Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | SALVADOR DA COSTA | ||
Descritores: | CÔNJUGE SEPARAÇÃO DE FACTO ALIMENTOS ÓNUS DA PROVA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
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Data do Acordão: | 05/07/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | REVISTA PARCIAL | ||
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Sumário : | 1. O dever de assistência entre cônjuges separados de facto compreende a prestação de alimentos por aquele que não prove não lhe ser imputável a separação. 2. Não tendo o réu provado que lhe não era imputável a separação de facto, procede contra ele a pretensão de alimentos formulada pela autora que demonstrou, além do casamento e da separação de facto, a sua necessidade de alimentos e a possibilidade de o primeiro lhos prest tratar de matéria de natureza processual, insusceptível de recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, não pode este Tribunal conhecer no recurso de revista do acórdão da Relação na parte em que manteve a condenação pelo tribunal da 1ª instância no pagamento de multa por litigância de má fé. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA intentou, no dia 9 de Outubro de 2007, contra BB, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação no pagamento da prestação de alimentos no valor mensal de € 750. Invocou o casamento com o réu, o abandono por este do lar conjugal no dia 2 de Agosto de 2006, a sua não convivência desde então como marido e mulher, a não contribuição para a economia doméstica, com excepção do pagamento da prestação correspondente ao empréstimo bancário que lhes foi concedido pela entidade patronal relativa à casa de morada de família, não ter qualquer rendimento que lhe permita fazer face às despesas normais com a satisfação das necessidades básicas de sobrevivência, ao contrário do réu que aufere, além do mais, € 3 900 mensais. O réu, em contestação, afirmou auferir € 1 442 mensais líquidos, suportar as suas despesas pessoais e o pagamento das dívidas comuns do casal, não poder custear encargos de alimentos da autora, não gastar esta mais de € 500 mensais, ter meios que lhe permitem custear esse encargo, ter vendido um prédio misto, ficando com € 15 000, residir numa vivenda com mais de 150 metros quadrados, não ter necessidade desse espaço, podendo vendê-la com encaixe financeiro que lhe permitia desafogo até ao fim da vida, e ser dona de um veículo automóvel com a matrícula nº ..-..-.., ser pessoa válida que não encontrou emprego porque não o procurou, e ela replicou nos termos do que afirmara na petição inicial. Seleccionada a matéria de facto assente e controvertida e elaborada a especificação e o questionário na audiência preliminar, o réu, no dia 22 de Janeiro de 2008, apresentou articulado superveniente, que foi admitido, onde referiu que a autora aluga quartos a terceiros do que recebe contrapartida monetária. A autora respondeu, afirmando a extemporaneidade do articulado superveniente, pugnando pela sua rejeição, e explicando ter dado abrigo provisório a um jovem, amigo do filho do casal, que ajuda no pagamento das despesas fixas da casa com € 170 mensais, e agravou do despacho que admitiu aquele articulado. Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 22 de Abril de 2008, por via da qual o réu foi condenado a pagar à autora a quantia mensal de € 450 desde Novembro de 2007, actualizável anualmente segundo a taxa oficial de inflação, deduzidos os alimentos pagos a título provisório, e a autora no pagamento da multa correspondente a duas unidades de conta, por litigância de má fé. Apelaram a autora e o réu, aquela impugnando também a decisão da matéria de facto, e a Relação, por acórdão proferido no dia 9 de Dezembro de 2008, por um lado, negou provimento ao recurso de agravo interposto pela primeira relativo à admissão do articulado superveniente. E, por outro, dando parcial provimento ao recurso de apelação interposto pelo réu, fixou a prestação alimentar por ele devida à autora no montante de € 300 mensais, e julgou improcedente o recurso de apelação interposto pela última, salvo quanto à rectificação do termo alugar pela expressão cedia a utilização de um quarto mediante uma contrapartida monetária. Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o cônjuge obrigado a alimentos, enquanto se mantiver o casamento, apesar da separação de facto, deve assegurar ao outro o indispensável ao sustento, habitação e vestuário e o mais que integre o nível de vida correspondente à condição económica e social da respectiva família; - o critério mais adequado ao apuramento da condição económica e do rendimento do casal exige que se relacionem os factos provados, dos quais, resulta que a recorrente e o recorrido tinham uma condição social e nível de vida muito acima da média das famílias portuguesas, suportados por rendimentos fixos no valor de € 3 900 mensais ilíquidos; - tendo em conta os gastos mensais do recorrido, ele tem condições económicas para pagar a prestação alimentar de € 750 mensais à recorrente, ainda insuficiente para satisfazer as suas necessidades e manter o trem de vida correspondente à situação adquirida com o casamento e a vivência comum, não se verificando desproporção face aos meios do obrigado, que se manterá numa situação superior à da recorrente, considerando os encargos mensais de ambos; - a conduta processual da recorrente não viola princípios ou os deveres processuais de colaboração ou o da boa fé, não houve dolo, e dos elementos do processo não constam indícios seguros e firmes de que a sua actuação deva ser classificada de negligência grosseira, pelo que não estão preenchidos os pressupostos legais da referida condenação; - o acórdão recorrido violou, por interpretação e aplicação deficiente, os artigos 1675º, 2003º, 2004º, 2015º e 2016º do Código Civil e 456º do Código de Processo Civil, pelo que a recorrida deve ser absolvida daquela condenação e o recorrente condenado no pagamento da prestação alimentar mensal de € 750. Respondeu o recorrido, em síntese de conclusão de alegação: - não está provado que a recorrente não tem meios para custear os seus alimentos, e o facto de ter deixado de receber subsídio de desemprego não revela que os não tenha, antes ficou assente que ela tinha rendimentos prediais mensais regulares, e, pelo menos, 14 000 em dinheiro; - o trem de vida do recorrido não sofreu diferença depois da saída de casa, pelo que apenas terá de se ponderar a diferença de € 132 mensais quanto ao rendimento da recorrente derivado do subsídio de desemprego e do arrendamento de um quarto; - não ficou provado que a separação conjugal durante dois meses correspondesse a uma definitiva ruptura da relação conjugal, nem que tivesse deixado de suportar as despesas dela ou comuns que antes suportava, e o recorrido continuou a suportar as despesas de habitação e saúde dela; - o recorrente apenas poderá ser condenado a suportar a parte das despesas que ela não pode suportar por força da diminuição dos seus rendimentos acima indicada, e ficou demonstrado que ela recebe, pelo rendimento de um bem comum, € 150 mensais e uma botija mensal de gás com o valor de € 20, e que gasta a quantia mensal de € 208; - não se sabe o montante das despesas da recorrente com a habitação, o cabeleireiro, os detergentes, a higiene pessoal e o vestuário, mas será de € 100, dado que recebia subsídio de desemprego de € 302 mensais e conseguia fazer face às despesas acima indicadas; - como a recorrente não provou ter gasto a referida quantia de € 14 000, não pode receber outra a título de pensão de alimentos - os gastos da recorrente são de € 308 mensais, os seus rendimentos de € 170 mensais, mas recebeu € 14 000 da venda do imóvel comum, que em primeira linha devem servir para o pagamento das suas despesas; - o recorrido fica com a quantia mensal líquida de cerca de € 1000 para fazer face às suas despesas e pagar a pensão à recorrente, e, como trabalha fora de casa, gasta dinheiro em almoços durante a semana e nas refeições ao fim de semana, paga as suas despesas de saúde e as da recorrente, e as da sua higiene pessoal; - tendo a sentença do tribunal da primeira instância entendido que a recorrente não trabalha e não tem despesas com a habitação e saúde e precisa de € 600 para o seu sustento, não se pode presumir precisar o recorrido de menos, porque tem de se alimentar fora, deslocar-se para o emprego e manter lá apresentação digna; - face aos condicionalismos da sua vida pessoal e profissional, sempre precisará de gastar, pelo menos, mais vinte por cento do que a recorrente em alimentação, transportes e vestuário, o que atingiria € 720 e que lhe deixaria apenas € 280 para pagar a pensão; - a fixação da pensão mensal de € 300 é ajustada face às necessidades da recorrente e ao rendimento do recorrido; - a recorrente sempre negou em juízo que tivesse rendimentos de qualquer natureza, o que obrigou o recorrido a fazer investigações e a produzir prova e articulados suplementares, o que consubstancia grave litigância de má fé, pelo que deve ser negado provimento ao recurso. II É a seguinte a factualidade considerada assente no acórdão recorrido, inserida segundo a sua ordem lógica e cronológica: 1. A autora, que nasceu no dia 7 de Julho de 1955, e o réu, que é funcionário do Banco de Portugal, casaram sem convenção antenupcial em 16 de Abril de 1977, e tinham a casa de morada da família na Rua ............., nº .., Vila da Caparica, Caparica, onde viveram em comum até 2 de Agosto de 2006, data em que o réu saiu de casa e não voltou a conviver com a autora como marido e mulher. 2. O réu tem procedido ao pagamento da prestação correspondente ao empréstimo bancário que lhes foi concedido pela sua entidade patronal, relativa à habitação própria onde tinham constituído a casa de morada da família. 3. Durante o mês de Agosto de 2006, o réu enviou alguns víveres por intermédio do filho do casal, CC que vivia com a autora, e algum dinheiro para despesas com medicamentos, gás e outras necessidades do dia-a-dia e fez alguns carregamentos de baixo valor do telemóvel dela. 4. No dia 27 de Junho de 2007, o réu mandou carregar na residência da autora um cabaz de alimentos, no valor de € 234, 77, do qual faziam parte produtos de consumo imediato e outros de consumo dilatado no tempo, muitos deles em quantidades desajustadas à gestão equilibrada das compras e hábitos de consumo. 5. Em 31 de Agosto de 2007, o réu mandou entregar à autora um cabaz de alimentos, com composição semelhante ao anterior, mais reduzido, no valor de cerca de € 133. 6. No âmbito do processo de alimentos provisórios o réu e a autora, em 4 de Outubro de 2007, acordaram – acordo homologado por sentença – fixar em € 250 a prestação de alimentos devida à última pelo primeiro. 7. A autora está desempregada há mais de três anos, e, entre 10 de Agosto de 2004 e 9 de Fevereiro de 2007, período de 900 dias, recebeu o subsídio diário de € 10,20. 8. A autora necessita de tratamento com os medicamentos Remeron, Cipralex, Unilan, Dogmatil e Omeprazol, que adquire, em regra, com a comparticipação dos Serviços de Assistência Medico Social, de que o réu é beneficiário. 9. Diariamente, há vários anos, a autora toma café/lanche diário, gastando cerca de € 90 mensais, e em média mensal, com o fornecimento de água, cerca de € 20, com o fornecimento de electricidade, cerca de € 30, com o fornecimento de serviços de televisão, cerca de € 23, com a aquisição de gás para consumo doméstico cerca de € 20, e com a utilização do telemóvel, € 25. 10. Ela necessita do telemóvel porque mora numa zona muito isolada e precisa de contactar pessoas amigas e familiares, e de se deslocar às consultas médicas em Lisboa, fazer compras, passear e visitar amigos e familiares, custando o seu passe social cerca de € 40,25. 11. Gasta por mês com a sua alimentação, adquirindo os alimentos conforme é seu hábito e era do agregado familiar antes da separação do casal, em detergentes para a roupa/louça e produtos de limpeza para a casa, em produtos de higiene pessoal, no cabeleireiro para pintar o cabelo uma vez e levar/pentear quatro vezes, e anualmente com calçar e vestir - Inverno/Verão - e em consumo de artigos/produtos de maquilhagem e colónia. 12. Enquanto viviam juntos, a autora comprava todos os bens supra referidos sem restrição apresentava-se publicamente de forma esmerada. 13. O réu é técnico assessor do Banco de Portugal e era remunerado, em Maio de 2007, pelo Grupo I, Nível salarial 14, grau 15 da Tabela Salarial e Cláusulas de Expressão Pecuniária, tendo auferido no ano de 2006, o rendimento global de € 45,306,45. 14. No dia 8 de Maio de 2007, a autora e o réu alienaram uma quinta e segunda habitação, e ele tem em seu poder o veículo automóvel marca Honda, matrícula ..-..-.., adquirido em Janeiro de 2006, no qual se desloca diariamente. 15. Em 15 de Maio de 2007, o réu entregou à autora, em mão, com vista à dissolução do casamento de ambos por acordo, o escrito que consta a folhas 28 dos autos de alimentos provisórios, onde se propôs pagar à autora, a título de alimentos, € 500, anualmente actualizável na percentagem do aumento salarial que ele tivesse como empregado do Banco de Portugal, e a pagar a prestação mensal ao Banco referente ao empréstimo contraído para aquisição da habitação. 16. Pela alienação do imóvel a que se alude em 11, a autora recebeu cerca de € 14 000, e reside numa moradia com mais de 150 metros quadrados, com 9 divisões, 2 casas de banho e garagem. 17. Ao serviço do Banco de Portugal, o réu auferiu, no mês de Maio de 2007, a remuneração mensal líquida de € 1 442, vive provisoriamente em casa de seus pais, paga à Cofidis a quantia mensal de € 250 referente a dois empréstimos pessoais contraídos pelo casal para aquisição de equipamentos e electrodomésticos que se encontram na casa que a autora ocupa. 18. O réu paga ao Banco Bilbao e Viscaia, SA € 175,88 mensais referentes a um empréstimo pessoal contraído pelo casal para aquisição do veículo automóvel referido em 14, e gasta com os seus almoços durante a semana e com os jantares e refeições ao fim de semana, e com a sua saúde e a da autora, na parte não comparticipada, tal como com a sua higiene pessoal. 19. O veículo automóvel com a matrícula nº ..-..-.. era usado pelo filho mais novo do casal, e está parado, sem qualquer uso, à porta de casa onde a autora reside. 20. A autora, desde Agosto de 2007, cede a utilização de um quarto, mediante contrapartida monetária de € 150 e de uma botija de gás no valor de cerca de € 20, a um jovem, amigo do filho do casal. III As questões essenciais decidendas são as de saber se a recorrente tem ou não o direito de impor ao recorrido o pagamento mensal da pensão alimentícia correspondente a € 750, e se deve ou não manter-se a decisão das instâncias da sua condenação no pagamento de multa por litigância de má fé. Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pela recorrente e pelo recorrido, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - regime processual aplicável ao recurso; - delimitação negativa do objecto do recurso quanto à litigância de má fé; - o dever de assistência entre cônjuges separados de facto; - tem ou não a recorrente o direito de exigir alimentos ao recorrido? - âmbito quantitativo e qualitativo dos referidos alimentos; Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões 1. Comecemos por uma breve referência ao regime processual aplicável ao recurso. Como a acção foi intentada no dia 9 de Outubro de 2007, ao recurso não é aplicável o regime processual decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto. É-lhe aplicável o regime anterior ao implementado pelo referido Decreto-Lei (artigo 11º e 12º). 2. Continuemos, ora com a delimitação negativa do objecto do recurso. Neste ponto, importa determinar se este Tribunal pode ou não conhecer da legalidade ou não do acórdão da Relação que manteve a condenação da recorrente no tribunal da 1ª instância por litigância de má fé no pagamento da multa de € 192, correspondente ao valor de duas unidades de conta. Tal decisão fui fundada na afirmação da recorrente de não ter rendimentos de qualquer natureza, e ter ficado provado que ela cedia, a um amigo do filho do casal, a utilização de um quarto por € 150 e uma botija de gás com o valor de cerca de € 20. O recurso próprio da decisão sobre a matéria da litigância de má fé é, naturalmente, de agravo, além do mais, porque só pode estar em causa a violação da lei de processo (artigos 691º, 733º e 740º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil). Como estamos no caso vertente perante um segundo grau de recurso, é inaplicável na espécie o disposto no nº 3 do artigo 456º do Código de Processo Civil, segundo o qual, relativamente à decisão que condene por litigância de má fé, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível um grau de recurso. Expressa a lei que, sendo o recurso de revista o próprio, pode o recorrente alegar, além da violação da lei substantiva, a violação da lei de processo, quando desta for admitido recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil, de modo a interpor do mesmo acórdão um mesmo recurso (artigo 722º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Trata-se do princípio designado da unidade ou absorção, em que o recurso de revista, em razão do seu objecto essencial relativo à violação de normas jurídicas substantivas, arrasta para a sua órbita o conhecimento da violação de normas jurídicas adjectivas, próprio do recurso de agravo. Todavia, para o efeito, exige a lei, como condição do conhecimento da violação de normas jurídicas processuais, que a decisão da Relação sobre essa matéria seja impugnável nos termos do n.º 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil. A este propósito, estabelece a lei, por um lado, ser admissível recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de que seja admissível recurso, salvo nos casos em que couber revista ou apelação (artigo 754º, nº 1, do Código de Processo Civil). E, por outro, não ser admissível recurso de agravo do acórdão da Relação sobre a decisão da 1ª instância, salvo se estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B, jurisprudência com ele conforme (artigo 754º, nº 2, do Código de Processo Civil). Ora, estamos no caso vertente perante um segmento decisório de um acórdão da Relação que conheceu de um segmento decisório da sentença proferida no tribunal da 1ª instância que condenou a recorrente no pagamento de multa por litigância de má fé. O referido segmento decisório não se integra na excepção à proibição da admissibilidade de recurso a que se reporta o nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil. Em consequência, não pode este Tribunal, no recurso de revista, em matéria de natureza processual, conhecer da parte da decisão proferida pela Relação de manutenção da parte da sentença proferida no tribunal da 1ª instância relativa à condenação da recorrente no pagamento de multa e indemnização por litigância de má fé. 3. Prossigamos, agora com a análise do dever de assistência entre cônjuges separados de facto. A recorrente e o recorrido são casados um com outro segundo o regime de comunhão de adquiridos desde 16 de Abril de 1977, e deixaram de viver em comum no dia 2 de Agosto de 2006, data em que o último saiu de casa e não voltou a conviver com a primeira como marido e mulher. Dado o referido circunstancialismo de modo e de tempo, não se trata de separação de facto meramente transitória e acidental, mas de carácter duradouro, o que dispensa a análise especial do dever de cooperação, e impõe a do dever de assistência, a que se reporta o artigo 1675º do Código Civil. A lei prevê, pois, no nº 1 daquele artigo, o dever de assistência conjugal, que compreende a obrigação de prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar (nº 1). Abrange a assistência material a que cada um dos cônjuges se encontra vinculado perante o outro, ou seja, a obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar, que vivendo em comum, engloba a vertente obrigacional de prestar alimentos. No caso de separação de facto, como ocorre no caso vertente, há autonomia da obrigação de prestação de alimentos a cargo de um dos cônjuges no confronto do outro. Com efeito, resulta do nº 2 do mencionado artigo que o dever de assistência se mantém durante a separação de facto que não seja imputável a qualquer dos cônjuges, e do nº 3, que se ela for imputável a um ou a ambos, o dever de assistência só incumbe, em princípio, ao único ou principal culpado; mas o tribunal pode, excepcionalmente e por motivos de equidade, impor esse dever ao cônjuge inocente ou menos culpado, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração que o outro cônjuge tenha prestado à economia do casal. Assim, se a separação de facto apenas for imputável a um dos cônjuges, a regra é no sentido de que só ele deve prestar alimentos ao outro, e se for imputável a ambos, só é obrigado a prestá-los ao menos culpado o principal culpado. Por alimentos entende-se, em regra, a tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, e deverão ser fixados de acordo com as possibilidades do obrigado e com as necessidades do titular do direito (artigos 2003º, n.º 1 e 2004º, n.º 1, do Código Civil). Todavia, no caso dos cônjuges, dada a situação social e económica decorrente do próprio casamento, a obrigação alimentar no âmbito da separação conjugal de facto envolve a tendencial e tanto quanto possível aproximação ao nível social, económico e de dignidade existente antes da suspensão da sociedade conjugal. De qualquer modo, na fixação dos alimentos, determina a lei que se deve atender à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência (artigo 2004º, nº 2, do Código Civil). 4. Vejamos agora se a recorrente tem ou não o direito de exigir alimentos ao recorrido. Sabe-se que a recorrente e o recorrido vivem em situação de separação de facto na sequência da saída do último da casa conjugal, mas ignora-se, em termos de violação de deveres conjugais, qual deles lhe deu origem. Cabia à recorrente o ónus de alegação e de prova dos factos relativos ao casamento, à separação de facto, à sua necessidade de que o recorrido lhe preste alimentos e à possibilidade dele de lhos prestar (artigos 342º, nº 1, do Código Civil e 264º, nº 1, do Código de Processo Civil). A recorrente logrou provar os referidos factos, mas não que a separação de facto em causa é imputável ao recorrido. Todavia, resulta do nº 2 do artigo 1675º que o dever de assistência conjugal se mantém durante a separação de facto não imputável a qualquer dos cônjuges (artigo 1675º, nº 2, do Código Civil). Em consequência incumbia ao recorrido, demandado na acção, o ónus de alegação e de prova desse facto negativo impeditivo de a separação de facto em causa lhe não ser imputável (artigo 342º, nº 2, do Código Civil). Não tendo logrado provar o mencionado facto, suporta o recorrido a consequência de se dever considerar que lhe é imputável a separação de facto decorrente da sua saída da casa de morada de família (artigo 516º do Código de Processo Civil). Em consequência, tem a recorrente direito a exigir do recorrido a prestação de alimentos. 5. Atentemos, ora, na medida da prestação alimentar a que a recorrente tem direito no confronto do recorrido. No tribunal da primeira instância, com base nos factos provados, foi fixada ao ora recorrido a obrigação de prestar alimentos à recorrente no montante mensal de € 600, € 150 relativos à necessidade de assegura o padrão de vida criado pelo casamento. A Relação, confrontando os factos relativos às necessidades da recorrente e às possibilidades do recorrido, fixou a referida prestação alimentar devida pelo último à primeira em metade do valor fixado pelo tribunal da primeira instância, ou seja, no montante de € 300 mensais. O critério nesta matéria é, conforme já se referiu, no sentido de a prestação alimentar devida pelo recorrido à recorrente dever ter essencialmente em conta as necessidades da última e a possibilidade do primeiro. O nível sócio económico do recorrido e da recorrente, no âmbito da respectiva sociedade conjugal, superava a média das famílias portuguesas, certo que dispunham de casa própria de muitos cómodos, veículo automóvel, segunda casa de habitação, além de o primeiro dispor de assaz positiva posição profissional. Conforme resulta de II 3 a 6, no ano que decorreu entre Agosto de 2006 e Agosto de 2007, na sequência da saída do recorrido da casa de morada de família, recorrente suportou uma situação económica assaz deficiente, que o último procurou superar por via da sua contribuição em espécie. E só a partir do mês de Outubro de 2007, no âmbito do procedimento relativo aos alimentos provisórios, é que a recorrente passou a dispor de prestação de alimentos pelo recorrido no montante de € 250. No que concerne às necessidades da recorrente, importa ter em linha de conta que tinha 52 anos de idade ao tempo da propositura da acção, que está desempregada, já não percebe subsídio de desemprego, vive na casa do casal de dimensões que excedem as suas necessidades e que aufere € 170 mensais e uma botija de gás com o valor de € 20 pela cedência de um quarto a um jovem amigo do filho dela e do recorrido. Ela reside numa zona isolada, nada se sabe sobre a sua possibilidade de conseguir emprego remunerado, precisa de se deslocar em transportes colectivos, e de contactar com outrem por via telefónica. A circunstância de a recorrente ficar a viver na casa de morada de família, na sequência de o recorrido dela ter saído, não a pode desfavorecer no plano da sua necessidade de alimentos, certo que nada se sabe sobre a possibilidade da sua alienação ou inserção no mercado de arrendamento. A manutenção da casa do casal onde ela vive, de extensão que supera manifestamente as suas necessidades de habitação, envolve-lhe o gasto médio mensal de € 93. Não retira qualquer utilidade do veículo automóvel do casal que está estacionado à porta da sua casa de residência. Despende mensalmente, com o passe social € 40,25, com o telemóvel € 25, com o lanche cerca de € 90 com o cabeleireiro € 56, com o calçado e vestuário € 31,25, e em maquilhagem e colónia € 14,17. Faz despesas com medicamentos, alimentação, detergentes e produtos de higiene pessoal, cujo valor não foi apurado. As referidas despesas não se revelam desconformes com a sua condição social e económica decorrente do casamento com o recorrido, funcionário do Banco de Portugal, tendo em conta o rendimento e o património de ambos. Acresce ter recebido € 14 000 pela alienação de um prédio do casal ocorrida por escritura celebrada cinco meses antes da instauração da acção, mas ignora-se se todo esse valor foi recebido na altura da compra e venda ou se dele dispõe no todo ou em parte, tendo em conta a sua situação de insuficiência económica a que acima se fez referência. O recorrido, por seu turno, vive provisoriamente em casa de seus pais, tem um vencimento mensal no valor de cerca de € 1.442,50, paga as prestações relativos ao contrato de mútuo bancário com a aquisição da casa de morada de família, cujo valor se ignora, e as prestações de dois contratos de mútuo contraídos pelo casal no valor de € 425,88. Além disso, suporta o pagamento da sua alimentação, do seu vestuário, dos encargos com a sua higiene pessoal e com a saúde dele e da recorrente, cujo valor não foi apurado. Perante este quadro de facto, ponderando as necessidades da recorrente e as possibilidades financeiras do recorrido, decorrentes da sua situação profissional e pessoal, por referência à data da propositura da acção, usando de um juízo de proporcionalidade, julga-se adequado fixar a prestação alimentar mensal devida pelo último à primeira no montante mensal de € 500, desde Novembro de 2007, actualizável em conformidade com o decidido pelas instâncias, deduzidas as quantias pagas pelo recorrido a título de alimentos provisórios. 6. Finalmente a síntese da solução para o caso, decorrente dos factos provados e da lei. Ao recurso é aplicável o regime processual anterior ao decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto. Por se tratar de matéria de índole processual, de que não era admissível recurso de agravo para este Tribunal, não pode conhecer-se no recurso de revista do segmento decisório do acórdão da Relação relativo à condenação em pena de multa por litigância de má fé. O dever de assistência entre cônjuges separados de facto compreende a prestação de alimentos por aquele que não prove lhe não ser imputável a referida separação. Como o recorrido não provou não lhe ser imputável a separação de facto em causa, e a recorrente demonstrou, além do casamento e da separação de facto, a sua necessidade de alimentos e a possibilidade do primeiro de lhos prestar, procede a pretensão da última. O confronto entre a situação de necessidade da recorrente e a possibilidade económica do recorrido, na envolvência de um juízo de proporcionalidade, justifica a fixação da prestação mensal alimentar devida pelo último à primeira no montante de € 500. Como a recorrente pretendia que lhe fosse fixada a prestação alimentar mensal no montante de € 750, a sua pretensão tem êxito parcial, com relevo no que concerne à relação jurídica de custas. Procede, assim, parcialmente o recurso. Vencidos parcialmente, são a recorrente e o recorrido parcialmente responsáveis pelo pagamento das custas, na proporção de 55% para a primeira e de 45% para o último (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). Todavia, como a recorrente beneficia no apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de custas, tendo em conta o que se prescreve nos artigos 10º, nº 1, 13º, nºs 1 a 3, e 16º, nº 1, alínea a), da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, e 6º e 8º da Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto, inexiste fundamento para que seja condenada no seu pagamento. |