Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2736/19.3T8FAR.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ATROPELAMENTO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PRINCÍPIO DO PEDIDO
Data do Acordão: 05/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
Sumário :

I – É equitativa a atribuição da compensação no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) por danos não patrimoniais, nos termos do artigo 496º, nº 1, do Código Civil, ao A./lesado, de 72 anos de idade, que ao travessar na passadeira destinada aos peões foi colhido por uma viatura automóvel, sendo violentamente projectado no solo e sofrendo luxação do ombro direito, e que, em consequência das sequelas decorrentes das lesões sofridas, registou Défice Funcional Temporário Total de 19 dias; Défice Funcional Temporário Parcial de 948 dias; Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 930 dias; Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial de 37 dias; Quantum Doloris no grau 5/7; um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 20 pontos em 100 (plexopatia braquial direita); Dano Estético Permanente no grau 3/7; e que, neste contexto, deixou de poder utilizar a mão direita para as mais elementares tarefas do dia a dia (escrever, comer, apertar os botões da camisa, apertar e desapertar as calças, lavar dos dentes, pentear-se, manusear o telemóvel ou o comando da televisão), necessitando da ajuda de terceiros para a realização das tarefas diárias básicas, o que acontecerá durante o resto da sua vida; de poder pescar ou caçar, conduzir o seu barco e frequentar actividades associativas e partidárias que antes desenvolvia com habitualidade e prazer; sentindo-se por tudo isto deprimido e muito triste, sem gosto e interesse pela vida, impotente e revoltado, com pesadelos e desânimo constantes, quando antes do atropelamento era uma pessoa activa e dinâmica.

Decisão Texto Integral:

Revista nº 2736/19.3T8FAR.E1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível):

I – Relatório.

Instaurou AA acção declarativa de condenação com forma de processo comum contra Seguradoras Unidas, SA.

Essencialmente alegou que foi vítima de um acidente de viação, enquanto peão que foi atropelado, quando seguia na passadeira, pelo condutor de um veículo automóvel cuja responsabilidade civil foi transferida por contrato de seguro para Ré, tendo sofrido ferimentos que lhe provocaram danos patrimoniais e morais.

Conclui peticionando a condenação da R., discriminando para o efeito as verbas indemnizatórias que entendeu serem devidas.

Contestou a R. impugnando a versão alegada do acidente de viação, por desconhecimento, impugnando igualmente os danos invocados e o montante dos pedidos.

Foi proferida em 1ª instância sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré Seguradoras Unidas, SA a pagar ao Autor AA a quantia de total de € 168.804,80, sendo € 17.904,80 por danos emergentes, € 53.900,00 por lucros cessantes, € 22.000,00 por dano futuro e € 75.000,00 por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde o dia seguinte à data da prolação da sentença até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, com exceção do valor pelos danos emergentes no valor de € 17.904,80, cujos juros de mora são devidos desde a citação, absolvendo-a do demais peticionado.

Foi interposto pela Ré recurso de apelação.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11 de Janeiro de 2024 foi a apelação julgada parcialmente procedente nos seguintes termos:

“(…)revogar a decisão recorrida relativamente à condenação nos montantes de €53.900 por lucros cessantes e de €75.000 por danos não patrimoniais, condenando-se a R a pagar ao A a quantia de €43.120 (quarenta e três mil cento e vinte euros) por lucros cessantes e a quantia de €40 000 (quarenta mil euros) por danos de natureza não patrimonial, mantendo-se, quanto ao mais, o decidido em 1.ª Instância..

Veio o A. interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:

(i) Não pode o aqui Recorrente aceitar o juízo equitativo formulado pelo tribunal recorrido, quando veio a fixar em € 43.100,00 (quarenta e três mil e cem euros) o montante indemnizatório devido pelas consequências patrimoniais da afetação da capacidade geral ou funcional de trabalho (em vez do montante de € 53.900,00 (cinquenta e três mil e novecentos euros) atribuído pelo tribunal de primeira instância);

(ii) Em face da factualidade considerada provada, a única forma de tornar indemne o Autor, será quantificar o dano patrimonial futuro por este sofrido, relativamente a cada uma das suas atividades profissionais (mecânico de precisão e empresário do ramo automóvel), somando os respetivos resultados e aplicando um juízo de equidade que a situação concreta impõe;

(iii) Nessa decorrência, deve o tribunal ad quem, considerar que o juízo equitativo formulado pelo tribunal recorrido, na fixação do montante indemnizatório devido pelas consequências patrimoniais decorrentes da afetação da capacidade geral ou funcional do sinistrado, apresenta uma falha na ponderação dos contornos do caso concreto e, consequentemente, deve revogar o mesmo, repristinando, em sua substituição, o valor da indemnização que veio a ser atribuído pelo tribunal de primeira instância;

(iv) Por outro lado, o Recorrente também não poderá aceitar o valor da indemnização concedida a título do dano não patrimonial e que veio a ser fixada pelo tribunal recorrido em € 40.000,00 (quarenta mil euros);

(v) Na verdade, considerando toda a factualidade julgada provada, ponderando os parâmetros elencados nesta instância recursiva, incluindo os da jurisprudência, e dando especial enfoque aos danos e às dores físicas, à gravidade das lesões e à sua complexidade, ao prejuízo de afirmação pessoal, ao dano estético, à dependência e ao sofrimento vivenciado desde o acidente, as sequelas e limitações que padece, a perda da alegria de viver e ao dano de afirmação pessoal, entende o Recorrente que o valor fixado a esse título pelo tribunal de primeira instância é o mais adequado à situação concreta pelo que, deverá o tribunal ad quem, fixar definitivamente este dano nos € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros);

(vi) Estando em causa critérios de equidade, as indemnizações arbitradas pelo tribunal de primeira instância apenas deverão ser alteradas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida, o que não sucede de todo com o caso sub judice;

(vii) Por outro lado, os valores indemnizatórios devem ter carácter significativo, não podendo assumir uma feição meramente simbólica;

(viii) Comparando as indemnizações fixadas pelo tribunal de primeira instância e aquelas que vieram a ser atribuídas pelo tribunal da Relação, não consegue o Autor perceber em que medida é que a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância afronta manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida;

(ix) Os critérios utilizados pelo tribunal recorrido afastam-se, de modo substancial e injustificado, das regras uniformizadas, ferindo a segurança que devia presidir à aplicação do direito, constituindo, por esse facto e em última análise, uma violação do princípio da igualdade previsto no n.º 1 do art. 13.º da CRP e n.º 3, do art. 8.º do CC.

(x) A decisão em crise, constitui uma violação do disposto nos artigos 8.º, 494.º, 496.º, 562.º, 564.º e 566.º, n.º 2 do Código Civil e 13.º da CRP.

Contra-alegou a seguradora Ré pugnado pela manutenção do decidido em 2ª instância.

II – FACTOS PROVADOS.

Foi dado como provado:

1) No dia 9 de Março de 2018, pelas 08.00 horas, na Estrada ..., na freguesia da União das freguesias da ..., concelho de ..., no sentido sul - norte, à velocidade de 60 km horários, circulava o veículo ligeiro de passageiros, de marca Toyota, modelo Celica, de matrícula QT-..-.., propriedade de BB e conduzido por CC com o conhecimento e autorização da sua proprietária.

2) Quando o veículo de matrícula QT-..-.. se encontrava a cerca de 20/30 metros de uma passadeira para peões existente sensivelmente em frente ao prédio com o número 180 de polícia, a sua condutora, porque circulava desatenta ao trânsito que se processava naquela via aquela hora, seja ele pedonal ou automóvel, não se apercebeu que o Autor AA se encontrava a proceder à travessia da faixa de rodagem, da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha seguido pelo veículo, utilizando, para esse efeito, a sobredita passadeira para peões.

3) A condutora do veículo de matrícula QT-..-.., quando avistou o peão ainda travou mas a estrada estava molhada em consequência da chuva intensa que se fazia sentir e o veículo derrapou.

4) Por sua vez, o Autor ao se aperceber que o veículo automóvel estava descontrolado, ainda conseguiu desviar-se ligeiramente, contudo, não conseguiu evitar que o veículo automóvel lhe viesse a embater no seu braço direito, provocando a sua projeção e queda, tendo o peão ficado prostrado a ocupar parcialmente a faixa de rodagem

5) O mencionado atropelamento ocorreu numa faixa de rodagem de traçado reto, de piso betuminoso, sendo constituída por dois corredores de circulação, cada um afeto ao seu sentido de marcha.

6) Após ter sido colhido pelo veículo de matrícula QT-..-.., o corpo do Autor ainda veio a cair, de forma totalmente desamparada, no pavimento da Estrada ..., tendo sido nesse local que o Autor permaneceu, com um quadro álgico relevante, até ser encaminhado para a entrada do prédio com o número 180 de polícia, em face da chuva intensa que se fazia sentir, local esse onde permaneceu até ser socorrido pelo INEM.

7) O Autor foi transportado pelo INEM para o Centro Hospitalar Universitário ..., tendo dado entrada nas urgências dessa unidade hospitalar.

8) Efetuou um RX, o qual revelou que o Autor apresentava uma luxação do ombro direito.

9) Após realizar uma redução incruenta, o Autor veio a realizar um novo RX ao ombro, tendo recebido alta hospitalar nesse mesmo dia com indicação de imobilização braquial e medicação analgésica para as dores (Brufen e Ben-u-ron).

10) Como as dores não diminuíram e como o Autor começou a perder alguma sensibilidade na mão direita, este voltou à urgência dessa unidade hospitalar no final desse mesmo dia, episódio de urgência esse que ficou registado sob o número ......71.

11) Voltou a efetuar dois RX ao seu ombro direito, tendo-lhe sido administrada 10 mg de metociopramida,100 mg de Tramadol e 2000 mg de Metamizol magnésio.

12) Alguma dessa medicação foi tomada por injeção intravenosa.

13) Voltou a ter alta hospitalar pelas 22:30 horas desse dia 9 de Março.

14) O quadro álgico voltou a agudizar-se no dia seguinte, provocando a impotência funcional do seu membro superior direito.

15) Sendo que o Autor voltou a recorrer à urgência do Centro Hospitalar Universitário ..., quando seriam 22.15 horas do dia 10 de março – vide episódio de urgência com o número ......35.

16) Na triagem de Manchester efetuada, foi atribuída uma prioridade laranja (muito urgente), tendo sido identificada uma dor severa, a qual foi quantificada num grau 8, numa escala crescente 0/10 e voltou a fazer vários exames radiológicos e múltiplas análises.

17) Vieram-lhe a ser administrados mais medicamentos (Carvedilol, Insulina humana, Diazepam, Petidina, Tramadol, Metoclapramida, Metamizol magnésico e Cetrolac), sendo que alguns o foram através de soro.

18) Foi observado por Medicina Geral e Familiar e Ortopedia e teve alta hospitalar apenas no dia seguinte, por volta da hora do almoço.

19) A medicação para as dores foi alterada passando o Autor a tomar Tridural e Metoclapramida.

20) O seu corpo tinha sinais de derrames de sangue desde o ombro direito até ao umbigo.

21) Não conseguia mexer o ombro e o braço direito.

22) Não conseguia cuidar da sua higiene pessoal e não conseguia vestir-se ou calçar-se, são conseguia alimentar-se sem ajuda.

23) Como a sua situação não melhorava, o Autor, no passado dia 15 de Março de 2018, recorreu aos serviços do Sr. Dr. DD, médico no Hospital 1, tendo realizado um novo RX.

24) Receitou-lhe ainda a realização de um eletromiograma (EMG) ao seu membro superior direito.

25) Pese embora o Autor tomasse abundasse medicação analgésica, o certo é que, o quadro de dor, se mantinha e até se exponenciava em alguns momentos do dia, tornando-se praticamente impossível ao Autor aguentar as mesmas.

26) O Autor, no passado dia 24 de Março de 2018, voltou a recorrer à urgência do Centro Hospitalar Universitário ... porque o seu braço e mão direita estavam muito inchados, não tinha sensibilidade nesse membro e não conseguia mexer nem o pulso, nem os dedos.

27) Voltou a fazer um RX, com incidência no ombro, tórax, cotovelo e antebraço.

28) Foi novamente à consulta do Sr. Dr. DD no dia 10 de Abril de 2018 – tendo retirado a imobilização do braço e iniciado sessões de MFR.

29) Foi-lhe receitado a realização de uma EMG e, de acordo com a eventual evolução clínica, eventual ecografia e ressonância magnética.

30) A 12 de abril de 2018, o Autor foi contactado pela Ré para no dia seguinte deslocar-se à Clínica... em ..., para ser observado pelo Sr. Dr. EE.

31) O Autor compareceu a essa consulta, tendo o Sr. Dr. EE, após examinar o seu ombro e braço, entendeu que deveria ser realizada uma eletromiografia (EMG) ao ombro.

32) Deslocou-se novamente à consulta médica agendada na Clínica ..., no passado dia 27 de Abril de 2018.

33) No dia 15 de Maio de 2018 realizou a eletromiografia no Hospital 2, em ..., tendo esse exame identificado uma “…severa lesão do plexo braquial direito, ao nível da clavícula.

34) No dia 16 de Maio de 2018 voltou ao Hospital 2 em ... para ser observado em consulta do Sr. Dr. FF, especialista em cirurgia plástica reconstitutiva, consulta essa que repetiu no dia 6 de Junho de 2018.

35) No dia 8 de Junho de 2018 realizou novos exames radiológicos e novas análises clínicas no Hospital 2 e voltou a ir à consulta do Sr. Dr. FF.

36) Foi orientado para tratamento cirúrgico no Hospital 2 que veio a realizar no passado dia 17 de Junho de 2018.

37) Onde, sob anestesia geral e com utilização de material de microcirurgia e meios óticos de aumento, se procedeu ao nível da região supraclavicular direita a:

- Exploração supra e retroclavicular do plexo braquial direito, constatando-se intensa fibrose em torno de todo o plexo braquial;

- Neurólise intra e extraneural de todo o plexo braquial, bem como dos seus ramos colaterais e terminais;

- Constatou-se a integridade anatómica e resposta à neuroestimulação destes elementos nervosos;

- Hemostase cuidadosa;

- Aplicação de cola de fibrina em torno das estruturas nervosas; - Encerramento das feridas operatórias por planos;

- Penso, tal como resulta de fls. 68-vº, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

38) Fez tratamentos de fisioterapia em número não concretamente apurado e teve diversas consultas de acompanhamento.

39) Voltou a realizar uma eletromiografia no dia 20 de Dezembro de 2018 – documento 28 – a qual concluiu, entre outras, que “…os músculos dependentes do cordão medial do plexo braquial…” são “…os mais afetados…”, tendo-se detetado “…apenas uma unidade motora.” tal como resulta de fls. 69-vº e 70, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

40) Continuou a realizar sessões de fisioterapia, sempre sob a orientação terapêutica do Sr. Dr. FF.

41) E orientação funcional do médico fisiatra Dr. GG, no Hospital Particular ....

42) Comparativamente a Setembro de 2018, o Autor evoluiu favoravelmente apresentando força muscular no ombro de grau 1 abdutores =>2+, grau 3 em extensores e flexores, grau 4 adutores, no cotovelo flexores grau 3 => 4 e extensores grau 3 => 4, no punho flexores e extensores grau 2, nos dedos extensores grau 2 e flexores mas apresentava ainda complicação tardia de encurtamento dos grupos flexores dos dedos da mão à direita com anquilose das interfalângicas proximais concluindo-se por plexopatia braquial incompleta, com potencial de reabilitação requerendo período longo de reabilitação, sugerindo-se manter plano de MFR por mais seis meses (e enquanto houver ganhos funcionais) com terapia funcional / terapia da mão, tendo como objetivo (i) o aumento das amplitudes de movimento, força e controlo motor, (ii) a estimulação elétrica de pontos motores, (iii) treino de destreza e (iv) execução das atividades de vida diária e a realização de nova eletromiografia tal como resulta de fls. 71, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

43) Em consequência do embate, o Autor:

I) Sofreu traumatismos com dor no ombro, braço e mão direitos e apresenta: II) No membro superior direito - cicatriz operatória antero e infra clavicular direita com 12 cm; amiotrofia escapular e braquial (2 cm) e antebraço (1 cm), limitação da mobilidade do ombro (abdução de 70º flexão palamar de 30º do punho com dorsiflexão do punho de 60º e mão neuropática (plexopatia do plexo braquial com força muscular grau IV);

III) Consolidação das lesões em 30 de Outubro de 2020;

IV) Défice Funcional Temporário Total de 19 dias; V) Défice Funcional Temporário Parcial de 948 dias;

VI) Uma Repercussão Temporária na atividade Profissional Total de 930 dias;

VII) Uma Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial de 37 dias;

VIII) um Quantum Doloris no grau 5/7;

IX) um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 20 pontos em 100 (plexopatia braquial direita);

X) Dano Estético Permanente no grau 3/7;

XI) Em termos de Repercussão Permanente na atividade Profissional, as sequelas são compatíveis com a atividade de empresário no ramo automóvel embora com esforços acrescidos, mas não são compatíveis com a sua atividade de mecânico de precisão no ramo automóvel;

XII) Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas no grau 3/7;

XIII) O Autor terá de fazer tratamentos regulares e periódicos de fisioterapia.

44) O Autor é destro não consegue utilizar a sua mão direita para as mais elementares tarefas do dia-a-dia, como escrever, comer, apertar os botões da camisa, apertar ou desapertar as calças, lavar os dentes, pentear-se, manusear um telemóvel ou um comando de televisão, etc.

45) Atualmente o Autor consegue conduzir por ter sido feita uma adaptação nas mudanças num dos seus veículos, tendo estado 3 anos sem conduzir, conduzindo apenas dentro da cidade de ... onde reside.

46) O Autor tem carta de condução que lhe permite conduzir veículos ligeiros, motas e veículos pesados, sendo proprietário de dois jipes e de uma carrinha.

47) O Autor é ainda possuidor de carta de marinheiro, sendo proprietário de um barco.

48) Sendo certo que pescava e caçava com muita regularidade.

49) Em face das limitações que padece o Autor não vai poder mais pescar ou caçar, como não vai poder mais conduzir o seu barco.

50) Impossibilidades essas que muito o entristecem já que o Autor retirava delas muito prazer e satisfação pessoal.

51) O Autor é membro da Direção Nacional da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas, com sede no ... e, bem assim, deputado da Assembleia Municipal ..., eleito nas listas do Partido ... e militante ativo e empenhado desse mesmo partido político.

52) Atividades essas que fazia de forma autónoma e independente.

53) O Autor precisou que o transportassem para essas reuniões políticas, associativas e partidárias.

54) O Autor necessita que o ajudem a vestir-se, a comer e a ir à casa de banho.

55) Pelo que, para não passar vergonhas, o Autor tem abdicado dessa sua vida política, associativa e partidária.

56) O que agrava a sua tristeza e indignação.

57) Na altura do acidente, o Autor tinha 72 anos de idade, tendo nascido em ... de ... de 1945.

58) O Autor era um homem dinâmico, alegre, independente e de bem com a vida.

59) À data do acidente exercia a atividade profissional de mecânico de automóveis, sendo especialista em retificar e “encamisar” cilindros em blocos de motor, retificação de cambotas e cabeças de motor, reconstrução de cabeças de motor em alumínio, soldaduras diversas e serviço de torno.

60) O Autor desempenhava esses serviços numa oficina de sua propriedade denominada de “A...” de AA, com sede na Rua ....

61) Essa oficina prestava igualmente outros serviços de reparação automóvel, no entanto, o Autor é que era o único que realizava os serviços afetos à sua especialidade de retificações, soldaduras e serviço de torno.

62) O Autor prestava ainda esses serviços especializados para outras oficinas de reparação automóvel, situadas na zona de ..., pois nenhuma delas tinha essa especialidade.

63) O Autor, no desempenho dessa sua atividade de mecânico, auferia uma remuneração mensal média mínima de €980,00 (novecentos e oitenta euros).

64) A sua oficina apresentou no ano fiscal de 2016, a título de vendas e prestações serviços, uma faturação de cerca de € 51.695,69.

65) No ano fiscal de 2017 esse valor cifrou-se em € 43.292,75.

66) Todo esse rendimento acrescia ao montante que o Autor recebia da Segurança Social, atenta a sua qualidade de reformado por velhice.

67) O Autor vivia (como vive) com a sua esposa.

68) Era com todo esse rendimento que o Autor suportava todos os seus encargos pessoais, profissionais e lúdicos.

69) Designadamente, despesas com condomínio, água, luz, televisão e telecomunicações, combustível, seguros, gás, portagens, estacionamentos, medicamentos, alimentação, vestuário, licenças, despesas de manutenção e conservação.

70) O Autor, desde a data do acidente, apenas recebe o valor da sua reforma por velhice, nada tendo recebido da segurança social em consequência da sua incapacidade temporária para o trabalho.

71) O Autor necessitará durante toda a sua vida da ajuda e acompanhamento de terceira pessoa, designadamente, na preparação de refeições e alimentação, na higiene pessoal, na manutenção do seu corpo, para se vestir e calçar.

72) Durante um período de cerca de duas horas, durante 7 dias por semana.

73) O Autor despendeu em despesas médicas, medicamentosas e outras (transportes, farmácias, consultas e despesas diversas) a quantia de €558,80.

74) O acidente, os ferimentos, os tratamentos a que o Autor teve de se submeter causaram-lhe, causam e causar-lhe-ão dores, desespero, ansiedade, dependência e perda de autonomia.

75) Aos 72 anos de idade o Autor sabe que vai viver permanentemente nesta dependência e com limitações, sentindo-se um fardo e a sua vida um verdadeiro inferno.

76) No contexto familiar e afetivo, a sua situação física conduz a uma sobrecarga de distress devido, sobretudo, à instabilidade emocional resultante da sua incapacidade para desempenhar as funções inerentes à sua condição de marido, além da sua incapacidade de prover ao seu próprio sustento e da ajuda que prestava habitualmente à sua família mais próxima.

77) O Autor perdeu o interesse no relacionamento social, associativo, político e até partidário, limitando tais atividades.

78) Por isso, pessoa outrora alegre e de bem com a vida, realizada na sua profissão, feliz na sua família e zeladora da sua autonomia e independência, está hoje transformada num ser deprimido e triste, sem qualquer gosto e interesse pela vida.

79) Em virtude do acidente e das sequelas que ficou a padecer jamais poderá realizar gestos e atividades que muito gostava e que faziam parte do seu quotidiano, como sejam, por exemplo, fazer caminhadas, caçar, pescar, conduzir motos e veículos pesados, conduzir o seu barco e, acima de tudo, poder trabalhar como mecânico na retificação, soldadura e serviço do torno.

80) Pelo menos, com a independência e autonomia que fazia antes do acidente.

81) Ao nível pessoal, denotam-se fragilidades psíco-emocionais decorrentes do seu quadro clínico, que afetam determinantemente o seu bem-estar e ajustado funcionamento psicológico, tais como sentimentos de impotência e revolta, embotamento afetivo, pesadelos e desânimo são uma constante.

82) O proprietário do veículo de matrícula QT-..-.. transferiu para a Ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ........02, a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação provocados pelo veículo.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

1 – Quantificação do dano de perda de capacidade de ganho que afectou o A.

2 – Montante pecuniário adequado para a compensação, in casu, dos danos de natureza não patrimonial sofridos pelo lesado em consequência do acidente sub judice. Critérios jurisprudenciais.

Passemos à sua análise:

1 – Quantificação do dano de perda de capacidade de ganho que afectou o A.

O A. quantificou o dano patrimonial sofrido a este título – perda da capacidade de ganho – no valor de € 65.000,00, tendo em conta a sua idade à data do acidente; o seu rendimento anual não inferior a € 20.592,77; a sua esperança média de vida situado entre os oito e os nove anos; a incapacidade permanente absoluta para a prática da profissão habitual de que passou a padecer; o seu défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 45 pontos.

Na decisão de 1ª instância foi decidido a este propósito:

“O Autor pretende ser indemnizado pelo valor total do seu salário mensal que auferia à data do acidente, € 1.250,00 mensais, sendo que se apurou que esse salário seria de € 980,00 mensais, até ao fim da sua vida ativa, num total de € 62.500,00.

Ora, o Autor, que nasceu a ... de ... de 1945, ficou impedido de exercer a sua atividade habitual, sendo certo que não se encontra em igualdade de circunstâncias com qualquer outro cidadão na procura de emprego, que pela idade atual, quer pela circunstância de ser portador de uma deficiência física na mão direita, sendo evidente que não irá ser contratado por terceiros com 75 anos de idade (data da alta), só podendo exercer a sua atividade porque era o proprietário da oficina de mecânica onde a exercia, para além de ser do conhecimento geral a dificuldade que um portador de deficiência física tem para se integrar no mercado de trabalho.

Em primeiro lugar, procurar-se-á obter um valor com recurso a fórmulas matemáticas, de forma a haver um ponto de partida para fixar a indemnização em causa.

Para procurar obter um cálculo do prejuízo sofrido pelo Autor, importa considerar que, relativamente ao limite de idade a ter em conta, o artigo 7º, n.º 1, al. b) da Portaria 377/2008, de 26 de Maio entende ser de presumir que o lesado trabalharia até aos 80 anos de idade (era uma pessoa ativa aos 72 anos- sendo caçador, conduzindo barco e indo à pesca- que continuaria na sua actividade habitual se não fosse o acidente dos autos), pelo que será essa a idade a considerar.

Ora, fazendo uso de uma fórmula matemática, ter-se-ia que concluir que o Autor teria desde a data da alta (30-10-2020) e até aos 80 anos de idade, 4 anos e 7 meses de vida ativa, pelo que, tendo-se apurado uma remuneração mensal de € 980,00, tendo-se que concluir que por apenas 12 meses uma vez que mais não foi invocado, obter-se-ia uma perda de ganho de € 10.780,00 se se tivesse apenas em consideração a sua incapacidade. (4 anos e 7 meses x980x20%).

Contudo, Autor padece de uma incapacidade de 20/100, pelo que, se considerarmos o esforço acrescido para o exercício de qualquer atividade, a impossibilidade que terá em lograr obter emprego atenta a sua incapacidade e a sua idade, entende-se que o valor acima apurado não reflete o efetivo prejuízo do Autor.

Ora considerando que a perda de rendimento era total, obter-se-ia uma perda de ganho de € 53.900,00 (4 anos e 7 meses x980), sendo esta a situação dos autos, dado que, com a sua idade e limitações na mão direita, o Autor não poderá voltar a exercer qualquer atividade remunerada, sendo a actividade que exercia interrompida pelo sinistro, não podendo o mesmos ser prejudicado só por já ter ultrapassado a idade habitual da vida ativa, dado que se mantinha ativa, não se podendo concluir que iria acabar antes dos 80 anos dado que não há qualquer facto nos autos que permita retirar tal conclusão.

Nestes termos, entende-se que se deverá fixar as perdas de ganho em € 53.900,00, não havendo que fazer descontos dado que previsivelmente o rendimento subiria atento o custo de vida, procedendo parcialmente o pedido por perda de retribuição, a título de lucros cessantes”.

Por seu turno, o acórdão recorrido, decidindo diferentemente, reduziu o montante atribuído na sentença (€ 53.900,00) para € 43.120,00 com base no seguinte argumentário:

Por aplicação das regras decorrentes da Portaria n.º 377/2008 e respetivo anexo IV (arts. 3.º al. b) e 8.º da citada Portaria), na redação actualizada, a indemnização ascenderia, segundo o simulador da Associação Portuguesa de Seguradores, ao montante de € 6.218,40.

Procedendo às operações inerentes a tal tabela, ou seja, multiplicando por 20 o valor de 256,50 constante da tabela atenta a idade do Recorrido à data do acidente, alcança-se o montante de €5.130, valor fixado com referência à RMMG de 2007, no montante de €403. Tomando por referência o rendimento mensal apurado (€980) e aplicando a regra matemática de três simples, obtém-se o montante indemnizatório de €12 474,93.

Trata-se do montante apontado como critério orientador para efeitos de apresentação, pelas seguradoras aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, em caso de incapacidade permanente parcial – v. art. 1.º da referida portaria.

Já aplicando a tabela inserta no Ac. do STJ de 04/12/2007, considerando 8 anos de vida ativa acolhidos em 1.ª Instância e o fator 7,01969, alcança-se o valor de €19 262,02, a que se reduziria 1/3 pela antecipação da disponibilidade do capital, implicando em €12 841,34.

Tal construção considera uma taxa de juro de 3%, manifestamente desajustada dos tempos presentes.

Afigura-se, no entanto, que a utilização de tais instrumentos só pode servir para determinar o minus indemnizatório, o qual terá de ser corrigido com vários elementos que possam conduzir a uma indemnização justa, já que tais tabelas não contemplam, designadamente, os seguintes itens:

- o prolongamento da IPP para além da idade de reforma (entrando na base de cálculo a referência à idade de reforma aos 65 anos, não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter atividade depois dela);

- a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade e do próprio aumento de produtividade;

- a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma nem o aumento da própria longevidade;

- a inflação;

- a progressão na carreira e, decorrentemente, a progressão salarial.

Por outro lado, afigura-se não ser devida a redução da quantia apurada em 1/3 a título de compensação da vantagem decorrente da antecipação do capital, desde logo atentas as reduzidas taxas de juros que atualmente se registam e perspetivam.

Considerando tudo o que se deixa exposto, nenhum obstáculo se apresenta à pretensão da Recorrente em deduzir 20% ao montante fixado em 1.ª Instância, o que importa na verba de €43 120 (quarenta e três mil cento e vinte euros)”.

Apreciando:

Afigura-se-nos perfeitamente curial e adequado o montante fixado no acórdão recorrido, onde foi apresentado um critério certo, objectivo e plenamente razoável para a fixação do valor apurado a título de perda da capacidade de ganho, sendo ainda certo que a circunstância do A. acidentado já contar na altura setenta e dois anos de idade, significa obviamente que, ultrapassada a idade de vida activa (em termos médios), as suas condições pessoais para a obtenção de novos proventos seriam forçosamente, pela própria natureza das coisas, paulatinamente menores nos anos seguintes, não sendo sequer crível que, mesmo sem ter sofrido o evento lesivo que o assolou, a sua capacidade de ganho não viesse naturalmente a ser progressivamente reduzida, diminuindo inevitavelmente a respectiva expressão pecuniária com o simples decorrer do tempo.

Acresce ainda a circunstância de estar demonstrado nos autos que as lesões físicas sofridas pelo A. não o impediriam, à partida, de prosseguir a outra actividade comercial a que igualmente se dedicava, em concreto a de empresário do ramo automóvel, embora no quadro de extremas e evidentes dificuldades a nível psicológico e físico que passou a vivenciar.

Por outro lado, não se descortina que exista qualquer sensível discrepância entre o valor encontrado pelo Tribunal da Relação de Évora neste particular e o padrão jurisprudencial estabelecido para casos similares, sendo de manter, por equilibrado e curial, o montante indemnizatório fixado a este título.

(Neste sentido, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2022 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 2957/12.0TCLRS.L1.S1, e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2021 (relator Manuel Capelo), proferido no processo nº 7098/16.8T8PRT.P1.S1, ambos publicados in www.dgsi.pt).

Daí a improcedência da revista apresentada pelo A. neste ponto.

2 – Montante pecuniário adequado para a compensação, in casu, dos danos de natureza não patrimonial sofridos pelo lesado em consequência do acidente sub judice. Critérios jurisprudenciais.

Nos termos gerais do artigo 496º, nº 1, do Código de Processo Civil:

“Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Prevê-se nesta norma uma cláusula geral e em aberto que permite, em casos de considerável gravidade, a atribuição de uma compensação pecuniária pelo sofrimento, angústia e perturbação psicológica significantes que resultaram pessoalmente para o lesado em virtude das sequelas associadas ao evento lesivo, devendo a sua quantificação ser apurada por recurso a juízos de equidade nos termos gerais dos artigos 496º, nº 4, 494º e 566º, nº 3 e 4, do Código Civil, tomando-se ainda em especial consideração os padrões jurisprudenciais actualizados, no seguimento do comando geral ínsito no artigo 8º, nº 3, do Código Civil.

(Sobre os fundamentos em geral da fixação no artigo 496º, nº 1, do Código Civil, da compensação por danos morais vide, entre muitos outros e a título exemplificativo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 2019 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 2224/17.2T8BRG.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt).

Ora, a afectação da saúde, equilíbrio e bem-estar da A. que foram consequência do grave acidente de viação por si sofrido (para o qual não contribuiu culposamente), em consonância com as sequelas que do mesmo para si resultaram - que se mantêm e que o acompanharão pelo resto da sua vida -, revestem a gravidade mais do que suficiente para justificar, sem qualquer sombra de dúvida, a atribuição de um montante significativo a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos.

Os factos dados como provados permitem, com efeito, configurar uma situação de manifesto sofrimento e patente afectação pessoal do A. que atinge, indiscutivelmente, o patamar de gravidade necessário para justificar, à luz da particularmente exigente bitola do artigo 496º, nº 1, do Código Civil, a atribuição à demandante de uma compensação a este título.

A única questão que agora se coloca tem a ver unicamente com a (sempre muito complicada e altamente controversa) quantificação do montante a atribuir a este título.

No caso concreto, entende o A. recorrente que, face à matéria provada nos autos, deverá, a seu ver, prevalecer a valor indemnizatório fixado em 1ª instância - € 75.000,00 – e não aquele que resultou da diminuição operada no Tribunal da Relação – para € 40.000,00.

Apreciando:

Cumpre referir, desde logo, que não se nos afigura de modo algum aceitável que a 1ª instância tenha decidido aumentar o montante em que a seguradora foi condenada, relativamente à compensação por danos de natureza patrimonial sofridos pelo A., em montante superior ao que o próprio lesado pediu e que, segundo ele, correspondia fielmente à expressão pecuniária do valor compensatório que lhe seria devido a este título.

Ou seja, tendo o A. quantificado o seu dano no montante de € 55.000,00, não faz sentido, sendo mesmo desprovido de lógica e razoabilidade, que o próprio tribunal tivesse decidido motu proprio aumentá-lo em mais € 20.000,00, passando assim a fixar-se em € 75.000,00, ofendendo desse modo os princípios do pedido, do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes que regem no domínio dos direitos privados, os quais se caracterizam, como é sabido, pelo regime da sua plena disponibilidade pelas partes.

Tal constitui, portanto, pura e simplesmente, uma violação do disposto no artigo 609º, nº 1, do Código de Processo Civil, que foi devidamente corrigida no acórdão recorrido.

Assim sendo, a questão centra-se agora na fixação de um valor que tem como limites, o pedido do A. - € 55.000,00 – e o montante inferior atribuído no acórdão recorrido - € 40.000,00.

Vejamos:

Diga-se, antes de mais, que a imensa variedade e peculiaridade das situações da vida é de tal forma rica e imprevisível que não permite encontrar situações de facto com os mesmos exactos contornos da que está agora em análise, para daí se poder extrair, em paralelo e coincidentemente, um padrão jurisprudencial totalmente seguro, normalizado e fiável.

Haverá assim que tomar em especial consideração as únicas e irrepetíveis singularidades da situação sub judice que permitirão, uma vez analisadas no seu recorte mais fino, e sempre por recurso a critérios de equidade, fazer a justiça do caso concreto.

In casu, cumpre realçar a elevada penosidade que o processo clínico e terapêutico acarretou para o A., bem como o seu contínuo padecimento em virtude de todas as sequelas que para si resultaram das lesões produzidas pelo acidente, que ainda hoje o afectam com notória gravidade, levando-o, nesta última fase da sua vida, que suporia calma e tranquila, a depender inesperadamente do apoio de terceiros para o desempenho das suas actividades quotidianas básicas e a ver-se privado, também por esse facto, da frequência de actividades associativas, socias e lúdicas a que antes, com todo o prazer e empenho, se dedicava.

Em súmula, o quadro factual relevante nestes autos pode descrever-se nos seguintes termos:

- No dia 9 de Março de 2018, sem nada o fizesse prever, o A., pessoa de 72 anos de idade, foi colhido na passadeira para peões, que na ocasião atravessava, pelo veículo automóvel seguro na Ré, tendo sido violentamente projectado para o asfalto.

- Em consequência, sofreu luxação do ombro direito.

- Foi hospitalizado de urgência no próprio dia, durante o qual, prestada a assistência que se teve por adequada, teve alta.

- Face às doras intensas que o atormentavam voltou à instituição hospitalar nesse mesmo dia, tendo sido submetido a tratamento e tendo tido alta.

- Perante o agravamento do seu estado de saúde (passando a sofrer impotência funcional do membro superior direito), voltou ao hospital no dia 10 de Março de 2018, onde foi submetido a doloroso tratamento, tendo tido alta no dia seguinte.

- Não conseguindo mexer o ombro e o braço direito, não tendo capacidade para desempenhar, com autonomia, as suas actividades diárias básicas, voltou ao hospital no dia 15 de Março de 2018, onde lhe foi prestada a assistência devida.

- O que se repetiu no dia 24 de Março de 2018 face ao quadro de exponenciação das dores que dificilmente suportava.

- Voltou a consulta médica nos dias 10, 12 e 27 de Abril de 2018.

- Em 15 de Maio de 2018 realizou eletromiografia, tendo-lhe sido identificada “severa lesão do plexo braquial direito, ao nível da clavícula”.

- Voltou à consulta nos dias 15, 16 de Maio e 8 de Junho de 2018.

- Submeteu-se a tratamento cirúrgico no dia 17 de Junho de 2018.

- Em seguida fez tratamentos de fisioterapia.

- Realizou nova eletromiografia no dia 20 de Dezembro de 2018, tendo sido detectado que “os músculos dependentes do cordão medial do plexo braquial são os mais afectados, detectando-se apenas uma unidade motora”.

- Pelo que continuou em novas sessões de fisioterapia.

- Verificou-se a consolidação das lesões em 30 de Outubro de 2020 (isto é dois anos e sete meses após o acidentes); Défice Funcional Temporário Total de 19 dias; Défice Funcional Temporário Parcial de 948 dias; Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 930 dias; Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial de 37 dias; Quantum Doloris no grau 5/7; Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 20 pontos em 100 (plexopatia braquial direita); Dano Estético Permanente no grau 3/7; em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, as sequelas são compatíveis com a actividade de empresário no ramo automóvel embora com esforços acrescidos, mas não são compatíveis com a sua actividade de mecânico de precisão no ramo automóvel;

- Em virtude das lesões sofridas o A., que é destro, deixou de poder utilizar a mão direita para as mais elementares tarefas do dia a dia (escrever, comer, apertar os botões da camisa, apertar e desapertar as calças, lavar dos dentes, pentear-se, manusear o telemóvel ou o comando da televisão).

- Em face das limitações físicas decorrentes do atropelamento de que foi vítima o A. deixou de poder pescar ou caçar, conduzir o seu barco, actividades que antes desenvolvia com habitualidade e prazer.

- O A., que se sente muito triste pela situação altamente limitativa em que se encontra, deixou de desenvolver com autonomia as suas actividades associativas, sociais e partidárias, nas quais era empenhadamente activo.

- Necessita agora da ajuda de terceiros para se vestir, comer e ir à casa de banho, o que acontecerá irremediavelmente durante o resto da sua vida.

- Por todo o sofrimento físico a que se viu sujeito e suas sequelas, o A. padece de uma sobrecarga de distress, mostrando-se deprimido e triste, sem gosto e interesse pela vida, sentindo impotência e revolta, pesadelos e desânimo constante.

- Antes do acidente, o A. era pessoa alegre e dinâmico.

Vejamos:

A circunstância de a vítima do acidente sub judice – peão que atravessa normalmente a passadeira existente na faixa de rodagem e destinada para o efeito e que, sem a menor contribuição sua, se vê inesperadamente colhido com violência por um veículo automóvel – ter passado a depender para o desenvolvimento das suas actividades quotidianas básicas da ajuda de terceiros, o que se manterá para o resto da sua vida, traduz desde logo uma elevadíssima situação de sofrimento psicológico e de profunda e irremediável afectação e penalização pessoal, mormente ao nível da sua auto estima e afirmação social, que não pode jamais ser descurada, desvalorizada ou minimizada.

Para além disso, o A. foi submetido a um processo clínico e terapêutico muito doloroso, que se estendeu sem grande sucesso no tempo, não tendo sido possível recuperar a sua autonomia, bem estar e integração social.

Ora, esse verdadeiro calvário infligido a esta pessoa de setenta e dois anos de idade, mas ainda perfeitamente activa em termos da sua vida pessoal, social e profissional – e que no caso concreto nem sequer se integrava no perímetro de perigosidade genérica e inerente à própria condução de veículos automóveis, tratando-se de um simples peão cumpridor das regras de trânsito –, deve ser compensado em termos superlativamente condignos, mormente pelo facto dessa alteração de modo e qualidade de vida se ter tornado absolutamente irreversível, tendendo mesmo a agravar-se, sempre num contexto pessoal de profunda revolta, frustração, desânimo e tristeza que não o deixarão de acompanhar até ao final dos seus dias.

Versando sobre situações de facto eventualmente comparáveis com as circunstâncias da situação sub judice – em termos naturalmente relativos dado que, como se enfatizou supra, cada caso é um caso - vide:

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2024 (relatora Maria Olinda Garcia), proferido no processo n.º 987/21.0T8GRD.C1.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 70.000,00 (setenta mil euros), com base no seguinte quadro factual: lesada contava quarenta e cinco anos à data do acidente; sofreu múltiplas fraturas e lesões em consequência do acidente de viação (no tórax, coluna, membros superiores e crânio-encefálicas), foi submetida a intervenção cirúrgica e necessitou de múltiplas consultas médicas e tratamentos, teve um défice funcional temporário total superior a 3 meses e um défice funcional temporário parcial de cerca de 8 meses, sofreu um quantum doloris de nível 5 em 7 e continua a padecer de dores, necessitando de medicação diária. Ficou ainda com um dano estético permanente de grau 2 em 7. Ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 11,499 pontos, com existência de possível dano futuro; sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 em 7; não pode levantar pesos e o exercício da sua atividade profissional exige esforços suplementares.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2023 (relator Aguiar Pereira), proferido no processo n.º 795/20.5T8LRA.C1.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), com base no seguinte quadro factual: lesado contava quarenta e cinco anos à data do acidente; sofreu como sequela definitiva das lesões um défice funcional permanente de integridade físico-psiquica de 17 pontos, deixando de poder realizar algumas das tarefas habituais que a sua função exige, subir e descer andaimes, tem grandes dificuldades em carregar pesos acima de 5 Kg e não consegue estar de pé durante longos períodos, com marcha claudicante e dor crónica no tornozelo esquerdo, ainda que tais sequelas sejam compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicando esforços suplementares significativos.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2022 (relatora Graça Trigo), proferido no processo n.º 1082/19.7T8SNT.L1.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 50.000,00 (quarenta e cinco mil euros), com base no seguinte quadro factual: o lesado contava trinta e quatro anos à data do sinistro; em consequência das sequelas associadas ao acidente foi-lhe fixado um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos; com elevada probabilidade, as lesões por ele sofridas terão significativa repercussão negativa sobre o desempenho da profissão de serralheiro cujo exercício exige um elevado nível de força e de destreza físicas ao nível dos membros superiores (atingidos pelas lesões).

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2022 (relator Aguiar Pereira), proferido no processo n.º 2517/16.6T8AVR.P1.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 30.000,00 (trinta mil euros), com base no seguinte quadro factual: lesada contava trinta e sete anos de idade; passou a registar após o facto ilícito, e por causa dele, um défice de 11 pontos de eficiência funcional de integridade físico-psíquica por sintomatologia ansiosa e depressiva reactiva ao acontecimento, sem sequelas físicas definitivas, por agravamento de impacto moderado de anterior quadro psiquiátrico.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2022 (relator António Magalhães), proferido no processo n.º 2133/16.2T8CTB.C1.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 70.000,00 (setenta mil euros), com base no seguinte quadro factual: sinistrado contava trinta anos à data do acidente; sofreu quantum doloris de 6 numa escala de 7, um dano estético relevante de 4 em 7 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de 6 em 7 pontos - uma vez que, quanto a este índice, ficou privado de continuar a praticar o motociclismo, o que fazia com regularidade, participando em diversas provas, incluindo federadas e, ainda, impossibilitado de praticar desportos que também fazia, como bicicleta BTT, esqui na neve e esqui aquático, tendo ficado, ainda, condicionado no exercício da actividade desportiva de mergulho, que também praticava- a tudo acrescendo a circunstância de ter sido submetido a cinco intervenções cirúrgicas, com um pós-operatório prolongado (com uma repercussão temporária na actividade profissional total de 870 dias), de continuar a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro e de continuar padecer de dores.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2024 (relator Emídio Santos), proferido no processo n.º 76/13.0TBTVD.L2.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), com base no seguinte quadro factual: a lesada contava à data do acidente trinta e sete anos; sofreu quantum doloris avaliado no grau 4 numa escala de sete graus de gravidade; défice funcional da integridade física e psíquica de nove (9) pontos; consolidação das lesões cerca de três anos após o acidente; durante cerca de um ano a lesada esteve submetida a terapêutica medicamentosa agressiva; por força das lesões a lesada desistiu do projecto de ser mãe; a lesada deixou de conviver com amigos e de sair com estes, devido às dores que sente, passou a apresentar um quadro de humor depressivo, com episódios de ansiedade, tendo recorrido a apoio psicológico, e deixou de praticar desportos que praticava, nomeadamente corrida e bicicleta.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2022 (relator António Magalhães), proferido no processo n.º 1991/15.2T8PTM.E1.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), com base no seguinte quadro factual: o lesado contava à data do acidente trinta e cinco anos; ficou com um défice funcional permanente de 39 pontos, teve um quantum doloris de 5 numa escala de 7, um dano estético relevante (3 em 7), consequências permanentes na sua atividade sexual (fixado em 3 numa escala de 7), na repercussão nas actividades desportivas e de lazer (2 em 7), no relacionamento social com familiares e amigos, se sente menorizado em resultado da sua situação de incapacidade para o trabalho e se encontra reformado por invalidez, tendo o acidente ocorrido quando tinha apenas 30 anos de idade, a tudo acrescendo a circunstância de continuar a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2019 (relatora Maria do Rosário Morgado), proferido no processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1, no qual foi fixada a quantia indemnizatória de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), com base no seguinte quadro factual: o recorrente foi sujeito a exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, bem como uma intervenção cirúrgica; ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos; sofreu dores quantificáveis em 5 numa escala de 7 pontos; sofreu um dano estético quantificado em 3 numa escala de 7 pontos; a repercussão das sequelas sofridas nas atividades desportivas e de lazer é quantificada em 3 numa escala de 7 pontos; sofreu um rebate em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas permanentes, designadamente por não poder voltar a exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2018 (relator Rosa Tching), proferido no processo nº 1842/15.8T8STR.E1.S1, foi fixada em € 60.000,00 (sessenta mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais, com base no seguinte quadro factual: o lesado contava à data do acidente 45 anos; sofreu como sequelas das lesões provocadas pelo acidente perturbação persistente do humor; o quantum doloris é fixável no grau 6/7; como sequela, em termos médico-legais, um dano estético, fixável, no grau 3/7; repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer é fixável em 3/7; a repercussão permanente na actividade sexual no grau 3/7; necessitará de ajudas medicamentosas, ajudas técnicas e tratamentos médicos regulares, verificando-se ainda dependências permanentes que incluem os produtos de apoio pela necessidade de uso diário de meia e contenção elástica grau II na perna esquerda e uso de cinta de contensão lombar.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 2018 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 418/13.9TVCDV.L1.S1, foi fixada em € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais a atribuir a um lesado com base no seguinte quadro factual: o lesado contava à data do acidente 30 anos de idade; em consequência do sinistro, sofreu várias fratures; esteve internado durante 14 dias, tendo sido submetido a diversas intervenções e tratamentos médicos durante cerca de 4 meses; teve um período global de cerca de 2 anos e 2 meses de gravidade decrescente de incapacidade, 9 meses dos quais com incapacidade absoluta e a necessitar de ajuda de terceira pessoa; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5%; teve dores quantificáveis em 4 numa escala de gravidade crescente até 7; ficou com dificuldades de ereção no relacionamento sexual; deixou de poder praticar atividades desportivas e de lazer; perdeu um ano escolar e continua a necessitar, pontualmente, de tomar medicação anti-álgica.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2017 (relator Tomé Gomes), proferido no processo nº 3214/11.4TBVIS.C1.S1, foi fixada em € 60.000,00 (sessenta mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais, com base no seguinte quadro factual: em consequência das lesões sofridas e com vista à realização de exames, tratamentos e cirurgias, o lesado esteve internado pelo menos 112 dias; o dano estético situa-se no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente; o prejuízo de afirmação pessoal situa-se, no mínimo, no grau 4, numa escala de cinco graus de gravidade crescente; andou 2/3 meses de cadeira de rodas, e alguns meses de canadianas; era uma pessoa saudável e com muita alegria de viver; gostava muito de andar de bicicleta, ir à pesca e dar passeios pela natureza, o que fazia com regularidade; ficou portador de uma repercussão permanente na atividade sexual fixável no grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; o sofrimento físico e psíquico vivido durante o período de incapacidade temporária corresponde a um quantum doloris de grau 7, também numa escala de sete graus de gravidade crescente.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016 (relator Mário Belo Morgado), proferido no processo nº 338/09.1TTVRL.P3.G1.S1, foi fixada em € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais, tendo por base o seguinte quadro factual; a sinistrada contava 36 anos de idade à data do acidente; sofreu deformação grave do pé direito, com amputação dos cinco dedos e do ante-pé, dificuldade na deslocação e uso de prótese para toda a vida, cicatrizes em 18% da superfície corporal e graves alterações psicológicas.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 2016 (relatora Maria da Graça Trigo) proferido no do processo nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1, foi fixada em € 40.000,00 (quarenta mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais, tendo por base o quantum doloris de grau 5, sujeição a quatro operações, internamento por longos períodos, mais duas operações a que ainda teria de se sujeitar, vários tratamentos de reabilitação e dano estético de grau 4 (únicas matérias alegadas a este respeito pelo demandante sinistrado).

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2016 (relator Fonseca Ramos), proferido no processo nº 2185/04.8TBOER.L1.S1, foi fixada em € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais, com base no seguinte quadro factual: lesada de 20 anos, desportista, que ficou com várias cicatrizes em zonas visíveis e padeceu de acentuado grau de sofrimento (quantum doloris de grau 5) e relevante dano estético.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 2016 (relator Lopes do Rego), proferido no processo nº 1021/11.3TBABT.E1.S1, foi fixada em € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais com base no seguinte quadro factual: sinistrada jovem de 27 anos à data do acidente; sofreu múltiplos traumatismos, sequelas psicológicas, quantum doloris de grau 5, dano estético de 2 pontos, incapacidade parcial de 16 pontos, repercussão nas atividades desportivas e de lazer de grau 2, claudicação na marcha e rigidez da anca direita.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), proferido no processo nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, foi fixada em € 40.000,00 (quarenta mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais com base no seguinte quadro factual: lesada de 17 anos à data do acidente; sofreu vários tratamentos médicos, intervenções e internamentos, alta mais de 4 anos depois do acidente, repercussões estéticas, quantum doloris de grau 6.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2012 (relator João Bernardo), proferido no âmbito do processo nº 1451/07.5TBGRD.C1.S1, foi fixada em € 60.000,00 (sessenta mil euros) a indemnização a título de danos não patrimoniais tendo por base o seguinte quadro factual: perda, total e irreversível, da visão de um dos olhos, deformação estética de 6 numa escala de 1 a 7, sofrimento, durante meses, de dores, de intensidade 6 numa escala igual, outras lesões, como fratura do malar direito e da órbita direito, intervenções cirúrgicas, e um consequente quadro psíquico muito negativo.

Ora, atendendo ao padrão jurisprudencial elencado supra e aplicável com as necessárias adaptações ao conjunto global de particularidades relativas ao sofrimento pessoal do A., afigura-se-nos equilibrado, equitativo e curial a fixação do montante compensatório de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), não considerando suficiente e adequado – por defeito – a verba de € 40.000,00 (quarenta mil euros) atribuída a este título no acórdão recorrido.

A revista procede assim (parcialmente) neste tocante.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) conceder parcialmente a revista, alterando-se o montante compensatório a pagar pela Ré Seguradora ao A. por danos não patrimoniais para o valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), mantendo no restante o acórdão recorrido.

Custas pelo A. recorrente e pela Ré recorrida na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, 14 de Maio de 2024.

Luís Espírito Santo (Relator)

Rosário Gonçalves

Maria Olinda Garcia

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.