Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S2331
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: HORÁRIO DE TRABALHO
TRABALHO SUPLEMENTAR
RESCISÃO DE CONTRATO
JUSTA CAUSA
NULIDADE DE SENTENÇA
OPOSIÇÃO ENTRE FUNDAMENTOS E DECISÃO
Nº do Documento: SJ200611150023314
Data do Acordão: 11/15/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. O trabalho prestado no cumprimento do horário de trabalho fixado pela entidade empregadora considera-se trabalho suplementar na parte em que exceder os limites legais estabelecidos.
2. O não pagamento sistemático da retribuição referente ao trabalho suplementar que mensalmente vinha sendo prestado há mais de quatro anos, cujo montante ascendia já a 2.040,32 euros e o não pagamento das comissões referentes a algumas vendas efectuadas nos últimos doze meses conferem ao trabalhador o direito de rescindir o contrato de trabalho com justa causa e a receber a correspondente indemnização de antiguidade.
3.. Não constitui nulidade da sentença, mas sim eventual erro de julgamento, a circunstância de na fundamentação da sentença o juiz não ter levado em conta determinados factos que tinham sido dados como provados e que se mostravam relevantes para a boa decisão da causa.
4. Não estando o tribunal vinculado à qualificação jurídica dada pelas partes, a Relação não pode deixar de conhecer do erro de julgamento que o recorrente indevidamente suscitou sob a forma de arguição de nulidade da sentença, só porque esta não foi arguida no requerimento de interposição do recurso.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. "AA" propôs a presente acção no Tribunal do Trabalho de Braga contra Empresa-A, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe as seguintes quantias, acrescidas de juros de mora: a) 2.040,32 euros a título de trabalho suplementar prestado aos Sábados no período de Janeiro de 1999 até 3 de Novembro de 2003, data da cessação do contrato de trabalho; b) 24.184,02 euros a título de comissões referentes à venda de veículos automóveis por ele realizadas; c) 867,28 euros de diferenças no subsídio de férias de 2003; d) 6.201,00 euros de indemnização por rescisão do contrato com justa causa; e) 5.077,05 euros de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.

Em resumo, o autor alegou o seguinte:
- foi admitido ao serviço da ré, em 1 de Janeiro de 1991 e sempre auferiu uma retribuição mista, sendo uma parte fixa e a outra variável (comissões sobre a venda de veículos automóveis);
- o valor das comissões relativamente às vendas efectuadas pelo autor foi contratualmente fixado desde o início em 1% sobre as vendas de carros novos e em 1,5% sobre as vendas de carros usados e eram pagas mensalmente;
- o horário de trabalho do autor era de 2.ª a 6.ª-feira, das 9 às 19 horas com intervalo das 12 às 14 horas;
- além disso, a partir de Janeiro de 1999 e por determinação expressa da ré, trabalhou sempre um sábado por mês, das 9 às 19 horas, com intervalo das 12 às 14 horas;
- nas semanas em que trabalhava ao sábado só descansava ao domingo, o que significa que nessa semana trabalhava 48 horas, o que vale por dizer que prestou oito horas de trabalho suplementar por mês desde Janeiro de 1999 até à data da cessação do contrato;
- relativamente às vendas referidas nos documentos n.º 3 e 4 que juntou, a ré pagou-lhe de comissão uma percentagem inferior à contratualmente fixada e, relativamente às vendas referidas nos documentos n.º 5 e 6, a ré não lhe pagou qualquer comissão;
- em Julho de 2003, a ré pagou-lhe a quantia de 1.444,80 euros a título de subsídio de férias, correspondendo 477,00 euros à parte fixa da retribuição e 667,80 euros à parte variável;
- todavia, levando em conta o valor das comissões a que tinha direito, a ré devia-lhe ter pago mais 867,28 euros a título de comissões;
- em 3 de Novembro de 2003, rescindiu o contrato de trabalho com justa causa, invocando para tal não só a falta de pagamento das comissões, mas também o seu pagamento por valores inferiores aos contratualmente acordados e ainda o não pagamento do trabalho suplementar prestado aos sábados, uma vez por mês.

A ré contestou por impugnação, alegando, em resumo, o seguinte:
- o valor da comissão sobre a venda de cada veículo, novo ou usado, sempre foi fixado caso a caso, tendo em conta as características próprias de cada negócio e incidia sobre o preço base do veículo;
- a ré nada deve ao autor a título de comissões, com excepção das comissões referentes às vendas cujo preço a ré ainda não recebeu;
- o horário de trabalho do autor incluía a prestação de trabalho ao sábado uma vez por mês, folgando na semana em que isso acontecia no domingo e na segunda-feira;
- sendo certo, sem prescindir, que os valores das comissões sempre seriam inferiores aos calculados pelo autor;
- a rescisão do contrato foi efectuada sem justa causa, o que confere à ré o direito à indemnização de 954,00 euros correspondente à falta de aviso prévio, acrescida de juros de mora e do valor dos prejuízos causados pela inobservância do aviso prévio, cuja liquidação deve ser relegada para execução de sentença, atenta a impossibilidade de proceder de imediato ao apuro dos mesmos;
- ainda não pagou ao autor da retribuição das férias e dos subsídios de férias e de Natal referentes ao ano da cessação do contrato, cujo montante ascende a 2.081,23 euros, mas tal aconteceu apenas porque o autor nunca os reclamou;

E, em reconvenção, a ré alegou que o autor lhe deve a quantia de 2.500,00 euros relativa à compra de um veículo Ford Mondeo, com a matrícula DG e pediu que, efectuada a compensação de créditos, fosse o autor condenado a pagar-lhe a quantia de 1.372,77 euros, acrescida da que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos sofridos em consequência de ele ter rescindido o contrato de trabalho sem dar o aviso prévio.

A ré pediu, ainda, que o autor fosse condenado, como litigante de má fé, em multa e em indemnização não inferior a 2.500,00 euros.

Na resposta, o autor alegou que a reconvenção não era admissível no que diz respeito aos danos pretensamente resultantes da falta de aviso prévio e ao preço do carro que comprou à ré e, sem prescindir, impugnou o direito à indemnização por falta de aviso prévio, uma vez que a rescisão foi efectuada com justa causa e, relativamente ao pagamento do preço do carro, alegou que aquando da compra do carro por 3.500 euros, pagou 1.000 euros, tendo ficado acordado com a ré que só pagaria o restante quando fosse vendido o veículo de marca Lância, matrícula DH que ele entregou para retoma, venda essa que ainda não tinha sido concretizada.

No referido articulado, o autor pediu que a ré fosse condenada, como litigante de má fé, em multa e em indemnização de montante não inferior a 5.000,00 euros.

Realizado o julgamento, com gravação da prova e decidida a matéria de facto, foi proferida sentença condenando a ré a pagar ao autor a quantia de 6.201,00 euros a título de indemnização por rescisão do contrato de trabalho com justa causa e a quantia de 2.040,32 euros a título de trabalho suplementar, bem como as comissões referentes às vendas dos veículos novos e usados constantes dos documentos de fls. 43 e 44 e as diferenças relativas ao subsídio de férias de 2003 e aos proporcionais de férias e de Natal, a liquidar em execução de sentença, deduzindo-se ao montante global apurado a quantia de 2.982,71 euros que, em 1.6.2004 , a ré pagou ao autor e a quantia de 2.500,00 euros referente ao preço do veículo Ford Mondeo, com a matrícula DG que o autor comprou à ré.

Inconformados com a sentença, dela recorreram o autor e a ré, recursos que o Tribunal da Relação do Porto julgou parcialmente procedentes, tendo, em consequência disso:
1) Condenado a ré a pagar ao autor a quantia de 2.040,32 euros a título de trabalho suplementar, acrescida de juros de mora desde a citação, bem como, a liquidar em execução da sentença, as comissões relativas às vendas dos carros novos e usados referidas, respectivamente, nos documentos de fls. 43 e 44, a diferença no subsídio de férias de 2003 e os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal;
2. Ordenado que à quantia global devida ao autor fosse deduzida a importância de 2.982,71 euros paga pela ré no decurso do processo (em 1.6.2004), por conta dos valores que lhe eram devidos;
3. Condenado o autor a pagar à ré a quantia de 954,00 euros, acrescida de juros de mora, a contar da notificação da contestação, a título de indemnização por rescisão do contrato sem justa causa e sem aviso prévio.

Mantendo o seu inconformismo, o autor recorreu e a ré, subordinadamente, fez o mesmo, tendo concluído as respectivas alegações da seguinte forma:

Conclusões do recurso do autor:
1.ª - Da matéria de facto dada como assente, resulta provado que a Ré nunca pagou ao autor o trabalho suplementar prestado, ao longo de toda a execução do contrato, no valor de 2.040,32 euros, nem pagou as comissões - que integram a sua retribuição - pelas vendas de carros novos e usados no valor de 5.336,90 euros (valores alegados pelo Autor, a liquidar em execução de sentença), os quais representaram uma diminuição séria na retribuição que o autor legalmente tinha direito a auferir.
2.ª - Além de não pagar a retribuição devida correspondente à parte variável, a Ré não considerou tais montantes para efeitos de cálculo das comissões médias mensais e consequente inclusão no pagamento dos subsídios de férias e de Natal do ano de 2003.
3.ª - A Ré, ao omitir o pagamento das retribuições a que estava obrigada a pagar ao Autor, violou uma sua garantia legal e convencional e provocou-lhe a lesão de interesses patrimoniais sérios, o que configura justa causa de rescisão do contrato [e não de despedimento, como, por manifesto lapso, foi dito pelo autor], conforme o mesmo alegou na sua comunicação de 3.11.03.
4.ª - Tal comportamento da Ré constituiu justa causa para o Autor rescindir o seu contrato de trabalho, com base nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 do art.º 35.º do DL 64-A/89, de 27 de Fevereiro, de forma imediata e com direito a exigir a indemnização fixada no art.º 36.º do mesmo diploma.
5.ª - Para a verificação da justa causa, é necessária a ocorrência cumulativa de três requisitos: falta de pagamento de retribuições (elemento objectivo), imputabilidade do incumprimento à entidade patronal a título de culpa (elemento subjectivo) e que, na situação concreta, não seja exigível ao trabalhador a manutenção do vínculo laboral (cfr. art.os 35.º, n.º 1, al. b) e 4 e 12.º, n.º 5 da LCCT).
6.ª - O Tribunal a quo entendeu não estar verificado apenas o último requisito atrás indicado - impossibilidade da manutenção do vínculo contratual.
7.ª - Entenderam os Senhores Desembargadores que, face aos factos dados como provados, o comportamento da Ré não tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, pelo que o Autor não tem direito a receber a indemnização a que alude o art.º 36.º da LCCT e, consequentemente, quanto ao pedido reconvencional, a Ré tem direito a receber do Autor a indemnização a que alude o art.º 39.º do citado regime jurídico, no montante de 954,00 euros.
8.ª - Não se conforma o Recorrente com essa interpretação, porquanto face ao comportamento culposo da Ré, dado como assente, era inexigível ao Autor a manutenção do vínculo laboral, atendendo não só ao montante elevado das retribuições em dívida, como à falta prolongada no seu pagamento.
9.ª - Não é admissível que o trabalhador apenas possa rescindir o seu contrato de trabalho quando está em causa o não pagamento integral da retribuição. Atento o disposto no n.º 4 do art.º 35.º da LCCT, o tribunal terá de atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, exigindo-se que os mesmos sejam sérios, assumindo expressão patrimonial relevante, o que sucedeu na relação contratual que existia entre Autor e Ré.
10.ª - Ao contrário do decidido no acórdão em revista, a duração da mora no pagamento das retribuições ao Autor assume relevância mais que suficiente para que se considere ter havido justa causa para a rescisão do contrato. Tal entendimento do tribunal a quo contraria a orientação desse Supremo Tribunal, plasmada no Acórdão de 03.02.99, in CJ, 1999, Tomo 1, p. 271 e segs., a propósito da verificação do requisito de inexigibilidade para a manutenção do vínculo laboral e quando estava em causa o não pagamento de determinadas verbas da retribuição do trabalhador, como nos presentes autos.
11.ª - Verificam-se, assim, preenchidos os requisitos da justa causa para a rescisão do contrato de trabalho por parte do Autor.
12.ª - Tendo concluído pela não existência de justa causa para o autor rescindir o seu contrato de trabalho, o acórdão em revista violou o disposto nos n.º 1, alíneas a), b) e e) e n.º 4 do art.º 35.º da LCCT, por errada interpretação/aplicação do preceito.
13.ª - Por isso, deve ser revogado o acórdão em revista, na parte recorrida, e ser declarada a existência de justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo autor e, consequentemente, ser a Ré condenada a pagar ao autor a indemnização a que alude o art.º 36.º da LCCT, no valor de 954,00 euros, correspondente à indemnização a que alude o art.º 39.º do citado regime jurídico.

Conclusões do recurso da ré:
1.ª - Ao Autor competia a prova dos factos que invocou, nenhuma presunção ou inversão - por outra qualquer razão - das regras de distribuição do ónus da prova aqui tendo pertinência.
2.ª - O Autor invocou ter prestado trabalho suplementar como causa de pedir, directa e
indirecta, de alguns dos pedidos formulados, mas não fez qualquer prova de tal invocação, por isso, deveriam os factos alegados nos artigos 14.º a 17.º da douta petição inicial ter sido julgados não provados.
3.ª - Da prova produzida resulta que a Ré não tinha e nunca teve conhecimento de que o Autor prestou trabalho suplementar, que, se porventura o Autor alguma vez trabalhou à segunda-feira, não obstante ter prestado serviço para a Ré também no sábado imediatamente anterior, o fez por sua exclusiva iniciativa, sem determinação prévia da Ré, e sem, sequer, o seu conhecimento, uma vez que a Ré nunca controlou o cumprimento por ele de qualquer horário.
4.ª - Não é possível perceber quando era prestado o alegado trabalho suplementar, se ao sábado, se em qualquer outro dia, designadamente, nas segundas-feiras imediatamente seguintes.
5.ª - Tal circunstância, indicada na conclusão precedente, torna impossível apurar se o Autor prestou efectivamente trabalho suplementar, uma vez que se mostra, assim, impossível saber se havia sido, ou não, a Ré a determinar tal prestação de trabalho, sendo que esta o havia de ter feito expressa e previamente a essa prestação.
6.ª - Não se mostrando provado que o "não descanso" à segunda-feira, ou "descanso apenas ao domingo" havia sido determinado pela Ré, não poderia o M.mo Juiz ter concluído ou julgado provado que o Autor tivesse prestado 8 horas de trabalho suplementar por mês.
7.ª - A lei não se basta com o facto de o trabalho ser prestado no interesse da entidade patronal, para o qualificar de "trabalho suplementar" e de o relevar, nomeadamente em termos de fazer nascer diferentes e acrescidos direitos e as correspondentes obrigações, de remuneração; exigindo, para o efeito, que a entidade patronal determine prévia expressamente tal acrescida prestação de trabalho.
8.ª - Não basta também, para se concluir que existia interesse da Ré, pensar que o trabalho era prestado por conta dela ou que a beneficiava ou podia beneficiar por algum modo, na medida em que o Autor era seu trabalhador e que tal trabalho se inseria no exercício das funções para que estava contratado.
9.ª - Posto que o horário de trabalho do Autor incluía um sábado por mês, o trabalho prestado não pode ser considerado trabalho suplementar.
10.ª - A exigibilidade do pagamento do trabalho suplementar supõe a prova de dois requisitos: a prestação efectiva de trabalhado suplementar e a determinação prévia e expressa da execução do trabalho suplementar pela entidade empregadora, sendo sobre o trabalhador que recai o ónus de provar qualquer dos referidos requisitos.
10.ª - O trabalho suplementar só pode ter protecção legal quando obedeça aos requisitos da lei, só assim sendo exigível o seu pagamento.
11.ª - Se o recorrido trabalhou para além do seu período normal de trabalho, por sua iniciativa e sem autorização da recorrente, não tem direito ao pagamento de horas de trabalho para além do respectivo horário.
12.ª - O Autor nunca prestou trabalho suplementar em termos juridicamente relevantes, ou seja, com o prévio conhecimento e a prévia determinação da entidade patronal, ou, sequer, no interesse desta.
13.ª - Não se mostrando provados os requisitos da verificação de prestação de trabalho suplementar, não é e nunca foi devido ao Autor qualquer valor a esse título.
14.ª - Sem conceder, e para o caso de se entender que é devido ao Autor qualquer valor a título de trabalho suplementar, o mesmo deve ser calculado tendo por base as diferentes retribuições auferidas desde o início do contrato e até ao seu termo.
15.ª - E apenas fixar-se sobre dez meses - posto que a R. encerra ao sábado durante o mês de Agosto (alínea I) da matéria dada como provada), no mês em que o trabalhador goza férias também não trabalha ao sábado e no ano da cessação, apenas sobre oito meses.
16.ª - O Autor teria direito a receber, a esse título, 1.848,00 e não 2.040,32 euros.
17.ª - É pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não podendo o Tribunal de recurso conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
18.ª - A invocação da nulidade da sentença não foi efectuada expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, como impõe o art.º 77.º do CPT.
19.ª - Sendo extemporânea tal arguição, o Tribunal não poderia ter apreciado tal questão.

Ambas as partes contra-alegaram, sustentando a improcedência do recurso da contra--parte e, neste Supremo Tribunal, o magistrado do M.º P.º emitiu parecer, a que as partes não responderam, pronunciando-se pelo provimento do recurso do autor e pelo não provimento do recurso da ré, salvo, eventualmente, no que toca ao valor da retribuição devida pela prestação do trabalho suplementar (conclusão n.º 16.ª).

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
A decisão proferida na 1.ª instância sobre a matéria de facto foi objecto de impugnação. A Relação julgou totalmente improcedente a impugnação do autor e parcialmente procedente a da ré e, em consequência disso, deu como provados os seguintes factos:
a) A ré exerce a actividade de comércio de venda ao público de automóveis, possuindo um estabelecimento no lugar da sua sede, em Braga.
b) O autor foi admitido ao serviço da ré em 1.1.91 por contrato de trabalho por tempo indeterminado, para exercer as funções de estagiário.
c) A última categoria profissional do autor era a de vendedor de automóveis.
d) Sob as ordens, direcção e fiscalização da ré e mediante retribuição, o autor exerceu com zelo e assiduidade as suas funções, como tais definidas no CCT aplicável.
e) O autor sempre auferiu uma retribuição mista, sendo uma parte fixa e a outra variável, constituída por comissões sobre as vendas efectuadas pelo autor.
f) O autor auferia, ultimamente, a retribuição base mensal de 477,00 euros ilíquidos, correspondente à parte fixa da retribuição.
g) Em 3.11.03, o autor rescindiu o seu contrato de trabalho invocando com justa causa, com fundamento na violação culposa do dever de pagamento pontual da retribuição na forma devida, de forma continuada, desde Janeiro de 1999.
h) Desde Janeiro de 1999 e até à cessação do contrato de trabalho, a ré nunca pagou ao autor qualquer quantia a título de trabalho suplementar.
i) A ré possui um estabelecimento de venda ao público de automóveis, está dispensada de encerrar ao sábado, todo o dia e apenas encerra ao sábado durante o mês de Agosto.
j) Por determinação expressa e no interesse da ré, o autor praticou, desde Janeiro de 1999 e até à data da cessação do contrato de trabalho - 3.11.03 -, o seguinte horário de trabalho, de 2ª a 6ª feira: entrada 9 horas e saída 19 horas; intervalo de descanso: das 12.00 às 14 horas; e um sábado por mês: entrada 9 horas e saída 19 horas; intervalo de descanso: das 12 às 14 horas.
l) Quando o autor prestava trabalho ao sábado, todo o dia, descansava apenas ao Domingo.
m) O autor efectuou as vendas de carros novos que se discriminam em anexo - documento de fls. 43 - e não recebeu qualquer comissão sobre essas vendas.
n) A ré deve as comissões relativas às vendas de carros usados efectuadas pelo autor, devidamente discriminadas no documento de fls. 44.
o) Era conduta usual da ré, durante a vigência do contrato, pagar ao autor as comissões devidas independentemente de ter recebido o respectivo preço das vendas dos automóveis efectuadas pelo Autor.
p) A Ré pagou ao autor, em Julho de 2003, a quantia de 1.444,80 euros a título de subsídio de férias.
q) Sendo a parte fixa da retribuição do autor igual a 477,00 euros, a ré pagou a quantia de 667,80 euros a título de comissões médias mensais.
r) No dia 1.7.2004, a ré pagou ao autor a quantia de 2.982,71 euros, por conta dos valores que confessa dever ao mesmo Autor neste processo, conforme declaração de fls. 295.
s) O valor da comissão sobre a venda de cada veículo automóvel, novo ou usado, em que o autor tivesse intervenção era fixado casuisticamente, tendo em conta as características próprias de cada negócio; entre outros, na fixação da comissão a pagar, quer de veículos novos, quer de usados, eram considerados os seguintes factores: tratar-se de um cliente novo ou tratar-se de um cliente da empresa ou de outro funcionário; e, fundamentalmente, do próprio negócio em si: se havia sido feito desconto, o valor do mesmo e, no caso de se efectuar retoma de veículo usado, das condições daquela.
t) Era ainda considerado, na fixação da comissão a atribuir, a forma de pagamento negociada: pronto pagamento, recurso a crédito, cheques pré datados.
u) Tal procedimento foi e continua a ser o mesmo, desde a data de admissão do autor e os cálculos sempre foram efectuados pela mesma pessoa.
v) O autor adquiriu à ré o veículo, marca Ford, modelo Mondeo, matrícula DG, pelo preço de 3.500,00 euros, tendo pago apenas a quantia de 1.000,00 euros.
x) Autor e ré acordaram que a restante parte do preço - 2.500,00 euros - seria paga aquando da venda do veículo marca Lância, matrícula DH, que o autor entregou para retoma.
z) O referido veículo, entregue pelo autor para retoma, ainda não foi vendido.
ab) Com a data de 3.11.03, o autor enviou à ré a carta constante de fls.32 dos autos, que esta recebeu, e onde o autor comunicava a rescisão do contrato de trabalho com os seguintes fundamentos: «desde Janeiro de 1999 até à presente data que o pagamento das comissões devidas pelas vendas por mim efectuadas não tem sido efectuado da forma acordada, seja por pagamento inferior ao devido, seja por simples falta de pagamento»...«Acresce que a retribuição pelo trabalho suplementar prestado ao sábado não é efectuada por V. Exas., situação que se prolonga desde Janeiro de 1999 até à data. Apesar de todas as diligências que fiz junto de V. Exas., ao longo de todos estes anos, para que fossem liquidados os meus créditos, as mesmas revelaram-se infrutíferas».

3. O direito
3.1 Recurso do autor
O recurso do autor restringe-se à questão de saber se ele tinha, ou não, justa causa para rescindir o contrato de trabalho. Vejamos.

Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, mas a rescisão deve ser feita por escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam, dentro dos quinze dias subsequentes ao conhecimento dos mesmos e só esses factos serão atendíveis para justificar judicialmente a rescisão (art.º 34.º da LCCT (1) -).

E, como é sabido, a justa causa pode resultar dum comportamento ilícito do empregador, traduzido na violação culposa dos seus deveres contratuais (justa causa subjectiva), ou de circunstâncias objectivas relacionadas com o trabalhador ou com a prática de actos lícitos do empregador (justa causa objectiva). A justa causa subjectiva compreende as situações previstas no n.º 1 do art.º 35.º da LCCT e a justa causa objectiva engloba as situações referidas no n.º 2 do mesmo artigo.

É óbvio que o trabalhador também pode rescindir o contrato de trabalho sem invocar justa causa, mas, nesse caso, terá de o fazer, por escrito, com uma antecedência mínima (o chamado aviso prévio) de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respectivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade (art.º 38.º, n.º 1, da LCCT). Se o não fizer, a rescisão não deixará de produzir efeitos, mas o trabalhador terá de indemnizar a entidade empregadora pelo aviso prévio em falta, sem prejuízo da responsabilidade civil pelos danos eventualmente causados em virtude da inobservância do prazo de aviso prévio (art.º 39.º da LCCT), salvo se a rescisão ocorrer no decurso do período experimental (art.º 55.º da LCCT).

Na rescisão com justa causa (subjectiva ou objectiva), o trabalhador fica dispensado de dar o aviso prévio e, tratando-se de justa causa subjectiva, ainda tem direito a receber uma indemnização correspondente a um mês da remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, mas que não poderá ser inferior a três meses (art.º 36.º, com referência ao art.º 13.º, n.º 3, da LCCT).

Não basta, porém, para que se dê por verificada a justa causa subjectiva, que a conduta da entidade empregadora seja subsumível a algumas das situações previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 35.º. É necessário, ainda, que no caso se mostrem preenchidos os requisitos que integram o conceito de justa causa contido no n.º 1 do art.º 9.º da LCCT, ou seja, é necessário que a conduta culposa da entidade empregadora, pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Na verdade, apesar daquele conceito de justa causa se encontrar sistematicamente inserido no capítulo dedicado ao despedimento promovido pela entidade empregador por razões disciplinares, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que o referido conceito também é aplicável às situações de rescisão com justa causa por iniciativa do trabalhador, como, aliás, decorre do disposto no n.º 4 do art.º 36.º que, na apreciação da justa causa, manda aplicar o disposto no n.º 5 do art.º 12.º, inserido também do mesmo capítulo.

Deste modo, para que o trabalhador possa fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho com justa causa, não é suficiente um qualquer incumprimento contratual por parte da entidade empregadora. É imprescindível que a violação das suas obrigações contratuais seja de tal forma grave e culposa, em si mesma e nas suas consequências, que a manutenção da relação laboral se apresente, segundo o critério de um bom pai de família, psicologicamente insustentável.

Revertendo ao caso em apreço, constata-se que o autor rescindiu o contrato invocando como justa causa o não pagamento, desde Janeiro de 1999, das comissões que lhe eram devidas pelas vendas de veículos automóveis por ele efectuadas e o não pagamento do trabalho suplementar que, desde aquela mesma data, vinha prestando aos sábados, uma vez por mês.

No que toca às comissões sobre as vendas, o autor alegou que as mesmas tinham sido contratualmente fixadas, desde a data da sua admissão, em 1% sobre o valor dos carros novos e em 1,5% sobre o valor dos carros usados e que, a partir de Janeiro de 1999, as mesmas passaram a ser-lhe pagas por valores inferiores àquelas percentagens, cifrando-se as diferenças a seu favor em 16.702,15 euros no que toca à venda de carros novos e em 2.144,97 euros no que diz respeito à venda de carros usados. E alegou ainda que a ré não lhe tinha pago qualquer comissão relativamente às vendas referidas nos documentos de fls. 43 (carros novos) e de fls. 44 (carros usados), cifrando-se o valor das mesmas, respectivamente, em 4.214,91 e 1.121,99 euros.

Como resulta da matéria de facto provada, o autor não logrou provar que as percentagens sobre as vendas tivessem sido objecto de qualquer acordo e, muito menos, provou que as percentagens acordadas fossem aquelas que alegou. Nessa matéria, foi a versão da ré que foi dada como provada (vide alíneas s), t) e u) da matéria de facto supra) e, em consequência disso, as instâncias julgaram improcedente a acção relativamente às quantias peticionadas a título de diferenças nos valores das comissões efectivamente pagas.
Porém, no que concerne às comissões relativas às vendas indicadas nos documentos de fls. 43 e 44, ficou provado que a ré não tinha procedido ao pagamento de qualquer comissão (vide alíneas m) e n) da matéria de facto supra) e provou-se também, ao contrário do que a ré alegara (2) .

No que toca ao valor dessas comissões, o autor não logrou provar o montante das mesmas, tendo a respectiva liquidação sido relegada para execução da sentença. Decorre, todavia, do teor dos documentos de fls. 43 e 44 que tais comissões dizem respeito a vendas efectuadas nos meses de Outubro e Novembro de 2002 e nos meses de Março, Abril, Maio, Junho Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2003.

Por sua vez, no que diz respeito ao trabalho suplementar, está provado que a ré possuía um estabelecimento de venda ao público de veículos automóveis, que também estava aberto aos sábados, excepto durante o mês de Agosto (vide alínea i) da m. f. supra). E também se provou que, por determinação expressa e no interesse da ré, o autor praticou, desde Janeiro de 1999 e até à data da cessação do contrato de trabalho, o seguinte horário de trabalho: de 2.ª a 6.ª feira - das 9 às 19 horas, com intervalo para descanso das 12 às 14 horas e um sábado por mês das 9 às 19 horas, com intervalo para descanso das 12 às 14 horas (vide alínea j) da m. f. supra). E, ao contrário do que a ré alegou (3), provou-se que, quando o autor prestava trabalho ao sábado, todo o dia, só descansava ao domingo (vide alínea l) da m. f. supra) e mais se provou que, desde Janeiro de 1999 e até à cessação do contrato de trabalho, a ré nunca pagou ao autor qualquer quantia a título de trabalho suplementar (vide alínea h) da m. f. supra).

Constata-se, assim, que o horário de trabalho estabelecido pela ré não respeitava os condicionalismos legais, dado que havia uma semana por mês (aquela em que o autor trabalhava ao sábado) em que o período normal de trabalho excedia em oito horas o limite de 40 horas estabelecido na cláusula 19.ª, n.º 1, alínea b) do CCT aplicável (4) e art.º 1.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 21/96, de 23/7 (5).
E, como é óbvio, as horas semanais prestadas para além daquele limite legal não podem deixar de ser consideradas como sendo de trabalho suplementar, apesar de estarem inseridas no horário de trabalho estabelecido pela entidade empregadora e de, nos termos do art.º 2.º, n.º 1, do D. L. n.º 421/83, de 2/12, só ser considerado trabalho suplementar "aquele que é prestado fora do horário de trabalho" (6).

Na verdade, o conceito de trabalho suplementar contido no n.º 1 do art.º 2.º do D. L. n.º 421/83 pressupõe que o horário de trabalho estabelecido pela entidade empregadora respeite os condicionalismos legais, em consonância com o estipulado no art.º 11.º, n.º 1, do D. L. n.º 409/71, de 27/9 (7), nomeadamente o referente ao período normal de trabalho. Se tal não acontecer, o trabalho prestado para além daquele limite tem de ser considerado, para todos os efeitos, como sendo trabalho suplementar, nomeadamente para efeitos retributivos, uma vez que se trata de trabalho cuja prestação foi prévia e expressamente determinada pela entidade empregadora, em consequência do horário de trabalho que por ela foi estabelecido, ficando, desse modo, preenchido o requisito referido no art.º 7.º, n.º 4, do D. L. n.º 421/83, nos termos do qual "[n]ão é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação não tenha sido prévia e expressamente determinada pela entidade empregadora"(8) .

E, sendo assim, verifica-se que o autor é credor não só das comissões referentes à vendas descritas nos documentos de fls. 43 e 44 dos autos, mas também da retribuição correspondente às oito horas de trabalho suplementar que mensalmente prestou à ré, desde Janeiro de 1999 até à cessação do contrato, retribuição essa que a decisão recorrida fixou em 2.040,32 euros, mas que a ré questiona no seu recurso (como adiante veremos), por entender que aquela retribuição - pressupondo que o respectivo direito existe - ascende apenas a 1.848,00 euros.
A questão que se coloca, e da qual não iremos ocupar de seguida, é a de saber se o não pagamento das retribuições referidas constituiu justa causa para o autor ter rescindido o contrato sem aviso prévio.

A falta culposa de pagamento pontual da retribuição na forma devida é uma das situações expressamente previstas na lei como sendo susceptível de constituir justa causa de rescisão do contrato de trabalho por parte do trabalhador (art.º 35.º, n.º 1, al. a), da LCCT). Como está provado, a retribuição do autor era mensal, o que significa que se vencia no final de cada mês (art.º 93.º da LCT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24.11.69, aqui aplicável). E sendo assim, no final de cada mês, a ré devia pagar ao autor as comissões relativas às vendas por ele efectuadas no respectivo mês, o mesmo acontecendo com a retribuição referente ao trabalho suplementar.

Como já foi dito, está provado que a ré não pagou ao autor o trabalho suplementar que ele mensalmente prestou desde Janeiro de 1999 nem as comissões referentes às vendas descritas nos documentos de fls. 43 e 44, realizadas nos meses de Outubro e Novembro de 2002 e nos meses de Março, Abril, Maio, Junho Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2003.

Nos termos do art.º 799.º, n.º 1, do C. C., "[i]ncumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua", o que vale por dizer que a culpa do devedor se presume. A ré não provou que a falta de pagamento das comissões e do trabalho suplementar não tinha resultado de culpa sua, o que nos leva a concluir, por presunção, que aquela falta de pagamento ocorreu por culpa da ré.

Na 1.ª instância decidiu-se que a falta de pagamento das referidas retribuições constituíam justa causa de rescisão do contrato de trabalho e, em consequência disso, reconheceu-se que o autor tinha direito a 6.201,00 euros de indemnização.

Na 2.ª instância a decisão foi outra. Aí se decidiu que não havia justa causa, com o fundamento de que a falta de pagamento já decorria desde o início do contrato, o que permitia concluir que o autor não tinha considerado tal situação "incomportável" e com o fundamento de que a falta de pagamento não se referia à totalidade do salário, o que significava "que ele nunca esteve privado do mesmo e, deste modo, impossibilitado de fazer face às suas necessidades diárias".

O autor discorda daquela decisão e fá-lo com toda a razão. Vejamos porquê.

O contrato de trabalho é um contrato oneroso: o trabalhador obriga-se a prestar a sua actividade sob a autoridade e direcção de outra pessoa, mediante retribuição. Da relação jurídica assim estabelecida emergem vários direitos e obrigações para ambas as partes, mas o direito fundamental do trabalhador é, sem dúvida, o direito à retribuição e o pagamento pontual da mesma constitui a primeira e a principal das obrigações a cargo do empregador. A essência do contrato reside precisamente na prestação remunerada da actividade, sob as ordens e direcção de outra pessoa e, por isso mesmo, a falta de pagamento pontual da retribuição, quando culposa, constituirá, por via de regra, uma violação grave por parte do empregador dos seus deveres contratuais, por atingir o núcleo do próprio contrato.

A própria lei reconhece que assim é, ao conferir ao trabalhador, quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por período superior a 30 dias sobre a data do vencimento, o direito de rescindir o contrato com justa causa ou de suspender a sua prestação laboral, após notificação à entidade patronal e à Inspecção-Geral do Trabalho, por carta registada com aviso de recepção, expedida com a antecedência mínima de dez dias, de que exerce um ou outro desses direitos, com eficácia a partir da data da rescisão ou do início da suspensão (art.º 3.º, n.º 1, da Lei n.º 17/86, de 14/6).

E compreende-se que assim seja, uma vez que é a retribuição constitui, salvo raras excepções, o único ou principal meio de subsistência do trabalhador e da sua família.

Como é lógico, a falta de pagamento será tanto mais grave quanto maior for o montante da retribuição em dívida e quanto maior for o atraso no pagamento, uma vez que a violação da obrigação contratual persiste enquanto a situação de falta de pagamento se mantiver, com o consequente agravamento da situação económica do trabalhador. Não colhe, por isso, a argumentação da Relação, quando diz que a falta de pagamento não abrangia a totalidade do salário e quando diz que a falta de pagamento já decorria há muito tempo, porquanto, tratando--se de uma falta de pagamento continuada, o autor podia rescindir o contrato com base na última falta de pagamento.

No caso em apreço, o autor não logrou provar todos os factos que invocou como justa causa. Não conseguiu provar o facto que, em termos quantitativos, se apresentava como sendo o mais gravoso, ou seja, não conseguiu provar que as comissões efectivamente pagas tinham sido inferiores em 16.702,15 euros no que diz respeito às vendas de carros novos e de 2.144,97 euros no que toca às vendas de carros usados.

Todavia, os factos dados como provados são suficientemente graves para justificar a rescisão, quer pelos valores em dívida que continuam a ser bastante elevados, quer pelo atraso no seu pagamento.

No que toca aos valores em dívida, recorde-se que a ré foi condenada a pagar ao autor a quantia de 2.040,32 euros, a título de retribuição pela prestação de trabalho suplementar e recorde-se que, a título das comissões referentes às vendas descritas nos documentos de fls. 43 e 44, o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe, respectivamente, as quantias de 4.214,91 euros e de 1.121,99 euros.

Como já foi dito, no seu recurso, a ré põe em causa não só o direito à retribuição pela prestação de trabalho suplementar, mas também, embora sem conceder, o valor da retribuição que esse título foi arbitrada ao autor, por entender que o valor correcto da mesma é tão somente de 1.848,00 euros.

Porém, como atrás já foi dito, dúvidas não há de que o autor prestou mensalmente trabalho suplementar à ré, desde Janeiro de 1999, e dúvidas não há também de que o valor da respectiva retribuição, seja o que foi fixado na decisão recorrida, seja o indicado pela ré, é de montante bastante elevado, sobretudo se levarmos em conta que a parte fixa da retribuição mensal do autor era apenas de 477,00 euros.

Também é verdade, que a liquidação do valor das comissões em dívida foi relegada para execução de sentença, mas é presumir que o valor apurado a final também será bastante elevado, superior naturalmente, até, ao valor da retribuição pela prestação do trabalho suplementar.

Por sua vez, no que toca ao atraso no pagamento, o atraso é por demais. Basta ter presente que o autor rescindiu o contrato em 3.11.2003, que a falta de pagamento do trabalho suplementar já vinha desde Janeiro de 1999 e que as vendas referidas nos documentos de fls. 43 e 44 tinham sido efectuadas nos meses de Outubro e Novembro de 2002 e nos meses de Março, Abril, Maio, Junho Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2003.

Perante esta persistente conduta da ré e face aos montantes em dívida (ainda que só presumivelmente, no que toca às comissões) não seria razoável exigir que o autor continuasse a manter o vínculo laboral com a ré, sendo de concluir, por isso, que a rescisão do contrato foi operada com justa causa, o que lhe confere o direito à indemnização prevista no art.º 36.º, com referência ao n.º 3 do art.º 13.º, da LCCT, no montante de 6.201,00 euros (477,00 euros x 13).

3.2 Recurso da ré
Como decorre das conclusões formuladas pela ré e como por ela foi expressamente referido logo no início das suas alegações, o recurso restringe-se às seguintes questões:
- saber se ela devia ter sido condenada a pagar ao autor a quantia de 2.040,32 euros, a título de retribuição pela prestação de trabalho suplementar;
- saber se ela tem o direito de descontar na quantia global devida ao autor a importância de 2.500,00 euros que este lhe deve pela aquisição de um veículo automóvel.

3.2.1 Do trabalho suplementar
No que concerne ao trabalho suplementar, a ré suscita duas questões:
- a própria prestação de trabalho suplementar por parte do autor;
- o montante da retribuição fixada.

3.2.1.1 Da prestação de trabalho suplementar
No que toca à primeira questão (a prestação de trabalho suplementar), a ré começa por alegar que a matéria de facto não permite concluir que o autor, quando trabalhava ao sábado, apenas descansava ao domingo. Segundo ela, o que resultou provado da globalidade dos meios de prova produzidos durante o processo, maxime, dos depoimentos testemunhais prestados em audiência de julgamento, foi que o autor, quando prestava trabalho ao sábado, descansava na segunda-feira imediatamente seguinte. E, sem conceder, alega que, se dúvida houvesse a esse respeito, a decisão devia ter sido desfavorável ao autor, por sobre ele recair o ónus da prova do facto que invocou e nenhuma presunção ou inversão das regras de distribuição do ónus da prova aqui ser aplicável ao caso. Por essa razão, diz a ré, deveriam ter sido dados como não provados os factos alegados nos artigos 14.º a 17.º da petição inicial (9).
Depois, alega que dos factos dados como provados não se percebe quando é que o trabalho suplementar foi prestado, se foi ao sábado, se foi em qualquer outro dia, designadamente nas segundas-feiras imediatamente seguintes; que, para se poder concluir que o autor tinha prestado efectivamente trabalho suplementar, importava ter esclarecido que havia sido a ré a determinar expressa e previamente essa prestação, esclarecimento esse que, no caso, se mostra impossível, por se ignorar quando é que a prestação de trabalho suplementar ocorreu.

E, acrescenta, que era necessário ter provado que o "não descanso" à segunda-feira ou que o "descanso apenas ao domingo" havia sido prévia e expressamente determinado pela ré e que, não tendo sido feita esse prova, o acórdão recorrido não podia ter concluído que o autor prestou 8 horas de trabalho suplementar por mês.

Como decorre da referida alegação, a ré começa por pôr em causa a decisão proferida sobre a matéria de facto. Segundo ela, os factos contidos nas alíneas j) e l) da matéria de facto supra não deviam ter sido dados como provados e a prova produzida terá sido mal apreciada.

Todavia e como é sabido, os poderes do Supremo relativamente à decisão da matéria de facto são extremamente limitados, uma vez que funcionando, em regra, como tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito (art.º 26.º da LOTJ, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13/1, alterada e republicada pela Lei n.º 105/2003, de 10/12). Como se diz naquele art.º 26.º, "[f]ora dos casos previstos na lei, O Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito".

E, no que toca ao erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, a regra é a de que os referidos erros não podem ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art.º 722.º, n.º 2, do CPC). Deste modo, o Supremo só pode conhecer da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto matéria se o recorrente invocar como fundamento dessa impugnação a violação das regras de direito material probatório nas modalidades referidas no n.º 2 do art.º 722.º

No caso em apreço, a ré não invocou nenhum daqueles fundamentos. Limitou-se a alegar que os meios de prova produzidos durante o processo, maxime, os depoimentos das testemunhas, foram mal apreciados na sua globalidade. Não alegou nem demonstrou que as instâncias, ao darem como provados os factos alegados nos artigos 14.º e 15.º na petição inicial (10) , tivessem ofendido qualquer disposição expressa de lei que exigisse certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixasse a força de determinado meio de prova.

Deste modo, está vedado ao Supremo apreciar o eventual erro de julgamento sobre os pontos da matéria de facto postos em causa pela recorrente.

Ora, não havendo razões para alterar os factos postos em causa pela ré, a prestação de trabalho suplementar por parte do autor torna-se uma evidência, pelas razões já expostas aquando da apreciação do recurso do autor, para as quais nos remetemos.

Como então foi dito, provou-se que o autor trabalhava normalmente 40 horas por semana, mas que havia uma semana por mês em que trabalhava 48 horas (na semana em que trabalhava ao sábado). E provado está também que tal acontecia por força do horário de trabalho estabelecido pela ré, por determinação expressa e no interesse desta. Por isso, não há razões para duvidar que o trabalho por ele prestado nessa semana, para além do período normal de trabalho semanal estabelecido na lei (40 horas), tinha sido prévia e expressamente determinado pela ré.

Acrescentaremos, apenas, que o facto de não estar provado em que dias do calendário e da semana é que esse trabalho suplementar foi efectivamente prestado não obsta a que se conclua pela existência da referida prestação. A concretização dos dias em que esse trabalho foi realizado só poderia ter interesse para o cálculo da respectiva retribuição.

3.2.1.2 Do montante da retribuição devida pelo trabalho suplementar
Na petição inicial, o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe a título de trabalho suplementar a quantia de 2.040,32 euros. No cálculo dessa importância, o autor levou em conta o valor da sua retribuição/hora (2,75 euros), os 75% de acréscimo previsto para o trabalho suplementar na cláusula 24.ª, n.º 4, do CCT aplicável, oito horas por mês, onze meses em cada um dos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002 e nove meses em 2003 (ano da cessação do contrato).

Na contestação, a ré não pôs em causa o valor da retribuição/hora nem o acréscimo salarial de 75%. Limitou-se a impugnar o valor final que, segundo ela, seria apenas de 1.848,00 euros, unicamente por entender que no cálculo da retribuição só devem ser levados em conta 10 meses em cada um dos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002 e 8 meses no ano de 2003, alegando ter ficado provado que, no mês de Agosto, o estabelecimento estava encerrado aos sábados e que o autor também não trabalhava aos sábados no mês em que gozava férias.

Na 1.ª instância decidiu-se que o autor tinha prestado 8 horas de trabalhado suplementar por mês, desde Janeiro de 1999 até à data da cessação do contrato, com o fundamento de que havia uma semana por mês em que o seu período normal de trabalho do autor era de 48 horas, excedendo assim em 8 horas o período normal fixado no CCT aplicável e no D.L n.º 409/71. E mais se decidiu que o autor tinha direito à quantia global de 2.040,32 euros, mas sem minimamente se explicar a razão de ser daquele valor.

No recurso de apelação, a ré insurgiu-se contra o direito à retribuição por trabalho suplementar, mas nada alegou acerca do valor em que a mesma havia sido fixada. A Relação limitou-se a conhecer da questão que se prendia com a prestação ou não de trabalho suplementar, que julgou improcedente, tendo, por isso, mantido a condenação da ré de pagar ao autor a referida quantia de 2.040,32 euros, a título de trabalho suplementar.

No recurso de revista, a ré volta a colocar a questão do valor daquela retribuição, com a mesma argumentação que tinha aduzido na contestação.

Ora, como decorre do que acaba de ser dito, a questão referente ao montante devido pela prestação de trabalho suplementar encontra-se já definitivamente decidida com trânsito em julgado, uma vez que nessa parte, a decisão da 1.ª instância não foi objecto de recurso.

3.2.2 Da dedução do montante de 2.500,00 euros referente à compra do veículo automóvel
Na contestação/reconvenção, a ré alegou que o autor lhe tinha comprado um veículo automóvel (Ford Mondeo, com a matrícula DG) e que, relativamente ao preço dessa aquisição, ainda lhe devia a quantia de 2.500,00 euros. E pediu que esta importância fosse objecto de compensação com os créditos do autor.

Na resposta à contestação, o autor reconheceu que tinha realmente comprado à ré o referido veículo pelo preço de 3.500,00 euros, tendo apenas por conta desse preço a quantia de 1.000,00 euros e tendo com ela acordado que a parte restante do preço seria paga aquando da venda do veículo marca Lância, com a matrícula DH, que ele entregou para retoma, venda essa que ainda não tinha sido concretizada, não se tendo, por isso, verificado ainda a condição a que o negócio tinha ficado sujeito.

Com interesse para esta questão foi dado como provado que o autor adquiriu à ré o veículo, marca Ford, modelo Mondeo, matrícula DG, pelo preço de 3.500,00 euros, tendo pago apenas a quantia de 1.000,00 euros; que o autor e ré acordaram que a restante parte do preço - 2.500,00 euros - seria paga aquando da venda do veículo marca Lância, matrícula DH, que o autor entregou para retoma e que o referido veículo, entregue pelo autor para retoma, ainda não foi vendido (vide alíneas v), x) e z) da m. f. supra).

Na sentença da 1.ª instância decidiu-se, sem que se tivesse feito a menor alusão aos factos referidos, que aquela quantia de 2.500,00 euros devia ser deduzida à quantia global devida ao autor.

No recurso de apelação, o autor insurgiu-se contra tal decisão, alegando que a sentença era nula, nessa parte, pelo facto de os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão (art.º 668.º, n.º 1, al. c), do CPC).

A Relação decidiu que não podia conhecer da referida nulidade, pelo facto de a mesma não ter sido arguida no requerimento de interposição do recurso, conforme impõe o disposto no art.º 77.º, n.º 1, do CPT, mas considerou que a questão colocada pelo autor não configurava um caso de nulidade da sentença, mas sim um caso de erro de julgamento e dele conheceu, por entender que não estava vinculada à qualificação dada pelo autor ao objecto do recurso, tendo revogado a sentença nessa parte, com o fundamento de que o pagamento daquela importância ainda não era exigível pela ré, em virtude de o carro dado em retoma pelo autor ainda não ter sido vendido.

No recurso de revista, a ré limita-se a alegar que a questão não era de conhecimento oficioso e que, não tendo o autor invocado a nulidade da sentença no requerimento de interposição do recurso, a Relação não podia conhecer da antedita questão. Ou seja, a ré não pôs em causa a decisão no que diz respeito à inexigibilidade do pagamento daquela quantia de 2.500,00 euros, por não estar verificada a condição de que esse pagamento ficara dependente. Alega, simplesmente, que a Relação não podia ter conhecido daquela questão, por não ser ela de conhecimento oficioso, por ter sido suscitada pela via da nulidade da sentença e por essa nulidade só ter sido arguida nas alegações do recurso.

A questão a apreciar é, pois, unicamente esta: saber se a Relação podia ter conhecido da referida questão.

E, adiantando, desde já a resposta, diremos que sim. Vejamos porquê.

É indiscutível que a questão em apreço não é de conhecimento oficioso e também é indiscutível que a mesma foi suscitada pelo autor, pela via de nulidade da sentença, por alegada contradição entre os fundamentos e a decisão e que essa alegada nulidade não foi arguida no requerimento de interposição do recurso.

Por outro lado, dúvidas não há também de que a Relação não poderia ter conhecido da referida questão, se realmente se tratasse de nulidade da sentença, uma vez que a sua arguição teria de haver-se por extemporânea, por não ter sido feita no requerimento de interposição do recurso, contrariando, assim, o disposto no n.º 1 do art.º 77.º do CPT, nos termos do qual "[a] arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso".

E, sendo assim o que importa averiguar é se a sentença enferma realmente, ou não, da nulidade que lhe foi assacada pelo autor no recurso de apelação (oposição entre os fundamentos e a decisão), pelo facto de nela se ter decidido que os de 2.500,00 euros que a ré tinha a receber do autor, relativamente à venda do veículo acima referido, deviam ser compensados com a quantia global que, por sua vez, ele devia ao autor, apesar de, em sede da matéria de facto, ter sido dado como provado que o pagamento daquela quantia tinha ficado condicionado à concretização da venda do veículo por ele dado de retoma aquando da compra do Ford Mondeo à ré. Vejamos.

Nos termos do art.º 668.º, n.º 1, alínea c), do CPC, a sentença é nula "[q]uando os fundamentos estejam em oposição com a decisão". E, como disse A. Reis (11) - , a nulidade referida ocorre quando a sentença enferma de vício lógico que a compromete, isto é, quando na construção da sentença existe realmente (12) - um vício lógico, pelo facto de o juiz, tendo escrito o que realmente queria escrever, chegou a um resultado (a uma decisão) diferente daquele a que os fundamentos por ele invocados logicamente conduziriam.

Ora, passando em revista a sentença da 1.ª instância, não descortinamos que a mesma padeça do vício apontado, uma vez que o M.mo Juiz se limitou a dizer, no que a esta questão diz respeito, que "[à] quantia global a pagar ao Autor haverá que descontar a de 2.982,71 euros entregue pela Ré, no dia 1 de Junho de 2004, por conta dos valores que a mesma confessara dever àquele neste processo, conforme declaração de fls. 295 e, ainda, a de 2.500,00 euros relativa à estante parte do preço do veículo, marca Ford, modelo Mondeo, matrícula DG".

Esta foi a fundamentação da sentença, no que toca à quantia de 2.500,00 euros em causa e entre ela a e respectiva decisão não existe qualquer vício lógico.

O que aconteceu é que o M.mo Juiz não levou em consideração a demais factualidade dada como provada relativamente à aquisição do referido veículo e às condições acordadas entre as partes no que toca à forma de pagamento do respectivo preço. Essa factualidade devia ter sido devidamente considerada na sentença e não foi, mas isso consubstancia um erro de julgamento e não um caso de nulidade da sentença.

E tratando-se de um erro de julgamento, a Relação não estava impedida de conhecer dele, apesar do enquadramento jurídico que lhe foi atribuído pelo autor (nulidade da sentença), uma vez que a questão tinha sido suscitada pelo autor, embora num enquadramento jurídico que não era o correcto e uma vez que a Relação não estava sujeita a esse enquadramento jurídico.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar a revista da ré e conceder provimento à revista do autor, em consequência disso, revogar parcialmente o acórdão recorrido, ficando a ré:
1) Condenada a pagar ao autor:
a) a quantia de 6.201,00 euros a título de indemnização por rescisão do contrato de trabalho com justa causa, acrescida de juros de mora desde a citação;
b) a quantia de 2.040,32 euros a título de retribuição pela prestação de trabalho suplementar;
c) as comissões relativas às vendas dos carros novos e usados constantes dos documentos de fls. 43 e 44, a diferença no subsídio de férias de 2003, a remuneração correspondente às férias, subsídios de férias e de Natal proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano da cessação do contrato de trabalho, umas e outras a liquidar em execução de sentença;
2) Autorizada a deduzir ao montante global devido ao autor a quantia de 2.982,71 euros que, no decurso do processo (1.6.2004), lhe entregou, por conta dos créditos de que confessou ser devedora, conforme declaração de fls. 295.
Custas pela ré.

Lisboa, 15 de Novembro de 2006
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol
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(1) - Forma abreviada para designar o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho a de celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/2.

(2) - Na contestação, a ré alegou que as comissões só era pagas depois das viaturas estarem integralmente pagas e de se ter procedido à venda dos veículos dados em retoma, o que não acontecia com a maioria dos veículos referidos nos documentos de fls. 43 e 44, mas a verdade é não logrou provar nenhum daqueles factos.
(3) - A ré alegou que o autor, quando trabalhava ao sábados, folgava na segunda-feira seguinte.
(4) - O CCT celebrado entre a ACB - Associação Comercial de Braga e o SITESE - Sindicato dos Trabalhadores de Escritório, Serviços e Comércio e outro, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 19, de 22 de Maio de 1998.
(5) - O n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 21/96, que entrou em vigor em 1.12.96, tinha a seguinte redacção:
"1. Os períodos normais de trabalho superiores a quarenta horas por semana são reduzidos nos termos seguintes:
a) Na data da entrada em vigor da presente lei, são reduzidos de duas horas, até ao limite de quarenta horas;
b) Decorrido um ano sobre a data de aplicação do disposto na alínea anterior, o remanescente é reduzido para quarenta horas."
(6) - O n.º 1 do art.º 2.º do D. L. n.º 421/83 tinha a seguinte redacção:
"1. Considera-se trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho."
(7) - O n.º 1 do art.º 11.º tem o seguinte teor:
"1 - Compete às entidades patronais estabelecer o horário do pessoal ao seu serviço, dentro dos condicionalismos legais."
(8) - O T. C. declarou inconstitucional o disposto no n.º 1 do art.º 6.º do D. L. n.º 421/83, que corresponde ao n.º 4 do art.º 7.º do mesmo D.L., na redacção que lhe foi dada pelo D. L. n.º 398/91, de 16/10, quando interpretado em termos de considerar não exigível o pagamento do trabalho suplementar prestado com conhecimento e sem oposição do empregador ( Ac. de 23.11.99, proc. n.º 635/99, publicado no Diário da República, II.ª série, de 21.3.2000).
(9) - Nos artigos 14.º a 17.º da petição inicial, o autor alegou o seguinte:
Art.º 14.º : Por determinação expressa e no interesse da ré, o autor praticou, desde Janeiro de 1999 e até à data da cessação do contrato de trabalho (3.11.2003), o seguinte horário de trabalho de 2.ª a 6.ª feira:
- Entrada: 09 horas
- Saída: 19 horas
- Intervalo de descanso: das 12,00 Às 14,00 horas
E, um sábado por mês:
- Entrada: 09 horas
- Saída: 19 horas
- Intervalo de descanso: das 12,00 às 14,00 horas.
Art.º 15.º: Quando o autor prestava trabalho ao Sábado, todo o dia, descansava, apenas ao domingo.
Art.º 16.º : Pelo que, uma semana por mês, desde Janeiro de 1999 e até à cessação do contrato de trabalho (3.11.2003), o autor prestou 48 horas de trabalho semanal em violação do disposto no D.L. 409/91, de 27/09, no que concerne aos limites máximos dos períodos normais de trabalho e ao disposto na cláusula 19.ª, n.º 1, alínea b) do C.C.T. aplicável, que prescreve um período normal de trabalho semanal de 40 horas.
Art.º 17: Daí que o autor tenha prestado 8 horas de trabalho suplementar por mês, desde Janeiro de 1999 e até à cessação do contrato de trabalho (3.11.2003).
(10 - Anote-se que os factos alegados nos artigos 16.º não foram dados como provados, quer na 1.ª, quer na 2.ª instância e que o facto alegado no art.º 17.º foi dado como provado na 1.ª instância, mas dado como não escrito na Relação.
(11) - CPC anotado, vol. V, reimpressão, Coimbra Editora, 1981, p. 141 e 142
(12) - Tal vício só existe quando a contradição entre os fundamentos e a decisão é real e não quando é meramente aparente, como acontece nos casos em que o juiz, por mero erro material ou lapsus calami, seja na fundamentação, seja na decisão, escreveu coisa diferente do que queria escrever e do próprio conteúdo da sentença ou dos termos que a precederam se depreenda claramente que se escreveu coisa diferente daquela que se queria escrever.