Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | ARMINDO MONTEIRO | ||
Descritores: | RECURSO PENAL ADMISSÃO DO RECURSO DUPLA CONFORME HOMICÍDIO QUALIFICADO MEDIDA CONCRETA DA PENA PENA ÚNICA COMPARTICIPAÇÃO CO-ARGUIDO | ||
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Data do Acordão: | 03/30/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - FACTO / FORMAS DO CRIME - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES - CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA. DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS. | ||
Doutrina: | - André Lamas Leite, «A Suspensão da Execução da Pena», Studia Jurídica, 2009 , Ad Honorem, 591. - Cristina Líbano Monteiro, «A pena unitária do concurso de crimes», na R.P.C.C., Ano 16, Janeiro-Março, 2006, 164. - Eduardo Correia, Figueiredo Dias ( Actas do CP , 1979, 22 ) - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 227-231, 244-245, 290-292, § 421; no Comentário Conimbricense do Código Penal, 26, 36. - Iescheck, Derecho Penal, 1192, Vol. II; na R.P.C.C., Ano XVI,155. - Lourenço Martins, Medida da Pena, 491 e 492. - Margarida Silva Dias, Direito Penal II, Os Homicídios, 62. - Margarida Silva Pereira, in Textos, Direito Penal II, Os Homicídios, AAFDUL, 40. - Maria da Conceição Valdágua , Da Tentativa do Co-Autor, 82 e 83, notas 144 a 148. - Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal, Parte Geral e Especial, 510, 1049. - Nelson Hungria, Comentário, vol . V, 25. - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 202, 400, 404. - Roxin, Sobre a Autoria e a Participação no Direito Penal, 1963; Problemas Actuais das Ciências Penais e a Filosofia do Direito Penal, 1984, 245, 277, 452 a 454. - Teresa Serra, esta in Homicídio Qualificado, 1995, 45, nota 117, 47 a 67 | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 400.º, N.º1, AL. F). CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 26.º, 40.º, 71.º, 77.º, N.ºS 1 E 2, 131.º, 132.º, N.º 2, AL. H). LEI N.º 5/06, DE 23-02, (COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELAS LEIS N.ºS 17/09 DE 06-05, 12/11, DE 27-04, E 50/13, DE 24-07): - ARTIGOS 3.º, N.º 5, AL. C), 6, AL. A), 86.º, N.º 1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 1.4.1998, CJ, STJ , II , 175 E SS. . -DE 19.4.2006, P.ºS N.º S 776/06 E 474/06. -DE 4.5.2011, P. N.º 1702/09, 3.3.2010, P.º N.º 242/08, 14.5.2009, P.º N.º 221 /08, E 3.7.2008. | ||
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Sumário : | I -A hipótese prevista na al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP acima citado limita o recurso para o STJ sempre que a relação confirme a decisão condenatória e aplique pena não excedente a 8 anos de prisão. Nesta conformidade o poder cognitivo do STJ, pela dupla conforme e caso julgado material subsequente quanto às penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão. II -A circunstância prevista no art. 132.º, n.º 2, al. h), do CP, não é de funcionamento automático, sendo elemento agravativo da culpa. Este critério de culpa agravada, com reflexo na elevação da medida da pena, emana da especial censurabilidade, do especial sentimento de reprovabilidade que desencadeia. Resulta que o homicídio qualificado perpetrado obedeceu a um desígnio irreversível de vingança, acordado entre todos os arguidos, mediante armas de fogo, a usar, e para matar. III - A configuração da referida agravante, no segmento inicial atinente ao número de agentes, abdica da sua prática por uma associação criminosa ou bando, mas não prescinde de uma comparticipação de pelo menos 3 pessoas, todos em co-autoria, excluindo um grupo misto de co-autores e cúmplices. A ratio da qualificativa assenta na desigualdade numérica do agressor ante a vítima que, face à supremacia numérica, in casu pelo menos 3 pessoas na execução do crime se vê colocada numa situação de indefesa ou de maior dificuldade, exposto a um risco iminente, previsível e inevitável para a sua vida. IV - No caso, mostram-se comprovados os pressupostos da co-autoria, pois que os 3 arguidos tomaram parte directa na execução dos crimes (art. 26.º, do CP), distribuindo tarefas entre si, para garantirem o pleno sucesso do projecto, de todos querido, conforme combinado. O propósito inarredável que animava o grupo, a sua superioridade numérica, a forma organizada e a disposição no terreno do crime, num clima de surpresa e rapidez de acção, conferiam uma inegável vantagem aos arguidos, retirando qualquer hipótese de fuga e de defesa às vítimas. V - Na determinação da medida concreta da pena de conjunto (art. 77.º, n.º 1, do CP) são levados em conta, os factos em conjunto e a personalidade do agente, porém afastando que o agente seja punido em função de um somatório achado materialmente de penas, numa visão puramente aritmética, matematizada, própria da mera acumulação de penas, de que se dissocia o legislador apontando para uma forma mais elaborada, dando atenção àquele conjunto, erigindo uma dimensão penal nova fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado. VI - Tendo em apreço o muito intenso grau de dolo, o grau de violação de lei manifestado, os péssimos sentimentos revelados, de vingança, de ajuste de contas, com o que põe em evidência um profundo desprezo pela vida alheia, além de frieza e insensibilidade de personalidade, a carecer de educação para o direito e futura fidelização ao normativismo instituído para tranquilidade da comunidade, que não tolera grave ofensa à lei, revelando um muito elevado grau de ilicitude, tudo a reclamar intervenção firme dos tribunais em moldes de garantes de que as expectativas comunitárias contra o facto criminoso não saem frustradas, pelo que se condena, em cúmulo, na pena única de 19 anos de prisão (em vez dos 25 anos aplicados), que abrange as penas parcelares de 17, 6 e 4 anos de prisão. | ||
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Decisão Texto Integral: |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL do SupremoTribunaldeJustiça: No processo comum colectivo nº 2071/13.0JAPRT, do Tribunal Judicial de ...., Instância ..., ... Secção ...., ...., Comarca do ..., foram condenados os arguidos : AA, como :
- co-autor da prática de um crime de homicídio qualificado, p.p., pelos Artsº 131 e 132 nsº1 e 2 al. h), ambos do C. Penal, na pena de 23 ( vinte e três ) anos de prisão ; - co-autor da prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p.p., pelos Artsº 22, 23, 131 e 132 nsº1 e 2 al. h), ambos do C. Penal e Artº 86 nsº3 e 4 da Lei 5/06 de 23/02, na pena de 12 ( doze ) anos de prisão ; - co-autor da prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p.p., pelos Artsº 22, 23, 131 e 132 nsº1 e 2 al. h), ambos do C. Penal e Artº 86 nsº3 e 4 da Lei 5/06 de 23/02, na pena de 8 ( oito ) anos de prisão ; - autor de um crime de detenção de arma proibida, p.p., pelo Artº 86 nº1 al. c) da Lei 5/06 de 23/02, (com as alterações introduzidas pelas Leis 17/09 de 06/05, 12/11 de 27/04 e 50/13 de 24/07), com referência ao Artº 3 nsº5 al. c) ou 6 al. a), do mesmo diploma, na pena de 3 ( três ) anos de prisão.
Em cúmulo jurídico, na pena única de 25 ( vinte e cinco ) anos de prisão.
2) BB, como : - co-autor da prática de um crime de homicídio qualificado, p.p., pelos Artsº 131 e 132 nsº1 e 2 al. h), ambos do C. Penal, na pena de 21 ( vinte e um ) anos de prisão ; - co-autor da prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p.p., pelos Artsº 22, 23, 131 e 132 nsº1 e 2 al. h), ambos do C. Penal e Artº 86 nsº3 e 4 da Lei 5/06 de 23/02, na pena de 10 ( dez ) anos de prisão ; - co-autor da prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p.p., pelos Artsº 22, 23, 131 e 132 nsº1 e 2 al. h), ambos do C. Penal e Artº 86 nsº3 e 4 da Lei 5/06 de 23/02, na pena de 6 ( seis ) anos de prisão ;
Em cúmulo jurídico, na pena única de 25 ( vinte e cinco ) anos de prisão.
3) CC, como :
- co-autor da prática de um crime de homicídio qualificado, p.p., pelos Artsº 131 e 132 nsº1 e 2 al. h), ambos do C. Penal, na pena de 22 ( vinte e dois ) anos de prisão ; - co-autor da prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p.p., pelos Artsº 22, 23, 131 e 132 nsº1 e 2 al. h), ambos do C. Penal e Artº 86 nsº3 e 4 da Lei 5/06 de 23/02, na pena de 11 ( onze ) anos de prisão ; - co-autor da prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p.p., pelos Artsº 22, 23, 131 e 132 nsº1 e 2 al. h), ambos do C. Penal e Artº 86 nsº3 e 4 da Lei 5/06 de 23/02, na pena de 7 ( sete ) anos de prisão ; - autor de um crime de detenção de arma proibida, p.p., pelo Artº 86 nº1 al. c) da Lei 5/06 de 23/02, (com as alterações introduzidas pelas Leis 17/09 de 06/05, 12/11 de 27/04 e 50/13 de 24/07), com referência ao Artº 2 nsº1 al. v) e 3 nº2 al. l), do mesmo diploma, na pena de 2 ( dois ) anos de prisão.
Em cúmulo jurídico, na pena única de 25 ( vinte e cinco ) anos de prisão.
Mais foram os arguidos condenados a pagarem, em sede de indenização civil as seguintes quantias : - € 80.000,00 (oitenta mil euros) a título de danos não patrimoniais aos demandantes DD e EE ; - € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a cada um dos referidos demandantes, a título de danos não patrimoniais; - € 30.000,00 (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais, ao demandante FF ; - A este demandante, a correspondente a cinco vencimentos, no valor de € 700,00 cada um, descontados os valores recebidos pela segurança social pela incapacidade temporária para o trabalho, cujo valor global não ultrapasse o montante peticionado de € 2.870,00.
Os três arguidos interpuseram recurso, vindo a ser proferida pela Relação decisão :
- Concedendo-se parcial provimento ao recurso do arguido CC, e assim : declarou-se a nulidade do acórdão recorrido, mas apenas na parte em que omitiu exame crítico relativamente aos documentos que o Tribunal Colectivo, em acta de Audiência de Julgamento, fez juntar aos autos, determinando-se que fosse proferido novo acórdão, que os tivesse em conta em relação à decisão sobre a matéria de facto ; - negou-se provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, na parte em que invocou a nulidade do acórdão recorrido por ter indeferido as diligências probatórias que requerera na sessão de audiência de julgamento de 03/07/14; - Considerou-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos recursos dos três arguidos. o desrespeito completo à vida alheia , a insensibilidade para com esse valor, O tribunal de 1.ª instância proferiu nova decisão, em que manteve, nos seus precisos termos, as condenações, criminais e civis, que antes se descreveram . Ainda inconformado com a decisão proferida , interpôs recurso o arguido BB para este STJ , apresentando as seguintes conclusões :
Os critérios de escolha e determinação das medidas das penas parcelares e consequente pena resultante do cúmulo jurídico não foram (uma vez mais) devidamente ponderados pelo Tribunal recorrido. 1. O recorrente é primário, 2. Não tem outros processos pendentes, 3. À data dos factos tinha 22 anos, 4. Sempre trabalhou. 5. Está integrado do ponto de vista familiar, sendo considerado e estimado; 6. Demonstra capacidade para retomar actividade profissional. 7. Não olvidando ainda as demais condições especiais do recorrente e toda a factualidade dada como assente no acórdão, mas com mais vigor a que ora supra se deixa transcrita (nomeadamente a colaboração do recorrente para a descoberta da verdade material, e a sua concreta participação nos factos delituosos) cremos que as penas parcelares justas, adequadas e proporcionais são: - a) Como co-autor pela prática de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, al. h) ambos do Código Penal e artigo 86º, nºs. 3 e 4, da Lei nº. 5/2006, de 23-02, na pena de 12 (doze) anos de prisão; - b) Como co-autor pela prática de um crime de homicídio qualificado tentado p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, al. h) ambos do Código Penal e artigo 86º, nºs. 3 e 4, da Lei nº. 5/2006, de 23-02, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; - c) Como co-autor pela prática de um crime de homicídio qualificado tentado p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, al. h) ambos do Código Penal e artigo 86º, nºs. 3 e 4, da Lei nº. 5/2006, de 23-02, na pena de 3 (três) anos de prisão. 8. Em cúmulo jurídico das penas referidas nas als. a) a c), na pena única de 14 (quatorze) anos de prisão. 9. E estas são penas parcelares e aquela que resultou do cúmulo jurídico que se nos afigura justas, sendo estas as obedecem ao disposto nos artgs.º 40.º e 71.º do C.P.
MATÉRIA DE FACTO PROVADA --- Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos (com exclusão das conclusões, das argumentações, das inocuidades, do direito, das menções aos meios de prova e das repetições de factos):--- 1) Os arguidos mantinham entre si uma relação de amizade desde já há algum tempo, sendo habitual saírem juntos, à noite, para estabelecimentos de diversão, designadamente, bares e discotecas.--- 2) No dia 4 de outubro de 2013, cerca das 23.00/23.30 horas, os arguidos AA e BB encontraram-se com HH e II, de quem eram amigos, e com JJ, irmão do arguido AA, no Bar denominado “....”, sito em Leça da Palmeira, em Matosinhos.--- 3) Depois de terem permanecido no referido bar durante algum tempo, onde consumiram bebidas alcoólicas, os arguidos AA e BB fazendo-se acompanhar pela HH, pelo II e pelo JJ, deslocaram-se, no veículo de marca BMW, com a matrícula ...-JR, para o estabelecimento de bar/discoteca denominado “....”, sito na ..., no Cais de Gaia, em Vila Nova de Gaia, onde entraram cerca das 02.00/2.30 horas, do dia 5 de Outubro de 2013.--- 4) Quando se encontravam no interior do referido estabelecimento de diversão noturna, cerca das 03.00/3.30 horas, o referido II meteu conversa com uma mulher que se encontrava, nesse local, acompanhada pelo namorado e por outras pessoas, o que fez com que os arguidos e quem os acompanhava se envolvessem em desacatos com os elementos que faziam parte do grupo da mulher que tinha sido abordada pelo II.--- 5) Apercebendo-se da confusão assim gerada na pista de dança do referido estabelecimento e para pôr termo à mesma, LL, MM e NN, que aí exerciam as funções de segurança, sem fazerem uso de qualquer tipo de violência, convenceram os arguidos e quem os acompanhava a abandonarem o “...”, o que estes fizeram pacificamente, tendo, no entanto, permanecido no exterior desse estabelecimento, junto às escadas que lhe dão acesso.--- 6) Volvidos alguns minutos, os elementos que compunham o grupo do qual fazia parte a mulher que II tinha abordado no interior do referido bar/discoteca saíram desse estabelecimento e, após recíproca troca de palavras, alguns dos seus elementos envolveram-se em confrontos físicos com alguns elementos do grupo dos arguidos AA e BB, designadamente com o arguido AA.--- 7) Perante os desacatos e luta corporal que assim ocorriam na via pública entre os elementos dos dois referidos grupos, os seguranças do “...” MM, LL e NN e, bem assim, a vítima OO procuram separar os intervenientes daquele confronto e pôr termo às agressões físicas que os mesmos reciprocamente se infligiam. Tal atitude não foi do agrado do arguido AA, o qual, nesse momento, agrediu a murro e pontapé o segurança MM e ameaçou de morte este segurança e o segurança LL.--- 8) Cessada a contenda, os arguidos AA e BB, o II, o JJ e a HH, que os acompanhavam, entraram na viatura de marca BMW, com a matrícula ...-JR, que se encontrava aparcada no parque de estacionamento localizado no Cais de Gaia, e dali seguiram, de imediato, nesse veículo, conduzido a alta velocidade pelo arguido AA, em direção à Afurada, em Vila Nova de Gaia, ocupando o arguido BB o lugar direito da frente desse veículo e o II, o JJ e a HH os respetivos lugares traseiros.--- 9) Percorrido cerca de 1 Km, como conduzia o veículo de matrícula ...-JR de forma agressiva e com velocidade excessiva, o arguido AA, acedendo ao pedido do II, do JJ e da HH, imobilizou essa viatura e deixou-os apeados, após o que prosseguiu a marcha desse veículo, na companhia do arguido BB, em direção à Praceta das Farrapas, em Perafita, Matosinhos.--- 10) Durante esse percurso, o arguido AA decidiu deslocar-se novamente para o “...”, para se vingar do episódio aí anteriormente ocorrido, designadamente, para “ajustar contas” com os seguranças desse estabelecimento, tendo comunicado essa sua intenção e vontade ao arguido BB, o qual anuiu, de imediato, a tal plano.--- 11) Decidiram, então, os arguidos AA e BB que a pretendida vingança seria feita com recurso a armas de fogo, as quais seriam disparadas contra quem aí se encontrasse, por forma a tirar-lhes a vida. Mais acordaram os arguidos AA e BB que o arguido CC tomaria parte na execução desse plano criminoso, entre ambos delineado. 12) Na concretização desse desígnio criminoso, na presença do arguido BB, ainda no trajeto que ambos seguiam, no referido veículo automóvel, para a Praceta das Farrapas, em Perafita, Matosinhos, o arguido AA, pelas 4h.30m.3s., usando o telemóvel número ..., estabeleceu contacto telefónico com a sua companheira PP, com quem residia, para o telemóvel número .... Nessa conversa telefónica, da qual ficou ciente o arguido BB, o arguido AA contou à sua companheira PP o que havia acontecido no bar/discoteca “...” e solicitou-lhe que fosse buscar a espingarda de que era proprietário e os respetivos cartuxos e lhos fosse entregar à Praceta das Farrapas, em Perafita, Matosinhos, para onde ele e o arguido BB se estavam a dirigir naquele momento.--- 13) Momentos depois, ainda no referido percurso, também através do telemóvel número ..., o arguido AA ligou para o arguido CC, que então usava o telemóvel número ..., a dar-lhe conhecimento dos desacatos e confrontos físicos ocorridos anteriormente no interior e exterior do bar/discoteca “...”.--- 14) Nessa conversa telefónica, o arguido AA solicitou a colaboração do arguido CC para a execução do plano que ele e o arguido BB tinham gizado para se vingarem do episódio anteriormente ocorrido no exterior desse estabelecimento comercial, designadamente, para ajustarem contas com os respetivos seguranças, plano esse que, como lhe disse, consistia em deslocarem-se, de imediato e novamente, a esse local, munidos com armas de fogo e efetuarem disparos contra quem aí se encontrasse, por forma a causar-lhes a morte.--- 15) Esta conversa telefónica foi escutada pelo arguido BB, o qual ficou perfeitamente ciente de todo o seu teor.--- 16) Nessa sequência, o arguido CC, que anuiu de imediato ao referido plano criminoso, foi a casa da mãe do arguido AA, sita na Rua ..., onde pernoitava num dos quartos, pegou numa espingarda caçadeira de canos paralelos serrados de que era possuidor, cujas restantes características não foi possível apurar, colocou-a dentro de um saco desportivo e, munido da mesma, deslocou-se, ao volante do veículo automóvel de marca Ford, modelo Escort, com a matrícula ...-HG, para a Praceta das Farrapas, em Perafita, Matosinhos, a fim de, conforme entre todos combinado, se encontrar com os arguidos AA e BB.--- 17) Entretanto, os arguidos AA e BB chegaram à Praceta das Farrapas, em Perafita, Matosinhos. Nesse local, já se encontrava a companheira do primeiro, PP, que, conforme lhe havia sido pelo mesmo pedido, entregou ao arguido AA a espingarda caçadeira, com canos de alma lisa, e uma cartucheira com cartuxos de calibre 12, de que o mesmo era proprietário.--- 18) Alguns momentos volvidos, conduzindo o veículo de matrícula ...-HG, o arguido CC chegou à Praceta das Farrapas, em Perafita, Matosinhos, onde se encontrou com os arguidos AA e BB.--- 19) De seguida, encontrando-se o arguido AA na posse da sua espingarda caçadeira, com canos de alma lisa, e da cartucheira com os respetivos cartuxos de calibre 12, que exibia, e o arguido CC com a sua espingarda caçadeira de canos paralelos serrados, esta guardada dentro do referido saco desportivo, todos os arguidos entraram no referido veículo de marca Ford, modelo Escort, com a matrícula ...-HG e dali arrancaram, nessa viatura, na direção do bar/discoteca “...”, sito na Avenida Ramos Pinto, no Cais de Gaia, em Vila Noa de Gaia, ocupando o arguido AA o lugar da frente do lado direito - “pendura” - e o arguido BB o lugar do condutor, tendo o arguido CC sido transportado na mala desse veículo, o qual dispunha apenas de dois lugares, por se tratar de um veículo ligeiro de mercadorias.--- 20) Nesse veículo de matrícula ...-HG, o qual era conduzido pelo arguido BB, os arguidos seguiram na direção da Avenida Ramos Pinto, Cais de Gaia, em Vila Nova de Gaia, tendo chegado às imediações do bar/discoteca “...”, aí localizado, cerca das 05.15 horas.--- 21) Uma vez nesse local, o arguido BB imobilizou o veículo de matrícula ...-HG em contramão, junto à postura de táxis aí localizada e, através de um dispositivo existente no interior do respetivo habitáculo, abriu a bagageira dessa viatura, para que o arguido CC saísse da mesma.
22) Os arguidos AA e CC saíram, então, da referida viatura, munidos cada um deles com as referidas armas de fogo e, após colocarem, na cabeça, o capuz dos blusões que vestiam, dirigiram-se, apeados, para as instalações do estabelecimento “...”, seguindo o segundo alguns metros atrás do primeiro, ao passo que o arguido BB, conforme fora entre todos combinado, permaneceu no interior do veículo de matrícula ...-HG, que manteve em funcionamento e com as luzes ligadas, em missão de vigilância e pronto a assegurar uma fuga rápida e eficaz de todos os arguidos desse local, logo que os arguidos AA e CC terminassem o referido e acordado “ajuste de contas”.--- 23) Quando caminhavam na direção das instalações do bar/discoteca “...”, o arguido AA avistou o ofendido GG, empregado desse estabelecimento, que se encontrava no respetivo varandim, localizado ao cimo das escadas que lhe dão acesso e, encontrando-se ainda na rua, ao nível do rés-do-chão, a escassos metros de distância do mesmo, apontou a espingarda caçadeira que trazia na direção do tronco do ofendido GG, onde se alojam órgãos vitais, e com a ela efetuou um disparo, que só não o atingiu, porque o referido ofendido, apercebendo-se da intenção do arguido AA, conseguiu afastar-se da trajetória do projétil de calibre 12 por este disparado.--- 24) O ofendido GG correu, então, assustado, para o interior do referido bar/discoteca e alertou, de imediato, os funcionários que aí se encontravam para a presença dos arguidos naquele local, munidos com armas de fogo.--- 25) Logo de seguida, os arguidos AA e CC subiram as escadas que dão acesso às instalações do bar/discoteca “...” e, já no cimo daquelas, o arguido AA, encontrando-se a curta distância do ofendido FF, com a espingarda caçadeira que empunhava, efetuou um novo disparo na direção da parte superior do tronco deste ofendido, atingindo-o no pescoço e na região peitoral direita.--- 26) Gerou-se, então, o pânico nas cerca de oito pessoas que se encontravam nesse bar/discoteca, as quais rapidamente se refugiaram, umas na cozinha, outras nas casas de banho e outras atrás dos balcões.--- 27) O arguido AA entrou, então, no interior do “...”, empunhando a espingarda caçadeira que trazia consigo, enquanto que o arguido CC permaneceu junto à porta de entrada do espaço interior desse estabelecimento, empunhando a sua arma de fogo, em posição de vigilância e para impedir a saída ou entrada de quaisquer pessoas, conforme fora acordado com os outros dois arguidos.--- 28) Logo que entrou no espaço interior do bar/discoteca “...”, o arguido AA, encontrando-se a não mais de dois metros de distância de OO, que exercia as funções de barman naquele estabelecimento, sem hesitar, de forma inesperada e retirando-lhe qualquer possibilidade de defesa, apontou a espingarda caçadeira que empunhava na direção do corpo deste, onde se alojavam órgãos vitais, e efetuou um novo disparo, que o atingiu no pescoço, no tórax, no abdómen, no ombro e no braço direitos, e provocaram a sua queda imediata e inanimada no solo.--- 29) Logo após, o arguido AA percorreu todo o espaço interior do “...” até ao balcão existente no fundo do mesmo, tentou abrir, com um pé, a porta de emergência aí localizada, por onde supunha terem fugido os restantes funcionários do aludido bar/discoteca, designadamente os seus seguranças, e, nesse local, efetuou um novo disparo com a aludida espingarda caçadeira, desta feita direcionado para o teto.--- 30) De seguida, o arguido AA, fazendo o percurso inverso, dirigiu-se para junto do arguido CC, o qual permanecia, em missão de vigilância, junto da porta de entrada do espaço interior do referido estabelecimento, trocou a espingarda caçadeira que até então empunhava pela arma de fogo empunhada pelo arguido CC e voltou a entrar novamente naquele espaço, onde, com a arma que nesse momento envergava, efetuou mais um disparo e apontou a mesma arma na direção do corpo da vítima OO, que ali jazia no chão, mas sem a disparar.--- 31) Nos momentos em que atuou da forma descrita, o arguido AA conservou sempre um cigarro na boca, o qual apenas deitou fora no momento em que se aproximou das escadas que dão acesso ao “...”, para encetar a fuga.--- 32) Praticados os factos acima descritos, os arguidos AA e CC abandonaram, de imediato, o local, entraram ambos para a viatura de marca Ford, modelo Escort, de matrícula ...-HG, onde os aguardava o arguido BB e nessa viatura, conduzida por este arguido, dali arrancaram na direção do Porto, seguindo o arguido AA no lugar da frente lado direito - “pendura” -, com a espingarda caçadeira de canos paralelos serrados, e o arguido CC na bagageira desse veículo com a outra espingarda caçadeira utilizada na prática dos factos acima descritos, armas de fogo que não estavam, nem estão, registadas, nem qualquer um dos arguidos era possuidor de licença de uso ou porte de arma de fogo.
Em consequência directa e necessária do projétil disparado pelo arguido AA, OO, solteiro, nascido em ... de 1988, sofreu múltiplas lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 899 a 904, no pescoço, membro superior direito, no tórax , ao nível do coração, artérias pulmonar e aorta , na veia cava superior, pulmão esquerdo e pleuras , sendo tais lesões traumáticas torácicas e abdominais causa directa e necessária da morte do referido OO.
Como consequência necessária e direta do projétil disparado pelo arguido AA, contra o ofendido FF, irmão da vítima OO, nascido em 17 de Setembro 1987, também empregado no bar discoteca “ ...”, sofreu este as lesões descritas e examinadas no relatório do exame médico-legal de fls. 1131 a 1133 e 1263 a 1265, nomeadamente, seis orifícios de entrada de fragmentos de projéteis, sem orifícios de saída , nas zonas cervical, no 1/3 inferior do bordo do ECM esquerdo, do peitoral direito, próximo da linha média , no peitoral direito, na linha ICM , no peitoral direito latero-supramamilar, na prega axilar anterior , ficando com a mobilidade do membro superior direito com dor, mas preservada, parestesias/disestesias, no ombro superior direito e com sequelas permanentes, no pescoço , uma cicatriz de 1 cm na região da inserção do esternocleidomastóideo, no tórax, duas cicatrizes de 1 cm na região torácica direita, no membro superior direito, uma cicatriz de 1 cm na região axilar, parede umeral.-
Tais lesões determinaram, ainda , directa e necessariamente, 62 dias de doença, compreendidos entre os dias 5 de Outubro de 2013 e 5 de Dezembro do mesmo ano, sem afetação da capacidade de trabalho geral e com afetação de trabalho profissional de 30 dias.
Os arguidos agiram sempre de livre vontade, na sequência de um plano previamente combinado entre todos, em conjugação de esforços, com o propósito concretizado de provocarem a morte contra quem se encontrasse no bar/discoteca “...”, designadamente, o mencionado OO, aí “ bar man “ - Os arguidos agiram ainda com o propósito de causarem a morte contra quem se encontrasse no bar/discoteca “...”, designadamente, os ofendidos FF e HH, o que só não conseguiram por circunstâncias alheias às suas vontades.
Bem sabiam os arguidos que, ao serem efetuados disparos com a arma de fogo detida pelo arguido AA, a escassos metros de distância e na direção do corpo desses ofendidos, onde se alojam órgãos vitais, tal conduta era apta a causar-lhes a morte. Conheciam os arguidos as potencialidades letais das armas de fogo que, na sequência de acordo previamente celebrado entre todos, foram utilizadas pelos arguidos AA e CC na prática dos factos acima descritos, bem sabendo que tais armas não estavam registadas, nem eram detentores de licença de uso ou porte de arma de fogo. Os arguidos estavam cientes que tais armas estavam carregadas com projéteis, tal como sabiam que a arma de fogo que o arguido AA detinha, ao ser por ele acionada e apontada, nas condições acima descritas, a uma curta distância sobre uma zona vital do corpo de OO, lhe provocaria a morte, como quiseram e veio a acontecer.- Os arguidos atuaram conforme descrito apenas pelo facto de, cerca de 01.30 hora antes, os seguranças do bar/discoteca “...”, LL e MM terem intervindo para pôr termo aos desacatos e luta corporal ocorridas no interior e exterior desse estabelecimento, nas quais fora também interveniente o arguido AA, atitude que não foi do agrado deste.---
Foi num estado de absoluta surpresa que DD se depara, frente a frente, com o arguido OO, no momento em que este, após disparar sobre o seu irmão FF, lhe aponta a arma.--- DD temeu pela sua vida e tomou consciência que, daquele encontro, poderia advir a sua morte, o que lhe causou profunda angústia.-
77) Enquanto estava refugiado na cozinha, continuou a temer pela sua vida.--- 78) Sentindo, ao longo de todo o ataque, sofrimento e aflição.--- 79) O demandante FF esteve internado entre os dias 05 a 07 de outubro de 2013.--- 80) No dia 20 de fevereiro de 2014 o demandante foi submetido a uma intervenção cirúrgica em regime de ambulatório no centro integrado de Cirurgia Ambulatório do Centro Hospitalar do Porto, para exérese de corpo estranho no tecido celular subcutâneo na região cervical posterior.--- 81) Aquela excisão teve como objeto um dos fragmentos do projétil que contra si foi disparado pelo arguido AA em 05.10.2013.--- 82) O demandante continua na presente data a sentir dores no braço direito, assim como uma sensação de formigueiro e de cansaço na mão direita.--- 83) Depois do ocorrido o demandante ficou mais nervoso, sofre de insónias e de pesadelos.--- 84) E deixou de conseguir frequentar lugares de diversão noturna e fica inquieto em locais com muita gente.--- 85) A incapacidade temporário para o trabalho foi-lhe atestada até ao dia 2802.2014.--- 86) Não tendo o demandante conseguido regressar ao posto de trabalho que ocupava no dia 05.10.2013.--- 87) Encontrando-se atualmente desempregado.--- 88) O demandante deixou de auferir o seu vencimento mensal de € 700,00 a partir de outubro de 2013.--- 89) Passando apenas, desde então e até fevereiro de 2014, a receber a quantia concretamente não apurada relativa ao subsídio por incapacidade temporária para o trabalho paga pela Segurança Social.--- 90) Como consequência direta e necessária dos factos ocorridos em 05.10.2013 o quotidiano do demandante foi alterado e a sua qualidade de vida reduzida, com acréscimo de preocupações.---
91) Em circunstâncias concretamente não apuradas, em 15.09.2013, o arguido AA agrediu o arguido CC, tendo esta acabado por fazer curativos no Hospital de Matosinhos.--- 92) O arguido AA é o primogénito de 13 irmãos uterinos.--- Habitou com a avó materna entre os seus 4 a 10 aos de idade.--- Possui o 8º ano de escolaridade.--- Após saída do ensino o arguido iniciou o seu percurso profissional como ajudante de padeiro durante cerca de 4 anos consecutivos. Entretanto, o arguido passou a dedicar-se à venda ambulante de diversos artigos e à comercialização de veículos ligeiros usados.-- Tem quatro filhos de várias uniões de facto.--- À data dos factos o arguido vivia com a atual companheira e dedicava-se à atividade de comercialização de automóveis usados.--- O agregado familiar era ainda constituído pela mãe da companheira do arguido, pela filha mais nova do arguido e irmãs da sua companheira.--- No E. P. recebe visitas de familiares e da companheira. 93) O arguido BB possui o 8º ano de escolaridade.--- Aos 18 anos iniciou o seu percurso laboral na área de mecânica de automóveis.--- Mais tarde, mudou para a área da eletricidade de alta e baixa tensão, ingressando numa empresa, onde obteve formação e foi credenciado para exercer a profissão.--- Em junho de 2013 ficou sem emprego, com atribuição do respetivo subsidio no valor de € 470,00.--- À data dos factos o arguido residia com os pais e encontrava-se desempregado.—
- 94) O arguido CC concluiu a formação escolar ao nível do 3º ciclo e optou por iniciar a sua inserção laboral na área da construção civil.--- Os seus pais separam-se quando tinha 15 anos de idade.--- Aos 17 anos de idade trabalhou com o seu pai na construção civil. Tem 3 filhos de três relacionamentos afetivos, comparticipando a título de alimentos com o montante de € 75,00 para cada um dos filhos.--- Ao nível laboral foi mantendo a atividade de construção civil e, em 2007, foi admitido numa empresa dedicada ao comércio de peças para veículos, cujo vínculo laboral cessou em 30.04.2012, ficando desde então desempregado, situação que se mantinha à data dos factos, auferindo o subsídio de desemprego--- Em maio de 2013 separou-se da companheira.--- Em junho de 2013 passou a receber o subsídio social de desemprego, tendo pernoitado na sua viatura.--- À data dos factos o arguido vivia em casa de ..., mãe do arguido AA, que lhe ofereceu alojamento sem qualquer retribuição.--- No E.P. recebe visitas da sua madrasta e companheira.--- 95) O arguido AA foi anteriormente condenado pela prática dos seguintes ilícitos criminais:--- a) Por decisão de 10.03.1999, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 30 dias de multa;--- b) Por decisão de 06.12.2000, transitada em julgado em 08.01.2001, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 1 ano de 4 meses de prisão;--- c) Por decisão de 25.01.2001, pela prática de um crime de recetação, na pena de 8 meses de prisão, suspensa por igual período;--- d) Por decisão de 23.08.2002, transitada em julgado em 04.09.2002, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano;--- e) Por decisão de 26.05.2003, transitada em julgado em 18.02.2005, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência qualificada, na pena única de 220 dias de multa;--- f) Por decisão de 16.02.2005, transitada em julgado em 11.04.2005, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano;--- g) Por decisão de 01.02.2007, transitada em julgado em 16.02.2007, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena 7 meses de prisão;--- h) Por decisão de 19.12.2007, transitada em julgado em 23.06.2008, pela prática de quatro crimes de condução sem habilitação legal, na pena 1 ano de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica;--- i) Por decisão de 28.01.2010, transitada em julgado em 01.03.2010, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena única de 120 dias de multa.—
96) Os arguidos BB e CC não têm antecedentes criminais.---
Colhidos os vistos legais , considerando que neste STJ a EXm.ª Procuradora Geral_Adjunta subscreveu o entendimento que a Exm.ª Magistrada do M.º P.º defendeu na Relação , no sentido da manutenção do decidido, cumpre decidir :
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O Tribunal de 1.ª instância , com a concordância da Relação , imputou , além do mais, ao arguido BB , sem divergência sua , como se alcança da motivação do recurso para este STJ , cujo poder cognitivo vem limitado nas conclusões à medida concreta das penas parcelares e de conjunto , havendo que , neste domínio , solucionar questão prévia atinente à competência deste STJ em sede de recurso para apreciar a condenação imposta pela Relação , em penas de prisão pela prática de 1 crime de homicídio qualificado consumado , 2 tentados , também qualificados , todos pela circunstância qualificativa enunciada na al. h) , do n.º 2 , do art.º 132.º , do CP, nas penas de 19 , 8 e 4 anos e , em cúmulo , 22 anos , reduzindo as de 21 , 10 e 6 e em cúmulo 25 , respectivamente , impostas do antecedente em 1.ª instância .
A competência do STJ , em matéria de admissibilidade de recursos , está directamente regulada no art.º 432 .º , do CPP e por via indirecta, completando o regime global , no art.º 400.º , do CPP , ao estabelecer que não é admissível recurso dos acórdãos condenatórios proferidos pelas Relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou prisão não superior a 5 anos –e) , do n.º 1 –e que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos -al.f , do n.º 1 .
Ao critério da determinação da recorribilidade em função da pena aplicável , a partir da consideração da moldura abstracta , sobrepôs-se , de acordo com as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007 , de 29/8 , o critério da pena efectivamente aplicada .
Outra linha de orientação impressa na modificação legislativa foi a de restringir o poder cognitivo do STJ , enquanto instância de topo na organização judiciária, às questões de maior gravidade penal , ficando fora da sua competência as questões bagatelares sancionadas com prisão não superior a 5 anos , pela Relação , convertendo –a em última instância de recurso , fechando o respectivo ciclo .
O acesso ao STJ em termos de recurso está, no entanto , reservado aos casos de recurso directo , em matéria de direito , por força do art.º 432.º , n.º 1 c) , do CPP , sempre que a condenação em 1.ª instância seja de prisão superior a 5 anos , a fim de assegurar-se ao condenado em nome do seu direito de defesa , garantido constitucionalmente , ficando à lei ordinária o encargo de delimitar os termos dessa intervenção , o que fez , então , naquela norma , firmando com ela a consagração de um grau de recurso e um segundo de jurisdição , uma vez que o exercício do direito ao recurso não pressupõe ,nem demanda , uma terceira jurisdição de recurso e mais que um grau , nem mesmo no plano do direito internacional convencional .
Além de que se cumpre com a dualidade de regimes, em tradução de um só grau de recurso , o princípio da celeridade processual , contrariando, com um segundo grau de recurso e terceiro de jurisdição, a intenção de legislador , expressa mente acentuada no proposta de Lei n.º 109 /X , no sentido de “ restringir o recurso de segundo grau aos casos de maior merecimento penal “ e , cumulativamente , como figura no preâmbulo do CPP , num intuito de potenciar a economia processual numa óptica de celeridade e eficiência ,” de certo que sem esquecer que , no passado , o regime abusivo dos recursos , levava a uma taxa de insucesso superior a 30% .
A hipótese prevista na al.f) , do n.º 1 , do art.º 400.º acima citado limita o recurso para o STJ sempre que a Relação confirme a decisão condenatória e aplique pena não excedente a 8 anos de prisão .
A condenação por um só crime , preenchidos que estão estes pressupostos , confirmação e de duração não superior a 8 anos, não suscita dificuldades . Estas poderão surgir em caso de concurso de crimes , mas este STJ , de modo uniforme e pacífico , tem vindo a perfilhar o entendimento, já advindo do regime anterior à Reforma do CPP de 2007, de que sendo a pena parcelar aplicada pela Relação inferior a 8 anos de prisão e objecto de confirmação , não é admissível recurso para o STJ; o recurso só será admissível relativamente às penas parcelares que excedam 8 anos de prisão ou à pena única resultante do cúmulo , também ela superior . Seria , na verdade , inaceitável –cfr. Acs . deste STJ , de 20.10.2010 , P.º n.º 651/09 .8PBF.AR .E1 –que a admissibilidade do recurso estivesse dependente da circunstância aleatória do julgamento ter sido ou não conjuntamente com outros crimes . Mas devendo a pena de concurso formar-se pelo englobamento das parcelares devem estas ser tomadas em apreciação , não perdendo a sua individualidade, devendo ser objecto de cognições autónomas , para esse efeito como , de resto , se decidiu –Cfr. os Ac s. deste STJ , de 16.4.2009 , citando o Prof . Figueiredo Dias , de 24.3 2011, 24.3.2011 P.º n.º 322/08 .2TARGR .L1.S1, P.º n.º 907/09 .OG CVIS .CI .S1, 13.11.2008 , P.º n.º 3381 /08, 16.4.2009 . P.º n.º 491/09 e 12.11.2009 , P.ºn.º 200/06 .OJAPTM .
O arguido foi condenado na Relação nas penas parcelares de 19 , 6 e 4 anos de prisão e , em cúmulo , aquelas abrangendo , na de concurso de 22 anos , inferior às aplicadas em 1.ª Instância de 22 , 10 e 6 , e 25 em concurso, reduzindo aquelas, em confirmação parcial , in mellius “ .
Com a condenação da Relação ao situar as penas parcelares pelos dois crimes de homicídio tentado qualificado em 6 e 4 anos de prisão cumpre-se , desde logo , um pressuposto de irrecorribilidade , nos termos do art.º 400.º n.º 1 f) , do CPP , restando , agora , indagar se se preenche o outro pressuposto da confirmação , da proclamada dupla conforme , ou seja a confirmação por tribunal de recurso da decisão recorrida , funcionando como uma presunção “ juris et de jure “ do acerto da decisão recorrida , desnecessário sendo , em certas condições , aos olhos do julgador penal ( como cível e até de direito canónico , de onde emergiu , ), um segundo reexame . E tem que dizer-se que a decisão condenatória na Relação , naquelas medidas de 6 e 4 anos de prisão , é , desse logo , favorável ao arguido , e também é confirmativa das penas até ao limite agora aplicado ; quanto ao excedente parcialmente eliminado , de 4 e 2 anos, cessa , naturalmente , a confirmação , que , de resto , não importa uma coincidência pontual do decidido , e sobretudo quando se mantém a qualificação jurídica e sem alteração o quadro factual que a sustenta . Se o arguido tivesse sido condenado nas duas instâncias nas mesmas penas é inegável que não subsistia qualquer dúvida sobre a inadmissibilidade legal do recurso quanto a esse segmento condenatório ; era plena a confirmação ; se o arguido vê realizado o seu interesse em parte , na medida em que obteve parcial tutela do seu direito , então falece legitimidade para ver reexaminado o processo por outro tribunal superior , atenta a confirmação que ainda se realiza , in mellius , embora parcial . Este STJ , de resto , tem entendido , de modo esmagadoramente maioritário , que não deixa de haver confirmação nos casos em que, in mellius, a Relação reduz a pena: até ao ponto em que a condenação posterior elimina o excesso resulta a confirmação da anterior –cfr. Acs. de 12-03-2008 , Proc. n.º 130/08 - 3.ª Secção, 23-04-2008 , Proc. n.º 810/08 - 3.ª Secção , 10-09-2008 , Proc. n.º 1666/08 - 3.ª Secção , 11.3.2004 , CJ , STJ , I , 2004 , 224 , na esteira do de 16.1.2003 , P.º n.º 41908 /03 , da 5.ª Secção , de 3.11.2004 , in CJ , STJ , Ano XII , TIII , pág. 222, de 25.10.2007 , P.º 3283/07 , 10.1.08, P.º n.º 3180/07 e de 8.5.2008 , P.º n.º 1515/08 .
Não podia deixar de escapar à lógica das coisas , o segundo elemento interpretativo da lei , na teoria de Köhler , citado in Teoria da Interpretação das Leis , cap.XXXIV , de Carrara , impondo a solução adoptada . A solução a adoptar , de conhecimento , apenas , quanto à pena de 19 anos pelo crime de homicídio qualificado e à unitária de 22 anos em cúmulo , não atenta contra o direito fundamental do acesso ao direito e à justiça consagrado no art.º 20.º , da CRP , porque o direito de defesa do arguido não exige , sempre e em todas as condições , mais do que um grau de recurso . O nosso sistema de recursos não abdica de um duplo grau de jurisdição em matéria penal , aliás de acordo com o art.º 14.º n.º 5 , do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos , aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78 , de 12/6 , que não impõe um triplo grau de jurisdição . Em consonância o art.º 5.º n.º 4 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem limita-se , e só , a assegurar o direito ao recurso de qualquer pessoa condenada em pena de prisão ou a detenção.
Nesta conformidade o poder cognitivo deste STJ , pela dupla conforme e caso julgado material subsequente quanto às penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão , de 4 e 6 anos , cingir-se-à apenas à questão da medida da pena aplicada quanto ao homicídio qualificado , de 19 anos e à única , de 22 , não vinculando este STJ o despacho de admissão , dos poucos que não forma caso julgado formal , atenta a importância de que se reveste o direito ao recurso , que , por isso , é susceptível de reexame nas jurisdições de recurso.
Medidas das penas :
Consideremos que do acervo factual comprovado , em forma resumida ,se depreende que :
Os arguidos BB , ora recorrente , AA e CC eram amigos , frequentando juntos bares e discotecas e assim no dia 4 de Outubro de 2013, cerca das 23.00/23.30 horas, os arguidos AA e BB , encontraram-se com HH e II, de quem, também , eram amigos, e com JJ, irmão do arguido AA, no Bar denominado “...”, sito em Leça da Palmeira, em Matosinhos, aí permanecendo algum tempo , após o que os arguidos AA, BB , a HH, II e JJ, se deslocaram no BMW de matrícula ...-JR, para o estabelecimento de bar/discoteca denominado “...”, sito no Cais de Gaia, em Vila Nova de Gaia, onde entraram cerca das 02.00/2.30 horas, do dia 5 de Outubro de 2013.—
- No interior do estabelecimento nocturno em causa o II encetou conversa com uma mulher que se encontrava, nesse local, acompanhada pelo namorado e por outras pessoas, logo se envolvendo os arguidos e acompanhantes em desacatos com os elementos que faziam parte do grupo da mulher que tinha sido abordada pelo II.
Para pôrem termo à contenda gerada , LL, MM e NN , exercendo funções de segurança, no dito bar-discoteca, sito no Cais de Gaia, de forma pacífica , convenceram os arguidos e quem os acompanhava a abandonarem o “...”. -- Os elementos que compunham o grupo do qual fazia parte a mulher que II tinha abordado no interior do referido bar/discoteca saíram desse estabelecimento e, após recíproca troca de palavras, alguns dos seus elementos envolveram-se , no exterior em confrontos físicos com alguns elementos do grupo dos arguidos AA e BB, designadamente com o arguido AA.— - Aqueles seguranças do “....”, bem como a vítima OO , de novo procuraram separar os contendores , sem violência, atitude que não foi do agrado do arguido AA, o qual, nesse momento, agrediu a murro e pontapé o segurança MM e ameaçou de morte este segurança e o segurança LL.
Cessado o confronto , os arguidos AA, BB, o II, o JJ e a HH, entraram no veículo do AA , conduzindo-o este a alta velocidade e em direcção à Afurada, em Vila Nova de Gaia, ocupando o arguido BB o lugar direito da frente desse veículo e o II, o JJ e a HH os respectivos lugares traseiros.
Atenta a forma perigosa e com velocidade excessiva como o arguido AA conduzia , II, JJ e HH, pediram -lhe que os deixasse sair , ao que acedeu , continuando a seguir ao seu lado o arguido BB , prosseguindo ambos em direcção à Praceta das Farrapas, em Perafita, Matosinhos.-
-- Durante esse percurso, o arguido AA decidiu deslocar-se novamente para o “...”, para se vingar do episódio aí anteriormente ocorrido, para “ajustar contas” com os seguranças desse estabelecimento, tendo comunicado essa sua intenção e vontade ao arguido BB, o qual anuiu, de imediato, a tal plano.-
Acordaram , ainda , os arguidos AA e BB em que a vingança seria mediante recurso a armas de fogo, a disparar contra quem aí se encontrasse, por forma a tirar-lhes a vida.
Mais acordaram os arguidos AA e BB que o arguido CC tomaria parte na execução desse plano criminoso, entre ambos já delineado.---
Para concretização desse projecto , na presença do arguido BB, ainda no trajecto que ambos seguiam, no referido veículo automóvel, para a Praceta das Farrapas, em Perafita, Matosinhos, o arguido AA entrou em contacto com a sua companheira PP, por telemóvel , contando-lhe o que havia acontecido no bar/discoteca “...” , a quem solicitou que fosse buscar a espingarda de que era proprietário e os respectivos cartuxos e lhos fosse entregar à Praceta das Farrapas, para onde ele e o arguido BB se estavam a dirigir naquele momento, conversa de que o recorrente BB , também ficou ciente .
Momentos depois, ainda no referido percurso, o arguido AA contactou o arguido CC, a dar-lhe conhecimento dos desacatos e confrontos físicos ocorridos anteriormente no interior e exterior do bar/discoteca “...”.---
Na conversa telefónica travada então , de que o BB também tomou conhecimento , o arguido AA solicitou a colaboração do arguido CC para a execução do plano que ele e o arguido BB tinham gizado para se vingarem do episódio anteriormente ocorrido no interior e exterior desse estabelecimento comercial, designadamente, para retaliarem contra os respectivos seguranças, plano esse que, como lhe disse, consistia em deslocarem-se, de imediato a esse local, munidos com armas de fogo e efectuarem disparos contra quem aí se encontrasse, por forma a causar-lhes a morte.—
O arguido CC, que anuiu de imediato ao referido plano criminoso, foi a casa da mãe do arguido AA onde pernoitava num dos quartos, pegou numa espingarda caçadeira de canos paralelos serrados de que era possuidor e, munido da mesma, deslocou-se, ao volante do veículo automóvel de marca Ford, modelo Escort, com a matrícula ...-HG, para a dita Praceta das Farrapas, em Perafita, Matosinhos, a fim de se encontrar com os arguidos AA e BB .
Chegados à Praceta das Farrapas , a companheira do AA entregou –lhe a espingarda caçadeira, com canos de alma lisa, e uma cartucheira com cartuxos de calibre 12, de que o mesmo era proprietário, comparecendo , de seguida, o CC.
Em sequência o arguido AA na posse da sua espingarda caçadeira e o arguido CC, também com a sua espingarda caçadeira , entraram no referido veículo de marca Ford, dali arrancaram, nessa viatura, na direcção do bar/discoteca “...”, ocupando ( e mudando ) o arguido AA o lugar da frente do lado direito - “pendura” ; o arguido BB tomou o lugar do condutor, tendo-se o arguido CC alojado no porta bagagens por o veículo ser de 2 lugares, chegando ao “ ... “ , cerca das 05.15 horas.---
Uma vez nesse local, o arguido recorrente BB imobilizou o veículo em causa em contramão, junto à praça de táxis aí localizada e, através de um dispositivo existente no interior do respectivo habitáculo, abriu a bagageira dessa viatura, de onde saíu o arguido CC .
Os arguidos AA e CC munidos , cada um deles , com as referidas armas de fogo e, após colocarem, na cabeça, o capuz dos blusões que vestiam, dirigiram-se, apeados, para a “...”, seguindo o segundo alguns metros atrás do primeiro. O arguido BB, conforme fora entre todos combinado, permaneceu no interior do veículo FORD , de matrícula ...-HG, que manteve em funcionamento e com as luzes ligadas, em missão de vigilância e pronto a assegurar uma fuga rápida e eficaz de todos os arguidos desse local, logo que os arguidos AA e CC terminassem o referido e acordado “ajuste de contas”.---
Quando caminhavam na direcção das instalações do bar/discoteca “...”, o arguido AA avistou o ofendido GG, empregado desse estabelecimento, que se encontrava no respectivo varandim, localizado ao cimo das escadas que lhe dão acesso e, encontrando-se ainda na rua, ao nível do rés-do-chão, a escassos metros de distância do mesmo, apontou a espingarda caçadeira que trazia na direcção do tronco do ofendido GG, onde se alojam órgãos vitais, e com a ela efectuou um disparo, que só não o atingiu, porque o referido ofendido, apercebendo-se da intenção do arguido AA conseguiu afastar-se da trajectória do projéctil de calibre 12 por este disparado.---
O ofendido GG correu, então, para o interior do referido bar/discoteca e alertou, de imediato, os funcionários que aí se encontravam para a presença dos arguidos naquele local, munidos com armas de fogo.---
Logo de seguida, os arguidos AA e CC subiram as escadas que dão acesso às instalações do bar/discoteca “...” e, já no cimo daquelas, o arguido AA , encontrando-se a curta distância do ofendido FF, com a espingarda caçadeira que empunhava, efectuou um novo disparo na direcção da parte superior do tronco deste ofendido, atingindo-o no pescoço e na região peitoral direita.
O arguido AA entrou, depois , no interior do “...”, empunhando a espingarda caçadeira que trazia consigo, enquanto que o arguido CC permaneceu junto à porta de entrada do espaço interior desse estabelecimento, empunhando a sua arma de fogo, em posição de vigilância e para impedir a saída ou entrada de quaisquer pessoas, conforme fora acordado com os outros dois arguidos.---
Logo que entrou no espaço interior do bar/discoteca “...”, o arguido AA, encontrando-se a não mais de dois metros de distância de OO, que exercia as funções de “ barman “ naquele estabelecimento, sem hesitar, de forma inesperada e retirando-lhe qualquer possibilidade de defesa, apontou a espingarda caçadeira que empunhava na direcção do corpo daquele , onde se alojavam órgãos vitais, e efectuou um novo disparo, que o atingiu no pescoço, no tórax, no abdómen, no ombro e no braço direitos, e provocaram a sua queda imediata e inanimada no solo.-
-- Logo após, o arguido AA percorreu todo o espaço interior do “...” até ao balcão existente no fundo do mesmo, tentou abrir, com um pé, a porta de emergência aí localizada, por onde supunha terem fugido os restantes funcionários do aludido bar/discoteca, designadamente os seus seguranças, e, nesse local, efectuou um novo disparo com a aludida espingarda caçadeira, desta feita direcionado para o tecto.—
- De seguida, o arguido AA, fazendo o percurso inverso, dirigiu-se para junto do arguido CC, o qual permanecia, em missão de vigilância, junto da porta de entrada do espaço interior do referido estabelecimento, trocou a espingarda caçadeira que até então empunhava pela arma de fogo empunhada pelo arguido CC e voltou a entrar novamente naquele espaço, onde, com a arma que nesse momento envergava, efectuou mais um disparo e apontou a mesma arma na direcção do corpo da vítima OO, que ali jazia no chão, mas sem a disparar.-
Praticados os factos acima descritos, os arguidos AA e CC abandonaram, de imediato, o local, entraram ambos para a viatura de marca Ford, modelo Escort, de matrícula ...-HG, onde os aguardava o arguido BB e nessa viatura, conduzida por este arguido, dali arrancaram na direção do Porto. As armas de fogo utilizadas, da forma descrita, pelos arguidos não estavam, nem estão, registadas, nem qualquer um dos arguidos era possuidor de licença de uso ou porte de arma de fogo.--- Em consequência directa e necessária do projéctil disparado pelo arguido AA, contra OO, nascido em ... de 1988, este sofreu ferimentos múltiplos no pescoço , no tórax, lesões no coração e vasos sanguíneos , pleuras , pulmões , fígado e braço direito , os quais foram consequência directa e necessária da sua morte .
Como consequência necessária e directa do projéctil disparado pelo arguido AA, o ofendido FF, irmão da vítima mortal , também ali empregado , nascido em ... de 1987 , foi atingindo no pescoço, tórax e membro superior direito , ficando com as seguintes lesões e sequelas permanentes:-- - No pescoço: cicatriz de 1 cm na região da inserção do esternocleidomastóideo;--- - No tórax, duas cicatrizes de 1 cm na região torácica direita;--- - No membro superior direito, uma cicatriz de 1 cm na região axilar, parede umeral.- Tais lesões determinaram, directa e necessariamente, 62 dias de doença, compreendidos entre os dias 5 de Outubro de 2013 e 5 de Dezembro do mesmo ano, sem afectação da capacidade de trabalho geral e com afectação de trabalho profissional de 30 dias. Os arguidos agiram sempre de livre vontade, na sequência de um plano previamente combinado entre todos, em conjugação de esforços, com o propósito concretizado de provocarem a morte contra quem se encontrasse no bar/discoteca “...”, designadamente, o mencionado OO.
************************************** O arguido BB foi condenado pela prática em co-autoria de crime de homicídio qualificado pela circunstância prevista no art.º 132.º n.º 2 , h) , do CP , agravando o facto sempre que este tenha sido praticado “ …juntamente com, pelo menos , mais duas pessoas , ou utilizar meio gravemente perigoso ou que se traduza na prática de perigo comum. “ tipo legal em que , relativamente ao tipo fundamental estratificado no art.º 131.º , do CP , intercede uma diferença essencial de grau , mais elevado , apurado através de uma ponderação global externa e interna das circunstâncias envolventes . Essas circunstâncias , de funcionamento não automático , não taxativo , são elementos agravativos da culpa , entendimento generalizado entre nós , afirmado por Eduardo Correia , Figueiredo Dias ( Actas do CP , 1979, 22 ) e Roxin , situando-as Sousa e Brito e Teresa Serra ,esta in Homicídio Qualificado , 1995, págs 47 a 67, como enunciadoras de um tipo de culpa e medida da pena , para em Margarida da Silva Pereira , Teresa Quintela de Brito e Fernanda Palma , citadas por Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário do Código Penal , pág., 400 , se centralizarem no tipo de ilícito . O preenchimento de qualquer uma das alíneas do art.º 132.º n.º 2 , do CP , não “ entra “ automaticamente no âmbito da norma , escreve Margarida Silva Pereira , in Textos , Direito Penal II , Os Homicídios , AAFDUL, pág. 40 , ao contrário do que sucede no direito alemão onde a sua verificação conduz , sem mais, ao chamado “ Mord “, que é o assassínio por “ motivos baixos “ , em que o tipo de culpa nada influencia a configuração típica ,ao invés da orientação reinante entre nós em que a afirmação da especial censurabilidade e perversidade só apelando a um maior grau de culpa se configura. Esse critério de culpa agravada, com reflexo na elevação medida da pena, emana da especial censurabilidade ; do especial sentimento de reprovabilidade que desencadeia , todo o homicídio é já censurável, pois se assume como atentado por excelência contra a vida humana , partindo os demais direitos humanos do direito de viver , no dizer de Impalomenni , por isso que a densificação do conceito de homicídio qualificado, denominado no direito brasileiro de homicídio hediondo , implica a constatação de um “ plus “ acrescido de culpa, uma especial censurabilidade e perversidade , reveladas por circunstâncias objectivas reflectindo a morte , sempre que, atentas as condições em que teve lugar , sejam portadoras de uma atitude profundamente diferenciada do agente face aos valores reinantes comunitariamente , de todo incompreensíveis , na esteira de Stratenwert e Figueiredo Dias , aludidos por Teresa Serra , apud op.cit., pág. 63 ; a especial perversidade, ainda segundo esta autora , na esteira de Binder , dirige-se aos sentimentos , numa avaliação emocional da culpa, reconduzindo-se a uma “ atitude má , eticamente falando , de crasso e primitivismo egoísmo do agente “ , a uma culpa radicada e exacerbada em função da personalidade do agente –cfr., ainda , op. e loc. citado. O legislador seguiu em matéria de qualificação de homicídio , o recurso a um critério generalizador, assente em conceitos indeterminados, mediante a técnica da enumeração , exemplificativa , dos chamados exemplos-padrão , uns referentes ao facto outros ao autor, orientadores do tipo de culpa , de cuja valoração resulta a imagem global do facto agravada –cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Prof. Figueiredo Dias, pág.26. Os exemplos- padrão são ilustrações do que se entende por uma forma especialmente gravosa de certo crime , e no direito alemão , onde reina larga controvérsia sobre a bondade do seu uso , representam também um esforço de “correcção dos casos especialmente graves “ e da dose de imprecisão que lhes era inerente “ –cfr. Direito Penal II , Os Homicídios , pág.62 , de Margarida Silva Dias . São os exemplos –padrão , o tipo orientador ( Leitbild ) do homicídio qualificado , seu indício de verificação , só devendo reputar-se revogado essse efeito mediante o concurso de “ circunstâncias extraordinárias que destaquem a sua ilicitude ou a sua culpa claramente do exemplo-padrão “ , não valendo para o efeito as circunstâncias atenuantes gerais do bom comportamento anterior , mérito profissional ou cívico , a confissão espontânea , o arrependimento ou a disposição de ressarcir os danos reparáveis , mostrando-se incapazes de “ por si só contraprovarem o efeito de indício dos exemplos-padrão . “
O homicídio doloso é a mais chocante violação do senso moral médio da humanidade civilizada , exprime Nelson Hungria ,Comentário , vol . V, 25, e o homicídio qualificado uma sua agravação , a aferir dos factos provados e da imagem global do facto em consonância .
Resulta provado –com relação ao homicídio qualificado consumado , na pessoa de OO, obedece , desde logo , a um desígnio irreversível de pura vingança , inicialmente pensado pelo arguido AA , mas que mereceu o acordo , sem hesitação , quando aquele lho propôs , do ora recorrente BB .
E entre ambos foi , igualmente , de imediato, acordado que o alvo dessa vingança seriam os seguranças da discoteca “...”, relembrando a sua atitude de , ao surgirem desacatos no interior da discoteca , desacatos entre o grupo formado pelos arguidos AA e BB e outros , de um lado , e por outro , um grupo formado por uma mulher , acompanhada de seu namorado e outros , que permanecia no interior da discoteca , a quem um dos elementos do grupo daqueles AA e BB se dirigiu , provocando desordem , inclusive agressão física , que se prolongaram e findaram , no exterior daquela discoteca , mercê de relevante intervenção pacífica do dito pessoal de segurança .
E mais , atendendo aos factos demonstrados , resulta , com toda a clareza , que foi acordado , entre todos arguidos que a acção a desencadear seria com uso da violência , mediante recurso a armas de fogo , a usar , e para matar , quem quer se achasse naquele estabelecimento de diversão nocturna .
O arguido AA contactou a mulher com quem vivia , dando-lhe conhecimento dos desacatos havidos e do seu propósito de vingança , pedindo que lhe trouxesse uma espingarda caçadeira , que detinha ( em condições ilegais ) , na casa da mãe , a entregar-lhe em local indicado -Praceta das Farrapas, em Perafita, Matosinhos- , para onde com o BB , se dirigiu de automóvel , pedido a que aquela acedeu . O arguido BB ouviu a conversa , entre ambos , sendo , ainda , acordado que o arguido CC seria contactado, como o foi , para comparticipar nessa acção de desforço , dirigindo-se o CC à casa da mãe do AA , onde pernoitava , munindo-se de seguida de uma espingarda caçadeira de canos serrados , rumando à Praça das Farrapas , onde se reuniu aos dois comparsas , para , também comparticipar naquele plano.
Essa adesão foi , ainda , de total conhecimento do arguido BB , que , após tal encontro , passou a conduzir o veículo onde antes seguia o CC .
O arguido CC seguiu no porta bagagens por o veículo ser de dois lugares e uma vez chegados às imediações da “ ...”, de noite e , conforme acordado entre os três , o arguido BB , ficou estacionado em contramão , com as luzes acesas , pronto a reiniciar a marcha , o que fez , logo que terminado o violento “ ajuste de contas “ delineado , aberto , por dispositivo ao seu alcance , do interior , o porta bagagens onde se reacondicionou o CC .
A qualificativa imputada ao arguido , como aos demais dois , é a prevista na al.h) , do n.º 2 , do art.º 132 .º , do CP , consistente em “ praticar o facto juntamente com , pelo menos , duas ou mais pessoas , usando meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum “ .
A configuração da agravante , no segmento inicial atinente ao número de agentes , abdica da sua prática por uma associação criminosa ou bando, mas não prescinde de uma comparticipação de pelo menos 3 pessoas , todos em co-autoria , excluindo um grupo misto de co-autores e cúmplices.
Comentando o preceito , a respeito do qual reina controvérsia interpretativa , quanto à forma de comparticipação , o Prof. Figueiredo Dias , in CCCP , pág., 36 , escreve , esclarecendo que o texto do art.º 132.º n.º 2 h) , do CP, no aspecto em que se reporta ao cometimento do facto “ juntamente com , pelo menos , duas pessoas “ , não prescinde de uma comparticipação criminosa em co-autoria , como no art.º 26 .º do CP , se define , isto numa visão harmónica e unitária do sistema , pois que o cúmplice não pratica o facto , não se intromete no processo executivo , apenas facilita o aproveitamento do resultado, é um “ auxiliator simplex “ ou “ causam non dans “ , sem ele o crime seria praticado , mas noutro contexto .
De todo o modo teoriza aí o Mestre que não é a comparticipação em si e por si mesma que constitui a pedra de toque para aferir daquela valoração estrutural do tipo, pois haverá que não perder de vista que se configura apenas se e quando ela determinar uma particular perigosidade do meio , no sentido amplo de “ situação “, ou seja uma consequente dificuldade particular da vitima em se defender na presença daquele concurso humano .
A Lei penal nos art.ºs 26 e 27 .º , do CP , distinguindo entre autor e participante ( instigador e cúmplice ), rejeita um conceito unitário de autor , reputando –o como a figura central do acontecimento típico .
Numa visão formal –objectiva de autor este é o que executa o facto , concepção imperfeita porque não soluciona o problema da responsabilidade penal na comparticipação criminosa; à luz de uma concepção subjectiva é autor o que assumir o propósito de se envolver como tal , quem detiver o “ animus auctoris “ , repousando no interesse em praticar o facto , deixando de fora todo o que não o tenha mas execute o facto , entendimento que vale, apenas , no seu aspecto teórico , pecando por imprecisão e , por isso , não seguida .
A construção doutrinária mais seguida é a que atribui ao autor o domínio funcional do facto , atribuída a Welzel , em 1939 , desenvolvida , depois , por Roxin , em 1963 , in Sobre a Autoria e a Participação no Direito Penal, in Problemas Actuais das Ciências Penais e a Filosofia do Direito Penal , 1984 , págs, 245 , 277 , e 452 a 454 ; o autor é o “ senhor “ do facto , aquele que tem o poder de avançar o facto para a lesão do bem jurídico previsto no tipo , ele tem o poder de provocar a agressão no interesse juridicamente tutelado ( domínio positivo ) , do mesmo facto que lhe assiste o poder de frustrar a lesão , dominando a consumação do acto ilícito ( domínio negativo ) ou na formulação de Bachmann , aquele que dispõe do poder de criar perigo de lesão de bens jurídicos ou de o evitar .
No caso do participante e , por via da acessoriedade limitada que o caracteriza , seja cúmplice ou instigador , para existir responsabilidade penal , é imperativo que haja um autor material que execute um facto ilícito, culposo ou doloso .
Em caso de co-autoria , segundo o art.º 26.º , do CP , o facto ilícito é imputado a uma pluralidade de agentes , agindo a coberto de um acordo , de um concerto de vontades para a execução do facto , formalizado previamente ou no momento da sua execução , expresso ou tácito , desde que à luz das regras da experiência seja de inferir dos factos materiais comprovados .
Desnecessário à configuração da co-autoria que o coautor pratique todo os factos integrantes da acção típica , pode ter o domínio de alguns deles , sob a forma de repartição de tarefas ( co-autoria complementar ) ou limitada a certo tipo de actos ( co-autoria dependente ) .
Ainda assim o co-autor tem domínio do facto, devido , segundo Roxin, à repartição de funções em que acordou com os seus comparsas , essencial à consumação do ilícito, mas podendo impedir a realização daquele omitindo o contributo que se propôs no plano concertado .
Na co-autoria , um autor age com e através de outro , pelo que são de imputar , como próprios , os contributos do outro para o facto , tal como se ele mesmo os tivesse praticado , na tese Baumann , de 1963 , defensor da chamada solução global , embora cada co-autor não seja instrumento do outro ou outros .
O co-autor não é contudo o titular exclusivo do domínio do facto , mas não domina, apenas , a parte do facto que pessoalmente lhe cabe realizar : cada co-autor é assim contitular funcional de todo o facto , na síntese de Roxin, continuando a teorização de Baumann , adoptada posteriormente , por Jesheck e StratenWerth , citados por Maria da Conceição Valdágua ,in da Tentativa do Co-Autor , págs . 82 e 83 , notas 144 a 148 .
A “ ratio “ da qualificativa , no segmento em causa , de alguma dificuldade de recorte , assenta , na desigualdade numérica do agressor ante a vítima , que , face àquela supremacia numérica , in casu pelo menos 3 pessoas na execução do crime , facilitada por isso , se vê , consequentemente , colocado numa situação de indefesa ou de maior dificuldade , exposto a um risco iminente, previsível e inevitável para a sua vida .
Comprovado se mostra , desde logo , que concorrem os pressupostos da co- autoria , pois que os três arguidos tomaram parte directa na execução dos crimes –art.º 26.º, do CP , distribuindo tarefas entre si , para garantirem o pleno sucesso do projecto de matar , de todos querido, conforme combinado , sendo potenciais alvos dele quem quer que se achasse na discoteca , pelo recurso a armas de fogo , a usar pelos arguidos AA e CC , incumbindo ao BB a função de vigiar , no exterior , mantendo-se ao volante do carro em que todos foram transportados , com as luzes acesas , motor a funcionar , em estacionamento em contra-mão , pronto para fuga do local .
O arguido AA , como o CC , ambos com o capuz do seu blusão, começou por disparar com a caçadeira contra o empregado da discoteca GG , que se achava no varandim do edifício da discoteca só o não atingindo porque se desviou da trajectória do tiro , mantendo-se aquele armado à entrada , ao nível do cimo das escadas de acesso à discoteca ( onde se achavam 8 pessoas ) bem como o CC , este na posição de impedir que m quisesse sair; o AA , de seguida , disparou daí contra o ofendido FF e , penetrando, depois , no interior, disparou a não mais de 2 metros de distância , um tiro de caçadeira contra o empregado OO , que matou, percorrendo , ainda , o interior da discoteca a fim de encontrar outras pessoas , que se haviam escapulido , e saciar a sua ira assassina.
Perante este quadro, o propósito inarredável que animava o grupo, a sua superioridade numérica, a forma organizada e a disposição no terreno do crime , num clima de surpresa e rapidez da acção , conferiam uma inegável vantagem aos arguidos , retirando qualquer hipótese de fuga e de defesa às vítimas .
O uso de meio gravemente perigoso , segmento da qualificativa , está associado à ideia de que ele revele “ uma perigosidade muito superior à normal nos meios usados para matar “ , comenta o Prof. Figueiredo Dias , in CCCP ,sob pena de, não se atentando na limitação legal a “ meio particularmente perigoso “ , se alargar o tipo , em violação clara do princípio da legalidade .
Uma caçadeira é sem dúvida um meio perigoso de agressão , e quando usada a curta distância ainda mais , sendo de uso frequente , porém não gera um “ efeito mortífero “ mais gravoso do que os usados naquela prática , como se decidiu nos ACs. deste STJ , entre outros , na mesma linha, de 4.5.2011 ,Rec.º n.º 1702/09 , 3.3.2010 , P.º n.º 242/08 , 14.5.2009 , P.º n.º 221 /08 e 3/7/ 2008 , citados in Código Penal , Parte Geral e Especial , por Miguez Garcia e Castela Rio , págs . 510 .
Este segmenta agravativo não tem lugar .
E quanto à prática de crime de perigo comum , o conceito , alvo de controvérsia , segundo o comentário de Miguez Garcia e Castela Rio , op. e loc. cit . , significa um meio tipificado no art.º 272 .º , do CP , atinente ao crime de incêndios , explosões e outras condutas especialmente perigosas , caracterizado por ameaçar uma pluralidade de bens jurídicos de um número indeterminado de pessoa s .
È decisivo que o autor além da vítima que quer ver morta , o seu “ animus “ se estenda , ainda , a um número indeterminado de pessoas , representando o seu uso um meio de perigo comum , na teorização de Silva Dias , também ali citado . A ligação entre este exemplo- padrão e o tipo de culpa agravado escreve o Prof. Figueiredo Dias , in op. e loc. cit. , deve fazer –se pela “ falta de escrúpulo “ revelada pelo agente do crime . O que caracteriza o crime de perigo comum e confere especial censurabilidade ao agente , é , nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário do Código Penal , a fls . 404 , aquele não se importar “ com o destino dos outros além da vítima do homicídio “ .
Para este autor , também com controvérsia, além dos crimes de perigo comum , previstos no CP nos art.ºs 272.º e segs. outros se podem ter como tal , designadamente o de porte ilegal de arma , p.e p . pelo art.º 86 , da Lei n.º 5/06 de 23/02, (com as alterações introduzidas pelas Leis 17/09 de 06/05, 12/11 de 27/04 e 50/13 de 24/07).
De ponderar que os arguidos AA e CC foram condenados como autores de um crime de detenção de arma proibida, p.p., pelo Artº 86 nº1 al. c) da Lei 5/06 de 23/02, (com as alterações introduzidas pelas Leis 17/09 de 06/05, 12/11 de 27/04 e 50/13 de 24/07), com referência ao Artº 3 nsº5 al. c) e 6 al. a), do mesmo diploma, cujas potencialidades letais todos os arguidos conheciam, bem sabendo todos , incluindo o arguido BB , que tais armas não estavam registadas, nem eram detentores de licença de uso ou porte .
O conceito de perigo comum é , como se vê, objecto de dúvidas e opiniões variadas , mas a ideia geral que lhe prescinde é a de que o agente não domina a expansão do perigo e que existe o risco sério de atingir um número indeterminado de pessoas e coisas .
Perigo comum tem a ver com a indeterminação do titular dos bens jurídicos ameaçados ; o acto é susceptível de atingir uma pluralidade de pessoas e não uma só ; o agente serve-se de um meio para apto à criação de perigo colectivo , comunitário até , por ex.º desencadeando forças naturais , a expansão do fogo , meios de poluição , os efeitos nefastos de uma derrocada , etc, etc , tal como comentam Miguez Garcia e Castela Rio , op. cit., pág. 1049.
Após o disparo contra o GG gerou-se o pânico nas cerca de oito pessoas que se encontravam nesse bar/discoteca, as quais rapidamente se refugiaram, umas na cozinha, outras nas casas de banho e outras atrás dos balcões, receosas de serem atingidas na sua integridade física .
E depois de ter atingido a vítima OO , o arguido AA percorreu todo o espaço interior do “...” até ao balcão existente no fundo do mesmo, tentou abrir, com um pé, a porta de emergência aí localizada, por onde supunha terem fugido os restantes funcionários do aludido bar/discoteca, designadamente os seus seguranças, e, nesse local, efectuou um novo disparo com a aludida espingarda caçadeira, desta feita direccionado para o tecto. De seguida, o arguido AA, fazendo o percurso inverso, dirigiu-se para junto do arguido CC, o qual permanecia, em missão de vigilância, junto da porta de entrada do espaço interior do referido estabelecimento, trocou a espingarda caçadeira que até então empunhava pela arma de fogo empunhada pelo arguido CC e voltou a entrar novamente naquele espaço, onde, com a arma que nesse momento envergava, efectuou mais um disparo e apontou a mesma arma na direcção do corpo da vítima OO, que ali jazia no chão, mas sem a disparar.
O perigo é o risco de dano , de lesão , criado pelo co- arguido AA , porque intentava matar quem se encontrasse na discoteca, procurando as pessoas no seu interior , armado com a caçadeira , pensamos que criou perigo a esse número de pessoas e , nessa medida , salvaguardando melhor entendimento, concorre o segmento da norma agravativa em referência.
************************* O arguido foi condenado na pena de 19 anos de prisão , numa moldura penal de 12 a 25 anos de prisão; o acréscimo demonstrado da agravante qualificativa destacadas do n.º 2 , h) do art.º 132.º , do CP , correspondente a um acréscimo de culpa , havendo de repercutir-se na fixação da justa medida concreta da pena ; uma pena que exceda o grau de culpa do agente é injustiça , mas aquela que é inferior não passa de inutilidade –Cfr. Ac. deste STJ , de 1.4.98, CJ, STJ , II , 175 e segs . Uma pena justa é , pois , uma pena merecida , procurada de modo justo , enquanto resposta comunitária sobre o condenado e consequência pedagógico-social sobre a própria colectividade ao ver restabelecida a eficácia da lei . O processo de determinação da medida da pena é um derivado puro da posição tomada pelo ordenamento jurídico-penal em matéria de sentido, limites e finalidade da aplicação das penas .
O legislador penal enunciou a filosofia , o quadro ideológico em que se move a finalidade das penas , enunciando-o no art.º 40.º , do CP , ditado pela protecção dos bens jurídicos e reinserção social do agente , se possível ; a protecção dos bens jurídicos ; a acção criminosa, pela ostracização ao direito e abalo à estabilização do sistema social e às expectativas dos cidadãos nas instituições , imprime a função da pena de restabelecer a confiança institucional e a fidelidade ao direito , no dizer de Luhmann, citado por Teresa Serra , op . cit., pág. 45 , nota 117. A finalidade da pena começou por ser obediente a uma concepção ético-retributiva , ligada à medida da culpa do infractor no CP de 18 86 , evoluindo na reforma de 1982 para uma concepção ético-preventiva da pena , como escreve Taipa de Carvalho , in Liber Discipulorum , Coimbra ED., 2003, pág. 317, 329 ,para na revisão do CP de 95 se centrar, numa mudança radical , numa concepção preventivo-ética , cabendo à pena a função de prevenção. E para este autor , na hierarquização entre a função preventivo-geral e especial , a primazia incumbe a esta última ; a prevenção geral só opera como limite mínimo da pena determinada pelo critério da prevenção especial . Assim também , por ex.º , entre nós , Lourenço Martins , para quem face ao equívoco preceito do art.º 40.º , do CP , clarificado e em conjugação com o art.º 71.º n.º 1 , do CP ao determinar expressamente que a pena é concretamente apurada em função da culpa e exigências de prevenção, deve assinalar-se à pena a função retributiva , a justa retribuição do mal causado , só depois se escalonando as funções preventivas e entre elas, e no topo , a especial, e só de seguida a prevenção geral , na esteira aliás de Zipf , figura de proa no direito alemão , de onde o nosso direito importou um vasto ideário –cfr. Medida da Pena , págs 491 e 492. Ao colocar-se o homem no centro do epifenómeno que é a fixação da pena , “ as considerações da prevenção especial precederão as de prevenção geral “ , são palavras suas, como num muito alargado leque de sistemas jurídico-penais se perfilha e segue . A nossa jurisprudência tem assinalado , “una voce “ , nesta ampla tarefa de fixação de medida da pena -muito longe de estar encerrada, ela é actual , e menos ainda de reunir consenso- a função prioritária da prevenção geral , reservando-se à culpa não só o fundamento punitivo , não pena sem culpa , como também a função de limite ; quaisquer que sejam as exigências de prevenção em caso algum a culpa pode ser excedida ; a culpa assume a função de antagonista da prevenção. Há assim como que uma moldura que fixa o limite inultrapassável da pena , definida pela culpa , enquanto juízo de censura , e , dentro dela actuantes as submolduras da prevenção geral e especial . A tarefa de fixação concreta da pena é uma tarefa complexiva porque se trata de converter em números, magnitudes , factos, com a marca penal, havendo uma medida óptima, de prevenção geral , de protecção dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias , podendo, contudo , descortinar-se abaixo desse ponto outros patamares , intervindo considerações particulares do agente ,de prevenção especial , assegurando ainda a tutela dos bens jurídicos , mas abaixo desse nível perfila-se um limiar mínimo abaixo do qual a sociedade não suportava a pena –cfr. Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime , pág. 229 . A culpa figura como limite máximo da pena ; a defesa da ordem jurídica o limite mínimo ( cfr. Paulo Pinto de Albuquerque , Comentário do Código Penal , pág. 202 , citando o Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime , págs . 227 a 231 e 244e 245 ) ; a sociedade aceita uma certa perda da eficácia da pena, mas assaca-lhe um limite incontornável, fazendo avultar, precisamente , o ideário de prevenção geral . Cabe à culpa a função de moldura de topo, de partida na vertente da formação da pena , dentro do qual operam considerações de prevenção geral negativa , de dissuasão de potenciais delinquentes no sentido de que o crime não compensa ,como ainda , de prevenção geral positiva , a finalidade principal da pena , de garantia das expectativas que os cidadãos esperam de protecção dos seus interesses , de tranquilidade , segurança e paz jurídica , como de prevenção especial , prevenindo a reincidência do agente .
A pena, agora dirigida ao agente , a uma finalidade particular , propõe-se levá-lo a interiorizar as consequências do crime , de modo a que o meio social retome o crédito perdido pela prática do delito , creditando-lhe confiança , crendo na sua mudança “ in mellius “ . E a consideração destes pontos determinam um papel importante na formulação última da pena , são o ponto de chegada no processo de formação , porque conduzem o julgador àquele ponto abaixo do qual a sociedade não tolera a punição, tendo em vista a sua reinserção . Intervêm, ainda, complementarmente circunstâncias que não fazendo parte do tipo , depõem a favor ou contra o arguido , como a intensidade do dolo ,o grau de ilicitude , os sentimentos revelados, os motivos ou fins do agente, as suas condições pessoais, a conduta anterior ou posterior ao crime e a capacidade do agente para manter conduta lícita-n.º 2-, com grande relevo na prevenção especial negativa, norteada para a inocuização da sua eventual reincidência e perigosidade.
O dolo , a vontade criminosa , a culpa , revelada pelo arguido, o juízo de reprovabilidade e de censura , é muito intensa ; o co- arguido BB , co-manifestou o propósito de matar os ocupantes da discoteca , mediante o uso de armas de fogo , projecto firme e inabalável, traçado , inicialmente , pelo co-arguido AA , mas a que , com o co-arguido CC , incondicionalmente , manifestou adesão , podendo , contudo , abandoná-lo , solicitando, como outros o haviam feito , saindo da viatura do AA. A ilicitude , enquanto desvalor da acção, pensada , de forma calculista , fria e insensível , de absoluto desprezo pelo valor da vida alheia , movido pelo sentimento desprezível de vingança , de “ ajuste de contas “ , acto absolutamente indiferente a bens ou valores jurídicos de dominância comunitária , desproporcionado e cego , sendo de levar em conta que foi correcto o comportamento das vítimas ao afastarem o arguido AA e o recorrente do interior e exterior da discoteca , e o desvalor do resultado, conducente à supressão do valor fundamental e irrepetível do direito à vida e essa tentativa noutros dois casos , culminando com a morte de um jovem , acrescido da tentativa de aquela causar em mais duas pessoas , originando ferimentos graves numa delas, é, igualmente , muito elevada .
O ora recorrente desempenhou , ainda , um papel relevante no êxito do “ ajuste de contas “ , pois enquanto perdurou a sua execução manteve-se em perfeita sintonia com os dois co-arguidos , pronto a põ-los a salvo de eventual perseguição , ao volante da viatura onde os recolheu , consumada . a retaliação . O seu procedimento no caso vertente denota especial censurabilidade , atenta a forma de realização especialmente desvantajosa , extremamente violenta dos crimes e má formação personalística , maus sentimentos , motivação cruel ,especial ausência de referência a bens ou valores jurídicos tão importantes como os lesados , em si e pelo seu número , não esquecendo no entanto a sua específica intervenção fora do núcleo duro do desenrolar da acção ( ao volante do carro ) por isso beneficiando do princípio da igualdade de tratamento entre os arguidos , forçando este à aplicação de pena diferenciada, no pressuposto da sua diferenciada comparticipação , por menor culpa , diferenciação de respeitar na co-autoria , onde os excessos do acordo só responsabilizam quem neles incorre-art.º 29.º , do CP .
Não desprezíveis na graduação da pena as muito sentidas necessidades de prevenção geral , atenta a prática frequente entre nós , neste momento , de crimes graves contra as pessoas , cabendo aqui ter presente que Portugal é um dos países europeus que , segundo estatística da Organização das Nações Unidas , apresenta uma maior taxa de homicídios por 100.000 habitantes .
O grau de violação do valor da vida humana assume, pois , uma recorrência bem mais significativa do que a apregoada .
E isso postula uma forma firme na forma de intimidação em geral , de dissuasão de potenciais delinquentes , como de afirmação da validade da lei em vista da protecção das expectativas comunitárias em sede de direitos fundamentais, face ao aumento da violência contra as pessoas, aligeirando-se o valor da vida humana , geradora de insegurança e alarme social . A banalização do valor da vida e inerente respeito , sob pena da mais completa perversão social , combate-se e afirma-se fazendo intervir com o vigor adequado os órgãos a quem cumpre essa missão , relegada os tribunais . Ao nível do arguido a pena há-de funcionar como forma de incutir –lhe o respeito pelas regras de convivência comunitária , sem risco de voltar a hostilizar o tecido social , prevenindo a sua reincidência , assegurar que a sua ressocialização , passando pela sua emenda cívica, se processará em termos de educação para o direito , de compreensão do seu erro e que nada-nem ninguém - beneficia com o afrontamento à lei , sobretudo quanto os valores jurídicos afectados assumem a dignidade e importância , como é timbre do direito à vida .
O arguido , que aceita a qualificação jurídico-penal dos factos , intenta demonstrar que não foi tomado em consideração na sentença , um quadro atenuativo provado em seu favor , designadamente o ser primário , não ter outros processos pendentes, sempre ter trabalhado, ter 22 anos na data dos factos estar integrado do ponto de vista familiar, sendo considerado e estimado e demonstra capacidade para retomar actividade profissional , ter colaborado para a descoberta da verdade material e a sua concreta participação nos factos delituosos.
O tribunal na formação da pena, nos termos do art.º 71.º n.º 2 , do CP , tomará em apreço as circunstâncias que não fazendo parte do tipo , depuserem a favor ou contra o arguido, substanciadas no ponto de facto n.º 93 , considerando-se , no plano atenuativo , favorecente do recorrente, que é primário , tinha 22 anos na data dos factos , aos 18 anos iniciou o seu percurso laboral na área de mecânica de automóveis e mais tarde, mudou para a área da electricidade de alta e baixa tensão, ingressando numa empresa, onde obteve formação e foi credenciado para exercer a profissão. Em Junho de 2013 ficou sem emprego, com atribuição do respectivo subsídio no valor de € 470,00.--- À data dos factos o arguido residia com os pais e encontrava-se desempregado.
Este o quadro , e só , foi o considerado pelo Tribunal , como benéfico ao arguido , sem embargo de ser primário não significa bom comportamento anterior , ter trabalhado é uma sua obrigação , não se provando que seja estimado no seu meio constando , no entanto , e só, mas na motivação , ter revelado os factos da rixa , da posse de armas , ida ao bar pela segunda vez , e da sua presença no exterior ao volante do carro onde se puseram , depois , todos em fuga , factos igualmente relatados em julgamento pelos restantes dois arguido , por isso que sem o peso para reduzir a pena parcelar pelo homicídio qualificado pela agravante da al.h) , do n.º 2 , do art. º 132.º , do CP , nos termos dos art.ºs 40.º e 71 .º , do CP , ao “ quantum “ pretendido ( de 14 anos de prisão ) que estaria longe de satisfazer os fins das penas , porém fazendo relevar a sua idade , de jovem de 22 anos , adicionadamente àquela revelação factual , parcimoniosamente frutífera , julga-se mais justa e equitativa , a pena parcelar de 17 ( dezassete ) anos , inteiramente, conforme aos parâmetros da culpa e prevenção , e por isso se altera .
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Na determinação da medida concreta da pena de conjunto –art.º 77.º n.º 1 , do CP -são levados em conta ,os factos em conjunto e a personalidade do agente , porém afastando que o agente seja punido em função de um somatório achado materialmente de penas , numa visão puramente aritmética , matematizada , própria da mera acumulação de penas , de que se dissocia , já o dissemos , o legislador apontando para uma forma mais elaborada , dando atenção àquele conjunto , erigindo uma dimensão penal nova fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado , no dizer do Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português , As Consequências Jurídicas do Crime , págs . 290 -292 ; cfr. , ainda , os Acs . deste STJ , in P.ºs n.º s 776/06 , de 19.4.06 e 474/06 , este daquela data , levando –se em conta exigências gerais de culpa e de prevenção , tanto geral , como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente ou seja exigências de prevenção especial de socialização . Imprescindível na valoração global dos factos , para fins de determinação da pena de concurso , é analisar se entre eles existe conexão entre eles e qual o seu tipo ; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa , a uma “ carreira “ criminosa , dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes , meramente acidentes de percurso ,que toleram intervenção punitiva de menor vigor , expressão de uma pluriocasionalidade , sem radicar na personalidade , tendo presente o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro –Prof. Figueiredo Dias , op. cit . § 421 . Quer dizer que se procede a uma reconstrução da sanção , descendo o julgador do aspecto parcelar penal para se centrar num olhar conjunto para a globalidade dos factos e sobre a relação que tem com a sua personalidade enquanto suporte daquele conjunto de manifestações que exprimem a sua relação com o dever de qualquer ser para com a ordem estabelecida , enquanto repositório de bens ou valores de índole jurídica , normativamente imperativos .
A avaliação da personalidade é de feição unitária , conceptualmente como um todo referível a uma unidade delituosa e não mecânicamente por uma adição criminosa , mas essa realidade de novo nascente “ não apaga a pluralidade de ilícitos antes a converte numa nova conexão de sentido (…) . A esse novo ilícito corresponderá uma nova culpa , que continua a ser a culpa pelo facto , mas agora pelos factos em relação , a final a avaliação conjunta dos factos e da personalidade de que fala o CP “ , cfr. Cristina Líbano Monteiro , in a pena unitária do concurso de crimes , RPCC, Ano 16 , Janeiro -Março , 2006 , 164 . A pena de conjunto , nos termos do art.º 77.º n.ºs 1 e 2 , do CP , não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível , segundo Iescheck, RPCC,Ano XVI ,155 antes repousando numa valoração global dos factos , representativos , em termos de avaliação da personalidade , pura manifestação estrutural dela ou de uma mera pluriocasionalidade , dissociada de uma “ carreira “ criminosa ou uma propensão que aquela exacerba. Na operação de fixação da pena , tanto parcelar como de conjunto , o juiz, escreve Iesheck , in Derecho Penal , pág. 1192 , Vol. II, goza na sua determinação de uma certa margem de liberdade individual, não sindicável , é certo , não podendo , no entanto , esquecer-se que ela é, e nem podia deixar de o ser , estruturalmente aplicação do direito . Essa margem de discricionaridade , escreve aquele penalista , op . e loc. citados, no que não se mostra positivado na lei , e por isso , não plenamente controlável de um modo racional, colhe justificação já que se trata de converter as múltiplas vertentes da formação da pena em “ magnitudes penais “, porém fora disso o direito penal moderno fornece regras centrais para a determinação da pena . A tarefa de fixação da pena deixou de ser uma “ arte “ do julgador , para , em essência , ser uma função vinculada por meio da qual se exerce a função jurisdicional, reflectindo a soberania do Estado , que não consente que a pena seja alvo de escolha , tanto pelo condenado como pelo Tribunal ( cfr. André Lamas Leite, A Suspensão da Execução da Pena , Studia Jurídica, 2009 , Ad Honorem , pág. 591 .
A pena de conjunto , nos termos do art.º 77.º n.ºs 1 e 2 , do CP , não prefigura uma simples elevação esquemática ou arbitrária das penas do quadro punitivo em presença, uma estatuição mecânica , uma compressão no conjunto , em forma de fracção aritmética, antes segundo Iescheck, RPCC, Ano XVI ,155 implicando uma valoração global dos factos , representativos , em termos de avaliação da personalidade , de pura manifestação estrutural dela ou de uma acidentalidade no “ iter “ vital . Para a definição da personalidade do agente importa , pois , averiguar se os factos evidenciam conexão entre eles , espácio-temporalmente limitada , ou , pelo contrário, espelham uma tendência criminosa, arrastada temporalmente , incapaz de sustentar um juízo de prognose favorável pela sua reiteração , gravidade , modo de execução e demais circunstâncias que avolumam o grau de reprovação.
De grande relevo é , na doutrina do Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português , As Consequências Jurídicas do Crime ,pág.291, a influência da análise do previsível efeito da pena sob o comportamento futuro do agente e em geral .
A pena de cúmulo terá como limite mínimo a parcelar mais alta aplicada de 17 anos , sendo o soma material das penas concretamente aplicadas de 27 anos , (17+6+4 ) reduzida a 25, por força da redução legal –art.º 77.º n.º 1, do CP .
Nessa medida , tendo em apreço o muito intenso grau de dolo , traduzido no acordo em tirar a vida a quem permanecesse no interior da discoteca, o grau de violação de lei manifestado , que culminou com a morte de um jovem, ferimentos com gravidade noutro e ainda no disparo contra outro empregado da discoteca , só não o atingindo porque se desviou da trajectória do tiro , os péssimos sentimentos revelados , de vingança , de ajuste de contas , após a saída forçada , mas sem violência pelo pessoal da discoteca , com o que põe em evidência um profundo desprezo pela vida alheia , além de frieza e insensibilidade de personalidade , a carecer de educação para o direito e futura fidelização ao normativismo instituído para tranquilidade da comunidade , que não tolera tão grave ofensa à lei , revelando um muito elevado grau de ilicitude, tudo a reclamar intervenção firme dos Tribunais em moldes de garantes de que as expectativas comunitárias contra o facto criminoso não saem frustradas .
De certo que se não vislumbra uma personalidade propensa para o crime , sendo ele acontecimento acidental no percurso vital , todavia fazendo intervir as necessidades muito sentidas de prevenção geral , de contenção criminosa em geral , e particular , especial , agora por forma a prevenir a reincidência do arguido , que nada justifica que se afirmem de média grandeza , antes muito sentidas , também , pois que a morte de outrém e a ostensiva ofensa à lei , não dispensam o fazer passar o agente pela interiorização dos muito graves resultados dos crimes , que uma sã consciência liminarmente rejeitaria .
Termos em que se condena , em cúmulo , na pena de concurso de 19 ( dezanove ) anos de prisão , que abrange as parcelares de 17 , 6 e 4 anos de prisão , revogando-se , em parte , o acórdão da Relação .
Concede-se, em parte , provimento ao recurso .
Sem taxa de justiça . Lisboa, 30 de Março de 2016
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