicial da pena. 16 - O mínimo da pena, como já ficou dito, segundo Figueiredo Dias, é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Em sentido coincidente pronuncia-se Anabela Rodrigues, ibidem, 178/179, bem como Taipa de Carvalho, ibidem, 328, ao defender que o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena não detentiva) nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral.) 17 - Cf. Figueiredo Dias, ibidem, 105/106.). 18 - - Vide Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.. |