Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05S1919
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MARIA LAURA LEONARDO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CATEGORIA PROFISSIONAL
CEDÊNCIA DE TRABALHADOR
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVER DE OBEDIÊNCIA
Nº do Documento: SJ200512070019194
Data do Acordão: 12/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos não pode ser objecto de recurso de revista, a menos que haja ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 722.º, n.º 2, em conjugação com o art. 729.º, n.º 2, do CPC).

II - Tendo-se procedido à gravação da audiência, sendo a prova sido impugnada nos termos do art. 690-A do CPC e baseando-se a alteração da matéria de facto efectuada pelo Tribunal da Relação nos depoimentos prestados na audiência de julgamento e em documentos particulares - qualquer deles sujeito à livre apreciação do tribunal -, um eventual erro na apreciação das provas e na fixação desses factos não pode ser sindicado pelo STJ.

III - A categoria normativa ou estatutária consiste na posição do trabalhador na empresa decorrente dos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis, com efeitos nomeadamente salariais.

IV - Enquanto conceito normativo ou estatutário, a categoria obedece aos princípios da efectividade (o que releva são as funções substancialmente pré-figuradas e não as meras designações exteriores), da irreversibilidade (uma vez alcançada certa categoria, o trabalhador não pode dela ser retirado ou despromovido) e do reconhecimento (a categoria tem que corresponder à categoria função, tem que assentar nas funções efectivamente desempenhadas).

V - Se o trabalhador exercer funções que não se enquadram exactamente nas categorias institucionalizadas, deve ser integrado na categoria que, tendo em conta as tarefas nucleares de cada uma delas, mais se aproxime das funções efectivamente exercidas.

VI - As funções da autora, consistentes inicialmente em secretariar elementos da administração da ré e, posteriormente, em secretariar várias secções ou serviços da mesma ré, inserem-se na categoria profissional de secretário(a) (previstas no anexo III do CCT entre a ACAP - Associação do Comércio Automóvel de Portugal e Outros e o SITESC - Sindicato de Trabalhadores de Escritório, Serviços e Comércio, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 4, de 29-01-99), descrito, entre o mais, como sendo o trabalhador que se ocupa do secretariado específico de qualquer das estruturas da empresa.

VII - Da circunstância de, anteriormente, a autora secretariar elementos da administração da ré - funções que exigem uma especial relação de confiança - e de, posteriormente, passar a secretariar várias secções ou serviços, não se pode concluir que tenha havido uma diminuição qualitativa das funções da autora, já que tanto aquelas como estas se inserem na mesma categoria normativa.

VIII - Tal mudança de funções da autora também não implica "condições de trabalho mais desfavoráveis" (caso em que o referido CCT proíbe às empresas mudar o trabalhador de secção ou sector, ainda que para exercer as mesmas funções, sem o seu prévio consentimento), pelas seguintes razões: as funções de secretariar elementos da administração não requeriam qualificações especiais; houve uma reestruturação dos serviços da ré e de outra empresa do grupo, as quais passaram a ter responsáveis comuns em diferentes sectores e secções, o que visou uma economia de custos; não obstante as novas funções da autora se encontrarem inseridas em secções da ré com chefias próprias, estavam numa relação de subordinação directa com a administração; a mudança de gabinete imposta à autora visava evitar (novas) fontes de conflito e mau ambiente de trabalho com outra trabalhadora da ré.

IX - A expressão referida em VIII (condições de trabalho mais desfavoráveis),embora com um sentido essencialmente objectivo (condições mais penosas, funções com quebra de prestígio relativamente ao estatuto do trabalhador), não pode deixar de ser compreendida à luz da nova realidade económico-social.

X - Não se verifica cedência ocasional de trabalhador numa situação em que a autora continua a prestar a sua actividade à ré - continuando esta a exercer o seu poder de autoridade e direcção - , embora numa ou noutra área a autora pudesse fazer algumas tarefas que diziam respeito a outra empresa do grupo da ré.

XI - De igual modo, tal situação não configura qualquer violação ao disposto no art. 1.º da LCT, pois a ré e a outra empresa do grupo têm responsáveis comuns em diversas secções, as tarefas que a autora iria, eventualmente, exercer em beneficio dessa outra empresa do grupo, apresentavam-se meramente secundárias e acessórias em relação ao trabalho desenvolvido para a ré, sendo certo que se trata de empresas do mesmo grupo económico, que prosseguem actividades paralelas e que, tendo em vista a economia de custos, apresentam diversos sectores com responsáveis comuns.

XII - A justa causa de despedimento pressupõe a verificação de três requisitos: a) comportamento culposo do trabalhador (desobediência ilegítima); b) impossibilidade de subsistência da relação de trabalho (a falta disciplinar torna inexigível à ré a subsistência da relação laboral); c) nexo causal entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

XIII - Constitui justa causa de despedimento, o seguinte comportamento da autora, após a mudança de funções referida:
- tendo-lhe sido entregue no dia 4 de Outubro de 2000, por instruções de um administrador da ré, expediente relacionado com processos de viaturas contendo documentos que deveriam ser enviados a clientes, não aceita o trabalho, alegando que ainda se estava a instalar no novo gabinete;
- no dia 6 do mesmo mês, por instruções do mesmo administrador, foi novamente entregue à autora o mesmo trabalho, o que ela não aceitou, alegando que estava muito ocupada (quando é certo que desde que mudou de funções e de gabinete - no dia 3 de Outubro - a ré ainda não lhe tinha distribuído qualquer trabalho);
- no dia 11 seguinte voltou a recusar o mesmo trabalho, alegando que para tal aceitação queria uma ordem por escrito do administrador;
- nos dias 18 e 30 do mesmo mês e ano, o administrador chamou a autora ao seu gabinete para lhe entregar directamente o trabalho, o que a autora recusou, reafirmando que carecia de uma ordem por escrito.

XIV - Tal comportamento da autora é susceptível de abalar irremediavelmente a relação de confiança que deve existir entre o empregador e o trabalhador, conclusão que não é afastada pelo facto de um dos três membros do Conselho de Administração da ré continuar a manter a confiança na autora, pois o que releva é a perda de confiança do órgão colegial, perante quem a autora responde, além de que esta não dependia exclusivamente daquele membro.

XV - Não resultando dos autos qualquer razão justificativa para a autora exigir uma ordem por escrito, o condicionamento do dever de obediência à observância da forma escrita, equivale a uma recusa de cumprimento da ordem.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:

I - "AA", residente na Damaia, Amadora, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra Empresa - A, com sede na Avª Dr ...., ..., em Lisboa, em que pede que o despedimento efectuado pela ré seja declarado ilícito e esta condenada a reintegrar a autora e a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas até decisão final e, ainda, uma indemnização por danos morais de montante não inferior a 5.000.000$00.
Alegou, em síntese:
- em 2 de Março de 1981, entrou ao serviço da Sociedade Empresa - B;
- em 1 de Fevereiro de 1995, foi transferida para a Sociedade Empresa - C;
- em 1 de Junho de 1999, foi transferida para a sociedade Empresa - D, posteriormente transformada em Empresa - A ;
- desde Março de 1981 até 27 de Novembro de 2000, sempre exerceu as funções de Secretária de Administração, apesar de só em Janeiro de 1990 lhe ter sido atribuída tal categoria profissional;
- com data de 13 Novembro de 2000, a ré instaurou-lhe um processo disciplinar que culminou com o seu despedimento, em 27 de Novembro de 2000;
- acontece que os factos que lhe são imputados não ocorreram nos 60 dias anteriores à apresentação da nota de culpa, o que determina a caducidade do procedimento disciplinar;
- de qualquer forma, inexiste justa causa de despedimento, dado que os factos imputados na nota de culpa foram empolados pela ré com o objectivo de lhe retirar, como retirou, o desempenho das funções de secretária de administração que vinha exercendo há anos;
- com o despedimento, a sua saúde ficou muito afectada, vendo-se na necessidade de recorrer a tranquilizantes e a consulta de psiquiatria.

A ré contestou, alegando, que a autora foi admitida para exercer as funções de secretária e que praticou actos violadores dos deveres de respeito, urbanidade, lealdade, obediência, zelo e diligência que, pela sua gravidade, inviabilizam a continuação da relação laboral.
Conclui pela improcedência da acção.

Instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.
Apelando a autora da sentença, o Tribunal da Relação revogou a sentença recorrida. Consequentemente declarou ilícito o despedimento da autora e condenou a ré a reintegrar a autora ao seu serviço e a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas até decisão final.

Inconformada, a ré vem pedir revista, formulando na sua alegação as conclusões que, de forma mais sintética, se indicam:
1ª) - O acórdão em recurso não fez uma acertada interpretação e aplicação da lei - artºs 18, 20 n. 1 a) b) c) da LCT e artºs 9º n. 1 e 2 a) d) e 12º-5 da LCCT;
2ª) - O acórdão sub judice entendeu que a ordem dada pela ré à autora em 21 de Setembro de 2000 era ilegítima;
3ª) - A ilegitimidade decorria do facto das novas funções atribuídas à autora serem funções qualitativamente inferiores às que a autora vinha desempenhando, pelo menos, desde Janeiro de 1990, o que, na prática, se traduzia numa situação de baixa de categoria, violadora do disposto nos artºs 22º-1 e 23º da LCT;
4ª) - Situação que se consubstanciava numa mudança de sector - sem consentimento da autora - para o exercício de funções qualitativamente inferiores às que vinha exercendo há, pelo menos, 10 anos, mudança que, por si, implicava condições de trabalho mais desfavoráveis, as quais também resultavam da mudança de gabinete imposta à autora...., o que tudo constituía uma violação ao disposto na alínea i) do nº 1 da Cláusula 39ª do CCT Automóvel;
5ª) - E ao exigir que a autora trabalhasse em benefício de outra empresa (a Entreposto Lisboa), ficando sujeita ao poder de direcção e autoridade de trabalhadores desta, a ré tinha violado o princípio geral de direito consagrado no artº 1º da LCT, bem como o disposto no regime de cedência de trabalhadores previsto nos artºs 26º e segs do DL nº 358/89;
6ª) - Por outro lado, o facto de o administrador BB manter a confiança na autora, obstava a que in casu se verificasse uma situação de impossibilidade de subsistência da relação de trabalho;
7ª) - Discorda-se do acórdão recorrido: as novas funções atribuídas à autora não eram funções qualitativamente inferiores às que esta vinha desempenhando; além disso, a autora nunca chegou a exercer uma única dessas novas tarefas (cf. ac. STJ de 12.05.99, in CJ II, 275);
8ª) - Como se refere no acórdão recorrido: «A autora não aceitou os trabalhos que lhe foram solicitados no âmbito das novas funções (factos constantes dos nºs 46, 48, 51 e 52) e solicitou que as ordens para os fazer lhe fossem dadas por escrito»;
9ª) - A autora, antes de começar a exercer as novas funções que lhe foram comunicadas pelo seu superior hierárquico, o Dr. CC (um dos 3 vogais do Conselho de Administração, que acumulava as funções de director financeiro), não poderia saber se essas novas funções correspondiam ou não às de secretária tal como esta função vem definida a fls. 164 dos autos no Anexo III do CCT para o Sector Automóvel, aplicável à relação das partes;
10ª) - A ré na carta que lhe dirigiu em 11 de Outubro de 2000 (facto nº 42) informou-a nestes termos: «as funções que lhe foram distribuídas inserem-se no elenco de tarefas que caracterizam a categoria profissional de Secretária... O exercício dessas tarefas não é ilegal nem há qualquer desvalorização profissional ou baixa do seu escalão profissional, esperando esta Administração que V. Exa. as exerça ainda com mais zelo e competência do que as que diz ter exercido nas suas funções anteriores»;
11ª) - Perante as cinco ordens do Dr. CC, recusadas pela autora, esta poderia executá-las, sob protesto, se viesse a verificar na prática que essas funções não correspondiam às da sua categoria de secretária;
12ª) - Ou poderia, considerando que as funções não eram as suas, recorrer aos tribunais, para estes decidirem se aquelas funções correspondiam ou não à sua categoria;
13º) - No dizer da douta sentença revogada, a autora «revelou má compreensão do dever de obediência a que estava adstrita»: «Ao condicionar o cumprimento do dever de obediência à exigência das ordens lhe serem transmitidas por escrito, que no caso carece de justificação, a situação acaba por se reconduzir à recusa de cumprimento de ordens (...), factos (...) que, no que concerne à desobediência, revelam uma atitude persistente de desafio às ordens da entidade patronal ... que comprometem definitivamente a continuação da relação laboral»;
14ª) - A recusa da autora, além de sistemática (repetiu-se 4 vezes), foi ostensiva perante a colega DD e sempre com diferentes explicações: não, porque ainda me estou a instalar (nº 46); não, porque ainda não estou em condições de aceitar trabalho; não, porque estou muito ocupada (nº 48); - quando puder, telefono-lhe (n.º49); não, porque quero a ordem por escrito (nº 51 e 52);
15ª) - A autora com a sua obstinada recusa não permitiu sequer à ré demonstrar, na prática, que não iria alterar a categoria-função e a categoria-estatuto da mesma;
16ª) - A este propósito, veja-se o que escreve Bernardo da Gama Lobo Xavier, em "A mobilidade funcional e a nova redacção do artº 22º da LCT", in RDES, Ano XXXIX - 1997 (XII da 2ª série), 1, 2, 3, pgs. 51 e sgs;
17ª) - A ré colocou a autora a exercer funções para as quais a sabia qualificada e com capacidade para as desenvolver com diligência e zelo, sem beliscar a sua categoria-função e a sua categoria-estatuto, garantindo que lhe seria prestada formação específica nos sistemas de gestão Autosoft e SGCV, únicas funções para as quais seria necessário dar-lhe formação;
18ª) - Não se verificou a condição imposta na parte final da alínea i) da Cláusula 39ª do CCT, ou seja, que essa mudança implicasse para a autora «condições de trabalho mais desfavoráveis»;
19ª) - A autora desempenharia funções que lhe foram anunciadas na reunião de 21 de Setembro de 2000 com muito maior "à vontade" porque teoricamente menos exigentes do que as que vinha exercendo quando secretariou o presidente do Conselho de Administração, responsável máximo pela gestão da entidade empregadora;
20ª) - A circunstância perfeitamente transitória de a autora poder mexer nalguns "dossiers" de clientes do Empresa-C não significava que passasse a trabalhar para essa sociedade. Isto foi explicado pelo presidente do conselho de administração, Eng.º EE, no seu depoimento (lado A da cassete nº 4) e a autora tinha a obrigação de já ter percebido isso;
21ª) - A partir de 28 de Junho de 1995, o Regulamento (CE) n.º 1475/95 impôs aos concessionários de marcas automóveis «locais de vendas e oficinas separadas mas podiam ter uma contabilidade comum a fim de construir sinergias»;
22ª) - O Entreposto Lisboa e o Empresa-D (denominação anterior da ré) comercializavam, simultaneamente, as marcas NISSAN e HYUNDAI. Por imposição dos Regulamentos Comunitários e das respectivas fábricas, a partir de 1999, o Empresa-C reservou para si a representação NISSAN e o Entreposto Cascais (transformado em sociedade anónima com a denominação Entreposto L. H. - iniciais que significam Lisboa-Hyundai) ficou com a representação HYUNDAI;
23ª) - Numa fase inicial e transitória, a ré teve de tratar ainda dos "dossiers" NISSAN que pertenciam aos clientes da marca NISSAN do Entreposto L.H. assim como o Entreposto Lisboa teve de lidar com os "dossiers" HYUNDAI dos seus anteriores clientes da marca coreana e, só, a pouco e pouco, é que esta destrinça seria completada;
24ª) - Por esta razão é que a autora iria eventual e transitoriamente mexer com "dossiers" de clientes NISSAN já pertencentes ao Empresa-C;
25ª) - Não foi esse, todavia, o caso aquando da recusa frontal da autora em aceitar os "processos de viaturas contendo documentos que deviam ser enviados a clientes" e cujo trabalho lhe foi mandado executar pelo administrador, Dr. CC, nos dias 4, 6, 11, 18 e 30 de Outubro de 2000 (factos provados sob os nºs 45, 46, 43, 47, 48, 51 e 52 da sentença);
26ª) - A ré não violou o disposto no regime da cedência de trabalhadores constante dos artºs 26º e segs do DL nº 358/89, porque não estão verificados os pressupostos em que assenta aquele regime;
27ª) - A matéria de facto provada nos nºs 61 e 62 com os aditamentos aceites pelo Tribunal da Relação, comporta excesso de pronúncia, pois, da matéria de facto provada não resultou minimamente provado que a autora tivesse sido cedida para utilização de terceiros que sobre ela exerçam poderes de autoridade - a alínea b) do nº 2 do artº 26º do DL nº 358/89 determina que a proibição constante do nº 1 não abrange o exercício de funções de enquadramento ou técnicas, de elevado grau, em empresas entre si associadas ou pertencentes ao mesmo grupo de empresas, por parte dos quadros técnicos de qualquer destas ou da sociedade de controlo;
28ª) - É essa a situação da ré e da sociedade Empresa-C - ambas em relação de grupo, porque são dominadas (vide o artº 489º do CSC) pela empresa mãe, a sociedade Empresa-E, detentora de 100% do capital social de ambas - cfr. documento junto;
29ª) - A ré e o Empresa-C integram o mesmo grupo societário - Entreposto, grupo de empresas composto pela empresa que exerce o controlo (Empresa-E) e pelas empresas controladas - vide Directiva 94/45/CE, do Conselho, de 22.09.94 -, são empresas que, embora juridicamente independentes, obedecem a uma mesma filosofia de gestão;
30ª) - Ainda que formalmente vinculada à ré, o trabalho pontual e transitório dos poucos "dossiers" de clientes NISSAN do Empresa-C que a autora foi solicitada a manusear por se tratar de uma empresa do mesmo grupo não é susceptível de legitimar a alegada violação do princípio geral de direito consagrado no artº 1º da LCT, que nem se diz qual é;
31ª) - O legislador veio consagrar no artigo 92.º do actual Código do Trabalho a figura da pluralidade de empregadores «o trabalhador pode obrigar-se a prestar trabalho a vários empregadores entre os quais exista uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo», e nesse sentido, veio responsabilizar solidariamente as sociedades em relação de domínio ou de grupo, bem como os sócios relativamente aos créditos laborais do trabalhador emergentes do contrato de trabalho;
32ª) - A solução decorrente dos factos provados sob os nºs 55, 56, 57, 58, 59 e 60 visou fundamentalmente uma economia de custos uma vez que se trata de duas empresas inseridas no mesmo Grupo Económico que prosseguem actividades inteiramente paralelas, embora uma dedicada à marca coreana, Hyundai, e outra às marcas japonesas Nissan e Subaru;
33ª) - Veja-se o que, a este propósito, escreve Abel Sequeira Ferreira, em Justa Causa de Despedimento no Contexto dos Grupos de Empresas, in Estudos do IDT, vol. II, Almedina, pags 192 e sgs);
34ª) - Mesmo que a autora tivesse sido cedida ao Entreposto Lisboa e passasse a desempenhar a sua actividade sob as ordens da empresa cessionária, encontrando-se subordinada ao regime de trabalho desta, ainda assim permaneceria sujeita ao poder disciplinar da sua entidade empregadora, ou seja, a ré - veja-se obra atrás citada, pág. 248;
35ª) - As transferências da autora dentro das empresas do Grupo Entreposto não afectaram nem a antiguidade nem a categoria profissional de "secretária" cujas funções exerceu a partir de Janeiro de 1990 - vide ponto nº 9 da matéria de facto provada - podendo afirmar-se que a situação laboral da autora (acervo de direitos e de obrigações) sempre se manteve incólume;
36ª) - Não se entende por que razão hipervalorizaram os Senhores Desembargadores o facto de o administrador BB manter a confiança na autora;
37ª) - Esta, após a aplicação da sanção de 8 dias de suspensão com perda de retribuição (em 24.07.97), foi retirada do stand da Porsche, na R. D. Estefânia, e foi transferida para o stand de Benfica, onde foi secretariar um dos então gerentes, o sr. BB, passando, desde essa data, a executar além das funções de secretária também trabalhos particulares (vide nºs 14 e 15 da matéria de facto); e já nessa altura a autora se recusava a executar trabalhos sem ordens escritas(!);
38ª) - Mal seria, que o administrador Sr. BB não mantivesse confiança na pessoa a quem entregava trabalhos particulares, os quais, por natureza, são ainda mais exigentes no que diz respeito à confiança depositada;
39ª) - Facto é que o administrador BB na reunião de 21.09.2000, não levantou um dedo sequer em defesa da autora, e pelo seu silêncio quase total, aceitou a deliberação tomada sem um voto de protesto como era seu direito;
40ª) - A deliberação do Conselho de Administração da ré de 21.09.2000 seria tomada por maioria com o voto contrário do Administrador BB, e não por unanimidade, se este tivesse manifestado o seu protesto;
41ª) - O facto de ter ficado incólume a confiança que o Sr. BB depositava na autora não significava que ficasse arredada a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral;
42ª) - A doutrina e a jurisprudência são pacíficas ao entenderem que se verifica tal impossibilidade (veja-se, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já citado) «sempre que a ruptura da relação laboral seja irremediável na medida em que nenhuma outra sanção seja susceptível de sanar a crise contratual aberta com aquele comportamento culposo»;
43ª) - Pronunciam-se, a este propósito, Monteiro Fernandes, em "Direito do Trabalho", 8.ª edição, vol 1, pgs. 461 e segs, Menezes Cordeiro, em "Manual de Direito do Trabalho", 1991, pgs 822; Lobo Xavier, em "Curso de Direito de Trabalho", 1992, pgs 488; Jorge Leite e Coutinho de Almeida em "Colectânea de Leis do Trabalho", pgs 249; Mota Veiga, em "Direito do Trabalho", pgs 128);
44ª) - Uma secretária, seja de Administrador, Gerente, Director, Chefe de Divisão ou Chefe de Departamento tem que ser o braço direito da entidade que apoia e, por isso, tem que ser pessoa da total confiança do gestor por si secretariado; ter um trato fino, quer com estranhos, quer com colegas de trabalho, quer com o próprio Gestor; ser pessoa que saiba guardar a confidencialidade relativamente aos assuntos a que tem acesso e seja profissionalmente competente, sem receio de enfrentar tarefas novas; ser pessoa que não meta estranhos no giro da sua actividade profissional, saiba fazer "equipa" com os colegas e com o Gestor ou Gestores com quem trabalha e saiba construir uma relação de confiança;
45ª) - A autora foi quebrando a confiança que os Gestores nela depositavam e foi-se inadaptando às suas funções de secretária quando, sem motivo justificativo, recusou acatar as tarefas que o Conselho de Administração da ré lhe distribuiu em Setembro de 2000 (factos 18 a 36 da matéria de facto);
46ª) - A autora, sistematicamente, no início do relacionamento com a sua colega FF, não lhe dava nem retribuía o cumprimento de bons dias, pelo que esta deixou de dar bons dias à autora (facto nº 32);
47ª) - No seio de uma empresa, a saudação dos colegas de trabalho afigura-se elementar;
48ª) - A autora não provou nem sequer alegou qual a razão para esse comportamento;
49ª) - Ao agir dessa maneira violou o dever de urbanidade para com a sua colega de trabalho;
50ª) - Além disso, entrou no gabinete do Dr. CC sem manifestar essa intenção à sua secretária - FF - e sem lhe perguntar se o mesmo estava ocupado - vide matéria de facto provada sob o nº 33;
51ª) - Foi o comportamento provocante da autora, fomentador de instabilidade e dum clima de inimizade - diríamos de crispação, cultivado com mestria pela a autora - que levou a maioria dos membros do Conselho de Administração a atribuir-lhe outras funções, fruto da perda de confiança na mesma;
52ª) - A autora não aceitou os trabalhos que lhe foram solicitados no âmbito das novas funções (factos nºs 46, 48, 51 e 52) e solicitou que as ordens fossem dadas por escrito;
53ª) - Daqui resultou passar o mês de Outubro de 2000 sem ter feito fosse o que fosse;
54ª) - Não seria curial nem eticamente exigível da parte do Dr. CC, administrador, director e seu superior hierárquico voltar a dar mais ordens à autora, tendo esta, por cinco vezes, no decorrer do mês, recusado executar um trabalho relacionado com expediente de clientes;
55ª) - Perante uma situação destas, não restou ao Dr. CC outra solução que não fosse a instauração dum processo disciplinar (veja-se fls 2 do Processo Disciplinar).
Termina no sentido de ser revogado o acórdão recorrido, mantendo-se a sentença da primeira instância.

Nas contra-alegações a autora defende a manutenção do julgado.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto pronuncia-se no sentido de ser negada a revista.

II - Questões
Fundamentalmente, determinar se há justa causa para o despedimento, o que pressupõe que, primeiro, se apure se a ordem dada à autora em 21.09.2000 era ilegítima e, se for caso disso, as suas implicações na definição, em termos disciplinares, do posterior comportamento da autora (ao longo do mês de Outubro seguinte).

III - Factos (dados como provados na 1ª instância, com as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação)
1. A autora entrou ao serviço por conta e sob a direcção da sociedade Empresa-B, em 2 de Março de 1981, com a categoria de escriturária de terceira, em trabalho temporário, no serviço de vendas de máquinas industriais.
2. Porém, passados poucos meses de ter entrado, a autora passou a desempenhar as funções inerentes à categoria de secretária.
3. Em Março de 1984, foi promovida a escriturária de 2ª e, em Janeiro de 1986, a escriturária de 1ª.
4. Em 1 de Janeiro de 1990, a autora ascendeu à categoria de secretária, tendo, desde essa data até Setembro de 2000, sempre secretariado Administradores ou Gerentes, dependendo da natureza jurídica da sociedade à qual estivesse vinculada (matéria alterada pela Relação).
5. Em 1 de Novembro de 1993, a autora foi transferida da Sociedade Empresa-B para a Sociedade Empresa-C.
6. Em 1 de Junho de 1999, a autora foi transferida da Sociedade Empresa-C. para a Sociedade Empresa-D.
7. Por escritura pública de 27.10.99, a sociedade Entreposto Cascais foi transformada em sociedade anónima, adoptando a firma Empresa-A
8. O Conselho de Administração da ré é composto por 3 elementos: o Engº EE (Presidente), o Dr. CC e o sr. BB(vogais).
9. As sucessivas mudanças dentro do Grupo Entreposto a que a ré pertence, não afectaram nem a antiguidade da autora, a qual se reporta a 2 de Março de 1981, nem a sua categoria profissional.
10. À data do despedimento, a autora auferia uma remuneração base mensal de 220.200$00, acrescida de 57.100$00, a título de subsídio de isenção do horário de trabalho e 4.300$00, de subsídio de transporte.
11. Com a data de 13 de Novembro de 2000, a ré instaurou à autora um processo disciplinar, tendo-lhe remetido nota de culpa nos termos que constam de fls 18 a 26, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
12. A autora respondeu à nota de culpa nos termos do documento de fls 28 a 46, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
13. A ré procedeu ao despedimento da autora, em 27 de Novembro de 2000.
14. Em 24 de Junho de 1997, a entidade empregadora da autora, à altura - Empresa-C, aplicou-lhe a sanção de suspensão de 8 dias com perda de retribuição, constando da decisão o seguinte: "Reuniu este Conselho de Gerência em 24 de Junho de 1997 para análise do mesmo. Concluiu serem correctas as conclusões expressas pelo instrutor do processo, com as quais está de acordo. O comportamento da trabalhadora quer no atendimento dos clientes, quer nas saídas durante as horas de serviço quer ainda na recusa de execução de trabalhos sem ordens escritas é inadmissível.
Assim, deliberou este Conselho de Gerência aplicar à trabalhadora a sanção de oito dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição."
15. Na sequência da aplicação desta sanção, a ré retirou a autora do estabelecimento onde esta trabalhava (o stand da Porsche na R. D.Estefânia) e transferiu-a para um estabelecimento comercial que o Empresa-C tem em Benfica, onde a autora foi secretariar um dos então gerentes do Entreposto, o sr. BB.
16. Posteriormente, no início de 1999, na sequência de contactos anteriormente feitos entre a autora e o advogado da ré, esta devolveu àquela a quantia descontada aquando da execução da sanção que lhe aplicara em 1997.
17. Quando em 1999, o Empresa-C autonomizou o negócio Hyundai e este negócio passou para o Empresa-D , o sr. BB passou para a gerência do Entreposto Cascais e a autora acompanhou-o, uma vez que o secretariava.
18. E passou também a secretariar o Eng. EE.
19. A autora utilizava, no desempenho das suas funções, a máquina fotocopiadora que estava adstrita ao Entreposto Máquinas.
20. Porque a máquina destinada ao serviço de fotocópias da ré não funcionava bem, esta, no decurso do ano 2000, adquiriu uma nova fotocopiadora.
21. Esta nova fotocopiadora foi colocada no espaço do secretariado do Dr. CC.
22. Após a aquisição da nova fotocopiadora, a autora continuou a utilizar a fotocopiadora do Entreposto Máquinas, utilizando quer uma quer outra fotocopiadora.
23. A ré disponibilizou formação profissional à autora para a utilização da nova fotocopiadora.
24. Após a aquisição de uma nova fotocopiadora que foi colocada no espaço do secretariado do Dr. CC, não foi ordenado à autora expressamente que não utilizasse a fotocopiadora que estava adstrita ao Entreposto Máquinas.
25. Diariamente a autora recepcionava o correio chegado à empresa.
26. Sendo a D. GG, empregada de limpeza, que habitualmente distribuía a correspondência pelos outros gabinetes.
27. Não existe na ré qualquer profissional com a categoria de contínuo pelo que era a D. GG que fazia a distribuição da correspondência.
28. A autora, até à instauração do processo disciplinar, nunca foi chamada a atenção para o facto da D. GG distribuir a correspondência que lhe era entregue.
29. A autora não entregava directamente à colega FF, mas sim através da D. GG, a correspondência que era destinada ao Dr. CC que a FF secretariava.
30. A autora e a FF trabalhavam em gabinetes diferentes, apenas se contactavam por motivos de serviço, deslocando-se cada uma delas ao gabinete da outra, sempre que tal se justificasse.
31. A D. GG trabalha na empresa durante o horário normal dos serviços administrativos.
32. A autora no início do relacionamento com a sua colega FF sistematicamente não dava nem retribuía o cumprimento de bons dias, pelo que esta deixou de dar os bons dias à autora.
33. A autora, em dia não apurado, entrou no gabinete do Dr. CC sem manifestar essa intenção à sua secretária - FF - e sem lhe perguntar se o mesmo estava ocupado.
34. No dia 6 de Setembro de 2000, foi solicitado à autora pelo administrador EE que providenciasse pela colocação de copos de água para a reunião que estava a realizar-se.
35. A autora agiu como sempre fez, solicitando à D. GG que procedesse à satisfação de tal pedido, por ser esta que na empresa costuma preparar as salas de reuniões, com a colocação e serviço de bebidas.
36. O facto de a autora não ter colocado de imediato os copos e a água para a reunião, fazendo aguardar o Engº EE e os demais presentes que a D. GG os viesse colocar, desagradou ao referido administrador.
37. Em 21 de Setembro, a autora, na sequência de reunião com a presença dos 3 membros do Conselho de Administração, foi informada por dois desses membros, Dr. CC e Engº EE, de que passaria, a partir do final do mês de Setembro, a desempenhar as funções que a seguir se discriminam (matéria alterada pela Relação):
- 1. Apoio de secretariado à secção de Documentação nas seguintes áreas:
1.1.Processamento de cartas e respectivos registos para envio de documentação aos clientes do Entreposto Lisboa (EL) e Entreposto LH (ELH);
1.2. Manutenção do sistema de arquivo documental da Secção de Apoio Administrativo;
- 2. Apoio de secretariado à Secção de Tesouraria das duas empresas:
2.1. Recolha de assinaturas e envio de cheques aos fornecedores do EL e ELH,
2.2. Identificação de movimentos bancários relacionados com a área comercial (recebimento por transferência bancária, identificação de movimentos diversos);
2.3. Manutenção do arquivo comercial desta secção;
- 3. Apoio de secretariado à Secção de Controlo de Créditos:
3.1. Processamento de cartas a clientes;
3.2. Colaboração na manutenção do ficheiro central de processos de crédito;
- 4. Deverá ainda ser programada formação específica nos sistemas de gestão da empresa (Autosoft e SGCV) tendo em vista o desenvolvimento de funções de apoio à área administrativa, para os quais serão necessários conhecimentos nestas matérias;
- 5. Diverso apoio de secretariado ao sector administrativo das duas empresa (EL e ELH);
- 6. Outras funções que se revelem necessárias às duas empresas.
38. Entretanto, a ré preparou um outro gabinete para a autora que não aquele que até então ocupara.
39. E ordenou-lhe que ocupasse o novo gabinete, a partir de 2 de Outubro.
40. A autora não compareceu ao trabalho, no dia 2 de Outubro.
41. No dia 3 de Outubro de 2000, a autora escreveu à ré a carta junta a fls a 48 e 49, cujo teor aqui se dá por reproduzido, onde, nomeadamente, manifestava o seu não consentimento e desagrado pelas funções que lhe foram cometidas e comunicadas em 21 de Setembro.
42. A ré respondeu à carta da autora, de 3 de Outubro, pela carta de 11 de Outubro, junta a 51 a 53.
43. O Sindicato onde a autora está filiada escreveu à ré as cartas de fls 54 a 57, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
44. A ré informou a autora por comunicação interna de 11 de Outubro de 2000, junta a fls 62, cujo teor aqui também se reproduz, que deveria registar no relógio de ponto da empresa a entrada às 9 horas e a sua saída às 18 h, à excepção das sextas-feiras com horário de saída às 17 horas.
45. No dia 4 de Outubro de 2000, por instruções do Administrador, Dr. CC, a colega DD, entregou à autora expediente relacionado com processos de viaturas contendo documentos que deveriam ser enviados a clientes.
46. A autora não aceitou o trabalho, alegando que ainda se estava a instalar e não estava em condições de aceitar trabalho.
47. No dia 6 de Outubro de 2000, por instruções do Dr. CC, a colega DD voltou a entregar à autora o trabalho que lhe tentara entregar no dia 4 de Outubro.
48. A autora não aceitou tal trabalho, alegando que estava muito ocupada.
49. Ficou, então, assente que a autora quando pudesse contactaria a DD pelo telefone.
50. A ré ainda não tinha distribuído à autora qualquer tarefa, com excepção da que pretendera entregar e que a autora não aceitou.
51. No dia 11 de Outubro de 2000, por instruções do Dr. CC, a colega DD voltou a entregar à autora o mesmo trabalho que ela não aceitara nos dias 4 e 6, não aceitando a autora de novo recebê-lo, alegando que queria uma ordem por escrito do Dr. CC para aceitar o trabalho.
52. Posteriormente, nos dias 18 de Outubro e 30 de Outubro, o Administrador Dr. CC, chamou a autora ao seu gabinete para lhe entregar o trabalho que a DD lhe pretendera confiar e de novo a autora não o aceitou, reafirmando que carecia de uma ordem por escrito.
53. Após, o Dr. CC remeteu à autora o e-mail junto a fls 58 e 59, cujo teor aqui se dá por reproduzido, com data de 20 de Outubro de 2000.
54. A autora remeteu ao Dr. CC o e-mail junto a fls 60 e 61, cujo teor também se dá aqui por reproduzido, datado de 23 de Outubro de 2000, em resposta ao e-mail que este lhe tinha remetido em 20.10.2000.
55. A Direcção Financeira, da responsabilidade do Dr. CC, é comum à ré e ao Empresa-C.
56. As secções de Contabilidade da ré e do Empresa-C têm um responsável comum às duas empresas (o sr. II).
57. As secções de Tesouraria da ré e do Entreposto Lisboa têm um responsável comum às duas empresas (a Dra. JJ).
58. As secções de Controle de Créditos da ré e do Entreposto Lisboa têm um responsável comum às duas empresas.
59. As secções de Apoio Administrativo da ré e do Entreposto Lisboa têm um responsável comum às duas empresas (a D. DD).
60. Esta solução visou fundamentalmente uma economia de custos uma vez que se trata de duas empresas inseridas no mesmo Grupo Económico que prosseguem actividades inteiramente paralelas embora uma dedicada à marca coreana, Hyundai, e a outra às marcas japonesas Nissan e Subaru.
61. As novas tarefas atribuídas à autora obrigavam-na a prestar trabalho para as duas empresas, obrigando-a a manusear documentação relativa às mesmas, ficando a autora sujeita a instruções e ordens de trabalhadores da Entreposto Lisboa, como é o caso da chefe de secção DD (matéria alterada pela Relação).
62. A autora poderia realizar trabalhos para qualquer uma das secções de Apoio Administrativo, de Documentação, de Tesouraria ou de Controle de Crédito, ficando sob a autoridade e direcção dos respectivos chefes de secção (matéria alterada pela Relação).
63. Para executar as tarefas que o Dr. CC solicitou à ré - pelo menos, nos dias 4, 6, 11 e 18 - a autora não necessitava de qualquer formação profissional específica.
64. A formação específica que a autora viria a necessitar para executar algumas das funções que lhe foram atribuídas em 21 de Setembro, tem a ver com os programas de software Autosoft e SGVC.
65. A autora deixou de secretariar o Presidente do Conselho de Administração, o Engº EE e o sr. BB que até 21 de Setembro secretariava, com excepção da prestação de trabalhos de carácter particular a este último, que sempre tinha executado.
66. A ré atribuiu à autora um novo gabinete por entender que esta não devia ficar perto da colega FF, por considerar que poderia gerar novas fontes de conflito e mau ambiente de trabalho.
67. A autora é sócia do SITESE e a ré é associada da ACAP.
68. A título de bónus, a ré pagou à autora, em Março de 1999, uma prestação relativa ao trabalho prestado no ano de 1998, no montante de 304.733$00 e, em Março de 2000, uma prestação relativa ao trabalho prestado em 1999, no valor de 313.950$00.
69. Em 1998, a ré entendeu não atribuir qualquer importância a título de bónus à autora, pelo trabalho prestado em 1997, por entender que não o merecia.
70. Após o despedimento e, em consequência deste, a autora deixou de conviver com os amigos, fechando-se em casa.
71. A ré não definiu critérios de opção de serviço que a autora deveria ter em conta quando recebesse ordens para executar tarefas no quadro de secções distintas, nem definiu prioridades na execução desse mesmo trabalho (matéria aditada pela Relação).
72. O Administrador BB, com o qual a autora trabalhava desde o início de 1998, sempre manteve a confiança na autora, não tendo concordado com a alteração de funções (matéria aditada pela Relação).
73. No dia 11 de Outubro de 2000, a autora remeteu o e-mail junto a fls. 50 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido (matéria aditada pela Relação).

IV - Apreciando
1. O tribunal da 1ª instância julgou improcedente a excepção de caducidade do procedimento disciplinar, com fundamento em que a autora não demonstrou, como lhe incumbia, que os factos que lhe eram imputados tinham ocorrido fora do prazo previsto no artº 31º-1 da LCT.
Quanto ao despedimento, considerou que tinha sido com justa causa.
A não aceitação pela autora dos trabalhos que lhe foram solicitados, depois de lhe terem sido atribuídas novas funções, na reunião dos três administradores em 21.09.2000, e o facto de "exigir" que as ordens para fazer tais trabalhos lhe fossem dirigidas por escrito constituíam uma desobediência reiterada à entidade patronal.
Acrescentou que a ordem desta não era ilegítima, porque as novas funções que foram atribuídas à autora se continham no núcleo das que caracterizam a categoria de secretária, que era a da autora.
Por outro lado, a exigência de que as ordens fossem transmitidas por escrito - que, no caso, carecia de justificação -, equivalia a uma recusa de cumprimento dessas ordens.
Entendeu, ainda, que a ré violara o dever de urbanidade, ao não dar as saudações à sua colega FF.
Considerando que os factos em causa praticados pela autora no que concerne à desobediência revelavam uma atitude persistente de desafio às ordens da entidade patronal, presenciadas por outros trabalhadores (pelo menos, a trabalhadora que teve a incumbência de entregar os trabalhos à autora), concluiu que a conduta desta comprometia definitivamente a continuação da relação laboral.
E não sendo o despedimento ilícito, improcediam tanto os pedidos de reintegração e de pagamento de retribuições como o de indemnização por danos não patrimoniais.

O Tribunal da Relação, no âmbito das questões colocadas na apelação, teve outro entendimento. Para ele, resultava claro que o comportamento da autora não constituía justa causa de despedimento, porque sendo as ordens da ré ilegítimas, aquela não lhes devia obediência. Além disso, do comportamento em causa não tinham advindo prejuízos para a ré. Logo, não se estava perante um comportamento culposo da autora que, pela sua gravidade e consequências, tornasse imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Eis a fundamentação do acórdão recorrido:
- a questão fulcral é a análise dos factos ocorridos após a reunião dos 3 administradores da ré, que teve lugar no dia 21 de Setembro de 2000, tendo sido atribuídas à autora novas funções;
- esta não aceitou os trabalhos que lhe foram solicitados no âmbito das novas funções (factos sob os nºs 46, 48, 51 e 52) e solicitou que as ordens para fazer tais trabalhos lhe fossem dirigidas por escrito;
- a ordem dada pela ré à autora em 21 de Setembro de 2000 é ilegítima;
- esta ilegitimidade decorre, desde logo, do facto de as novas funções atribuídas à autora serem funções qualitativamente inferiores às que esta vinha desempenhando, pelo menos, desde Janeiro de 1990, o que consubstanciava, na prática, uma situação de baixa de categoria, violadora do disposto nos artºs 22º-1 e 23º da LCT;
- por outro lado, as novas funções implicavam uma mudança de sector da autora, sem consentimento desta, para o exercício de funções qualitativamente inferiores às que vinha exercendo há, pelo menos, 10 anos, mudança que, aliada à troca de gabinete (o novo era atrás do stand de vendas de automóveis, fisicamente afastado do próprio sector administrativo, no âmbito do qual a autora passaria a desempenhar as suas funções, enquanto o anterior era "porta com porta" com o gabinete dos Administradores BB e EE) se traduzia em condições de trabalho mais desfavoráveis, com clara violação do disposto na alínea i), do nº 1 da Cláusula 39ª do CCT Automóvel, aplicável às relações estabelecidas entre a ré e a autora;
- a ordem era, ainda, ilegítima, por violar o disposto no artº 1º da LCT bem como o regime da cedência de trabalhadores constante dos artºs 26º e ss. do Decreto-Lei nº 358/89, na medida em que exigia que a autora trabalhasse em benefício de outra empresa diferente da ré, sua única entidade patronal, estando sujeita a poderes de direcção e autoridade de trabalhadores dessa empresa (Entreposto Lisboa);
- estando provado que o administrador BB mantinha a confiança na autora, isso obstava a que se verificasse in casu uma situação de impossibilidade de subsistência da relação de trabalho.

A recorrente discorda deste entendimento.
Invoca várias razões, entre elas, insurge-se contra a alteração da decisão sobre a matéria de facto, através dos aditamentos introduzidos pelo tribunal recorrido nos nºs 61 e 62, que caracteriza incorrectamente como excesso de pronúncia, já que sustenta que tal alteração não resultou minimamente provada.
Pretende que, relativamente a esses pontos, se mantenha inalterada a decisão fixada na 1ª instância.

2. Como é sabido, o Supremo, enquanto tribunal de revista, não pode, em regra, alterar os factos fixados pelas instâncias, cabendo-lhe apenas aplicar a estes o regime jurídico que julgue mais adequado. O erro na apreciação das provas e na fixação desses factos não pode, assim, ser objecto de revista, a menos que haja ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (artº 722º-2 em conjugação com o artº 729º-2 do CPC).
Por outro lado, o Supremo só pode determinar a baixa do processo com vista a alteração da matéria de facto, quando entenda que a decisão sobre essa matéria pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou se ocorrerem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito (artº 729º-3 do mesmo diploma).
No artº 712º-1 do CPC encontram-se indicadas as hipóteses em que a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação.
No caso concreto, houve gravação da prova e a mesma foi impugnada, nos termos do artº 690ª-A do CPC (alínea a) do nº 1 do citado artº 712º). Por outro lado, a alteração baseou-se em depoimentos prestados na audiência de discussão e em documentos particulares - juntos de fls 261 a 265 -, qualquer deles sujeitos à livre apreciação do tribunal.
Neste circunstancialismo, torna-se patente que um eventual erro na apreciação das provas e na fixação desses factos não pode ser sindicado por este Tribunal, já que não se verifica nenhuma das situações salvaguardadas na 2ª parte do nº 2 do artº 722º do CPC.

3. Passando a apreciação da questão central - existência de justa causa de despedimento.
Tanto a 1ª como a 2ª instância - e bem - entenderam que os únicos comportamentos da autora susceptíveis de integrar a justa causa seriam os seguintes:
- no dia 4 de Outubro de 2000, por instruções do Administrador, Dr. CC, a colega DD, entregou à autora expediente relacionado com processos de viaturas contendo documentos que deveriam ser enviados a clientes (factos enumerados no acórdão recorrido sob o nº 45) .
- a autora não aceitou o trabalho, alegando que ainda se estava a instalar e não estava em condições de aceitar trabalho (nº 46);
- no dia 6 de Outubro de 2000, por instruções do Dr. CC, a colega DD voltou a entregar à autora o trabalho que lhe tentara entregar no dia 4 de Outubro (nº 47);
- a autora não aceitou tal trabalho, alegando que estava muito ocupada (nº 48);
- ficou, então, assente que a autora quando pudesse contactaria DD pelo telefone (nº 49);
- a ré ainda não tinha distribuído à autora qualquer tarefa, com excepção da que pretendera entregar e que a autora não aceitou (nº 50);
- no dia 11 de Outubro de 2000, por instruções do Dr. CC, a colega DD voltou a entregar à autora o (mesmo) trabalho que ela não aceitara nos dias 4 e 6, não aceitando a autora de novo recebê-lo, alegando que queria uma ordem por escrito do Dr. CC para aceitar o trabalho (nº 51);
- posteriormente, nos dias 18 de Outubro e 30 de Outubro, o Administrador Dr. CC, chamou a autora ao seu gabinete para lhe entregar o trabalho que a DD lhe pretendeu confiar e de novo a autora não o aceitou, reafirmando que carecia de uma ordem por escrito (nºs 52).

O tribunal recorrido resolveu a questão da justa causa, dizendo que não havia infracção disciplinar porque a ordem dada pela ré era ilegítima.
E era ilegítima, fundamentalmente, por duas razões:
a) Ao retirar à autora as funções de secretariar membros do Conselho de Administração da ré e ao colocá-la a dar apoio de secretariado a diferentes secções e serviços, a ré estava a atribuir à autora funções qualitativamente inferiores àquelas, o que, além de consubstanciar uma baixa de categoria, implicava condições de trabalho mais desfavoráveis para a autora (clª 39ª-1-i) do citado CCT);
b) Além disso, a alteração de funções, comunicada à autora em 21 de Setembro de 2000 envolvia a obrigação de a autora realizar trabalhos referentes a outra empresa, o que se traduzia na prática numa violação do artº 1º da LCT e do regime de cedência de trabalhadores constante do artº 26º e sgs do DL nº 358/89.

A recorrente através das suas alegações procura rebater cada um destes fundamentos. Vejamos se tem razão.

3.1 Começa a recorrente por afirmar que não houve baixa de categoria.
Nem a LCT, aqui aplicável, nem o actual Código de Trabalho, definem o conceito categoria.
A doutrina diz-nos que o termo comporta vários sentidos. Entre outros, pode ser utilizado para definir a qualificação ou habilitação profissional do trabalhador, independentemente da existência de qualquer vínculo laboral - categoria subjectiva ou pré-contratual (artº 4º da LCT). Pode também servir para identificar em termos genéricos o objecto da prestação do trabalhador (contrata-se alguém como pedreiro, cabeleireiro). Neste caso, temos a categoria contratual ou categoria função (artº 22º-1 da LCT). Pode, ainda, definir a posição do trabalhador decorrente dos instrumentos de regulamentação colectiva aplicável, nomeadamente para efeitos salariais. Então, fala-se de categoria normativa ou estatutária.(1)
Interessa-nos, sobretudo, esta última noção.
Como diz Bernardo Lobo Xavier, "categoria, nesta acepção, significa ... uma designação à qual se reporta um estatuto próprio de acordo com o prescrito por referência aos quadros, descritivos e tabelas dos instrumentos de regulamentação colectiva". Neste sentido é que se poderá "falar de um verdadeiro direito à categoria ou direito à qualificação".
Na mesma linha se encontra Monteiro Fernandes (in Direito do Trabalho, I, 9ª ed. pg 179, e sg), quando refere que é no plano da categoria, como conceito normativo, que a qualificação de funções se coloca e é reconhecida como questão de direito.
Neste plano, a categoria permite a aplicação da disciplina prevista na lei ou no instrumento de regulamentação colectiva, com repercussão em múltiplos aspectos da relação laboral, nomeadamente em termos salariais e de integração do trabalhador na estrutura organizativa e hierárquica da empresa. Enquanto conceito normativo ou estatutário, a categoria obedece aos princípios da efectividade (o que releva são as funções substancialmente pré-figuradas e não as meras designações exteriores); da irreversibilidade (uma vez alcançada certa categoria, o trabalhador não pode dela ser retirado ou despromovido); e do reconhecimento (a categoria estatuto tem que corresponder à categoria função, tem que assentar nas funções efectivamente desempenhadas). (2)
O princípio da irreversibilidade está consagrado no artº 21º-1-d) da LCT, onde se proíbe à entidade patronal "baixar a categoria do trabalhador" (com salvaguarda do disposto no artº 23º). Trata-se duma garantia que visa proteger a profissionalidade como valor inerente à pessoa do trabalhador.
Por outro lado, reconhecida determinada categoria a este, deve, em princípio, executar as tarefas inerentes a essa categoria (artº 22º do mesmo diploma) e receber (toda) a retribuição correspondente. Se o trabalhador exercer funções que não se enquadram exactamente em categorias institucionalizadas, deve ser integrado na categoria que, tendo em conta as tarefas nucleares de cada uma delas, mais se aproxime das funções efectivamente exercidas (ac. STJ de 28.09.05, revista nº 924/05, 4ª Secção).
Posto isto, destaquemos os factos com relevo nesta parte:
- em 1 de Janeiro de 1990, a autora ascendeu à categoria de secretária (nº 4 da matéria de facto);
- quando em 1999, o Entreposto Lisboa autonomizou o negócio Hyundai e este negócio passou para o Entreposto Cascais, o sr. BB passou para a gerência do Entreposto Cascais e a autora acompanhou-o, uma vez que o secretariava (n.º 17);
- passou também a secretariar o Eng. EE, Presidente do Conselho de Administração da ré;
- em 21 de Setembro de 2000, na sequência de reunião com a presença dos 3 membros do Conselho de Administração da ré, a autora foi informada pelos elementos do Conselho de Administração Dr. CC e Engº EE de que passaria, a partir do final do mês de Setembro, a desempenhar as funções que a seguir se discriminam:
- 1. Apoio de secretariado à secção de Documentação nas seguintes áreas:
1.1.Processamento de cartas e respectivos registos para envio de documentação aos clientes do Entreposto Lisboa (EL) e Entreposto LH (ELH);
1.2. Manutenção do sistema de arquivo documental da Secção de Apoio Administrativo;
- 2. Apoio de secretariado à Secção de Tesouraria das duas empresas:
2.1. Recolha de assinaturas e envio de cheques aos fornecedores do EL e ELH,
2.2. Identificação de movimentos bancários relacionados com a área comercial (recebimento por transferência bancária, identificação de movimentos diversos);
2.3. Manutenção do arquivo comercial desta secção;
- 3. Apoio de secretariado à Secção de Controlo de Créditos:
3.1. Processamento de cartas a clientes;
3.2. Colaboração na manutenção do ficheiro central de processos de crédito;
- 4. Deverá ainda ser programada formação específica nos sistemas de gestão da empresa (Autosoft e SGCV) tendo em vista o desenvolvimento de funções de apoio à área administrativa, para os quais serão necessários conhecimentos nestas matérias;
- 5. Diverso apoio de secretariado ao sector administrativo das duas empresa (EL e ELH);
- 6. Outras funções que se revelem necessárias às duas empresas (nº 37).

Também está assente que a autora, passados poucos meses após a sua admissão, passou a desempenhar funções de secretária, embora esta categoria normativa só lhe tenha sido atribuída em 1 de Janeiro de 1990.

Entendeu o tribunal recorrido que com a ordem dada à autora em 21.09.2000, a ré estava a baixar a categoria profissional desta, na medida em que a autora tinha a categoria profissional de secretária e, até aí, a sua função era secretariar membros do Conselho de Administração da ré.

A definição das funções de secretário(a) consta do anexo III do CCT celebrado entre a ACAP - Associação do Comércio Automóvel de Portugal e outros e o SITESC - Sindicato dos Trabalhadores de Escritório, Serviços e Comércio (3), nos seguintes termos:
"É o(a) trabalhador(a) que se ocupa do secretariado específico de qualquer das estruturas da empresa. Entre outras, competem-lhe, normalmente, as seguintes funções: redigir e dactilografar cartas, relatórios e outros textos e copiar directamente as minutas ou registos de máquinas de ditar, em língua portuguesa ou estrangeira, preparar a realização de reuniões de trabalho e redigir as respectivas actas; receber clientes e visitantes; assegurar o trabalho de rotina diária da sua estrutura ao nível do secretariado, incluindo recepção de correspondência e respectiva sequência; providenciar para a realização de assembleias gerais, contratos, escrituras; manter o seu arquivo e ficheiros".
No mesmo CCT, na rubrica designada "integração das profissões abrangidas pelo CCT em níveis de qualificação" (anexo II), não aparece a profissão "secretário" em qualquer dos grupos aí indicados [1. Quadros superiores; 2. Quadros médios; 3. Encarregados, contramestres, mestres e chefes de equipa; 4. Profissionais altamente qualificados; 5. Profissionais qualificados; 6. Profissionais semiqualificados (especializados); 7. Profissionais não qualificados (indiferenciados)], mas apenas a profissão "secretário de direcção" e no grupo 4 (profissionais altamente qualificados), profissão que, todavia, não consta como categoria normativa.

Bernardo Xavier faz notar que a atribuição da categoria profissional coloca-se em três planos (4) : "Um resulta da descrição o mais completa possível da situação de facto e, portanto, da análise das funções desempenhadas, dos seus requisitos profissionais e das características do posto de trabalho. Outro que releva da interpretação do IRCT e das grelhas classificativas. E o terceiro que supõe a justaposição destes planos para detectar a congruência classificatória operada em face da situação dada como verificada".
Ora, do cotejo entre as funções correspondentes às diferentes categorias profissionais definidas no anexo III (da citada CCT) e as funções atribuídas à autora, antes e a partir de 21.09.2000, verifica-se que estas se inserem - pelo menos, no seu núcleo essencial - na categoria normativa de "secretário".
Na verdade, anteriormente àquela data está provado que a autora (pelo menos, a partir de 1990) exercia funções de "secretária" e secretariou BB, quando este foi gerente, primeiro do Entreposto Lisboa e, depois, do Entreposto Cascais, altura em que terá passado também a secretariar o Engenheiro EE, situação que igualmente se verificou, quando esta sociedade foi transformada em sociedade anónima e aqueles passaram a compor o Conselho de Administração desta (a ré). Posteriormente àquela data, está provado que as funções atribuídas à autora centram-se, basicamente, no apoio de secretariado (às secções de apoio administrativo, documentação, tesouraria e controlo de créditos), seja através do processamento de cartas e respectivos registos, seja através da manutenção de ficheiros.
Aliás, a própria autora não questiona a conformidade das funções atribuídas, em 21.09.2000, com as que são inerentes à categoria profissional de secretária. O que a autora/apelante e ora recorrida sustenta é que sofreu uma "baixa de categoria" encapotada, dado as novas funções serem qualitativamente inferiores às que vinha desempenhando, situação que resultava do facto de deixar de secretariar membros do Conselho de Administração da ré e passar a dar apoio de secretariado às secções referidas.
Já vimos que o acórdão recorrido foi sensível a esta argumentação.

Salvo o devido respeito, não concordamos com tal posição.
Como resulta das considerações atrás expostas, a categoria profissional deverá corresponder ao essencial das funções a que o trabalhador se obrigou legalmente ou decorrentes dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, não sendo necessário que o trabalhador exerça todas as funções inerentes a determinada categoria, mas sim que o núcleo essencial das suas funções se enquadre nessa categoria (artº 22º da LCT).
Por isso, não se verifica baixa ou alteração de categoria se o trabalhador continuar a exercer tarefas do núcleo essencial da sua categoria.
Ora, do confronto entre as funções para que foi contratada, ou decorrentes da alteração do contrato, e as funções inerentes à respectiva categoria profissional prevista no CCT atrás citado (entre a ACAP - Associação do Comércio Automóvel de Portugal e outros e o SITESC - Sindicato dos Trabalhadores de Escritório, Serviços e Comércio), constata-se que não houve baixa de categoria (garantia consagrada no artº 21º-1- d) da LCT).
Com efeito, está assente que a autora, passados poucos meses de ter sido contratada, passou a desempenhar funções correspondentes à categoria de secretária, resultando das considerações atrás expostas que secretariar gerentes ou elementos da administração duma sociedade não corresponde a qualquer categoria normativa própria e específica, antes se insere no núcleo de funções inerentes à categoria normativa de secretário (que é, na definição constante do citado anexo III, "o(a) trabalhador(a) que se ocupa do secretariado específico de qualquer das estruturas das empresas .....")
É certo que ao secretariar elementos da administração da ré, a autora não desempenhava todas as funções previstas na respectiva categoria normativa. Simplesmente da simples circunstância de anteriormente a autora secretariar elementos da administração - funções que exigem uma especial relação de confiança - e de, posteriormente, passar a secretariar várias secções ou serviços, não se pode concluir que tenha havido uma diminuição qualitativa das funções da autora, já que tanto aquelas como estas se inserem na mesma categoria normativa (artº 22º da LAT).
Como faz notar Bernardo Xavier, (5) "o poder determinativo de função não se esgota pelo seu exercício inicial. O trabalhador pode e deve ocupar diversos postos de trabalho compatíveis com o programa negocial, ainda que diversos do posto de trabalho de admissão. E isto não é ainda propriamente polivalência, tal como é entendido actualmente".

Assente que não houve uma baixa de categoria, vejamos se foi violada a alínea i) do nº 1 da cláusula 39ª do CCT, que proíbe às empresas "mudar o trabalhador de secção ou sector, ainda que seja para exercer as mesmas funções, sem o seu prévio consentimento, quando tal mudança implique condições de trabalho mais desfavoráveis".
Há que interpretar a parte final desta cláusula.

Tratando-se de uma cláusula de cariz regulativo (artº 5º-b) do DL nº 519-C1/79, de 29.12 - LIRC), há que recorrer às regras constantes do artº 9º do CC.
Ora, como elementos de interpretação, esta norma aponta não só para as circunstâncias em que a lei (neste caso, o CCT entre a ACAP e outras e o STESC) foi elaborada (conjuntura), mas também para as circunstâncias do tempo em que é aplicada (ordenamento vivo).
Característica fundamental dos nossos dias, a nível de mercado, é a forma galopante como tudo evolui, designadamente no domínio tecnológico e no âmbito da oferta, a exigir que as empresas se sujeitem a processos de reconfiguração (empresarial) e procedam à reconversão e racionalização dos seus serviços, sob pena de não poderem subsistir num mundo altamente competititivo.
Por isso, se diz que o contrato de trabalho já não supõe - ao menos necessariamente - a prestação de um serviço repetitivo, segundo um modelo constante, por toda a vida. Antes aponta para um esforço contínuo de formação e aprendizagem que, em cada momento, permita uma adequada integração no mercado de trabalho. Por outro lado, o trabalhador tem que ter, cada vez mais, a consciência de que, ao ser contratado para uma empresa, entra para uma hierarquia empresarial mutável, dotada dum plano organizativo, que deve atender às condições conjunturais e ter capacidade de dar resposta aos novos desafios no domínio da concorrência, pois também só assim ele, trabalhador, terá garantias da manutenção do seu posto de trabalho.
Isto sem esquecer que as possibilidades de ajustamento relativas ao "factor trabalho" estão limitadas por uma regulação própria (direito de trabalho) que consagra a estabilização das condições fundamentais do trabalhador. De qualquer forma, a interpretação deste princípio tem que ser actualista, tendo em conta "as condições específicas do tempo em que é aplicado".
Daí que a referência a "condições de trabalho mais desfavoráveis", embora com um sentido essencialmente objectivo (condições mais penosas, funções com quebra de prestígio relativamente ao estatuto do trabalhador, .... ), não possa deixar de ser compreendida à luz da nova realidade económico-social.
Ora, estando provado que houve uma reestruturação dos serviços da ré e doutra empresa em relação de grupo, as quais passaram a ter responsáveis comuns em diferentes sectores e secções, o que visou uma economia de custos; que o membro do Conselho de administração da ré, o Dr CC, que passou a ser o responsável pela direcção financeira das duas sociedades, o qual tinha quem o secretariasse (a Dª FF); e tendo presente que o CTT em causa define as funções da categoria de "secretário" e enquadra esta categoria nos níveis 5, 6 e 7, distinguindo-a da categoria de chefe de divisão (nível 2), chefe de serviços/chefe de departamento (nível 3) e de chefe de secção e chefe de equipa (níveis 5 e 7), não se vê que o facto de a autora deixar de secretariar membros do Conselho de Administração da ré (actividade que não lhe conferia nenhum posto, nem lhe atribuía qualquer função directiva ou de chefia, pressupondo, fundamentalmente, uma relação de confiança) e passar a secretariar a secção de apoio administrativo, de tesouraria ou de controle de crédito (cujo movimento não justificaria, certamente, um "secretário" para cada uma) se traduza em condições mais penosas e com quebra de prestígio para a autora (pelo menos, não ficaram demonstradas).
Em bom rigor, não houve mobilidade funcional da autora, dado que as novas funções continuam a ser funções de secretariado, e muito menos mobilidade vertical descendente.
Lembremos que secretariar elementos de direcção, pelo menos no caso dos autos, não requeria qualificações especiais. Foi como escriturária que a autora passou a dar esse apoio de secretariado (factos nºs 1 a 4, em III).
Por outro lado, uma secretária de elementos duma administração, além de ter que merecer a confiança destes, deve ter um certo perfil e dar uma boa imagem no relacionamento com os outros. Além disso, deve ter a maleabilidade necessária para se desdobrar de forma a que a agenda daqueles que secretaria, naquilo que dependa de si, corra com eficiência e pontualidade. Ora, os factos constantes dos nºs 14, 15, 29, 32, 33, 34, 35, 36, 66 ... são demonstrativos de que a autora não se estaria a esforçar muito no relacionamento com os outros, nem em dar uma boa imagem da actuação da administração, o que, por certo, terá concorrido para uma perda de confiança da parte dos seus superiores e influenciado a decisão da ré no sentido da atribuição das novas funções.
Salienta-se, ainda, que, não obstante estas novas funções se encontrarem inseridas em secções da ré, com chefias próprias, não deixavam de estar numa relação de subordinação directa com a direcção, tanto assim que a tarefa recusada pela autora em Outubro de 2000, fora determinada pelo director financeiro, Dr CC, também elemento do Conselho de Administração da ré.

Da mesma forma, a simples mudança de gabinete não representa, objectivamente, condições de trabalho qualitativamente inferiores e mais desfavoráveis (para a autora).
A ocupação de determinado gabinete pelo trabalhador não poderá ser analisada isoladamente, mas antes de acordo com as funções concretamente desempenhadas por ele.
Considera-se, por isso, racional e compreensível do ponto de vista de distribuição de espaços/gabinete que a autora ocupasse um gabinete próximo da administração da ré quando secretariava os membros desta, proximidade que já não se justificava, a partir do momento em que a autora passou a secretariar as referidas secções da ré.
Além disso, a mudança de gabinete também tinha outra justificação: se a autora ficasse perto de outra colega de trabalho (a que secretariava o referido Dr. CC) poderia gerar (novas) fontes de conflito e mau ambiente de trabalho (nº 66 da matéria de facto).

Não podemos esquecer que é à ré que compete o poder organizativo do modo de prestação de trabalho. Segundo o artº 39º da LCT, cabe ao empregador fazer uma gestão funcional, eficiente e organizacional das instalações, tendo em conta as funções concretamente desempenhadas por cada trabalhador, de modo a obter um melhor aproveitamento na actividade desenvolvida (respeitando, obviamente, as respectivas condições de trabalho), sem que daí se possa concluir pela verificação de qualquer diminuição qualitativa das suas funções.

Refira-se, ainda, que tendo a ré e a outra empresa do grupo (Empresa-C) responsáveis comuns nas secções onde a autora passaria a dar apoio de secretariado, nem sequer se pode dizer que esta passou a ficar subordinada a trabalhadores de outra empresa (a matéria constante dos nºs 61 e 62 - em III - têm que ser interpretada neste sentido, ou seja, articuladamente com os factos que constam dos nºs 54 a 60).

Conclui-se, assim, dando razão à recorrente, que a mudança de funções da autora (e de gabinete) não consubstancia qualquer baixa de categoria, nem condições de trabalho mais desfavoráveis, referindo-se que os acórdãos citados pela recorrida nas suas contra-alegações foram proferidos há muito mais duma década, noutras circunstâncias, quando não havia o referido CCT.

3.2 Diz, ainda, a Relação - para justificar a inexistência de justa causa - que a alteração de funções implicava que a autora realizasse trabalhos referentes a outra empresa do mesmo grupo, o que se traduzia na prática numa violação do regime de cedência de trabalhadores constante do artº 26º e sgs do DL nº 358/89 (LTT) e do artº 1º da LCT.
A recorrente insurge-se contra este entendimento.
Os artigos 26º a 30º deste diploma foram revogados pelo artº 21º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, lei que aprovou o Código de Trabalho. Todavia é perante aquele diploma que a questão tem que ser apreciada (artºs 3º e 8º-1, 2ª parte, da citada lei).
O DL nº 358/89 não contém a noção de cedência ocasional de trabalhadores. A doutrina definiu-a, como "o negócio através do qual uma empresa cede, provisoriamente, a uma outra, um ou mais trabalhadores, conservando, no entanto, o vínculo jurídico-laboral que com eles mantém" (6) . Verifica-se esta figura jurídica quando um trabalhador de determinada empresa passa a desenvolver a sua actividade noutra empresa, sob a direcção desta, mantendo a relação contratual com a primeira empresa, que continua a ser a sua entidade empregadora. Finda a cedência ocasional, o trabalhador volta a prestar a sua actividade junto da empresa cedente (o empregador).
Esta noção corresponde, no essencial, à que consta do artº 322º do CT («A cedência ocasional de trabalhadores consiste na disponibilização temporária eventual do trabalhador do quadro de pessoal próprio de um empregador para outra entidade, a cujo poder de direcção o trabalhador fica sujeito, sem prejuízo da manutenção do vínculo contratual inicial»).
O legislador de 1989 admite o recurso à cedência ocasional, em termos limitados (artºs 26º e sgs), estabelecendo no nº 1 do artº 27º as condições de cuja verificação cumulativa depende a licitude da cedência ocasional de trabalhadores não regulada em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e que são: vinculação definitiva do trabalhador cedido à empresa cedente - alínea a); colaboração entre empresas associadas - alínea b); e o acordo do trabalhador - alínea c).

Para resolver a questão de saber se houve ou não cedência ocasional da autora importa ter presente os seguintes factos:
- em 2 de Março de 1981, a autora foi contratada por Empresa-B;
- em 1993, a autora foi transferida para a Sociedade Empresa-C (nº 5);
- em 1999, o Empresa-C autonomizou o negócio Hyundai e este negócio passou para o Empresa-D;
- BB passou para a gerência do Empresa-D e a autora acompanhou-o, uma vez que o secretariava, passando também a secretariar o Eng. EE (a transferência da autora ocorreu em 1 de Junho de 1999 - nºs 6, 17 e 18);
- por escritura pública de 27.10.99, a sociedade Empresa-D foi transformada em sociedade anónima, adoptando a firma Empresa-A (a ré);
- o Conselho de Administração da ré é composto por 3 elementos: o Engº EE (Presidente), o Dr. CC e BB (vogais - nº 8);
- a Direcção Financeira, da responsabilidade do Dr. CC, é comum à ré e ao Entreposto Lisboa;
- as secções de Contabilidade da ré e do Empresa-C têm um responsável comum às duas empresas (o sr. II- nº 56);
- as secções de Tesouraria da ré e do Empresa-C têm um responsável comum às duas empresas (a Dra. JJ - nº 57);
- as secções de Controle de Créditos da ré e do Empresa-C têm um responsável comum às duas empresas;
- as secções de Apoio Administrativo da ré e do Empresa-C têm um responsável comum às duas empresas (a D. DD);
- esta solução visou fundamentalmente uma economia de custos uma vez que se trata de duas empresas inseridas no mesmo Grupo Económico que prosseguem actividades inteiramente paralelas embora uma dedicada à marca coreana, Hyundai, e a outra às marcas japonesas Nissan e Subaru (nº 60).
- as sucessivas mudanças (da autora) dentro do Grupo Entreposto a que a ré pertence, não afectaram nem a antiguidade da autora, a qual se reporta a 2 de Março de 1981, nem a sua categoria profissional.

Não oferece discussão que estamos perante empresas - Empresa-A. e Sociedade Empresa-C - que integram o mesmo Grupo societário (Entreposto).
As partes também aceitam que a autora está vinculada àquela (Empresa-A) por contrato de trabalho sem termo.
Também resulta da matéria provada que aquelas duas sociedades têm uma Direcção Financeira comum, e que as suas secções de contabilidade, tesouraria, controle de créditos, apoio administrativo têm (à frente) responsáveis comuns às duas empresas.
E também está provado que esta solução visou fundamentalmente uma economia de custos uma vez que se trata de duas empresas inseridas no mesmo Grupo Económico que prosseguem actividades inteiramente paralelas, embora uma dedicada à marca coreana Hyundai e a outra às marcas japonesas Nissan e Subaru.
Não podemos também esquecer que o aparecimento dos grupos de empresas são uma consequência da evolução da própria sociedade (a nível da economia, comércio, tecnologia e, sobretudo, a nível concorrencial).
Na verdade, como diz Abel Sequeira Ferreira (Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, vol II, "Justa Causa de Despedimento", pág. 205), "...a intensidade da competição implica que as empresas se reorganizem em estruturas dotadas de flexibilidade e agilidade, circunstância que explica a preferência pelas formas de agrupamento, em prejuízo da técnica societária das fusões, na medida em que, através daquela técnica de concentração, é possível manter, no interior do grupo, empresas de diferente dimensão gerindo, de acordo com as necessidades, a respectiva maleabilidade e capacidade de desenvolvimento de actividades especializadas a preços mais competitivos".
Também a propósito da relevância jurídico-laboral dos grupos de sociedades, Maria Irene Gomes (7), citando J. A. Engrácia Antunes, acentua que, embora o grupo constitua uma unidade de acção e decisão económica não é tratado como verdadeiro centro de imputação jurídica: assim, enquanto no plano de facto a empresa de grupo actua como um sujeito de acção económica, no plano jurídico existem apenas as diversas sociedades individuais que compõem esse grupo, não se reconhecendo este, enquanto tal, como sujeito de direitos.
E, quanto à dificuldade que, por vezes, existe em tal situação (de grupo de empresas), de determinar qual o empregador do trabalhador, considera aquele autor (Abel Ferreira) que o empregador é a entidade sob cujo poder de direcção o trabalhador presta a sua actividade hetero-determinada (pgs 238 e segs). Ou seja, os vínculos de natureza económica existentes entre as empresas em relação de grupo, nas quais eventualmente se repercuta a actividade do trabalhador, não alteram a relação jurídica laboral, fundada no critério da subordinação jurídica.
[Abre-se este breve parêntesis para referir que o artº 92º do actual Código do Trabalho consagra expressamente a possibilidade de, verificados determinados requisitos, o trabalhador poder obrigar-se a prestar trabalho a vários empregadores entre os quais exista uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo.]

Neste momento o que está em discussão é saber se as novas funções comunicadas à autora em 21 de Setembro de 2000 pelos elementos do Conselho de Administração da ré, Dr. CC e Engº EE (dar apoio de secretariado: à secção de Documentação ...., o que incluía o processamento de cartas e respectivos registos para envio de documentação aos clientes do Empresa-C e Empresa-A) .....; à Secção de Tesouraria das duas empresas ...., o que incluía recolha de assinaturas e envio de cheques aos fornecedores do Empresa-C e Empresa-A .....; à Secção de Controlo de Créditos .....; ao sector administrativo das duas empresa, podendo ainda desempenhar outras funções que se revelassem necessárias às duas empresas) configuram ou não uma cedência ocasional da autora ao Empresa-C.
A resposta é negativa.
Com efeito, a cedência pressupõe a utilização do trabalhador por terceiros, sendo estes que passam a exercer sobre o trabalhador os poderes de direcção e autoridade próprios da entidade empregadora (nº 1 do citado artº 26º).
Ora, não é esta situação dos autos. A atribuição das novas funções não significava que a autora passasse a desenvolver a sua actividade noutra empresa, sob a direcção desta. A autora continuava a prestar a sua actividade à ré - continuando esta a exercer o seu poder de autoridade e direcção -, embora numa ou outra área a autora pudesse fazer algumas tarefas que diziam respeito a outra empresa do grupo. Para isto concorria o facto das duas empresas terem em comum vários serviços (eram comuns os responsáveis da Direcção Financeira, das Secções de contabilidade, Tesouraria, Controlo de Créditos, Secções de Apoio Administrativo), estruturação que visou, fundamentalmente, uma economia de custos, em virtude de serem empresas inseridas no mesmo grupo económico e que prosseguiam actividades paralelas.
Não pode, pois, a relação de trabalho subsumir-se à figura jurídica da cedência ocasional de trabalhador, importando também aqui dar razão à recorrente.

3.3 Resta determinar se a autora, enquanto trabalhadora da ré, podia ser encarregada de realizar tarefas que não diziam respeito à entidade empregadora, mas a outra empresa em relação de Grupo. Tal facto violaria o artº 1º da LCT?
A resposta, adiantando já a conclusão, deverá ser negativa.
Como é sabido, o critério decisivo para determinar a relação jurídica de trabalho é o da subordinação jurídica e é facto incontroverso que a autora mantinha essa subordinação jurídica em relação à ré.
Importa também ter presente que o contrato de trabalho assenta numa relação fiduciária, em que assume especial relevância a confiança recíproca.
Por outro lado, o objecto do contrato de trabalho é a actividade do trabalhador ou, se se quiser, a disponibilidade da força de trabalho. Através do contrato, a entidade empregadora adquire o poder de dispor da força de trabalho do trabalhador, mediante o pagamento de uma retribuição.
No caso, verificam-se tais características: a autora, após a mudança de funções, continuava a disponibilizar a sua força de trabalho para ré.
De qualquer modo, e como já se referiu, tendo a ré e a outra empresa do grupo (Empresa-C) responsáveis comuns em diversas secções, nem sequer se pode dizer que a autora passava a ficar subordinada a trabalhadores de outra empresa.
Acresce que as tarefas que a autora iria, eventualmente, exercer em benefício do Empresa-C, apresentam-se meramente secundárias e acessórias em relação ao trabalho que desenvolvia para a ré (pelo menos, em face da comunicação feita à autora em 21.09.2000).
Mostrando-se provado que se verificaram diversas e sucessivas mudanças dentro do grupo Entreposto a que a ré pertence, que não afectaram a antiguidade e a categoria a que a ré pertence e que entre as mudanças se conta a autonomização do negócio Hyundai (do da Nissan); resultando, ainda, dos factos provados que estamos perante empresas do mesmo grupo económico que prosseguem actividades paralelas e que, tendo em vista a economia de custos, apresentam diversos sectores com responsáveis comuns, o que não se compagina com uma divisão de serviço entre as duas empresas, em termos absolutamente estanques, considera-se razoável, neste circunstancialismo, que a autora pudesse vir a ser incumbida da realização de algumas tarefas que dissessem respeito ao Entreposto de Lisboa. Por outras palavras, não podemos concordar com o tribunal recorrido quando considera que a "ordem" dada em 21.09.01 viola o citado artº 1º, sendo por isso ilegítima.
Naturalmente que se, na execução daquela "ordem", se constatasse que o trabalho primordial realizado ou a realizar pela autora respeitava essencialmente ao Entreposto Lisboa, os termos e a solução a dar à questão equacionada poderiam ser diferentes.
Note-se, a este propósito, que na correspondência, por e-mail, que a autora remeteu a um membro do Conselho de Administração a manifestar o seu desagrado pela alteração de funções, não faz qualquer alusão ao facto de algum do trabalho a efectuar dizer respeito a outra empresa do grupo, que não a ré, o que parece ao menos indiciar que tal situação não assumia para si particular relevância.
Também, nesta parte, há que dar razão à recorrente.

3.4 Considerando que a "ordem" dada em 21.09.2000 não era contrária aos direitos e garantias da autora (artº 20º-1-c), parte final, da LCT), resta determinar se as condutas imputadas à autora constituem, ou não, justa causa de despedimento.
Aplica-se ao caso dos autos o regime jurídico aprovado pelo DL nº 64-A/89, de 27.02, e revogado pela Lei nº 99/2003 (artº 21º-1-m) e artº 8º-1, 2ª parte).
O artº 9º-1 da LCCT dá, em cláusula geral, a definição de justa causa: é todo o comportamento culposo do trabalhador ...; que, pela sua gravidade e consequências ...; torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
A justa causa disciplinar pressupõe um acto ilícito - violação dos deveres a que o trabalhador se encontra sujeito e que decorrem do vínculo contratual - imputável àquele a título de culpa.
Não basta, porém, qualquer comportamento do trabalhador (artº 12º-5 da LCCT). Ele tem que ser objectivamente tão grave, em si mesmo e nas suas consequências, que, quebrando a confiança que deve existir entre as partes no cumprimento dum contrato daquela natureza, torne irremediável a ruptura da relação contratual (nexo causal). Isto porque se conclui não existir outra sanção susceptível de sanar a crise contratual aberta pelo comportamento do trabalhador, deixando de ser exigível do empregador o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo laboral.
Tal como a culpa, também a gravidade do comportamento do trabalhador e a inexigibilidade da permanência do contrato de trabalho devem ser apreciadas, não em função do critério subjectivo do empregador, mas colocando-nos na perspectiva de um bom pai de família, que, no caso concreto, corresponde ao do empregador normal, norteado por critérios de objectividade e razoabilidade.

Como já referimos, tanto a 1ª como a 2ª instância entenderam que os únicos comportamentos da autora susceptíveis de integrar a justa causa eram estes:
- no dia 4 de Outubro de 2000, por instruções do Administrador, Dr. CC, a colega (da autora) DD, entregou à autora expediente relacionado com processos de viaturas contendo documentos que deveriam ser enviados a clientes (factos enumerados sob o nº 45) .
- a autora não aceitou o trabalho, alegando que ainda se estava a instalar e não estava em condições de aceitar trabalho (nº 46);
- no dia 6 de Outubro de 2000, por instruções do Dr. CC, a colega DD voltou a entregar à autora o trabalho que lhe tentara entregar no dia 4 de Outubro (nº 47);
- a autora não aceitou tal trabalho, alegando que estava muito ocupada (nº 48);
- ficou então assente que a autora quando pudesse contactaria DD pelo telefone (nº 49);
- a ré ainda não tinha distribuído à autora qualquer tarefa, com excepção da que pretendera entregar e que a autora não aceitou (nº 50);
- no dia 11 de Outubro de 2000, por instruções do Dr. CC, a colega DD voltou a entregar à autora o (mesmo) trabalho que ela não aceitara nos dias 4 e 6, não aceitando a autora de novo recebê-lo, alegando que queria uma ordem por escrito do Dr. CC para aceitar o trabalho (nº 51);
- posteriormente, nos dias 18 de Outubro e 30 de Outubro, o Administrador Dr. CC, chamou a autora ao seu gabinete para lhe entregar o trabalho que a DD lhe pretendeu confiar e de novo a autora não o aceitou, reafirmando que carecia de uma ordem por escrito (nºs 52).

Desde já se adianta que, tal como decidiu a 1ª instância, tais comportamentos não podem deixar de configurar uma desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores (alínea a) do nº 1 do citado artº 9º e alínea c) do nº 1 do artº 20º da LCT).
Ainda que (com algumas reticências) se pudesse compreender e aceitar a justificação apresentada no dia 4 de Outubro para não aceitar o trabalho (com reticências, porque a mudança já tinha ocorrido no dia anterior), o mesmo já não acontece relativamente às posteriores recusas e desculpas apresentadas: primeiro, não aceitava o trabalho por estar muito ocupada - quando é certo que desde que mudou de funções e gabinete a ré ainda não lhe tinha distribuído qualquer trabalho; depois, com a exigência de a ordem ser por escrito.
Não resultando provada qualquer razão justificativa para esta exigência formal, entendemos tal como a 1ª instância, que ao condicionar o dever de obediência à observância da forma escrita, isso equivalia a uma recusa de cumprimento da mesma.
Na verdade, não pode aceitar-se que, no desenvolvimento de uma relação laboral, um trabalhador só esteja obrigado a cumprir ordens dadas por escrito pela entidade empregadora. Tal exigência conduziria, necessariamente, a um bloqueio da sua actividade que inviabilizaria o normal funcionamento da empresa.
E não envolvendo a ordem dada uma diminuição qualitativa das funções da autora, estava esta obrigada a cumpri-la. Não o fazendo violou o dever de obediência a que estava sujeita.
De resto, o objecto da ordem que a autora não cumpriu consistia no envio de documentos a clientes, tarefa que era compatível com as anteriores funções e que ela teria que executar, caso se mantivesse a secretariar os administradores da ré. Acresce que tal serviço foi solicitado pela própria administração.
Como se refere, na sentença recorrida, os factos integrantes da desobediência, praticados na presença doutra trabalhadora, revelam "uma atitude persistente de desafio" que se manteve mesmo quando a ordem lhe foi dada directamente por um dos membros do Conselho de Administração da ré. Tais factos são susceptíveis de abalar irremediavelmente a relação de confiança que deve existir entre empregador e trabalhador.
A esta conclusão não obsta o facto de um dos membros do Conselho de Administração manter a confiança na autora, pois o que releva é a perda de confiança do órgão colegial, perante quem a autora responde.
De resto, aquela circunstância, só assumiria algum significado se a autora passasse a trabalhar e a depender exclusivamente daquele membro, o que não aconteceu.

Não era, assim, exigível à ré, nas circunstâncias apuradas, manter nos seus quadros uma trabalhadora que já havia desempenhado funções que requeriam uma especial relação de confiança e que depois, ostensiva e repetidamente, desrespeita a disciplina e a organização de trabalho na empresa.
Sublinha-se, ainda, que com as suas recusas em aceitar trabalho, a autora manteve-se inactiva durante, pelo menos, 26 dias (de 4 de Outubro, quando a ré pela primeira vez pretendeu entregar-lhe o trabalho, até 30 de Outubro, data em que se verificou a última tentativa para a entrega do trabalho).
Tudo para dizer que se mostram configurados os três requisitos da justa causa: comportamento culposo do trabalhador (desobediência ilegítima); impossibilidade de subsistência da relação de trabalho (a falta disciplinar torna inexigível à ré a subsistência da relação laboral); e nexo causal (entre aquele comportamento e esta impossibilidade).

V - Decidindo
Nestes termos, acordam em conceder a revista e em revogar o acórdão recorrido, mantendo-se a decisão da 1ª instância que absolveu a ré do pedido.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 7 de Dezembro de 2005
Maria Laura Leonardo, (Relator)
Sousa Peixoto,
Sousa Grandão.
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(1) Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, pg 433 e sgs; e Bernardo Lobo Xavier, in Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 2ª ed., pg 319 e sgs.
(2) Menezes Cordeiro, in Manual do Direito de Trabalho, pg 665 e sgs.
(3) Publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 4, de 29-01-99, sendo que por a autora ser associada do SÍNTESE e a ré da ACAP, é-lhes aplicável o referido CCT (artº 7º do DL nº 519-C1/79, de 29-12)
(4) Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXXIX, 1997, pág. 92.
(5) Obra citada, pág. 69.
(6) Entre outros, Regina Redinha, in " A Relação Laboral Fragmentada, Estudo Sobre o Trabalho Temporário", Coimbra, 1985; Catarina Nunes de Carvalho, in "Da Mobilidade dos Trabalhadores no Âmbito do Grupo de Empresas Nacionais.
(7) Grupos de sociedades e algumas questões laborais, Questões Laborais, ano V, 1998, pág. 172.