Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S2711
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MARIA LAURA LEONARDO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DIREITO A PENSÃO
ASCENDENTE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
FACTO NOTÓRIO
RESPONSABILIDADE CIVIL EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
RESPONSABILIDADE AGRAVADA
Nº do Documento: SJ200701240027114
Data do Acordão: 01/24/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RESVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
I - O reconhecimento do direito à pensão a favor dos ascendentes do sinistrado de acordo com o art. 20.º, al. d) da LAT) depende de uma condição que se desdobra em dois requisitos: (1.º) regularidade da contribuição para o sustento dos ascendentes, por parte do sinistrado, e (2.º) necessidade da contribuição, por parte dos beneficiários.
II - A necessidade dos ascendentes não tem que ser absoluta, nem total, nem deve aferir-se por padrões de mínima subsistência ou indigência.
III - O ónus da prova dos factos que integram tais requisitos recai sobre os autores/ascendentes, por se tratar de matéria constitutiva do direito que se arrogam (art. 342.º do CC).
IV - O Supremo tem competência para conhecer do erro na fixação da matéria de facto quando esteja em causa a violação do art. 514.º do CPC.
V - A afirmação/conclusão da Relação de carecerem os autores do contributo do sinistrado para o seu sustento não constitui uma ilação de facto extraída no desenvolvimento lógico dos factos provados (questão de facto) mas um juízo de direito que corresponde à afirmação do segundo requisito estabelecido na al. d) do art. 20.º da LAT.
VI - Mesmo que o acidente de trabalho seja causado por outros trabalhadores ou terceiros, a responsabilidade objectiva do empregador mantém-se perante o sinistrado (arts. 2.º, 37.º, n.º 1 e 31.º da LAT).
VII - Ainda que incumba a um terceiro a direcção e orientação da actividade do trabalhador/sinistrado e, também, a responsabilidade legal pela observância das condições de segurança num determinado local, continua a ser o empregador - entidade que paga a retribuição e exerce o seu poder de autoridade sobre o trabalhador - o responsável directo perante o trabalhador pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho.
VIII - Nestes casos o terceiro culpado (empreiteiro, empresa utilizadora, ou cessionário, no caso de cedência ocasional de trabalhadores, …) sob a direcção de quem o trabalhador presta temporariamente a sua actividade conforme lhe foi determinado pelo seu empregador, funciona perante o trabalhador como “representante” do empregador nos termos e para os efeitos do art. 18.º da LAT.
IX - Ao prever que no caso de morte “as prestações” serão “iguais à retribuição”, o art. 18.º, n.º 1, al. a) da LAT deve interpretar-se no sentido de que agrava as prestações genericamente fixadas no art. 20.º (para os casos de responsabilidade objectiva), determinando que a referência passe a ser a própria retribuição.
X - Em conformidade com a proposição anterior, se houver vários beneficiários legais, a soma das pensões agravadas a que têm direito em caso de responsabilidade subjectiva coincide com o valor da retribuição do sinistrado, não estando sujeitas, nem à limitação percentual de cada um, nem à limitação percentual total das pensões (ambas previstas no art. 20.º da LAT), efectuando-se o rateio na medida do necessário a perfazer o valor da retribuição (do sinistrado).
Decisão Texto Integral:
Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça

I - AA e BB, residentes na Rua ……., lote ….-…º Dtº, em Lisboa, instauraram acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra “A. – S. M., Ldª” e “Companhia de Seguros – …….”, com sede, respectivamente, na Rua de …, nº …-…º Dtº, em Lisboa, e na Avª da ……, nºs …/…, no Porto, pedindo que sejam condenadas a pagar:
a) - A 1ª ré, a título principal e com início em 18-08-2002, (i) a cada um dos autores, a pensão anual e vitalícia de € 6.972,00, prestação de montante igual ao da retribuição do sinistrado, actualizável para o montante de € 7.111,44, no ano de 2003, e para o montante de € 7.289,23, no ano de 2004; (ii) a ambos os autores, a quantia de € 1.392,04 como reparação por despesas de funeral;
b) - A 2ª ré, a título subsidiário e com início em 18-08-2002, as seguintes prestações (normais): (i) a cada um dos autores – pais do sinistrado – até atingirem a idade da reforma por velhice, a pensão anual e vitalícia de € 1.045,80, obrigatoriamente remível; (ii) aos autores, a quantia de € 1.392,04, a título de reparação por despesas de funeral;
c) – Ambas, juros de mora à taxa legal.
Alegam, em síntese:
- em 17 de Agosto de 2002, pelas 15,20 horas, em Miraflores - Oeiras, quando seu filho, CC, se encontrava a trabalhar na plataforma elevatória de uma torre, de marca HEK, tipo MSM, a uma altura de 10,40 metros, sob as ordens, direcção e fiscalização da lª ré, sofreu um acidente que consistiu em ter sido arrastado quando a dita plataforma tombou;
- em consequência da queda, o sinistrado sofreu as lesões corporais descritas no relatório de autópsia junto ao processo, que foram causa necessária e directa da sua morte;
- a dita plataforma não estava montada de acordo com as instruções constantes do manual de utilização; além do mais, possuía apenas uma escora e nenhum esticador que evitasse a sua mobilidade;
- o acidente resultou de falta de observância de regras de segurança por parte da empregadora;
- o sinistrado vivia com os autores e à data do acidente auferia a retribuição anual de € 6.972,00 (€ 498,00 x 14 meses);
- o autor estava desempregado e a autora efectuava serviços de limpeza, sobrevivendo ambos com o contributo mensal de € 400 que seu filho lhes vinha dando;
- a 1ª ré tinha a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho transferida para a 2ª ré mediante contrato de seguro titulado pela apólice n° …/….

Ambas as rés contestaram.
A ré/seguradora sustenta que a plataforma em que se encontrava o sinistrado no momento do acidente não estava construída nos termos legalmente exigidos e de acordo com as instruções de montagem. Além disso, não existia nenhum equipamento de protecção individual para o sinistrado executar as suas funções. O acidente apenas ocorreu, na medida em que a 1ª ré, entidade patronal, não respeitou as regras de segurança. Por tal razão, ela/seguradora apenas respondia em termos subsidiários pelo pagamento das pensões e indemnizações obrigatórias por lei, sem qualquer agravamento.
Por seu turno, a ré/empregadora defende que, embora o sinistrado fizesse parte do seu quadro de trabalhadores, na altura, encontrava-se a prestar serviços no âmbito de um contrato de prestação de serviços celebrado entre si e a F. – C., Lda. Sustenta, ainda, não ser responsável pelo equipamento da plataforma elevatória e que sempre se preocupou com o cumprimento das mais elementares normas de segurança. Rejeita, por isso, ser responsabilizada pelas consequências do acidente. Concluiu no sentido da sua absolvição.

Na resposta, os autores reafirmam o alegado na petição.

Feito o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a lª ré a pagar a cada um dos autores, com efeitos desde 18-08-2002, a pensão anual e vitalícia de € 6.972,00, com valor actualizado, para € 7.111,44 a partir de 01.01.2003, para € 7.289,23 a partir de 01-01-2004 e para € 7.456,88 a partir de 01.01.2005, e, ainda, juros de mora sobre as prestações vencidas, desde a data do respectivo vencimento, e, bem assim, os vincendos até integral pagamento, sendo à taxa de 7% até 30.04.2003 e de 4% daí em diante.
Subsidiariamente, condenou a ré seguradora a pagar a cada um dos autores uma pensão anual no valor de € 1.045,80, obrigatoriamente remível com efeitos a 18.08.2002.
Quanto ao mais - pagamento da reparação por despesas de funeral – a acção improcedeu.

A ré/empregadora apelou, mas sem sucesso, pois o Tribunal da Relação confirmou a sentença.
Inconformada de novo, vem pedir revista, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1ª) - Decidiu mal o acórdão da Relação, ao manter a decisão do Tribunal de primeira instância;
2ª) - O Tribunal recorrido assenta o seu raciocínio em premissas erradas e suposições, descurando elementos importantes que estavam perante a sua apreciação e que não valorou devidamente;
3ª) - São pressupostos do direito dos ascendentes à pensão de acidente de trabalho por morte a regularidade da contribuição do sinistrado para as despesas familiares e a necessidade dessa contribuição;
4ª) - A carência de auxílio económico dos ascendentes do sinistrado não se encontra demonstrada, nem resulta da matéria de facto assente;
5ª) - Do simples facto de um dos pais do sinistrado trabalhar nas limpezas e de o outro estar desempregado não resulta demonstrada a situação de necessidade;
6ª) - Nos autos, nada é dito quanto às despesas concretas que eram mensalmente suportadas por esta família;
7ª) - Não foram alegados factos - montante dos rendimentos dos herdeiros do sinistrado e suas despesas - que possam consubstanciar o conceito previsto no artº 20° da LAT, interpretado à luz do disposto nos artºs 2003° e 2004° do Código Civil;
8ª) - Aos autores competia o ónus de alegar e provar esses factos;
9ª) - O direito dos ascendentes à pensão resulta do próprio instituto da obrigação alimentar, existindo esta, como decorre do disposto nos artºs 2003° e 2004° do Civil, a favor das pessoas que não possam prover integralmente o seu sustento;
10ª) - Não ficou demonstrada a necessidade de os ascendentes/autores receberem o contributo do sinistrado para proverem ao seu sustento;
11ª) - A recorrente não violou qualquer disposição legal relativa à segurança e higiene no trabalho;
12ª) - O acidente dos autos não resultou de qualquer facto culposo ou sequer negligente atribuível à entidade patronal;
13ª) - A alegada culpa da recorrente, apreciada pelo critério da diligência de um bom pai de família, não se verifica;
14ª) - As empresas que montaram as plataformas eram empresas especializadas para o efeito, com conhecimentos técnicos que a recorrente não tinha, nem poderia ter, por não se dedicar àquele ramo de actividade;
15ª) - A recorrente não podia ter adoptado outros procedimentos de segurança que permitissem impedir o acidente ocorrido;
16ª) - A prestação de trabalho na obra era determinada pela firma F., locatária do equipamento que originou o acidente;
17ª) - O equipamento foi montado pelas firmas R. e F., que também procediam à sua inspecção periódica;
18ª) - Não é razoável exigir-se à recorrente que tivesse previsto um perigo que os donos da obra, que se dedicam à actividade, não previram;
19ª) - Perigo com que também não contaram os técnicos que procederam à sua montagem e inspecção periódica e que eram da empresa que forneceu o equipamento;
20ª) - Tratou-se de um mero e infeliz acidente de trabalho, onde não houve culpa da recorrente;
21ª) - Para que houvesse responsabilidade da recorrente era necessário demonstrar não só a conduta culposa da mesma como também o nexo de causalidade entre o acidente e essa conduta, o que não sucedeu;
22ª) - Dos autos não resulta qualquer nexo de causalidade entre a alegada inobservância de preceitos legais sobre higiene e segurança no trabalho e o acidente;
23ª) - O nexo de causalidade não pode presumir-se cabendo aos autores a sua prova, que não foi feita;
24ª) - Não se tendo provado o referido nexo de causalidade, a condenação deveria ter recaído sobre a seguradora;
25ª) - A condenação da recorrente a pagar a cada um dos autores uma pensão anual equivalente à retribuição anual do sinistrado é excessiva;
26ª) - Havendo dois ascendentes, a condenação da recorrente deveria ter sido no pagamento de uma pensão equivalente à retribuição do sinistrado, a dividir pelos dois autores nos termos do artº 18° da LAT;
27ª) - Sob pena de os autores passarem a auferir um benefício equivalente a duas vezes o valor da retribuição do sinistrado, o que geraria um benefício indevido e um enriquecimento sem causa;
28ª) – Mostram-se violados, entre outros, os artºs 18° e 20° da LAT e os artºs 342°, 563°, 2003° e 2004° do Código Civil.
Termina no sentido de ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que absolva a recorrente do pedido.

II - Questões
Reconduzem-se a saber:
A - Se os recorridos/autores reuniam ou não os pressupostos estabelecidos no artº 20º-1-d) da LAT;
B - Se a recorrente responde por falta de observação das regras sobre segurança (artº 18º-1, 2ª parte, do mesmo diploma);
C – Se é excessiva a condenação da recorrente/empregadora a pagar a cada um dos recorridos uma pensão anual equivalente à retribuição do sinistrado (interpretação da alínea a), parte final, do nº 1 do citado artº 18º).

III - Factos
1. Em 17 de Agosto de 2002, pelas 15,20 horas, em Miraflores - Oeiras, CC sofreu um acidente quando exercia a sua actividade de serralheiro civil (alínea A dos factos assentes).
2. O sinistrado fazia parte dos quadros da lª ré (A. – S. M., Lda), com quem havia celebrado um contrato, através do qual se obrigava a prestar-lhe a sua actividade, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, mediante retribuição (alínea B).
3. A lª ré tinha transferido a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho sofridos pelo trabalhador supra referido ao seu serviço para a Cª. de Seguros……. SA, em função da retribuição de € 498 x 14 meses, mediante a apólice n° …/… (alínea C).
4. Na ocasião referida em 1. o sinistrado encontrava-se junto à fachada Norte do edifício Prédio Miraflores Premium-Lote …., sito à Alameda …… em Miraflores-Oeiras, à cota - altura - de 10,40 metros, numa plataforma elevatória de uma torre, da marca HEK, tipo MSM, de fabrico Holandês (alínea D).
5. A referida plataforma elevatória tombou no solo, arrastando consigo o sinistrado CC, o qual sofreu fractura de arcos costais, laceração vascular, hepática e esplénica de que lhe resultaram a morte, ocorrida nesse mesmo dia 17.08.2002 (alínea E).
6. À data do acidente, o sinistrado auferia a retribuição anual de € 6.972,00 (498,00 x 14 meses) (alínea F).
7. Ao sinistrado sobreviveram os seus pais, ora autores, os quais nasceram em 14.10.1944 (o pai) e em 02.07.1954 (a mãe) (alínea G).
8. Em 21.01.2002, a lª ré e a sociedade F. – C., Lda, assinaram o “contrato de prestação de serviços”, cuja fotocópia consta a fls 313-314 dos autos (doc. n° 1, junto com a contestação da 1ª ré), nos termos do qual a ré/empregadora declarou obrigar-se perante a F. a executar trabalhos de montagem de caixilharias e painéis de alumínio e colocação de vidros no edifício referido em 4. (alínea H).
9. Do aludido contrato consta que “o fornecimento dos materiais, equipamentos, ferramentas e mais utensílios necessários à execução da prestação é da responsabilidade da segunda outorgante” [F.] e ainda que “a execução e direcção efectiva dos trabalhos e a respectiva organização cabe à segunda outorgante, que a exercerá através de pessoa designada para o efeito, apoiada pelos desenhos e pormenores de montagem” (alínea I).
10. E, ainda, que “é da exclusiva responsabilidade da primeira outorgante [a ora 1ª ré] o cumprimento das obrigações legais decorrentes da legislação do trabalho e nomeadamente as relacionadas com a higiene e segurança no trabalho” (alínea J).
11. A 1ª ré pagou as despesas do funeral do sinistrado, no valor de € 1.445,00 (alínea L).
12. Na ocasião referida em 1., o sinistrado procedia à colocação de chapas metálicas de arremate de vedação no Edifício Prédio Miraflores Premium-Lote …. (resposta ao nº 2 da base instrutória).
13. No decurso dos trabalhos e estando na sua fase final, a plataforma elevatória da torre referida na alínea D dos factos assentes (supra em 4.), onde o sinistrado CC se encontrava a trabalhar, tombou paralela à fachada - sentido Norte -, sofrendo uma rotação sobre o eixo do prumo de 1/4 de volta, provocando estragos na fachada do prédio e acabando por cair no solo (resposta ao nº 3 da b.i.).
14. A aludida plataforma tinha o comprimento de 7,20 m e um parapeito com 1,10 metros de altura (resposta ao nº 4 da b.i.).
15. No compartimento da plataforma, além do sinistrado CC encontravam-se a trabalhar mais duas pessoas, ou seja, DD e EE (resposta ao nº 5 da b.i.).
16. Na altura da queda, encontravam-se na plataforma algumas ferramentas destinadas à execução da tarefa que o sinistrado e os outros trabalhadores estavam a realizar (resposta ao nº 6 da b.i.).
17. Quando ocorreu o acidente, a plataforma elevatória da torre onde o sinistrado exercia o seu trabalho encontrava-se à altura de 10,40m, a partir da base da respectiva torre (resposta ao nº 7 da b.i.).
18. A mesma torre possuía apenas uma escora de amarração ao edifício (amarração efectuada entre a torre, onde estava colocada a plataforma, e o edifício, por forma a torná-la estável) – resposta aos nos 8 e 26 da b.i..
19. Tal escora encontrava-se a 03,95m acima da base da torre em que assentava a plataforma (resposta aos nos 9 e 19 da b.i.).
20. De acordo com o Manual do Equipamento de elevação da plataforma, elaborado pelo respectivo fabricante, a primeira escora devia estar colocada a uma altura, a partir da base da torre, não superior a 3 metros; a distância máxima entre as escoras, acima da primeira, devia ser de seis a oito metros; e o comprimento da parte da torre (mastro) a ultrapassar a última escora não podia ser superior a três metros (resposta aos nos 10, 13 e 20 da b.i.).
21. À data do acidente, a única escora existente era composta por dois tubos de aço redondos e lisos para andaimes, colocados quase em paralelo, através de braçadeiras, não possuindo nenhum esticador (resposta aos nos 11, 24 e 25 da b.i.).
22. Na plataforma elevatória em que o sinistrado trabalhava não existia nenhum “check list” ou manual escrito em português que informasse quanto aos modos do seu funcionamento e utilização (resposta ao nº 12 da b.i.).
23. Quando a plataforma caiu para o solo, a altura do mastro atingia os 9,95 metros, acima da última e única escora (resposta ao nº 14 da b.i.).
24. No Manual de Equipamento de elevação da plataforma consta que ao nível da primeira escora deveria existir uma peça de travamento (resposta ao nº 15 da b.i.).
25. Peça de travamento que não estava colocada quando a plataforma veio a cair para o chão (resposta ao nº 16 da b.i.).
26. Não havia qualquer elemento de fixação da base da torre ao solo (resposta aos nºs 17 e 21 da b.i.).
27. As medidas recomendadas pelo Manual do equipamento de elevação da plataforma, para as distâncias compreendidas entre os elementos de fixação à fachada do edifício (b) e a distância entre estes e o eixo do mastro (a), não respeitavam o rácio a/b: 0,8 a 2,0 (resposta ao nº 18 da b.i.).
28. A 1ª ré confiou que a F. (que alugou a torre e respectiva plataforma à empresa R.) e a R., que a montou, zelariam pela correcta montagem e funcionamento da torre e plataforma, pelo que não exerceu qualquer controle sobre se tal montagem, funcionamento e utilização da torre e da plataforma se faziam em segurança (resposta ao nº 28 da b.i.).
29. A prestação de trabalho pelo sinistrado na aludida obra, com utilização da referida torre e plataforma, foi efectuada com o conhecimento e consentimento da 1ª ré, embora fosse a F., através do seu encarregado FF, quem dizia ao sinistrado e aos seus colegas as tarefas em concreto a realizar e a forma de as realizar (resposta ao nº 29 da b.i.).
30. A queda da plataforma resultou do descrito em 15., 17., 18., 19., 20., 21., 23., 25., 26. e 27. (resposta ao nº 30 da b.i.).
31. O sinistrado vivia com os seus pais e contribuía todos os meses com quantias variáveis para a alimentação dos mesmos (resposta ao nº 31 da b.i.).
32. O pai do sinistrado estava desempregado e a sua mãe trabalhava nas limpezas e não tinham qualquer outra fonte de sustento (resposta ao nº 32 da b.i.).
33. Na ocasião referida em 1. o sinistrado encontrava-se a prestar serviço no âmbito do contrato referido em 8. a 10. (resposta ao nº 33 da b.i.).
34. A plataforma elevatória e a respectiva torre foram fornecidas pela empresa R., E. de C., Lda, à Falmacon, que lha alugou; as duas empresas encarregaram-se da montagem, manutenção e controlo do bom estado de funcionamento da mesma (resposta ao nº 35 da b.i.).

IV - Apreciando
4.1 Como se refere no acórdão recorrido, as partes não põem em causa que o acidente de que foi vítima o sinistrado CC seja um típico acidente de trabalho, enquadrável no artº 6º -1 da Lei dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais (Lei nº 100/97, de 13.09, doravante designada de LAT).
As questões que a recorrente suscita, na apelação, incidem sobre outros pontos. Sustenta que os autores não têm direito à pensão que reclamam, porque, embora ascendentes da vítima, não lograram demonstrar que o sinistrado “contribuísse com regularidade para o seu sustento”; rejeita também que o acidente lhe seja imputável (a ela, recorrente) por violação culposa de regras de segurança; insurge-se, finalmente, quanto ao montante de cada uma das pensões fixadas, que considera excessivo.
As mesmas questões são suscitadas na revista.
No recurso de apelação, a recorrente não obteve ganho em nenhuma.
Eis, em síntese, a fundamentação do acórdão recorrido:
- os autores AA e BB, nascidos respectivamente em 14-10-1944 e 02-07-1954, são pais do sinistrado;
- os ascendentes de trabalhadores falecidos em acidentes de trabalho têm direito a pensões por morte, desde que se demonstre que o sinistrado contribuía “com regularidade para o seu sustento” – alínea d) do nº 1 do artº 20º da LAT;
- este normativo constitui uma reprodução fiel do n° 1 da alínea d) da Base XIX da anterior LAT (Lei nº 2127 de 03-08-65);
- já no âmbito desta legislação a jurisprudência vinha entendendo, de modo pacífico e constante, que, para terem direito à pensão aí estabelecida, os ascendentes (e os outros beneficiários) teriam que demonstrar não só que o sinistrado contribuía, regularmente, com o seu salário, ou parte dele, para o seu sustento, mas também que eles careciam dessa contribuição;
- no caso dos autos está demonstrado este pressuposto;
- com efeito, resultou provado que o autor, pai do sinistrado, estava desempregado, que a autora, mãe do sinistrado, trabalhava nas limpezas e que este (o sinistrado CC) - que, à data do acidente, auferia a retribuição mensal de € 498,00 - vivia com eles e contribuía todos os meses, com quantias variáveis, para a sua alimentação, não tendo os autores qualquer outra fonte de sustento;
- embora não esteja demonstrado quanto é que a mãe do sinistrado (autora) auferia no trabalho de limpezas, é um dado comum (e que, por isso, não carece de demonstração) que a necessidade de realizar este tipo de trabalho decorre, em regra, da verificação de situações de precariedade de rendimentos;
- deste facto e de outros que ficaram demonstrados (estar o autor desempregado; contribuir o filho com o seu salário, todos os meses, para a alimentação dos pais; não terem estes outra fonte sustento) resulta que estes careciam, efectivamente, desta contribuição para o seu sustento;
- deste modo, ficam preenchidos os requisitos legais para atribuição da pensão por morte, prevista no citado artº 20º-1-d) da LAT;
- do conjunto de regras e princípios genéricos em matéria de higiene, saúde e segurança no trabalho, contidos nos DL nos 441/91, de 14-11, e 155/95, de 01.07 – que fez a transposição para o direito interno das prescrições mínimas de segurança e de saúde a aplicar nos estaleiros temporários ou móveis de obras de construção, adoptadas pela Directiva n° 92/57/CEE do Conselho, de 24 de Junho - , e na Portaria n° 101/96, de 03-04, resulta que o legislador faz recair sobre o empregador a obrigação de adoptar as medidas necessárias ao afastamento de previsíveis riscos para os trabalhadores ao seu serviço, mormente adoptando os meios e equipamentos destinados à sua prevenção, com respeito pelos requisitos técnicos a que, regulamentarmente, devem obedecer, cabendo-lhe, ainda, o dever de informar os trabalhadores sobre a utilização desses meios e equipamentos e sobre as medidas de prevenção a adoptar no desempenho das funções que lhes competem;
- face à matéria de facto constante dos pontos nos 13 a 27, há que concluir que o equipamento de elevação – plataforma elevatória e respectiva torre - em que o sinistrado CC se encontrava a trabalhar no momento do acidente, a cerca de 10,40 metros de altura, não estava montado com respeito pelas exigências técnicas conducentes à sua segura utilização e que constavam do Manual de Utilização;
- com efeito, não obstante a sua altura ser superior a 10 metros não tinha qualquer peça de travamento assim como qualquer elemento de fixação da base da torre ao solo; apenas possuía uma escora de amarração ao edifício, colocada a 3,95 metros da base, em tubos próprios para andaimes, sem qualquer esticador, quando deveria ter a primeira escora a 3 metros da base e a seguinte e subsequentes a não mais de 6 a 8 metros; além disso, o comprimento do mastro da torre não devia ir além de 3 metros da última escora;
- a incorrecta montagem do equipamento levou a que, a dado momento, o mesmo cedesse e caísse, sendo o sinistrado arrastado nessa queda;
- a circunstância de o referido equipamento ter sido fornecido por uma empresa (R.) e alugado por outra (F.), ambas, segundo a recorrente afirma, empresas de especialidade, e ser esta última quem orientava os trabalhos que o sinistrado e outros colegas efectuavam com utilização de tal equipamento, não afasta a culpa da ré;
- com efeito, embora esteja provada a existência dum contrato de prestação de serviço entre a ré/recorrente e a “F. – C., Lda”, mediante o qual aquela se obrigava a executar trabalhos de montagem de caixilharias e painéis de alumínio e colocação de vidros no edifício Prédio Miraflores Premium - Lote … (local onde ocorreu o acidente) e se estabelecia que o fornecimento dos materiais, equipamentos e mais utensílios necessários à execução da prestação era da responsabilidade da "F., Lda" a quem cabia a execução e direcção efectiva dos trabalhos e a respectiva organização (…), também é verdade que ficou, expressamente, estabelecido no mesmo contrato ser da exclusiva responsabilidade da ré/recorrente o cumprimento das obrigações legais decorrentes da legislação do trabalho, nomeadamente as relacionadas com higiene e segurança no trabalho;
- assim, aquelas circunstâncias (ser o referido equipamento fornecido por uma empresa e alugado por outra e ser esta última quem orientava os trabalhos que o sinistrado e outros colegas efectuavam com utilização de tal equipamento) não pode afastar a obrigação da ré, enquanto entidade patronal do sinistrado, de se certificar previamente – se necessário com recurso a técnicos da especialidade, próprios ou alheios - se os equipamentos destinados a serem utilizados pelos seus trabalhadores e, portanto, pelo sinistrado, para a execução dos serviços de que estavam incumbidos, se encontravam devidamente montados (com respeito pelas suas especificações técnicas) e aptos a serem cabalmente utilizados, e, ainda, de a ré exercer regular vigilância sobre os mesmos durante toda a execução de tais serviços;
- acontece que a ré/recorrente não logrou demonstrar que tivesse efectuado qualquer certificação prévia das condições de segurança do equipamento em causa, assim como qualquer vigilância sobre o mesmo durante a respectiva utilização pelo sinistrado, assim como não demonstrou haver dado a este qualquer formação técnica ou informação sobre o modo correcto de utilização de tal equipamento;
- além disso, também não demonstrou que lhe tivesse proporcionado qualquer meio de protecção individual ou colectiva de forma a evitar o risco de queda a que poderia estar sujeito;
- limitou-se, pura e simplesmente, a confiar que as referidas firmas R. e F. zelassem pela correcta montagem e funcionamento do mencionado equipamento;
- daqui resulta ter a ré/recorrente violado, de forma culposa, regras de segurança que lhe cabia acautelar e vigiar, vigilância que podia fazer, por si própria (considerando as evidentes falhas em termos de montagem e de segurança do equipamento em causa) ou por interposta pessoa (técnico especializado);
- estando provado que a queda da mencionada plataforma resultou dos factos descritos nos pontos nos 15, 17 a 21, 23 e 25 a 27 da matéria provada, fica patente a existência de um nexo de causalidade entre a violação daquelas regras e o acidente sofrido pelo sinistrado CC;
- neste contexto, recai sobre a ré empregadora a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de tal acidente, nos termos do disposto nos artos 18°-1-a) e 37°-2 da LAT;
- e, segundo este preceito, as prestações – pensões devidas aos beneficiários referidos nas diversas alíneas do artº 20º -, no caso de morte, serão iguais à retribuição;
- na alínea d) do nº 1 deste preceito, estabelece-se que, verificados que sejam determinados requisitos, a pensão de cada um dos ascendentes (ou de cada um dos parentes sucessíveis do sinistrado) corresponde a uma percentagem da retribuição do sinistrado, prevendo-se, no nº 2, o direito a percentagens mais elevadas, se o sinistrado não tiver deixado cônjuge ou pessoa com quem vivesse em união de facto ou filhos;
- no caso dos autos, respeitando-se os ditames da reparação especialmente agravada estabelecida no mencionado artº 18°-1-a), o valor da pensão a atribuir a cada um dos ascendentes/autores deve corresponder à retribuição que o sinistrado auferia à data do acidente e não a uma determinada percentagem dessa retribuição.
O acórdão recorrido foi confirmatório da sentença da 1ª instância.
A recorrente/empregadora discorda, recolocando, como já referimos, as mesmas questões, objecto do recurso de apelação.

4.2 Vejamos, uma a uma, cada uma dessas questões.
4.2.1 Como vimos, o acórdão recorrido concluiu, face aos factos provados, que os autores, à data do falecimento de seu filho, reuniam os pressupostos legalmente estabelecidos para poderem ser considerados beneficiários dos direitos decorrentes do acidente que o vitimou mortalmente.
Tendo presente a data do acidente – 17 de Agosto de 2002 – tem aqui aplicação o regime emergente da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro (LAT) e do DL nº 143/99, de 30 de Abril (RLAT).
Conforme resulta do disposto no artº 20º-1-d) da LAT, na parte que interessa, se do acidente de trabalho resultar a morte da vítima, os seus ascendentes (…) terão direito, cada um, a uma pensão anual, correspondente a 10% do rendimento-base do sinistrado (…) “desde que o sinistrado contribuísse com regularidade para o seu sustento”.
Não havendo cônjuge, pessoa em união de facto ou filhos com direito a pensão, os ascendentes nas condições referidas receberão (cada um) 15% da retribuição-base da vítima até perfazerem a idade de reforma por velhice e 20% a partir desta idade ou no caso de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, não podendo o total das pensões (atribuídas aos ascendentes e a outros parentes referidas na citada alínea) exceder 80% da remuneração-base da vítima, para o que se procederá a rateio se necessário (nº 2 do mesmo preceito).
No caso dos autos não consta que o sinistrado tenha deixado cônjuge ou filhos com direito a pensão. Por outro lado, está provado que os autores são seus pais (ponto nº 7 da matéria de facto).
Não há divergência quanto à qualidade de “ascendentes” (dos autores), enquanto beneficiários do direito à pensão previsto na citada alínea d).
Resta saber se o sinistrado contribuía “com regularidade” para o “sustento” dos autores”.
Existe regularidade quando há contribuições sucessivas, normalmente equidistantes no tempo, feitas, por exemplo, à medida que o dador vai percebendo o seu próprio salário. Contribuição regular, na expressão do acórdão do STJ de 29.03.2000 (na revista nº 357/99, da 4ª Secção), implica a “ideia de frequência, continuidade ….”. Deste conceito ficam excluídas as contribuições esporádicas que não se destinam ao sustento dos beneficiários (vide Carlos Alegre, in “Acidentes de Trabalho”, Almedina, 1995, pp. 95 e 96).
A jurisprudência, tanto no domínio das leis anteriores – concretamente, do artº 16º-e) da Lei nº 1942, de 27 de Julho de 1936, e da Base XIX, nº 1, al. d), da Lei nº 2127, de 3.08.65 -, como no âmbito de vigência da Lei nº 100/97 [artº 20º-1-d)], tem exigido - dado o destino da contribuição (alimentos) - também a prova da necessidade daquele contributo para o sustento dos ascendentes e parentes sucessíveis (vejam-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 8.08.69, 14.06.77, 26.07.85, 17.04.2002, 13.11.2002, 10.03.2005 e 02.11.2005, respectivamente in Acórdãos Doutrinais 95º, p.1608, BTE, 2ª série, nº 4, de Julho de 1977, p. 915, BMJ 349/358 e nas revistas nos 1693/01, 1585/02, nº 4451/04 e 2259/05, da 4ª Secção).
Esta exigência decorre do disposto no nº 1 do artº 2004º do C.Civil que estabelece como critério definidor da medida dos alimentos a “necessidade daquele que houver de recebê-los”, bem como o disposto na alínea b) do nº 1 do artº 2013º que determina a cessação da obrigação de alimentos quando “aquele que os recebe deixe de precisar deles” (veja-se Paiva de Almeida, in Revista do Ministério Público nº 59, p.161).
O direito dos familiares do trabalhador às pensões surge, assim, como uma emanação do instituto da obrigação alimentar, sendo que esta apenas existe a favor das pessoas que não podem prover integralmente ao seu sustento, como decorre do disposto nos artºs 2003º e do citado 2004º, ambos do CC.
Refira-se, por último, não ser necessário, para efeitos de atribuição da pensão, que a contribuição do sinistrado, além de regular, satisfizesse a totalidade das necessidades dos beneficiários (neste sentido, o acórdão do STJ de 20.02.91, in AJ 15º/16º, p.17), sendo ainda irrelevante o montante de que os beneficiários concretamente beneficiavam em proveito próprio, desde que dele beneficiassem.
A história do preceito aponta também para a possibilidade de o sinistrado ter sido um co-contribuinte para o sustento do beneficiário (não, o único contribuinte). Com efeito, enquanto, no diploma normativo que antecedeu a Lei nº 2.127 (artº 16º-e) da Lei nº 1942), se dizia que a condição para o direito à pensão era que a alimentação estivesse “a cargo” das vítimas, o que supunha que toda a alimentação era da sua responsabilidade, nas Leis nos 2.127 e 100/97 fala-se em contribuição “para o seu sustento”, o que quer dizer que o trabalhador (sinistrado) não tinha, em vida, que suportar sozinho a totalidade do sustento do beneficiário da pensão (veja-se Carlos Alegre, in ob. cit., p. 96).
Podemos, assim, concluir que a condição estabelecida na citada alínea d) do artº 20º da LAT se desdobra em dois requisitos:
1º - Regularidade da contribuição (no caso, concreto, por parte do filho dos autores que veio a sofrer o acidente);
2º - E necessidade da contribuição (por parte do autores/ascendentes).
Porque se trata de matéria constitutiva do direito que os autores se arrogam, é sobre estes que recai o ónus da prova dos factos que integram tais requisitos (“regularidade do contributo” e “necessidade dele”) – artº 342º-1 do C.Civil.
Como resulta das conclusões da recorrente (nos 3 a 10), é relativamente ao segundo requisito que surge a sua discordância. Sustenta que o mesmo não está demonstrado.

Relembremos os factos dados como provados com interesse para a resolução desta questão.
São eles:
- o sinistrado CC auferia à data do acidente a retribuição mensal de € 498,00;
- vivia com os pais;
- contribuía todos os meses com quantias variáveis para a alimentação destes;
- o pai (autor) estava desempregado;
- a mãe (autora) trabalhava em limpezas;
- os autores não tinham qualquer outra fonte de sustento.
Não se suscitam dúvidas, como já assinalámos, de que estes factos sustentam a conclusão de que a vítima (em vida) entregava valores de um modo periódico e com vista ao sustento dos autores/ascendentes e que, por isso, se mostra preenchido o conceito jurídico de “contribuição regular”.
Relativamente, ao outro requisito – necessidade dessa contribuição para o sustento dos ascendentes – subscrevemos a fundamentação (e conclusão) do acórdão recorrido, quando, apreciando os factos, no seu conjunto, diz, a propósito de estar provado que a mãe da vítima trabalhava nas limpezas, ser “um dado comum (e que, por isso, não carece de demonstração) que a necessidade de realização deste tipo de trabalho decorre, em regra, da verificação de situações de precariedade de rendimentos”, acrescentando, a seguir, não ser ousado concluir deste facto aliado aos outros, objecto de prova – não terem os autores qualquer outra fonte de sustento, estar um deles (o pai) desempregado e contribuir o filho todos os meses para a alimentação deles – que os autores “careciam, efectivamente, desta contribuição para o seu sustento”.
Justificamos a nossa concordância.
Aquela primeira afirmação corresponde ao reconhecimento dum facto, partindo da sua notoriedade.
Neste âmbito, o Supremo Tribunal de Justiça tem competência para conhecer do erro na fixação da matéria de facto, quando esteja em causa a violação do artº 514º do CPC. Como se defendeu nos acórdãos do STJ de 05.03.96 e de 23.02.2005 (o primeiro, publicado na CJ/STJ, I, 122 e o segundo proferido no recurso nº 3165/04, da 4.ª Secção), este preceito mais não faz do que fixar a força probatória de determinado meio de prova (a notoriedade do facto) e, por isso, a sua violação cai na alçada do disposto na parte final do nº 2 do artº 722º do CPC.
Apreciando a afirmação factual efectuada pelo acórdão da Relação, consideramos ser efectivamente um facto notório o de que a necessidade de realização de trabalho nas limpezas decorre, em regra, da verificação de situações de precariedade de rendimentos. Está correcta, pois, nesta parte, a fundamentação (de facto) do acórdão recorrido.
Quanto à segunda afirmação/conclusão, refere a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, no seu douto parecer, que tal asserção – carecerem os autores para o seu sustento do contributo do sinistrado – constitui uma ilação extraída no desenvolvimento lógico dos factos provados, por conseguinte duma questão de facto que não pode ser sindicada por este Supremo Tribunal (a ser assim, em vez de subscrever, este tribunal devia acatar a fundamentação de facto, extraída por ilação).
A questão que se coloca é a de saber se estamos perante uma presunção judicial (artos 349º e 351º do CC) ou perante um juízo de direito.
A solução não é líquida porque, ao mundo dos factos, como ensina Manuel de Andrade (Noções Elementares … 1976, pg 193), tanto pertencem os factos externos (do mundo exterior), como os internos (que dizem respeito à vida psíquica), tanto os factos reais como os hipotéticos, tanto “os factos nus e crus”, como os juízos de facto (por ex, impossibilidade de se produzir um certo facto).
Ao concluir dos factos dados como provados que os autores “careciam, efectivamente, desta contribuição para o seu sustento”, é defensável afirmar-se que o tribunal recorrido estava, ainda, a emitir um juízo (de valor) sobre matéria de facto.
Acontece que não podemos esquecer que tal juízo de valor corresponde à afirmação da condição estabelecida na citada alínea d) do artº 20º da LAT - que, como se referiu, se desdobra em dois requisitos (regularidade e necessidade) -, o que lhe confere um manifesto sentido jurídico. Com efeito, ao concluir dos factos dados como provados, onde se inclui o facto notório, que os pais da vítima careciam do contributo mensal do filho para o seu sustento, o tribunal mais não faz do que concluir pela verificação do pressuposto da “necessidade”, integrante da condição prevista naquela disposição.
Não se estando perante uma presunção judicial, impõe-se apreciar se o juízo de valor jurídico emitido pela Relação está ou não correcto. E a resposta, como atrás já se antecipou, não pode deixar de ser afirmativa, face aos factos dados como provados, apreciados no seu conjunto (contribuir mensalmente o trabalhador/sinistrado para a alimentação dos pais, estar o pai desempregado, dedicar-se a mãe a trabalhos de limpeza, sabido que o recurso a estes trabalhos está associado a situações de precariedade de rendimentos, e não terem aqueles outras fontes de sustento). Era, assim, lícito concluir, como concluiu o Tribunal recorrido, no sentido da verificação da necessidade do contributo do sinistrado para sustento dos ascendentes, para efeitos de aplicação do citado artº 20º-1-d), sendo certo que a “necessidade”, para este efeito, não tem que ser absoluta nem total, nem aferir-se por padrões de mínima subsistência ou indigência.
Mesmo sem terem sido alegados, em concreto, quais os rendimentos auferidos pela autora com os trabalhos de limpeza, nem as despesas dos autores, os factos apurados pelas instâncias são suficientes para suportar aquele juízo de valor jurídico.
Improcedem, pois, nesta parte, as conclusões da recorrente.

4.2.2 – Pretende a recorrente afastar a sua responsabilidade na produção do acidente, sustentando que não violou regras de segurança.
Com isto chegamos à 2ª questão - saber se os factos provados se integram na previsão do artº 18º -1, 2º parte, da LAT. Por outras palavras se estamos perante uma responsabilidade principal e agravada da ré empregadora.
Preceitua o artº 18º da LAT (sob a epígrafe “Casos especiais de reparação”), na parte que interessa:
«1. Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e de morte serão iguais à retribuição;
…..
3. Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante da entidade empregadora, esta terá direito de regresso contra ele.»

Por seu turno, estatui o artº 37º, no seu nº 2:
«…..
2. Verificando-se alguma das situações referidas no artº 18º, nº 1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na lei.
….»

Não restam dúvidas, face à matéria de facto provado, que o acidente ocorreu, porque a plataforma elevatória, onde o sinistrado se encontrava a trabalhar, cedeu e tombou e que isso aconteceu, porque tal equipamento não estava montado segundo as prescrições de segurança contidas no Manual do Equipamento de elevação da plataforma, elaborado pelo respectivo fabricante, e, ainda, porque não foram observados os preceitos legais em matéria de segurança e saúde no trabalho em vigor à data do acidente, designadamente, os artos 8º, 9º-1-a), 12º-1 do DL nº 441/91, de 14-11, 11º do DL nº 155/95, de 01.07 (que fez, como já se mencionou, a transposição para o direito interno das prescrições mínimas de segurança e de saúde a aplicar nos estaleiros temporários ou móveis de obras de construção, adoptadas pela Directiva nº 92/57/CEE do Conselho, de 24 de Junho) e os artos 2º-1 e 11º-1 da Portaria nº 101/96, de 03.04.
Podemos, pois, concluir, face à matéria de facto e como fez o acórdão recorrido, que houve violação de regras de segurança e que o acidente foi consequência dessa violação (nexo de causalidade).
Aliás, a recorrente não põe em causa que o acidente se ficou a dever à falta de observância de tais regras. Rejeita é que esse incumprimento lhe seja imputável. Na sua óptica, a responsabilidade pela violação das referidas regras recaía sobre a “R. …Ldª”, que forneceu a plataforma elevatória e a respectiva torre, e sobre a “F.… Ldª” que alugou tal equipamento e a quem cabia orientar os trabalhos que o sinistrado e outros trabalhadores efectuavam com a utilização desse equipamento. Invoca a existência dum contrato de aluguer entre aquelas duas empresas e um contrato de prestação de serviço, celebrado entre a recorrente e esta sociedade (F.).

De acordo com o regime estabelecido na LAT (e, já antes, no domínio da Lei nº 2127) quem responde em primeira linha pelo pagamento das prestações - que se pretendem ver reconhecidas nas acções especiais emergentes de acidente de trabalho – é a entidade patronal (ou a seguradora para quem aquela tenha transferido a sua responsabilidade) – artos 2º e 37º-1 da LAT e 11º do RLAT.
Para os casos em que o acidente é causado por companheiros ou terceiros, a entidade patronal (ou a seguradora para quem aquela tenha transferido a sua responsabilidade) responde também em primeira linha, sem prejuízo do direito de regresso que lhe assiste relativamente ao causador do acidente, ou da sua desoneração, caso este já tenha pago ao sinistrado a indemnização devida pelo acidente – artº 31º.
Ou seja, mesmo que o acidente de trabalho seja causado por outros trabalhadores ou terceiros, a responsabilidade da entidade empregadora mantém-se.
Todavia, podem perspectivar-se casos em que o terceiro (culpado) tem uma especial relação, quer com o sinistrado, quer com a entidade patronal. É o que pode acontecer quando, por exemplo, na execução duma obra, se estabelecem vínculos entre sujeitos que afastam o trabalhador do exercício directo do poder de direcção de que é originariamente titular a sua entidade patronal (contrato de trabalho temporário, contrato de utilização, cedência ocasional de trabalhadores, …, podendo ainda aquela situação verificar-se noutro contexto: quando há contratos de empreitada, sub-empreitada, prestação de serviço …).
Algumas destas hipóteses estão contempladas em normas em vigor à data da ocorrência do acidente. É o caso do artº 8º-4 do citado DL nº 441/91, na redacção conferida pelo DL nº 133/99 de 21.04, que, prevendo a hipótese de várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolverem, simultaneamente, actividades com os respectivos trabalhadores no mesmo local de trabalho, impõe aos empregadores o dever de cooperarem no sentido da protecção da segurança e saúde, especificando-se que as obrigações são asseguradas pela empresa utilizadora, no caso de trabalhadores em regime de trabalho temporário ou de cedência de mão de obra [alínea a)] e pela empresa adjudicatária da obra ou do serviço, “para o que deve assegurar a coordenação dos demais empregadores (….), sem prejuízo das obrigações de cada empregador relativamente aos respectivos trabalhadores” [alínea c)]. É também o caso de normas contidas no DL nº 155/95, já citado, que, fazendo recair sobre o dono da obra o dever de elaborar um plano de segurança e saúde (artº 6º) e de nomear um coordenador do projecto em matéria de segurança e saúde (artº 5º), estatui, expressamente, que tal nomeação não exonera o dono da obra, nem a entidade patronal, nem o autor do projecto, nem o técnico responsável da obra, das responsabilidades em matéria de segurança e saúde que a cada um deles cabem (nº 4 deste último preceito). No artº 8º, depois de estabelecer-se que os empregadores devem garantir a observância das obrigações gerais previstas no artº 8º do DL nº 441/91 (preceito que, no seu nº 1, faz recair sobre a entidade empregadora a obrigação de assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho), estatui-se, uma vez mais, que “as obrigações atribuídas aos coordenadores em matéria de segurança e saúde e ao dono da obra não exoneram o empregador das responsabilidades que lhe estão cometidas pelo Decreto-lei nº 441/91, de 14 de Novembro” (nº 3).

Conhecidas as circunstâncias em que ocorreu o acidente, atentemos nos factos com interesse para resolver a presente questão:
- o sinistrado fazia parte dos quadros da lª ré (A. – S. M., Lda), com quem havia celebrado um contrato, através do qual se obrigava a prestar-lhe a sua actividade, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, mediante retribuição;
- em 21.01.2002, a lª ré e a sociedade F. – C., Lda, assinaram o "contrato de prestação de serviços" cuja fotocópia consta a fls 313-314 dos autos (doc. n° 1, junto com a contestação da 1ª ré), nos termos do qual, a ré/empregadora declarou obrigar-se perante a F. a executar trabalhos de montagem de caixilharias e painéis de alumínio e colocação de vidros no edifício referido no ponto nº 4 dos factos (supra em III);
- do aludido contrato consta que “o fornecimento dos materiais, equipamentos, ferramentas e mais utensílios necessários à execução da prestação é da responsabilidade da segunda outorgante” [F.] e ainda que “a execução e direcção efectiva dos trabalhos e a respectiva organização cabe à segunda outorgante, que a exercerá através de pessoa designada para o efeito, apoiada pelos desenhos e pormenores de montagem”;
- e, ainda, que “é da exclusiva responsabilidade da primeira outorgante [a ora 1ª ré] o cumprimento das obrigações legais decorrentes da legislação do trabalho e nomeadamente as relacionadas com a higiene e segurança no trabalho”;
- a 1ª ré confiou que a F. (que alugou a torre e a respectiva plataforma à empresa R.) e a R., que a montou, zelariam pela correcta montagem e funcionamento da torre e plataforma, pelo que não exerceu qualquer controle sobre se tal montagem, funcionamento e utilização da torre e da plataforma se faziam em segurança;
- a prestação de trabalho pelo sinistrado na aludida obra, com utilização da referida torre e plataforma, foi efectuada com o conhecimento e consentimento da 1ª ré, embora fosse a F., através do seu encarregado FF, quem dizia ao sinistrado e aos seus colegas as tarefas em concreto a realizar e a forma de as realizar;
- na ocasião do acidente, o sinistrado encontrava-se a prestar serviço no âmbito do “contrato de prestação de serviço” celebrado entre a F. e a 1ª ré;
- a plataforma elevatória e a respectiva torre foram fornecidas pela empresa R., E. de C., Lda, à F., que lha alugou; as duas empresas encarregaram-se da montagem, manutenção e controlo do bom estado de funcionamento da mesma.

Perante este quadro, podem perspectivar-se as seguintes soluções:
- afastar-se a responsabilidade da entidade patronal (e também da sua seguradora), considerando que quem deve responder pelas consequências danosas do acidente é a F. ou a R., ou ambas – esta, a posição da recorrente;
- responsabilizar-se a entidade patronal (apenas) pelas prestações normais (responsabilidade objectiva) e, consequentemente, condenar-se a seguradora no respectivo pagamento, perspectivando a responsabilidade do terceiro nos termos estabelecidos no artº 31º da LAT;
- considerar-se o terceiro (que deu causa ao acidente) - atenta a sua especial relação com a entidade patronal (contrato de prestação de serviço), relação que determinou, por acto da própria entidade patronal, a ingerência daquele (terceiro) no âmbito da relação autoridade/subordinação, que, por definição, integra o relacionamento subjectivo entre as partes na execução do contrato individual de trabalho - como “representante” da entidade empregadora para os efeitos do artº 18º, o que implica a condenação da ré/recorrente, sem prejuízo do direito de regresso previsto no nº 3 do artº 18º;
- responsabilizar a recorrente por “violação culposa de regras de segurança que lhe cabia acautelar e vigiar”, podendo e devendo fazê-lo, “por si própria ou por interposta pessoa” (técnico especializado) – esta a posição do acórdão recorrido.

Antecipando, diremos que propendemos para a posição indicada em 3ª lugar.
Explicamos porquê.
No caso em apreço, é ponto assente que não havia nenhum vínculo de natureza laboral entre o sinistrado e a F. ou a R..
Todavia, havia um “contrato de prestação de serviço”, entre aquela (F.) e a ré/empregadora, nos termos já referidos.
Os termos deste contrato não são claros, mas uma coisa é certa: cabia à 1ª ré executar trabalhos de montagem de caixilharias e painéis de alumínio e a colocação de vidros num edifício e que, para a execução desse trabalho, utilizou como trabalhador o sinistrado. Embora tenha também ficado provado que era a F. que fornecia os materiais, equipamentos, ferramentas e mais utensílios necessários à execução da prestação (o que aponta para que a F. fosse a empreiteira da obra), sendo também ela que, através do seu encarregado, dizia ao sinistrado e aos seus colegas as tarefas em concreto a realizar e a forma de as realizar, tais factos não alteram aquela realidade - existência dum vínculo laboral entre a 1ª ré e o sinistrado, sendo irrelevante que essa sujeição seja efectiva ou simplesmente potencial.
Como escreve o Prof. Galvão Teles (in “Contratos Civis”, pg 62) “a subordinação não deve entender-se em sentido social, económico ou técnico, mas jurídico, e consiste em a entidade patronal poder de algum modo orientar a actividade em si mesma, quanto mais não seja no tocante ao lugar e momento da prestação”.
Assim, ainda que incumbisse a um terceiro a direcção e orientação da actividade do trabalhador/sinistrado e também a responsabilidade legal pela observância das condições de segurança num determinado local, continuava a ser o empregador – entidade que paga a remuneração e exerce o seu poder de autoridade sobre o trabalhador - o responsável directo perante este, já que foi ele que determinou a execução da prestação laboral em local onde não foram previamente cumpridas as prescrições legais sobre higiene e segurança no trabalho.
Nestes casos, o terceiro (empreiteiro, empresa utilizadora, ou cessionário, no caso de cedência ocasional de trabalhadores, ….), sob a direcção de quem o trabalhador presta temporariamente a sua actividade conforme lhe foi determinado pelo seu empregador, funciona perante o trabalhador como “representante” da entidade patronal nos termos e para os efeitos do artº 18º da LAT.
Segundo Meneses Leitão (in “A Reparação dos Danos Emergentes de Acidente de Trabalho”, publicado nos Estudos do IDT, vol. I, pg. 577), a responsabilidade do empregador nestas situações funda-se em razões de prevenção: pretende-se prevenir que o empregador ponha os seus trabalhadores ao serviço de empresários pouco diligentes, que eles não escolheram ao celebrar o contrato de trabalho.
Também nestes casos é sobre a entidade patronal, enquanto beneficiária directa da prestação laboral e parte/outorgante do contrato que cria o vínculo de autoridade/subordinação económica e jurídica, que impende a obrigação de reparação nos termos da LAT.
Esta solução tem uma vertente pedagógica e é a que serve melhor os interesses do trabalhador, em caso de acidente de trabalho.
O empregador passa a responsabilizar-se pela escolha da entidade sobre quem vai delegar (total ou parcialmente) o seu poder de direcção e que, por esse motivo, passará a ter o poder de, substituindo-se ao empregador, conformar a prestação do trabalhador enquanto este executa o contrato individual de trabalho celebrado e em vigor com o primeiro.
Por seu turno, o trabalhador, vítima de acidente causado por violação de regras de segurança por parte do empregador ou do seu “representante”, obtém, desde logo, no processo de acidente de trabalho, a reparação infortunística agravada prevista na LAT.
A responsabilidade civil nos termos gerais é sempre salvaguardada, quer reconhecendo-se expressamente no nº 3 do artº 18º, o direito de regresso ao empregador que pagou as prestações agravadas na sequência de acidente de trabalho sofrido por culpa da empresa com quem contratou e que tinha a responsabilidade de observar e fazer observar as regras de segurança no trabalho, quer reconhecendo-se ao sinistrado o direito de demandar directamente o causador do acidente nos termos gerais da responsabilidade civil (nº 2 do citado artº 18º).
Salienta-se que, no artº 295º do novo Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003 de 27 de Agosto, o agravamento da responsabilidade deixa de estar circunscrito à actuação culposa da entidade patronal ou seu representante, abrangendo também agora com “letra” inequívoca a actuação culposa de entidade “contratada” pela entidade patronal.
Como escrevem Pedro Martinez, Luís Monteiro, J. Vasconcelos, P. M. Brito, G. Dray e Luís G. Silva, tal como o comitente é responsável por actos do comissário (artº 500º do CC) e o devedor por acto de representante ou auxiliar (artº 800º do CC), “também o empregador deverá ser responsável por todos os danos resultantes de acidente de trabalho, tanto no caso de o acidente se ter ficado a dever a uma actuação culposa do seu representante como entidade por ele contratada para gerir ou aproveitar o trabalho do trabalhador”.
Tudo para dizer que, ocorrendo o acidente por violação de regras de segurança – violação não só ilícita, mas também culposa, já que a ilicitude se traduziu na omissão de especiais deveres de cuidado impostos por lei - por parte da F. e actuando esta como “representante” da ré/empregadora, no que concerne ao exercício dos poderes de direcção de que ela (empregadora) era titular, impõe-se concluir que a ré/recorrente responde pelo pagamento das prestações, em causa nesta acção, e de forma agravada, já que se mostram in casu preenchidos os requisitos previstos no artº 18º-1 da LAT (falta de observação das regras sobre segurança no trabalho por parte do “representante” do empregador e nexo de causalidade entre aquela falta e a produção do acidente).
Improcedem assim as conclusões das alegações da recorrente nesta matéria.

4.2.3. Resta a última questão: saber se é, ou não, excessiva, a condenação da recorrente no pagamento a cada um dos autores de uma pensão equivalente à retribuição anual do sinistrado.
Como vimos, o artº 18º-1-a) da LAT estabelece que, quando o acidente (…) resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo determinadas regras, sendo, no caso de morte, iguais à retribuição.
Trata-se duma questão de interpretação da lei (artº 9º do CC).
Adiantando, diremos que, neste ponto, deve ser acolhida a pretensão da recorrente.
Antes de mais, há que atentar na letra da lei (elemento literal). Ora, no citado preceito, relaciona-se retribuição (singular) com prestações (plural): diz-se que estas fixar-se-ão e serão iguais à retribuição e não que “cada uma” das prestações é igual à retribuição.
Por outro lado, a interpretação feita pelas instâncias não só não se coaduna com o espírito subjacente à legislação especial reparadora de acidentes de trabalho, como contraria o próprio princípio civilista geral (o da reconstituição natural) plasmado no artº 562º do CC, que pressupõe a equivalência entre o dano e a indemnização (elemento sistemático).
Com a condenação proferida pelo tribunal a quo, o agregado familiar constituído pelos autores que, antes do falecimento do sinistrado, contava com uma contribuição em valor não apurado, que este efectuava a partir do seu salário mensal, passa a beneficiar todos os meses de um valor equivalente ao dobro de tal salário, o que excede manifestamente o valor do dano patrimonial correspondente à perda da capacidade de ganho do sinistrado. A interpretar-se assim o artº 18º da LAT, poderíamos chegar ao absurdo – o que não se coaduna com a ideia de um legislador razoável (artº 9º-3 do CC) -de o empregador ficar com o encargo, prolongado no tempo, de pagar, mensalmente, a título de danos patrimoniais, a vários beneficiários (bastando que deixasse, além dos pais, outros parentes sucessíveis, nas condições previstas na citada alínea d), do nº 1, do artº 20º da LAT), valor equivalente a 3, 4 ou mais “retribuições” (actualizadas).
Também não vale a invocação da função preventiva e sancionatória da reparação (responsabilidade agravada), com o argumento de que a norma contida no artº 18º da LAT se inscreve no âmbito da responsabilidade civil do empregador por acidentes de trabalho, tendo como pressuposto a sua culpa.
Como ensina Antunes Varela, a função essencial da responsabilidade civil é a função reparadora ou indemnizatória. As funções de carácter preventivo, sancionatório ou repressivo subjacentes aos requisitos da ilicitude e da culpa que também se assinalam à responsabilidade civil são de natureza acessória e devem subordinar-se à sua função reparadora, reintegradora ou compensatória(“Das Obrigações em Geral”, vol. I, 4ª edição, pp. 462 e ss) (elemento racional).
Assim, uma vez cumprida esta última função nos termos assinalados na lei, aquelas outras são acessoriamente prosseguidas, nada legitimando que se arvore a função sancionatória em fundamento único de um agravamento do valor reparatório, em termos tais, que podem vir a exceder largamente o dano patrimonial sofrido.
Por outro lado, como tem assinalado a doutrina, o citado artº 18º, apesar de se traduzir num agravamento da reparação prevista na Lei dos Acidentes de Trabalho para os casos normais nesta previstos de responsabilidade objectiva, fica ainda aquém do dano sofrido.
Segundo Pedro Romano Martinez, com o agravamento das prestações consignadas na LAT (artº 18º-1), a par da responsabilização por danos não patrimoniais (nº 2), pretende-se ressarcir todo aquele dano patrimonial resultante da privação do salário do sinistrado, sem limite, diferentemente do que ocorre quando não há culpa do empregador em que a indemnização é fixada com base em critérios percentuais (artos 17º e 20º da LAT). Nesta perspectiva, “não havendo culpa do empregador, a indemnização só cobre uma percentagem do dano sofrido pelo trabalhador; em caso de culpa do empregador, o prejuízo (indemnizável) é ressarcido na íntegra” (“Direito do Trabalho”, 3.ª edição, 2006, pp. 813-814).
Todavia, ainda segundo este autor, o artº 18º da LAT estabelece apenas um agravamento da obrigação de reparar sem aumentar o elenco dos danos, que continuam a ser os fixados no artº 10º do mesmo diploma (mantendo-se excluídos determinados lucros cessantes e outros danos não patrimoniais), o que na sua perspectiva é criticável. Daí que ressalve a possibilidade de se accionar a responsabilidade subjectiva do empregador nos termos gerais.
Também Carlos Alegre faz uma anotação crítica ao artº 18º da LAT por este estabelecer um limite máximo ao dever de reparar os danos patrimoniais mesmo nos casos especiais de culpa do empregador (“Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado”, 2.ª edição, 2001, p. 105).
Igualmente Meneses Leitão assinala que o agravamento da taxa de indemnização previsto neste preceito “tem como limite a retribuição do trabalhador” (no seu estudo, já citado, pg 575).
No âmbito do Código do Trabalho, o respectivo artº 295º prescreve, para os casos de actuação culposa do empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada, que “a indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais” (nº 1).
Em anotação a este preceito, Pedro Romano Martinez salienta a diferença do regime relativamente à legislação revogada aludindo, precisamente, a terem deixado de existir os limites que o artº 18.º da LAT estabelecia relativamente à indemnização pelos danos patrimoniais emergentes do acidente de trabalho (“Código do Trabalho Anotado”, p. 454).
Entendemos, assim, que o artº 18º-1-a) da LAT deve interpretar-se no sentido de que, ao prever que, no caso de morte “as prestações” serão “iguais à retribuição”, o legislador pretendeu agravar as prestações genericamente fixadas no artº 20º (para os casos de responsabilidade objectiva) determinando que, nos casos de responsabilidade subjectiva do empregador, essa referência passe a ser a própria retribuição.
Ou seja:
- sem agravamento (no caso de responsabilidade objectiva), os beneficiários legais têm direito, cada um, a uma pensão correspondente a 15% da retribuição base do sinistrado até perfazerem a idade de reforma por velhice e 20% a partir de então ou no caso de padecerem de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho [art. 20.º, n.º 1, al. d) e n.º 2];
- com agravamento (no caso de responsabilidade subjectiva), se houver vários beneficiários legais, a soma das pensões a que têm direito coincide com o valor da retribuição do sinistrado, não estando sujeitas nem à limitação percentual de cada um (15% e, posteriormente, 20%), nem à limitação percentual do total das pensões (80%) e efectuando-se o rateio na medida do necessário a não ser ultrapassado o valor da retribuição (do sinistrado).
É este o sentido da norma e é neste agravamento que se consubstancia a penalização do empregador que viole regras de segurança e que, com essa violação, dê causa a um acidente de trabalho.
Nestas circunstâncias, o montante da pensão de cada um dos pais do sinistrado terá que corresponder a 50% do valor da retribuição do sinistrado.

V – Decidindo
Nestes termos, acordam em conceder parcialmente a revista e, em condenar a ré/recorrente a pagar a cada um dos autores/recorridos e com efeitos desde 18 de Agosto de 2002, a pensão anual e vitalícia de € 3.486,00, com valor actualizado para:
- € 3.555,72 a partir de 2003-01-01,
- € 3.644,62 a partir de 2004-01-01,
- € 3.728,45 a partir de 2005-01-01 e
- € 3.814,20 a partir de 1.01.2006 (cfr. a Portaria n.º 1316/05 de 22-12),
- bem como juros de mora à taxa legal sobre as prestações vencidas, desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento.
No mais, confirma-se o acórdão recorrido, ainda que, relativamente a alguns pontos, com alteração da fundamentação.
Custas pela recorrente na proporção do vencimento, sendo que os recorridos estão isentos (artº 2-1-m) do CCJ, na anterior redacção).

Lisboa, 24 de Janeiro de 2007

Maria Laura Leonardo
Sousa Peixoto
Sousa Grandão