Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | ABRANCHES MARTINS | ||
Descritores: | PROCESSO PENAL RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RECURSO PENAL ADMISSIBILIDADE | ||
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Nº do Documento: | SJ200310160032635 | ||
Data do Acordão: | 10/16/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 3503/03 | ||
Data: | 05/08/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. No processo comum colectivo nº 297/01.9 PAMTA, do 3º Juízo da Comarca da Moita, respondeu, sob a acusação do Ministério Público, o arguido A, que foi condenado, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do Dec-Lei nº 15/93, na pena de quatro anos de prisão. Inconformado com esta decisão, dela o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu rejeitá-lo por manifesta improcedência. De novo inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Respondendo, o Ministério Público pugnou pela manutenção do acórdão recorrido. Aposto, neste Supremo Tribunal, o visto do Exmo. Provedor-Geral Adjunto, o relator pronunciou-se pela rejeição do recurso, por a decisão ser irrecorrível. Dispensados os vistos, vieram os autos à conferência para ser decidida esta questão. Cumpre, pois, decidir. 2. Estamos perante, um acórdão da Relação de Lisboa que, ao rejeitar o recurso do arguido-por manifesta improcedência-confirmou a decisão da 1ª instância. Trata-se, pois, de uma proferida pela Relação, em recurso, da qual só se pode recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça se a mesma não for irrecorrível. É o que dispõe a al. b) do art. 432º do C.P.P., remetendo para o disposto no art. 400º do mesmo diploma. No presente caso, apenas o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal. Assim, há que ter em conta o disposto no art. 409º, do C.P.P. no que concerne à proibição da "reformatio in pejus, segundo a qual, interposto recurso da decisão final somente pelo arguido - que é o caso que ora releva - o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes - v. o n.º 1 do referido art. 409º. Isto significa que a pena aplicável pelo tribunal de recurso - mormente a de prisão (v. o n.º 2 daquele art. 409º) - a cada um dos crimes, por cuja prática o arguido foi condenado, não pode ser superior à pena aplicada pelo tribunal recorrido a cada um dos mesmos crimes - v., entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 11-4-2002 (proc. nº 150/02-3ª Secção), dois de 27-3-2003 (proc. nºs 859/03 e 870/03, ambos da 5ª Secção), de 5-6-2003 (proc. nº 2150/03-5ª Secção) e de 3-7-2003 (proc. nº 2445/03-5ª Secção). Ora, "in casu", a Relação de Lisboa, ao confirmar a decisão da 1ª instância, aplicou ao arguido, aqui recorrente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, a pena de quatro anos de prisão. Assim, por um lado, dado que a pena aplicável pela via de novo recurso - agora para este Supremo Tribunal - não pode exceder a que foi aplicada pela Relação, sendo a mesma de quatro anos de prisão, não é admissível o presente recurso face ao disposto no art. 400º, nº 1, al. e), do C.P.P., pelo que o mesmo tem de ser rejeitado nos termos dos arts. 414º, n.º 2 e 420º, n.º 1 do C.P.P.. Por outro lado, estamos perante um acórdão condenatório da Relação que confirmou a decisão da 1ª instância, em processo por crime ao qual, pela via de novo recurso, não é aplicável pena de prisão superior (pena de prisão superior) à já aplicada pela Relação, pelo que, face ao disposto no art. 400º, n.º 1, al. f), do C.P.P., sendo a mesma inferior a oito anos de prisão, também não é admissível o presente recurso, que, assim, ainda tem de ser rejeitado por este motivo nos termos dos arts. 414º, n.º 2 e 420º, n.º 1, do C.P.P. Em qualquer dos casos de rejeição do mesmo, este Supremo Tribunal não está vinculado pela decisão que admitiu o recurso - n.º 3 do citado art. 414º. Pelo exposto, acorda-se em rejeitar o recurso. Condena-se o recorrente nas custas, com 2 UCs de taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido, e no pagamento de 4 UCs nos termos do art. 420º, n.º 4 do C.P.P. Lisboa, 16 de Outubro de 2003 Abranches Martins Oliveira Guimarães (voto a decisão) Carmona da Mota (com "declaração do voto" em anexo.) ---------------------------------- DECLARAÇÃO DE VOTO O acórdão recorrido foi proferido em recurso pela Relação em processo por crime a que, abstractamente, é aplicável pena de prisão de 4 a 12 anos (art. 21.1 do dec. lei 15/93). «Nos termos do artigo 399 ° do Código de Processo Penal, a regra geral ditada pela natureza do recurso em processo penal, enquanto garantia constitucionalmente conferida no artigo 32º, n° 1, da Constituição (garantias de defesa), é a da recorribilidade das decisões [condenatórias]» (STJ 02JUL03, recurso 1882/03-3, Henriques Gaspar - Antunes Grancho - Polibio Flor (1). «A construção do modelo e a estruturação dos recursos, e o respeito pela garantia inerente à possibilidade, como regra, de reapreciação das decisões em processo penal, impõe, como principio, a previsão e a disponibilidade efectiva de um duplo grau de jurisdição. Mas a garantia não se esgota no duplo grau. Em determinadas circunstâncias, que relevam das escolhas processuais do legislador, a lei pode prever, e prevê na integração que entende fazer da dimensão constitucional, um terceiro grau de jurisdição, com a possibilidade de recurso de decisões da relação para o Supremo Tribunal, sobre questões de direito.. (idem). «A jurisdição do Supremo Tribunal, como jurisdição de última instância em matéria penal, está definida no artigo 432.º do Código de Processo Penal, no que importa ao caso, na alínea b): há recurso para o Supremo Tribunal de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400°. Esta disposição determina que são irrecorríveis os acórdãos condenatórios proferidos em recurso pelas relações em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos. E, por isso, que não são irrecorríveis (ou seja, são susceptíveis de recurso para o Supremo) os acórdãos proferidos em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a oito anos» (idem). «Na norma do artigo 400°, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, existe, desde logo, uma referência literal central, de verdadeira ancoragem interpretativa, que tem um inafastável sentido de prima facie, tão claro e impressivo nas fórmulas, que não poderá, salvo poderosos motivos de desconformidade racional, deixar de ser tomada no sentido, dir-se-ia natural: a referência a pena aplicável, que é, no sentido comum, a pena definida na moldura penal de cada tipo de crime» (idem). «E o primeiro elemento de interpretação, ponto de partida de toda a interpretação, é o elemento literal. Com efeito, na norma do referido artigo 400º, alínea f), os elementos verbais da centralidade da norma - por crime; a que seja aplicável - têm de ser tomados na sua conjugação e entre-relacionamento lógico, e nesta medida, na relação directa que está estabelecida entre "por crime" e "pena aplicável". Esta relação aponta, no quadro das conjugações conceituais próprias do direito penal e da definição dos crimes e das penas, para referências de natureza abstracta: a pena aplicável é a que está definida na moldura penal fixada para um determinado tipo legal de crime antes de ser objecto de qualquer acto de aplicação concreta» (idem). «Efectivamente, quando a lei pretende consagrar um significado próprio e diverso deste entendimento, afirma-o expressamente, como no caso de relevância da pena máxima aplicável no concurso de infracções - artigo 14º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal. A consideração deste elemento sistemático é, aqui, de acentuada relevância: quando a lei pretendeu atribuir um significado especifico - e só se compreende a expressa definição se quiser dizer-se algo que se afasta do entendimento resultante dos significados usuais - di-lo expressamente e define o espaço próprio e especifico que pretende para determinado significado. Neste sentido de relação imediata entre a expressão das noções e a substância dos conceitos, o que define, previamente, a recorribilidade é a circunstância de a pena aplicável (a que pode ser aplicada dentro de uma moldura abstracta correspondente a determinado tipo de crime) ser ou não superior a determinado "limite» (idem). «É a gravidade abstracta do crime (aferida, legalmente, pela «pena aplicável») e não a sua concreta gravidade (aferida, judicialmente, pela «pena aplicada») que determina a recorribilidade ou irrecorribilidade, para o STJ, dos acórdãos proferidos em recurso pelas Relações» (STJ 27MAR03, recurso 870/03-5, Carmona da Mota vencido). «A pena aplicável é definida pela moldura do crime e não pelos limites da sua concretização intraprocessual» (STJ 02JUL03, recurso 1882/03-3, Henriques Gaspar - Antunes Grancho - Polibio Flor). «Não é admissível recurso, entre outros, "de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções" - art.º 400.º, n.º 1, f), do mesmo diploma adjectivo. Poderá esta disposição excepcional [no verdadeiro sentido do termo porque na realidade estabelece uma excepção ao falado principio geral da admissibilidade dos recursos] comportar o sentido restritivo do direito ao recurso que lhe empresta o [acórdão]? A resposta (...) não poderá deixar de ser negativa. Desde logo, porque a letra da lei parece não oferecer grande margem para dúvidas quando estatui, por forma muito clara, que a irrecorribilidade de que fala a alínea f), do artigo 400.º supra transcrita, há-de referir-se a «processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos». Sendo de presumir, nos termos do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil - principio geral em matéria de interpretação de leis - "que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados", dificilmente poderá aceitar-se que, por um lado, se referisse a pena aplicável com o mesmo sentido de pena aplicada [mas insusceptível de agravamento em recurso]. A ser assim, o mínimo que se exigiria, de quem sabe exprimir-se naqueles termos presumidamente correctos, é que à expressão pena aplicável tivesse sido equiparada expressamente a situação mencionada de pena aplicada insusceptível de agravação em recurso ou outra equivalente» (STJ 26-06-2003, recurso 1797/03-5, Pereira Madeira, vencido). «Esta leitura de primeira apreensão é também confortada pela intervenção de princípios do processo penal. A modelação do sistema de recursos em processo penal pretende, como é manifesto, dar também execução ao imperativo constitucional do recurso como garantia de defesa. A circunstância de a lei de processo prever um outro (segundo) grau de recurso em certos casos apenas significa que essa foi a intenção concretizadora da directiva constitucional e, por isso, a interpretação das normas sobre a admissibilidade deve ser conformada como se se tratasse, também nessa medida, de uma imposição constitucionalmente derivada. Mas sendo assim, como parece irrecusável, a interpretação deve ser então no sentido da garantia e não no sentido da restrição.. (STJ 02JUL03, recurso 1882/03-3, Henriques Gaspar - Antunes Grancho - Polibio Flor). «Se é certo, face ao preceituado no artigo 11.º, ainda do Código Civil, que as normas excepcionais, não comportando, embora, ao menos para a nossa lei, aplicação analógica, admitem interpretação extensiva, não é menos verdade que, mesmo aqui, importa actuar com cautelas, tal como de resto se pronunciou o Parecer da Procuradoria-Geral da República, de 8/7/76 (2), segundo o qual «a interpretação extensiva só é possível quando o intérprete conclua pela certeza de que o legislador se exprimiu restritivamente, dizendo menos do que pretendia (minus dixit quam voluit». Debruçando-se sobre o sentido da citada alínea f), escreve GERMANO MARQUES DA SILVA (3) que tal norma constitui uma aplicação do principio da dupla conforme. «Se a decisão condenatória da 1.ª instância for confirmada em recurso pela relação, só é admissível recurso se a pena aplicável for superior a oito anos» . É este sentido estrito da excepção que resulta do texto da lei, supostamente elaborada por um legislador capaz de exprimir-se convenientemente. Não parece, assim, resultar da lei qualquer suspeita e, muito menos, certeza, de que o legislador disse menos do que queria.. (STJ 26-06-2003, recurso 1797/03-5, Pereira Madeira, vencido) «Sendo o recurso uma garantia constitucional, o Tribunal de recurso, como qualquer outro Tribunal competente em matéria penal, deve também ser predeterminado por lei. E predeterminado por lei tem de significar que, no momento relevante para o exercício do direito de recurso, o Tribunal tem de estar determinado e prefixado por derivação directa, pura e simples, da lei, e não com a determinação condicionada por meras contingências do processo, como seria o caso de ser ou não admissível recurso conforme o MP recorresse ou não (4). O momento relevante do ponto de vista do titular do direito de recurso é coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer: é esta que contém e fixa os elementos determinantes para a decisão que o interessado toma sobre o exercício do direito. O Tribunal de recurso e as condições de exercício do direito têm de estar determinados nesse momento, não podendo, salvo afectação dos princípios do recurso e da predeterminação do Tribunal, estar dependentes de condições subsequentes, não domináveis pelo titular do direito e inteiramente contingentes, como seja, no caso, a circunstância de o Ministério Público interpor ou não recurso. A predeterminação do Tribunal e as condições do exercício do direito têm, pois, de estar fixadas no momento relevante: seja, por exemplo, na acusação, nos casos em que o MP usa da faculdade conferida pelo artigo 16°, n° 3, do Código de Processo Penal, seja também no recurso, quando o titular do direito está em condições de o exercer. A determinação ex post, contingente e ocasional, do tribunal de recurso, ou mesmo sobre a existência do direito ao recurso, contraria, de modo marcado, os referidos princípios, não podendo valer uma interpretação que seja simultaneamente contra a letra e os princípios» STJ 02JUL03, recurso 1882/03-3, Henriques Gaspar - Antunes Grancho - Políbio Flor). (5) Por outro lado, «(...) há ou parece haver uma certa petição de princípio na tese proposta, ao assentar em que, nos casos como o sujeito, "pena aplicável se confunde com pena aplicada", uma vez que não havendo recurso do MP, e face à proibição da reformatio in pejus, ao tribunal de recurso já não seria possível ir para além da pena em que as instâncias convergiram. É que, em primeiro lugar, bem pode dar-se o caso de a pena aplicada poder ter sido o resultado infeliz de um (...) erro de direito por parte das duas instâncias. E não parece aceitável, do ponto de vista da defesa efectiva dos direitos do arguido, que este não possa levar o caso perante o Supremo Tribunal de Justiça, não só - como será legitimo - para ver reduzida a pena, se for esse o caso, como, mais do que isso, para, junto do mais alto tribunal, defender, mesmo, a sua absolvição, caso em que (...) não haveria lugar (...) a pena (...) aplicável (...). Daí a razão de ser da falada petição de princípio que parte do pressuposto, não demonstrado e inaceitável, de que a pena aplicada no caso é uma realidade imodificável, uma espécie de caso julgado... unilateral [porque eficaz apenas contra o arguido]» (STJ 26-06-2003, recurso 1797/03-5, Pereira Madeira, vencido). «Depois - e não menos importante - [a interpretação proposta] não (...) parece aceitável do ponto de vista do principio constitucional da igualdade de armas (logrando portanto, duvidosa cobertura nas atinentes previsões, entre outras, nomeadamente a do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição). Na verdade, verificando-se dupla conforme, isto é, convergência de posições entre as instâncias quanto à condenação, só à acusação ficaria reservado, na interpretação proposta, o direito ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, direito que, assim, seria incompreensivelmente negado ao condenado, o que, privilegiando sem razão aparente a "parte acusadora", colocaria a defesa numa injustificada situação de inferioridade e incomportável desigualdade processual. Nem se argumente, ex adverso, que, se o Ministério Público decidir recorrer, então já o arguido o poderá fazer também em igualdade de armas ... e que, enfim, a existir aqui alguma ofensa a tal principio, ela compensaria de algum modo a que - pendendo a favor do arguido - já resulta da irrecorribilidade em caso de dupla conforme absolutória contemplada na alínea d) do n.º 1, do mesmo artigo 400.º. É que, por um lado, não se vê onde possa residir a reclamada igualdade de posições processuais ou de armas quando o direito ao recurso do arguido é subtraído à sua própria avaliação e fica dependente de ponderação e avaliação alheias. E, por outro, tratando-se na dupla conforme absolutória de preservar a absolvição, dá-se, por essa via, corpo visível à regra da liberdade consagrada, nomeadamente, no artigo 27.º, n.º 1, da Lei Fundamental. E, sobretudo, à garantia constitucional de processo criminal, decorrente da "dignidade da pessoa humana" (art.º 1.º), de que "todo o arguido se presume inocente" (art.º 32.º, n.º 2), O que não sucederia no caso vertente, em que a violação favoreceria a parte acusadora (na decorrência de uma qualquer presunção de culpabilidade do arguido) em detrimento precisamente da parte constitucionalmente presumida inocente» (idem). Enfim, «não se desconhece o argumento de existência de alguma contradição no sistema (...), segundo o qual, haverá casos de crimes puníveis, em abstracto, com pena de prisão não superior a oito anos, que, em face das penas concordantes aplicadas se tornam irrecorríveis, por aplicação do regime daquela alínea f), enquanto outros, por crimes a que corresponde moldura penal abstracta de máximo superior a oito anos, mas objecto de condenação mais leve que os primeiros, logram o beneficio do recurso [da defesa]. O que seria um paradoxo. Mas a contradição é, apenas, aparente. Com efeito, trata-se aqui de uma clara questão de política legislativa a que só o legislador pode dar resposta e que os tribunais, independentemente da visão critica que sobre ela possam ter, devem respeitar. A resposta é simples: a gravidade dos últimos casos, aferida, como deve ser, pela moldura abstracta, é bastante, para, independentemente de qualquer que tenha sido a pena concreta, justificar, daquela óptica político-legislativa, que uns devam ser recorríveis e outros não. Se tal critério se revelar desajustado, ao legislador compete alterá-lo, não competindo ao tribunal substituir-se-lhe» (idem). Neste contexto, o recurso afigurava-se-me admissível. Carmona da Mota ---------------------------- (1) «O princípio geral nesta matéria - ampla admissibilidade dos recursos - é enunciado pelo artigo 399º do Código de Processo Penal que dispõe. "É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei". A regra é, pois, que se pode sempre recorrer, salvo nos casos expressamente exceptuados por lei. Assim, para em determinado caso sabermos se pode haver ou não recurso, temos de ver se o caso se encontra exceptuado por lei, nomeadamente no artigo 400º (...)» - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição Verbo 2000, págs. 322» (STJ26-06-2003, recurso 1797/03-5, Pereira Madeira, vencido). (2) Publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 263, págs. 103, (3) Ob. págs. 325. (4) «De outro modo (volvendo-se a proibição da reformatio in pejus em prejuízo do próprio condenado), a recorribilidade das decisões (condenatórias) da Relação, proferidas em recurso, ficaria, de certa maneira, entregue ao seu próprio alvedrio, na certeza de que os seus acórdãos seriam irrecorríveis quando aplicassem - independentemente da gravidade abstracta do crime - pena de multa ou de prisão não superior a cinco anos ou mesmo, se confirmativos de decisão de 1ª instância, pena de prisão até oito anos» (STJ 27 Mar03, recurso 870/03-5, Carmona da Mota - vencido). «Não parece razoável, com efeito, até do ponto de vista constitucional do eficaz direito ao recurso, condicionar a sua existência, afinal, ao concreto entendimento das instâncias, que, para o bem e para o mal, teriam ao seu alcance o poder imenso de decidir, em última instância (!), da recorribilidade ou não da decisão por elas proferida. E muito menos, deixá-lo na dependência de avaliação alheia, na certeza de que o Código de Processo Penal só admite a figura do recurso subordinado "em caso de recurso interposto por uma das partes civis" - art. 401º, nº 1. Daí que, por razões nomeadamente de previsibilidade e segurança jurídica, o critério da recorribilidade ou irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça não possa e não deva ser ligado, casuisticamente e a posteriori, às penas concretas aplicadas, antes devendo ser aferido, em abstracto e a priori, pelas molduras legais abstractas aplicáveis» (STJ 26-06-2003, recurso 1797/03-5, Pereira Madeira, vencido). (5) «Os critérios de recorribilidade e ou irrecorribilidade expressos no Código de Processo Penal, para assegurarem a necessária previsibilidade do direito em causa, são, em geral, pelas razões expostas, tributários de fixação apriorística, por isso ligados, como penhor dessa desejável previsibilidade, às penas abstractas aplicáveis e não, como é pretendido, de alguma forma dependentes das penas aplicadas pelas instâncias, portanto de verificação a posteriori e, assim, de aplicação mais ou menos empírica ou casuística, tornando-se, por essa via, num direito em larga medida imprevisível e incerto, já que dependente do resultado do julgamento de cada caso concreto, o que para uma previsão de tão largo espectro como o direito ao recurso não parece consagrar a melhor opção legislativa» (idem). |