Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98P745
Nº Convencional: JSTJ00034906
Relator: FLORES RIBEIRO
Descritores: ROUBO
CONSUMAÇÃO
Nº do Documento: SJ199811110007453
Data do Acordão: 11/11/1998
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N481 ANO1998 PAG135
Tribunal Recurso: T CIRC ANADIA
Processo no Tribunal Recurso: 94/97
Data: 02/18/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS / CRIM C/PATRIMÓNIO.
Legislação Nacional: CP95 ARTIGO 210 N1.
Sumário : Perante uma situação de facto traduzida em os agentes delituosos solicitarem a um funcionário de uma bomba de gasolina que encha o depósito da viatura e, após este cheio, fugirem sem satisfazerem o respectivo pagamento, não sem antes terem agredido o aludido funcionário (configurativa de crime de roubo previsto no artigo 210, n. 1, do C.Penal), tem de entender-se que o ilícito se consuma não no momento em que se pede o fornecimento de gasolina mas sim na altura em que a relação contratual, até então levada a cabo sob o signo da confiança por parte do funcionário, é quebrada com a agressão a este e consequente (e subsequente) fuga sem satisfação do pagamento devido.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1. Subsecção Criminal:

No Tribunal de Círculo de Anadia responderam, em processo comum e perante o Tribunal Colectivo, os arguidos A e B, ambos com os sinais dos autos, a quem o Ministério Público, na sua acusação, imputou a prática, em co-autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210 n. 1 do Código Penal.
Realizada a audiência de julgamento, veio o Tribunal Colectivo, em face de prova produzida, a julgar a acusação procedente por provada e assim condenou cada um dos arguidos pela prática do referido crime na pena de 20 meses de prisão.
Com o assim decidido não se conformou o arguido B e daí o ter interposto o presente recurso. E da motivação apresentada, extraiu as seguintes conclusões:
1. Nunca o arguido poderia ter sido condenado como co-autor de crime de roubo, previsto e punido no artigo 210 n. 1 do Código Penal, visto que a matéria de facto provada não preenche o tipo legal.
2. Desde logo, não se verifica o elemento típico da subtracção, pois o ofendido C não foi constrangido pelo arguido a proceder ao abastecimento do depósito do veículo, visto tê-lo feito voluntariamente, livre de qualquer constrangimento.
3. Caso se entenda que o elemento típico da subtracção se encontra preenchido, coloca-se o problema de saber se a violência/agressão de que o ofendido foi vítima teve como objectivo a subtracção da coisa móvel.
4. Para que essa violência fosse considerada como elemento típico do crime, seria necessário que fosse praticada antes ou durante a execução da subtracção.
5. Não é o que acontece, pois a agressão foi posterior à execução da subtracção (a ter esta existido, o que só em absurdo se admite).
6. O Tribunal "a quo" entendeu ambos os elementos legais do tipo mencionado supra, fazendo, no nosso entender, e salvo o devido respeito, que é muito, uma interpretação pouco correcta da norma plasmada no artigo 210 do citado diploma legal.
7. Consideram os Meritíssimos Juízes "a quo" que a agressão de que foi vítima o C foi meio para atingir o crime-fim-furto. Porém, tal agressão não foi contemporânea nem anterior à eventual subtracção, mas sim posterior, como desde logo resulta da matéria dada como provada no artigo 4 do douto acórdão recorrido.
8. A eventual condenação do arguido como co-autor de um crime de ofensas à integridade física ("... tendo-o agredido com uma forte bofetada no pescoço") dependeria da individualização do autor material de tal agressão, uma vez que, segundo as regras da experiência, não é possível que duas pessoas desfiram uma única bofetada.
9. Assim, e de acordo com o artigo 410 n. 2 alínea a) do Código de Processo Penal estamos perante uma clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
10. Na nossa modesta opinião, a matéria dada como provada não preenche o tipo legal de qualquer crime contra o património.
O douto acórdão recorrido violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 1 n. 1 e 210 n. 1, do Código Penal.
Deve assim o recorrente ser absolvido ou ordenada a repetição do julgamento.
Nos termos do n. 1 do artigo 434 do Código de Processo Penal requereu a produção por escrito das alegações.
Respondeu doutamente o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público pugnando pela manutenção do decidido.
Neste Supremo Tribunal o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos e foi proferido despacho preliminar, em que se fixou prazo para as requeridas alegações escritas.
Apenas o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto alegou, defendendo doutamente a decisão recorrida.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
É a seguinte a matéria de facto dada como provada:
1. No dia 4 de Agosto de 1996, pelas 22h45m no lugar da Malaposta, desta comarca, os arguidos faziam-se transportar num veículo automóvel de marca Peugeot 405, cor creme.
2. Naquela localidade os arguidos pararam o referido veículo no posto de abastecimento de combustíveis da GALP, pertencente à firma Alves Barbosa e Automóveis Limitada e disseram ao funcionário que ali prestava serviço, D que enchesse o depósito de gasolina.
3. O C assim fez, colocando no depósito do veículo 65,4 litros de gasolina no valor global de 10699 escudos.
4. Quando este terminava tal operação os arguidos saíram do veículo e aproximaram-se por trás de si, tendo-o agredido com uma forte bofetada no pescoço.
5. Ao ver-se assim agredido e temendo pela sua integridade física, o C fugiu do local atravessando a E.N. n. 1 a correr.
6. Entretanto os arguidos puseram-se em fuga, apropriando-se do combustível colocado no depósito do veículo, que não pagaram, bem sabendo que o mesmo lhes não pertencia e que agiram contra a vontade e em prejuízo do seu dono.
7. Os arguidos agiram voluntária e conscientemente bem sabendo ser proibida a sua conduta agindo em comunhão de esforços e de acordo com um plano previamente combinado.
8. Os arguidos já responderam e foram condenados conforme consta dos seus registos criminais. São ambos solteiros.
Dispõe o artigo 433 do Código de Processo Penal que, sem prejuízo do disposto no artigo 410 ns. 2 e 3, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.
É pacífica a jurisprudência deste S.T.J. no sentido de que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação.
Estatui o n. 1 do artigo 210 do Código Penal: "Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo eminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido...".
A primeira questão que se impõe resolver é a de saber em que momento é que o crime de roubo se deve considerar consumado: se no momento em que se pede ao funcionário da gasolineira que encha o depósito com gasolina, ou se no momento em que, cheio o depósito, os arguidos fogem sem pagar, não sem antes terem agredido o dito funcionário.
Não há dúvida que no caso dos autos o crime consuma-se após o depósito ficar atestado de gasolina. Até este momento, tudo se processa, formalmente, de maneira correcta: para-se o veículo, pede-se gasolina, pedido que é atendido. Só que na mente dos arguidos há a intenção de não vir a pagar o fornecimento do produto, há a de fugir logo após o depósito atestado. E como meio de levar a cabo a fuga, os arguidos lançam mão de uma agressão ao funcionário.
Quer dizer: a subtracção não ocorre no momento em que se pede o fornecimento de gasolina, mas sim na altura em que a relação contratual, até então levada a cabo sob o signo da confiança por parte do funcionário, é quebrada com a agressão a este e consequente fuga, sem pagar.
É nesta ocasião que se dá a subtracção, para a qual se torna necessária a agressão como meio de melhor se atingir o fim em vista. É no momento de fuga que a intenção de se apropriar ilegitimamente da gasolina fornecida se manifesta plenamente.
Em sentido semelhante se pronunciou já a Relação de Coimbra, no seu acórdão de 23 de Março de 1988, no B.M.J. 375, página 455, relativamente ao crime de furto: "Integra um crime de furto a conduta do arguido que conduz o seu carro até junto de uma bomba de gasolina, diz ao empregado para meter certa importância de gasolina e, quando já foi colocado o combustível no depósito do veículo e neste aplicado o respectivo tampão, se afasta com o automóvel, pondo-se em fuga, com intenção de se apropriar do dito combustível sem pagar o seu preço".
É também o caso referido, a título de exemplo, pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, nas suas doutas alegações escritas: alguém que vai a um supermercado, se fornece por si próprio, do produto e se retira sem pagar.
A circunstância de certo produto estar à venda - podendo o artigo ser tirado livremente pelo comprador, ou entregue pelo empregado - não impede que o crime de furto se possa vir a verificar. Basta que saia do estabelecimento sem pagar.
Se é assim para o crime de furto, nada impede que o mesmo se diga quanto ao crime de roubo: basta que, para não efectuar o pagamento, o agente use de violência contra o empregado.
Falece, assim, por inteiro razão ao recorrente nas primeiras sete conclusões.
Também carece de fundamento a conclusão oitava, que, aliás, está prejudicada pela posição assumida em relação às anteriores conclusões.
Tendo presente o disposto no artigo 26 do Código Penal, dir-se-á que é essencial à existência da co-autoria a decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de certo resultado e uma execução igualmente conjunta, ainda que parcial dos factos - veja-se o facto n. 7. Daí que se apresente despida de qualquer interesse a questão de saber quem agrediu o empregado da bomba.
E de tudo quanto fica exposto, não se pode deixar de concluir que os factos dados como provados são suficientes para justificar a decisão proferida, pelo que, não se verificando o vício previsto na alínea a) do n. 2, do artigo 410 do Código de Processo Penal, caiem pela base as conclusões 9. e 10..
Neste termos, negam provimento ao recurso.
Vai o recorrente condenado em 8 Ucs de taxa de justiça, com 1/4 de procuradoria. Fixa-se os honorários à Excelentíssima defensora oficiosa em 15000 escudos.
Lisboa, 11 de Novembro de 1998.
Flores Ribeiro,
Brito Câmara,
Pires Salpico,
Martins Ramires. (dispensei o visto)
Tribunal de Círculo de Anadia - Processo n. 94/97 de 18 de Fevereiro de 1998.