Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
540/2001.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARTINS DE SOUSA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
CASA DE HABITAÇÃO
DEFEITOS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
RESSARCIMENTO
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I - A aplicação analógica à responsabilidade contratual do princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, expresso no capítulo da responsabilidade extracontratual, há-de justificar-se pela necessidade de proteger de forma igual os contraentes que forem vítimas da inexecução contratual, igualmente, carecidos de tutela quando as consequências resultantes dessa inexecução assumirem gravidade bastante.

II - Neste sentido deve ser feita a leitura dos arts. 798.º e 804.º, n.º 1, do CC, que, ao aludirem à reparação do prejuízo e à ressarcibilidade dos danos causados ao credor, não fazem qualquer distinção entre uma e outra categoria de danos ou a restringem aos danos patrimoniais.

III - O dano que releva, segundo o art. 496.º do CC, é aquele que, pela sua gravidade, merece a tutela do direito e o montante ressarcitório que lhe há-de corresponder deve ser encontrado por recurso a critérios de equidade.

IV - Como se escreveu em acórdão deste tribunal dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania que ultrapassa as fronteiras da banalidade”, um dano que, segundo as regras da experiência e do bom senso, “se torna inexigível em termos de resignação”.

V - Resultando comprometidas, durante oito anos, a habitabilidade e conforto da habitação nova que os autores haviam adquirido em consequência de humidades, fissuras nas paredes e pavimentos, estragos na pintura interior e exterior, infiltrações de água da chuva que, nomeadamente, inviabilizaram a utilização de um quarto, não será necessário sequer o recurso à presunção natural para se afirmar que a situação descrita tem contornos de melindre e incomodidade que qualificam a gravidade do dano sofrido e obrigam à sua ressarcibilidade.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

   

I.

AA e BB intentaram a presente acção declarativa de condenação contra CC-C... L..., Filhos e Genro, Ldª e DD, formulando, em regime de cumulação, pedidos, a titulo principal, de correcção de defeitos que descriminaram e de conclusão do imóvel e, a título subsidiário, de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, estes “em valor a determinar pelo sábio e prudente arbítrio deste Tribunal”.

Alegaram para tanto ser proprietários da moradia composta por rés-do-chão e dois andares que adquiriram à 1ª Ré, pelo preço de 25 000 000$00 (vinte e cinco milhões de escudos), por escritura pública de compra e venda, celebrada no dia 4 de Dezembro de 1997, que aquela edificou em propriedade que já era sua; a 2ª Ré foi a autora do respectivo projecto de arquitectura e declarou-se ainda responsável pela execução daquela moradia, tendo declarado assumir a responsabilidade pela execução e direcção da obra de construção do mesmo edifício; sucede que alguns dos trabalhos ainda não estão concluídos e em inícios de 2000 tornaram-se visíveis vários defeitos, nomeadamente tijoleiras partidas, humidade num quarto e a tinta exterior a lascar; a partir de Dezembro de 2000 tornaram-se visíveis defeitos graves de construção, tais como fissuração em elementos resistentes e em outros que descriminam; desde Janeiro de 2000 que os AA. não podem utilizar um dos quartos, onde a cortina ficou destruída, andam sempre com receio que a casa caia e apesar de a 1.ª Ré já ter sido notificada para reparar os defeitos, não o fez.

A 1ª Ré contestou, invocando factos integradores da caducidade do direito dos AA., alegou ainda, a ilegitimidade da 2ª R. e impugnou a matéria alegada pelos AA.

Houve réplica, após o que processo foi saneado e condensado.

Em articulado superveniente as RR alegaram que tomaram conhecimento de que os AA., em Novembro de 2005, haviam alienado o imóvel em causa, pedindo a absolvição da instância por ilegitimidade dos AA. .

Os AA. responderam, admitindo a venda, mas sustentando que continuam a ter interesse na acção.

O referido articulado, porém, não foi admitido, por intempestivo.

Procedeu-se ao julgamento e veio a ser proferida sentença que julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide quanto a alguns dos pedidos formulados e improcedentes os demais.

Inconformados, dela interpuseram recurso os AA. e a Relação do Porto, por acórdão, julgou a apelação parcialmente procedente e alterou a sentença, condenando, apenas, a Ré CC, Filho e Genro, Lda a pagar aos AA., a quantia de dez mil euros (€ 10 000,00), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, sobre os quais incidirão juros de mora à taxa legal, desde o trânsito em julgado do mesmo acórdão.

Desta feita, foi a vez de a Ré, inconformada, recorrer de revista para este Supremo Tribunal e, no termo de sua alegação, enuncia as conclusões seguintes:

1) O douto acórdão ora recorrido viola o disposto nos artigos 496° do CC, bem como o disposto no art. 471°, n° 1 do CPC em conjugação com o art. 569° do CC;

2) De facto, apesar de não ser exigível pela conjugação de tais disposições legais a indicação do valor dos danos, não deixa de ser exigível a alegação dos factos que revelem a existência e extensão dos mesmos;

3) Dos factos dados como provados apenas consta na alínea 18 que "os AA se sentiram receosos e inquietos com toda a situação descrita";

4) Facto que adveio do quesitado no art. 28° da Base Instrutória;

5) Este quesito resultou do alegado na PI nos artigos 43° e 44°;

6) Os alegados danos morais invocados pelos AA. apenas se circunscrevem ao medo, receio e inquietação de que uma das partes do prédio caia;

7) Facto que não foi dado como provado e constante dos quesitos 22 a 27 da Base Instrutória;

8) Não há qualquer outra referência a danos morais sofridos pelos AA. quer na PI, quer nos factos provados resultantes da discussão da matéria de facto;

9) É assim insuficiente a matéria alegada e provada relativa aos danos morais sofridos pelos AA para permitir a condenação agora colocada em crise;

10) Sendo àquele que invoca um direito que cabe o ónus de alegar os factos constitutivos desse mesmo direito, não podendo ser o Tribunal a substituir-se às partes nessa matéria;

11) Em relação às considerações do TRP cumpre dizer que em relação à impossibilidade de utilização do quarto, os AA. apenas alegam factos atinentes ao ressarcimento de danos patrimoniais e constantes do pedido formulado sob a alínea F;

12) Nada do restante foi alegado pelos AA como susceptível de lhes ter causado danos morais;

13) E atento o alegado na PI e quesitado sob o art. 28°, não podemos concordar que o pedido dos AA sob a al. H tenha a ver com danos advenientes de toda a situação verificada na casa, porquanto em relação a esta apenas alegam factos atinentes ao ressarcimento de danos patrimoniais;

14) De facto, como já exposto é bem patente que a situação de medo, receio e inquietação dos A A advinha dos factos dados como não provados e quesitados sob os art°s 22° a 27° da Base Instrutória;

15) E em relação a danos não alegados não podem os RR ser condenados.

Sem prescindir,

16) O montante fixado a título indemnizatório é manifestamente exagerado.

17) A indemnização a fixar com base em juízo de equidade do Tribunal deverá ter em conta a situação sócio económica do lesado e do agente, o grau de culpa deste e as demais circunstâncias do caso.

18) Ora, não existem elementos em todo o processado que permitam sustentar o valor fixado pelo tribunal "a quo", tendo a mesma sido arbitrada em clara violação do disposto no art. 496° do CC.

19) De facto, os AA adquiriram o prédio em 1997 pelo preço, declarado na escritura pública que se junta como Doc. 1 e já constante dos autos como Doc. 3 junto com a PI, de treze milhões de escudos, o equivalente a sessenta e quatro mil oitocentos e quarenta e três euros e setenta e três cêntimos.

20) Venderam o imóvel em 2005 pelo preço, declarado na escritura pública que se junta como doc.2 e já junto aos autos com o requerimento dos AA de resposta ao articulado superveniente dos AA, de cento e vinte e quatro mil e setecentos euros.

21) Tendo obtido ganho significativo com a referida transacção.

22) Ganho significativo ainda que se considere que a aquisição do prédio foi por valor superior ao declarado na escritura porquanto, sendo esse o caso, obtiveram os AA. proveito pelo não pagamento dos impostos devidos e não pagos referentes à diferença do preço declarado e o preço efectivo.

23) A situação financeira da R. não foi tida em conta, sendo facto notório a crise financeira que ocorre actualmente nas empresas que se dedicam à construção civil.

24) Assim, ainda que se entenda que deverá ser fixada indemnização a favor dos AA, deverá a mesma ser reduzida para um valor menor que não deverá ultrapassar os mil euros, atendendo ao ora exposto.

Nestes termos e nos melhores de direito deve ser concedido total provimento ao e, em consequência revogar-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da relação do Porto, mantendo-se a decisão proferida em primeira instância.

Na sua contra-alegação os AA. pugnam pela manutenção do decidido no acórdão recorrido.

Foram colhidos os vistos legais e, ora, cumpre decidir.

O objecto  da revista versa a questão da subsistência da condenação da Ré no pagamento aos AA de indemnização de €10.000,00, a título de danos não patrimoniais.

 

II.

A - Deram as instâncias por provados os seguintes factos:

1) - Os AA. são os únicos e exclusivos proprietários de uma moradia composta por rés-do-chão e dois andares com a superfície coberta de 87, 50 m2; s.d. 143, 50 m2, situada no lugar de C..., da freguesia de D..., concelho de Tarouca, a confrontar do norte com caminho, sul com EE, nascente com lote ... e poente com lote ..., descrito na CRP de Tarouca, sob o art.º ..., com o valor patrimonial de 4.860.00$00;

2) - O imóvel identificado no número anterior foi adquirido à 1ª Ré, pelo preço de 25 000 000$00 (vinte e cinco milhões de escudos) através de escritura pública de compra e venda, celebrada no passado dia quatro de Dezembro de mil novecentos e noventa e sete, no Cartório Notarial, exarada de fls. oitenta e oito a folhas oitenta e nove do livro de notas para escrituras diversas numero sessenta e dois B do mesmo Cartório;

3) - Por sua vez, a anterior propriedade da 1ª Ré resultou da circunstância de ter sido a mesma que apresentou o projecto na Câmara Municipal de Tarouca, com recursos materiais e humanos da própria 1ª Ré edificou a moradia tal como se encontra hoje, em propriedade que já era da mesma, pelo facto de a ter adquirido a EE e mulher;

4) - A 2ª Ré foi a autora do respectivo projecto de arquitectura tendo declarado para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 6º do Dec. Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro que o projecto de arquitectura relativo ao prédio dos autores, observa as normas técnicas gerais e específicas de construção, bem como as disposições legais e regulamentares aplicáveis a cada um dos projectos apresentados, nos termos do n.º4 do art.º 14 designadamente do P.D.M.;

5) - A 2ª Ré declarou-se ainda responsável pela execução daquela moradia, tendo declarado assumir a responsabilidade pela execução e direcção da obra de construção do mesmo edifício;

6) - Uma inexistente ventilação das quatro casas de banho da moradia (uma no armazém, uma no 1º andar e duas no 2º andar) a existência de paredes exteriores com fortes condensações, também prejudicam a utilização normal da habitação;

7) - Nenhuma das instalações sanitárias apresenta qualquer tipo de ventilação, ao contrário do que consta das peças desempenhadas no projecto;

8 ) - Aquando da propositura da acção, na obra em causa:

        - A parede por baixo da escada que liga o caminho público ao 1º andar da moradia não se encontrava rebocado em cerca de 1,5m2 e pintado em cerca de 9m2;

         - Não existia qualquer forno nem churrasqueira nas traseiras da vivenda;

         - Existiam duas garrafas de gás próximas de um quadro eléctrico;

         - A drenagem das águas residuais domésticas era feita para uma fossa localizada num terreno nas traseiras do loteamento.

9) - Em data não concretamente apurada, mas posteriormente à data referida em 2), no imóvel em causa:

         - Nos dois quartos do alçado principal existia forte humidade por força da entrada de água através da fissuração existente na envolvente exterior e ao nível daquele piso;

         - Num quarto do alçado posterior existia alguma humidade junto do peitoril da janela;

         - O aro da porta do mesmo despregou do cimento e não permitia que a porta fechasse;

         - Interiormente a pintura num quarto situado no 2º andar e nas zonas fissuras e com humidade, encontrava-se a lascar;

         - Exteriormente existia um descasque de tinta, com maior incidência na zona de uns dos quartos virados para o alçado principal e algum descasque no alçado posterior ao nível da parede da cozinha;

         - Existem duas fissuras longitudinais no pavimento da sala e uma no pavimento do hall e ao longo destas fissuras a tijoleira encontra-se partida;

         - Existe fissuração em paredes e pavimentos;

         - Nas lajes de pavimento, constituídas por vigotas pré-esforçadas e lâmina de compressão, verifica-se a existência de fissuração longitudinal entre a vigota e o bloco de enchimento (tijoleira) na parte inferior do mesmo e ao nível do reboco e ainda fissuração longitudinal na zona superior (chão da sala e hall de entrada) ao nível da camada de enchimento (zona não resistente);

10) - A moradia apresenta fissuração com algum significado em rebocos e paredes, causadores de infiltrações de água da chuva no interior da mesma;

11) - A fissuração existente compromete a durabilidade do prédio por força da entrada de água da envolvente exterior danificando rebocos e pinturas;

12) - É também visível uma fissuração exterior, a toda a altura, na parede das traseiras da moradia;

13) - A fissuração excessiva em elementos não resistentes encontra-se dispersa com grande intensidade ao longo das paredes interiores, bem como nas alvenarias exteriores da varanda do 1º piso;

14) - Em consequência das humidades, os AA não utilizaram, pelo menos, um dos quartos;

15) - A deformação da laje é responsável, em grande medida, pelo aparecimento de fissuração entre a laje e a parede divisória da laje contínua ao lanço de escadas que estabelece a comunicação entre o 1º e 2º andar;

16) - A deformação da laje é responsável, em grande medida, pelo aparecimento de fissuração na parede divisória situada por baixo do lanço de escadas que estabelece a comunicação entre o 1º e 2º andar;

17) - A moradia dos AA. apresentava as condições de habitabilidade e conforto comprometidas;

18) - Os AA. sentiram-se receosos e inquietos com toda a situação descrita;

19) - Existe alguma deficiência nos revestimentos de alguns mosaicos do chão das escadas que dão acesso do caminho público para o 1º andar e que num dos espelhos dos degraus da escada exterior de acesso existem escorrências;

20) - O chão da garagem, próximo da entrada de veículos, apresenta alguma irregularidade que permite uma deficiência na drenagem o que sucede igualmente com o pavimento das traseiras da vivenda, próximo de uma caixa de recepção de águas pluviais.

21) - O que consta do teor dos documentos de fls. 30 e 31 (doc.5) e fls. 33 (doc. 6), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;

22) - A 1ª Ré, em data não concretamente apurada, se dispôs a efectuar nova pintura;

23) - Da planta não consta a existência de qualquer WC na garagem, as apenas lavandaria;

24) - Foi construído um quarto de banho na garagem;

25) -Se a fissuração for a nível de reboco a reparação é facilmente executada;

26) - Os AA. utilizam a garagem como armazém de secagem de fumeiros e aí instalaram câmaras frigoríficas para armazenar tais artigos e queijos;

27) - Para aceder à garagem os AA. chegaram a utilizar veículos pesados para fazer carregamentos ou descarregamentos;

28) - A 1ª Ré voltou a pintar o exterior das vivendas à excepção da dos AA., que a tal se opuseram.

B – Como no breve relatório que encima o aresto se refere, vicissitude surpreendente ocorreu na fase crucial do percurso da acção que lhe alterou o figurino e baralhou a solução dos múltiplos pedidos conexos que nela haviam sido formulados pelos AA. Na verdade, com a venda do imóvel em litígio a terceiros por banda daqueles e sem a habilitação de seus actuais proprietários, desde logo a apreciação dos pedidos principais foi inviabilizada e por arrastamento ou por falta de prova vieram a ser esvaziados, nas instâncias, os pedidos subsidiários daqueles.

Restou apenas  o pedido relativo aos danos não patrimoniais que o tribunal recorrido considerou pertinente, fixando tais danos na quantia de €10.000,00 (dez mil euros).

Na revista, a sua autora aceita, na segunda das conclusões que enuncia, a formulação genérica de tal pedido (daí que se não entenda a inclusão nas normas violadas dos artº471º do CPC e 569º do CC…), mas questiona a verificação de matéria de facto provada que lhe sirva de suporte e, em ultima análise, o seu montante que considera exagerado.

Vejamos:

Deu-se guarida, no acórdão recorrido, à orientação segundo a qual o princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais do artº496º do CC, se não limita à responsabilidade extracontratual, antes se estende, também, ao domínio da responsabilidade contratual.

Nada a opor, pois, salvo o devido respeito, são de natureza meramente formal os argumentos que sustentam o contrário, filiados, ora, em razões de ordem sistemática pela colocação daquele normativo no Código, ora em factores de insegurança que se introduziriam no comércio jurídico ( cfr A. Varela, Das Obrigações em Geral, II, 2ª ed, 102, Código Civil Anotado, II, 4º ed, 53 e Ac STJ de 30.09.1997, CJ (STJ), ano V, t 3, 37 e ss).

Na verdade, como já antes do actual Código Civil, maioritariamente, se entendia, a aplicação analógica à responsabilidade contratual daquele princípio expresso no capítulo da responsabilidade extracontratual há-de justificar-se pela necessidade de proteger de forma igual os contraentes que forem vítimas da inexecução contratual, igualmente, carecidos de tutela quando as consequências resultantes dessa inexecução assumirem gravidade bastante.

Como escreveu Vaz Serra “ se o direito não deve tutelar somente os interesses económicos, mas, também, os espirituais , dos homens, é razoável que o dano não patrimonial, derivado da inexecução de uma obrigação, seja susceptível de satisfação, tal como o dano patrimonial que dela, eventualmente, resulte” (BMJ, 83º, 102 e ss).  

Esta conclusão resulta, aliás, na opinião da maioria, da leitura dos artº798º e 804º,1 do CC que, ao aludirem à reparação do prejuízo e à ressarcibilidade dos danos causados ao credor, não fazem qualquer distinção entre uma e outra categoria de danos ou a restringem aos danos patrimoniais (cfr., além da Vaz Serra, Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3ª ed, 339 e ss. e A. Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, nota 77 da pág 31 e na jurisprudência deste Tribunal, entre outros os Acórdãos de 30.01.1981, BMJ, 303º, 216 e 2 17, 9.12.1993, CJ (STJ)1993, t 3, 174, 25.11.1997, CJ (STJ) 1997, t 3, 140 de 20.01.2008, pº07A4154, desta secção e de 21.05.2009, pº 08B1356, in base de dados do ITIJ).

Relevante e decisivo, portanto, segundo esta última orientação, seria adoptar critério “assente na apreciação da gravidade dos danos não patrimoniais …o travão mais indicado para se combater o perigo da extensão da obrigação de indemnização e para atenuar o inconveniente da perturbação do comércio jurídico” ( cfr A. Pinto Monteiro, na supra citada nota, pág 34).

A responsabilidade contratual que fundamentará a indemnização por danos deste tipo supõe o incumprimento da obrigação, a culpa, o prejuízo e o nexo causal.

Qualificaram as instâncias com acerto o contrato, celebrado entre os AA. e a 1.ª Ré, mediante o qual aqueles adquiriram a esta o prédio identificado nos autos, como um contrato de compra e venda respeitante a um imóvel de longa duração, sendo o vendedor o construtor do mesmo. Consideraram verificados, por outro lado, vícios de construção e defeitos da responsabilidade do construtor.

Este cumprimento defeituoso da obrigação implica responsabilidade contratual com consequências variadas que, pela queda dos pedidos a que se fez referência, não importam, ora, para aqui, e, além delas, o dever de indemnizar todos os danos que aquela prestação defeituosa tenha causado (artº798º do CC).

Sendo de presumir, também, e face ao disposto no artº799º,1 do CC que a Ré agiu com culpa, constata-se que, entre incumprimento e o dano apurado, subsiste ainda o necessário nexo de causalidade.

Sem prejuízo, no entanto, não se pode falar em responsabilidade civil

É corrente afirmar-se que os prejuízos não patrimoniais são aqueles que se verificam em relação a interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária, interesses de ordem espiritual (Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 373 e ss).

Por outro lado, o dano que releva, segundo o já referenciado artº496º, é aquele que, pela sua gravidade, merece a tutela do direito e o montante ressarcitório que lhe há-de corresponder deve ser encontrado por recurso a critérios de equidade, nos termos do nº3 deste último dispositivo, entrando-se em linha de conta com a gravidade do dano, o grau de culpa do agente, a situação económica de lesante e lesado, bem como outras circunstâncias que forem pertinentes – cfr o artº494º do mesmo Código – o que segundo alguns atesta o cariz punitivo  de tais danos, estabelecido no interesse da vítima – cfr Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 299.

A apreciação da gravidade dos danos desta natureza reclama o recurso a “um critério o mais objectivo possível e em que o juiz se possa desprender da atribuição de reparações a casos em que o sofrimento ou a dor dependam, exclusivamente, de sensibilidades particularmente requintadas, portanto, anormais” (cfr Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, I,491).

Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal e secção, de 25.05.2007, pº nº07A1187 ( base de dados do ITIJ), “dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade de uma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação” – ac. de 5/6/79, CJ IV, 3, 892

De relevante, nesta matéria, segundo a Recorrente, provou-se que os AA. sentiram-se receosos e inquietos com toda a situação descrita e deste facto residual que teria por referência apenas o medo dos AA de que a casa caísse, retira ela uma primeira conclusão de que essa matéria seria insuficiente para justificar a indemnização.

Sabe-se que, quanto à extensão do dano, por integrar pura matéria de facto, ela é de exclusiva competência das instâncias; já o seu apuramento e fixação da respectiva compensação cabe nos poderes deste Supremo Tribunal pois se situa no campo da questão de direito.

Ora - e citando o acórdão recorrido - “tendo comprado uma habitação nova, os AA. viram a mesma invadida pelas humidades, fissurada nas paredes e pavimentos, o aro de uma porta  descolado, não permitindo que a mesma fechasse, pintura a lascar, interior e exteriormente, infiltrações de água da chuva, comprometimento da durabilidade do prédio por via da fissuração, impossibilidade de utilização de um quarto, condições de habitabilidade e conforto comprometidas, sofreram de um sentimento de inquietação e receio por toda a situação verificada no prédio…” – não será necessário sequer o recurso à presunção natural para se afirmar que a situação descrita tem contornos de melindre e incomodidade que qualificam a  gravidade do dano sofrido e obrigam à sua ressarcibilidade.

Tendo por referência o acórdão deste Supremo Tribunal de 21.05.2009, pº08A1356, 7ª secção(in base de dados do ITIJ), com contornos muito próximos do caso em análise, fixou-se, no acórdão sob recurso, em €10.000 a respectiva indemnização, ponderando-se, como ali se fizera, além do tempo decorrido, desde a denúncia dos defeitos e a inutilização de parte da residência, a circunstância de a Ré se não ter prestado a corrigir defeitos que reconhecera.

Desconsidera a Recorrente aquele montante, mas limita-se a alegar que a situação de crise económica que assola o sector da construção justifica a sua diminuição. Esta é matéria que não está demonstrada, pelo menos quanto aos seus reflexos sobre a condição da Recorrente, e devia-o estar, pois, não se afigura que a natureza da reparação dos danos não patrimoniais (compensatio) ou o critério de sua atribuição (a equidade), de algum modo, se ajuste à possibilidade de serem os lesados a sofrer as consequência das “crises de sectores”.

Em suma, crê-se ser razoável, face aos factores que a influenciaram (de que se salienta os oito anos de conflito e padecimento moral que os autos atestam), a indemnização fixada no acórdão recorrido, improcedendo, em consequência, a crítica de que foi alvo, na revista.

III.

Nestes termos, em conformidade com o exposto, nega-se provimento à revista, devendo manter-se, integralmente, o acórdão recorrido.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2012.

                                                         

Martins de Sousa (Relator)


Gabriel Catarino


Sebastião Póvoas