Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOÃO CAMILO | ||
Descritores: | DIREITO DE REGRESSO SEGURADORA PRAZO DE PRESCRIÇÃO DILAÇÃO DO PRAZO | ||
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Data do Acordão: | 06/05/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ RESPONSABILIDADE CIVIL | ||
Doutrina: | - Almeida Costa, in “Direitos das Obrigações”, 10ª ed. pág. 1123. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, 304.º, 498.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 9-11-2006, PROCESSO N.º 2849/06; -DE 4-11-2008, PROCESSO N.º 3119/08; -DE 22-10-2009, PROCESSO N.º 501/09.5YFLSB; -DE 25-03-2010, PROCESSO Nº 2195706.OTVLSB.L1.S1; -DE 16-11-2010, PROCESSO N.º 2119/07.8TBLLE.E1.S1; -DE 17-11-2011, PROCESSO N.º 1372/10.4T2AVR.C1.S1; -DE 29-11-2011, PROCESSO N.º 1507/10.7TBPNF.P1.S1; -DE 6-12-2011, PROCESSO N.º 797/07.7TBVCD.P1.S1. | ||
Jurisprudência Estrangeira: | | ||
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Sumário : | O direito de regresso da seguradora que satisfez uma indemnização ao abrigo de um contrato de seguro de saúde, exercido contra a seguradora do veículo causador de acidente que originou os danos objecto daquela indemnização, está sujeito ao prazo de prescrição de três anos, previsto no n.º 2 do art. 498.º do CC, não se aplicando ao mesmo prazo a extensão do seu n.º 3. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA – Companhia Portuguesa de Seguros de Saúde S.A. propôs em 29-01-2009, no Tribunal Judicial de S. Roque do Pico, contra BB– Companhia de Seguros, S.A., a presente acção com processo ordinário, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 46.962,94 com acréscimo de juros de mora vincendos. Alega para tal e em síntese que, em 19/6/2003, na sequência de acidente de viação, CC, sua segurada, sofreu diversas lesões corporais que implicaram a necessidade assistência médica e clínica. Tendo assim accionado o seguro de saúde de que beneficiava, o que levou a autora a pagar-lhe a quantia global de € 46.962,94. Contudo o condutor do veículo que ocasionou o acidente, e que se achava seguro na Ré, foi o responsável pela produção de tal acidente, na medida em que circulava a uma velocidade superior a 90km/hora e que, por isso, ao descrever uma curva perdeu o controlo da viatura que conduzia. Pretende assim que a Ré a reembolse da quantia paga, uma vez que se encontra sub-rogada nos direitos da sua segurada. Contestou a Ré por impugnação e por excepção, invocando nomeadamente a excepção de prescrição. Fundamenta-se, por um lado, na circunstância de o acidente ter ocorrido em 19-06-2003 e a acção ter sido proposta apenas em 29-01-2009, donde se mostre decorrido já o prazo de 3 anos fixado no nº 1 do artigo 498º do Código Civil; e, por outro lado, na circunstância de, tratando-se de uma situação de sub-rogação, o prazo prescricional de 3 anos se conta desde a data de pagamento efectuado pela autora, o qual também já decorreu. Por seu turno o réu/chamado DD, em sede de contestação, vem aduzir que não foram alegados factos que integrem a sua conduta na prática de um crime de ofensa à integridade física e que permitam o alargamento do prazo prescricional. Alega ainda que não foi apresentada queixa crime e que, por essa via, também o prazo de prescrição aplicável é de três anos, sem que se verifique qualquer causa de interrupção da prescrição. Finalmente alega que o prazo prescricional se deve contar a partir de cada um dos pagamentos e não a partir do último pagamento. Foi proferida decisão que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição, absolvendo os Réus do pedido. Inconformada a Ré recorreu, tendo a Relação de Lisboa julgado o direito peticionado não prescrito. Desta vez foi a ré BBquem inconformada veio interpor a presente revista tendo nas suas alegações formulado conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas e das quais se deduz que aquela para conhecer neste recurso levanta apenas a seguinte questão: O direito aqui peticionado está prescrito, nos termos do art. 498º, nº 2 do Cód. Civil ? A recorrida autora contra-alegou defendendo a manutenção do decidido. Colhidos os vistos legais, urge apreciar e decidir. Como é sabido – arts. 684º, nº3 e 685º-A, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes. Já vimos a concreta questão aqui colocada pela recorrente. Mas antes de mais há que especificar a matéria de facto que as instâncias deram por provada e que é a seguinte: A) CC era beneficiária de um seguro de saúde, celebrado com a Autora, titulado pela apólice nº 393042558/02. B) No dia 19/6/2003 ocorreu um acidente de viação na Estrada Regional nº 1 – 2ª, lugar de Santana, Ilha do Pico, envolvendo a viatura Pick-Up Toyota de matrícula ...-JZ, conduzida por DD. C) A viatura entrou em despiste e acabou por capotar. D) Na viatura e além do mencionado condutor, seguia como passageira CC. E) À data do acidente a responsabilidade civil emergente da circulação do referido veículo estava transferida para a ora Ré ..., por contrato de seguro titulado pela apólice nº .... F) Como consequência do acidente, CC sofreu diversas lesões corporais que implicaram que lhe fosse prestada assistência médica e clínica. G) Tendo a CC accionado o seguro do ramo doença celebrado com a Autora, tendo esta liquidado à sinistrada a quantia global de € 46.962,94, entre os meses de Março a Outubro de 2004. H) A BB Companhia de Seguros SA reconheceu, por carta enviada à Autora, que a responsabilidade pela produção do acidente impendeu na totalidade sobre o condutor do veículo, DD, seu segurado. Vejamos agora a questão acima apontada como objecto deste recurso. Tal como vimos decidindo há vários anos, a recorrente tem razão – cfr. acórdãos por nós relatados em 4-11-2008, no processo nº 3119/08 e em 16-11-2010 no processo nº 2119/07.8TBLLE.E1.S1. Esta questão tem levantado dúvidas na jurisprudência, mas este Supremo Tribunal tem vindo a decidir no sentido que vimos adoptando de forma unânime, tanto quanto averiguamos, há quase dois anos. Assim, os recentes acórdãos deste Supremo de 17-11-2011, no proc. 1372/10.4T2AVR.C1.S1; de 29-11-2011 no proc. 1507/10.7TBPNF.P1.S1 e de 6-12-2011 no proc. 797/07.7TBVCD.P1.S1, decidiram nesse sentido. No nosso apontado acórdão de 4-11-2008 dissemos o seguinte: “Está aqui em causa determinar o prazo de prescrição de um direito de regresso, previsto no art. 524º do Cód. Civil e na al. c) do art. 19º do Decreto-Lei nº 522/85 de 31/12, baseado no facto de o mesmo direito haver nascido por a sua titular haver pago uma indemnização a um lesado em acidente de viação causado por um indivíduo, pagamento esse motivado pela existência de um contrato de seguro obrigatório em matéria estradal em que aquela titular era seguradora e incidente sobre o veículo causador daquelas lesões e que, efectuado esse pagamento baseado nesse contrato de seguro, a autora seguradora vem pedir o que pagou, alegando que o condutor do veículo segurado deu causa ao acidente por conduzir influenciado pela ingestão de álcool. (...) Por seu lado, o art. 498º, nº 1 do Cód. Civil, integrado na secção da responsabilidade civil por factos ilícitos, prevê que o direito de indemnização do lesado prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso. Além disso, o seu nº 2 prevê que prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis. Finalmente o seu nº 3 ainda estipula que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. Segundo a sentença de primeira instância, para o caso do direito de regresso, como o dos autos, aplica-se a extensão do prazo fixado naquele nº 2 prevista no seu nº 3, ou seja, o prazo de prescrição do direito de regresso também pode ser alongado nos termos do nº 3 mencionado. Já o douto acórdão recorrido faz uma interpretação diversa no sentido de que a extensão do prazo prevista no nº 3 apenas se aplica ao prazo de prescrição fixado no nº 1 e, por isso, apenas no caso de direito de indemnização do lesado e não também no caso do direito de regresso do garante que pagou aquela indemnização ao lesado. Há aqui que fazer a interpretação destas disposições legais utilizando os critérios do art. 9º do Cód. Civil. À primeira vista e utilizando o elemento literal de interpretação, podia-se dizer que a extensão do prazo prevista no citado nº 3 tanto se aplica ao prazo do nº 1 – de prescrição do direito do lesado – como ao prazo previsto no nº 2 – do direito de regresso, embora a interpretação contrária também seja admissível com aquela redacção da lei. Porém, pensamos que pela utilização do elemento lógico de interpretação teremos de chegar a entendimento contrário, nomeadamente pela utilização do elemento racional. A razão de ser da introdução do preceito do nº3 em causa visou alargar o prazo de prescrição do lesado quando o facto lesante constituía crime de gravidade acentuada que leve a que o prazo de prescrição do crime seja superior aos três anos fixados no nº 1. É que se não pode esquecer a existência do princípio da adesão da dedução da indemnização civil no processo criminal e se o prazo de prescrição criminal ainda não decorreu, se não compreenderia que se extinguisse o direito à indemnização civil – conexa com o crime - e ainda estivesse a decorrer o prazo para a prescrição penal operar, onde o legislador entendeu dever ser deduzido o pedido de indemnização civil – dentro de certas limitações constantes das normas penais. Daqui parece apontar para que a extensão do prazo de prescrição do nº 3 referido apenas se justifica no prazo de prescrição do direito do lesado e não do direito de regresso. Por outro lado, o direito de regresso em causa tem natureza diversa, é um direito autónomo ao relação ao direito do lesado, nascido “ex novo”, com o pagamento do direito à indemnização ao ofendido, que assim se extinguiu fazendo nascer aquele direito de regresso. Além disso, o momento a partir do qualquer começa a correr o prazo de prescrição daqueles direitos é diverso, sendo no caso do direito do lesado o momento em que este teve conhecimento do direito que lhe compete, enquanto no direito de regresso começa a correr na data do cumprimento da obrigação para com o lesado. Finalmente diremos que a prescrição é um instituto jurídico pelo qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito, quando este exercício não se verifique durante certo tempo indicado na lei e que varia consoante os casos – art. 304º do Cód. Civil – e este instituto tem como fundamento a reacção da lei contra a inércia ou o desinteresse do titular do direito que o torna indigno de protecção jurídica – cfr. Prof. Almeida Costa, in “Direitos das Obrigações”, 10ª ed. pág. 1123. Ora no caso do direito de regresso, este nada tem a ver com a fonte da obrigação extinta pela seguradora, cuja satisfação pela seguradora o fez nascer, direito de regresso este que a mesma veio exercer, sendo este direito de regresso independentemente da fonte do daquela obrigação extinta que pode ter origem em mera responsabilidade civil – nomeadamente pelo risco – ou pode resultar da prática de um crime grave com prazo alongado de prescrição penal. Esta autonomia justifica que o interesse da lei em sancionar o credor pouco diligente – no interesse da clarificação, estabilização e segurança das relações jurídicas que está subjacente à adopção daquele instituto – leva a que a extensão do prazo de prescrição do nº 3 mencionado se não justifique aplicar-se ao caso do direito de regresso em face da sua natureza diversa do direito do lesado em relação ao direito de regresso e da autonomia deste em relação à causa ou fonte daquele direito do lesado. Desta forma se nos afigura que a melhor interpretação dos números 1, 2 e 3 do art. 498º citado aponta para que o prazo de prescrição do direito do lesado é o previsto no nº 1 e pode ser alongado nos termos do seu nº 3, mas que o prazo de prescrição do direito de regresso é sempre o previsto no seu nº 2, mas não se lhe aplica a extensão prevista no nº 3.” Apenas há que acrescentar que o direito aqui peticionado nem sempre tem sido entendido como direito de regresso, antes tem sido, por vezes, classificado como integrado na sub-rogação legal prevista nos arts.589º e segs. do Cód. Civil. Foi esta última a qualificação que a recorrida defendeu nas suas doutas e extensas contra-alegações. O próprio legislador com frequência também confunde os dois conceitos. Porém, não há aqui que fazer uma análise aprofundada desta problemática, pois quer se trate tecnicamente de um direito de regresso quer de um direito ao abrigo do instituto da sub-rogação, sempre lhe será aplicável o disposto no art. 498º, nº 2 do Cód. Civil e sempre lhe serão aplicáveis as razões para lhe não ser aplicável o disposto no nº 3 do art. 498º referido, conforme tem sido jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal – cfr. acs. de 9-11-2006, no recurso nº 2849/06-2ª secção; de 22-10-2009, no recurso nº 501/09.5YFLSB- 2º secção e de 25-03-2010, no recurso nº 2195706.OTVLSB.L1.S1. Desta forma quer se classifique o direito da autora como de regresso ou decorrente da sub-rogação legal, sempre tem o prazo de prescrição previsto no nº 2 do art. 498º referido. E também a esse direito se não aplica o disposto no nº 3 do mesmo artigo, pelas expostas razões. Como a autora efectuou o pagamento aqui peticionado entre Março e Outubro de 2003, quando em 29-01-2009 veio interpor a presente acção, havia já decorrido o prazo de prescrição previsto no referido nº 2 e, por isso, tem de ser declarada a prescrição, como foi peticionado pela ré. Procede, desta forma, o fundamento do recurso. Pelo exposto, concede-se a revista pedida, revogando-se o acórdão recorrido e declarando-se prescrito o direito aqui peticionado com a consequente absolvição dos réus do pedido, como havia sido determinado na sentença de 1º instância. Custas nas instâncias e na revista pela autora. * 2012-06-05.João Camilo (Relator ) Fonseca Ramos Salazar Casanova. |