Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
1. AA, arguido, com a identificação que consta dos autos, interpõe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão de 23 de novembro de 2021, proferido pelo tribunal coletivo do Juízo Central Cível e Criminal de ... (Juiz ...), da comarca ..., que, condenando-o conjuntamente com outros arguidos, lhe aplicou uma pena única de 6 (seis) anos de prisão, nos seguintes termos:
«4) Como coautor material e na forma consumada de 1 (um) crime de roubo agravado, p. p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código Penal, por referência aos artigos 204.º, n.º 2, alínea e), e 202.º, alínea c), do mesmo diploma legal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (apenso n.º 430/21.4...).
5) Como coautor material e na forma consumada de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alínea f), ambos do Código Penal, do mesmo diploma legal na pena de 2 (dois) anos de prisão (apenso n.º 414/21.2...)
6) Como coautor material e na forma consumada de 1 (um) crime de roubo simples, p. p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e do Código Penal (apenso n.º 49/21.0...) na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão (apenso n.º 49/21.0...).
7) Como coautor material e na forma consumada de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do Código Penal, por referência ao artigo 202.º, alíneas d) e e), do mesmo diploma legal na pena de 3 (três) anos de prisão (apenso n.º 447/21.9...).
8) Proceder, nos termos do artigo 77.º, n.º s 1 e 2, do Código Penal, ao cúmulo jurídico das penas parcelares impostas em 4), 5), 6) e 7), e condenar o arguido na pena única de 6 (seis) anos de prisão».
2. Discordando quanto ao decidido sobre a comparticipação criminosa, por entender não poder ser punido como autor, mas apenas como cúmplice, sobre a não ponderação e aplicação da figura do crime continuado e sobre a determinação das penas parcelares e da pena única, apresenta motivação que termina com as seguintes conclusões (transcrição):
“1º) O presente Recurso tem por objeto o douto Acórdão assinado e depositado a 24 de novembro de 2021, apenas no que tange a questões de direito com especial enfase à comparticipação criminosa do recorrente na figura da coautoria material consumada de todos os crimes, e não à cumplicidade efectivamente ocorrida e da pena.
2º) Dão-se por reproduzidos todos os factos provados e não provados, relativos ao ora recorrente, bem como os fundamentos de direito que justificaram, a nosso ver mal, a consideração de que o ora recorrente os praticou como autor material e na forma consumada, e não como cúmplice conforme, efectivamente, resulta da prova assente no acórdão.
3º) Ora, conforme ressalta de imediato a quem lê o douto acórdão, na subsunção que nele se faz dos factos provados às normas típicas que regulam os crimes de furto, furto qualificado e roubo, dá-se fortíssimo destaque às teorias da consumação e absolutamente nenhum destaque à análise de uma questão fulcral para a boa decisão da causa, face, quer ao tipo de comparticipação criminosa que se estabeleceu entre os coarguidos BB e o ora recorrente AA, quer à questão da figura do crime continuado, matérias reguladas nos art.s 26.º 27.º e 30.º do C. Penal.
4º) Quanto à questão da comparticipação criminosa
5º) entre estes dois coarguidos no sentido de apurar se nestes casos, em concreto, ela configura, entre ambos os arguidos, uma verdadeira coautoria material, ou se, pelo contrário, uma autoria material de um deles a que se soma uma cumplicidade do outro (do ora recorrente).
6º) É hoje pacifico o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça que a coautoria pressupõe um elemento subjectivo - o acordo, com o sentido de decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica, e um elemento objectivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte direta na execução.
7º) A execução conjunta, neste sentido, não exige que todos os agentes intervenham em todos os atos, bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção, mas indispensável à produção da finalidade e do resultado a que o acordo se destina.
8º) Tal como o autor deve ter o domínio funcional do facto, também o coautor tem que deter o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo, e que, na execução desse acordo, se dispôs a levar a cabo. O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do coautor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à realização desse objectivo.
9º) A cumplicidade diferencia-se da coautoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.
10º) Ora, nos casos em apreço, nenhum facto provado materializa, quanto ao ora recorrente, essa realidade absolutamente essencial do domínio funcional do facto próprio da autoria, no sentido em que a actividade, mesmo parcelar, do coautor na realização do objectivo acordado, se tem de revelar indispensável à realização desse objectivo.
11º) Os factos dados como provados, relativamente ao ora recorrente e ao coarguido BB não revelam mais do que uma intenção conjunta, nada referindo nem nada contendo quanto a uma eventual individualização, desenvolvimento e concretização das ações de cada um e muito menos a sua função instrumental ou a essencialidade/importância para o resultado típico das ações imputadas ao arguido ora recorrente, contrariamente às do coarguido BB.
12º) É verdade que foi dado como provado que ambos os coarguidos agiram em comunhão de esforços e intenções e com base num plano previamente gizado. Mas, apesar do acórdão se referir a esse especto, se não quisermos excluir na análise critica do teor de um acórdão as “regras da experiencia da vida, ou experiencia comum” que tão profusa e, muitas vezes, exacerbadamente se faz uso para presumir juízos conclusivos nas decisões judiciais, com o agasalho normativo do art.º 127.º do CPP, tais elementos subjetivos e genéricos não constituem propriamente factos, mas apenas conclusões que poderiam eventualmente ser extraídas de outros factos, estes sim concretos, precisos e mais ou menos individualizados, que revelassem uma ligação, mesmo parcelar, mediata ou imediata, com a acção que estava em causa, como por exemplo a essencialidade da condução do carro, ou o mínimo de discussão prévia em que tivesse admitido e aceite algumas possibilidades da actuação do autor imediato, ou após estas, a perceção pelo recorrente dos termos em que aquelas tinham sido concretizadas, sempre, pelo arguido BB. Nada disso aconteceu e, portanto, nada disso foi provado.
13º) Sem factos que revelem e integrem os elementos materiais mínimos da relação entre autor (e coautor) e acção (os comportamentos concretos, mesmo parcelares, mais ou menos intensos, mas essenciais porque co determinantes), não pode ser estabelecida a direta e necessária ligação de um facto ao seu autor, já que o simples conhecimento da acção sem atos de participação real e efetiva, que não apenas de auxílio, não é relevante em termos de comparticipação como autoria material consumada, mas, conforme impõe a lei que seja (art.º 27.º do C.P.), de comparticipação criminosa a título de cumplicidade.
14º) A importância desses fatos e a necessidade de se lhe tirar a sua real relevância jurídica, coloca-se quer ao nível do art.º 27.º e 29.º, ambos do C. P.
15º) Começando pela culpa na comparticipação, o art.º 29 estatui que “cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes. Ou seja, a lei impõe a individualização do juízo de censura do comportamento efetivo dos vários agentes, de acordo com a anti- juridicidade dos seus concretos comportamentos.
16º) Pelo exposto, e sempre com o devido respeito, o douto acórdão descumpriu ambos estes artigos (27.º e 29.º do CP), pelo que V. Exas, adequando estes preceitos aos concretos factos do douto acórdão, provados e não provados na audiência de discussão e julgamento, deverão revogar o douto acórdão na parcela referente à regra penal da comparticipação criminosa da coautoria material na forma consumada (art.º 26.º do CP), mal aplicada ao ora recorrente, substituindo-a por outra que condene, sim, o ora recorrente, mas como cúmplice, relativamente a todos os crimes em que se provou a sua comparticipação.
17º) Quanto à não ponderação e aplicação da figura do crime continuado:
18º) De harmonia com o nosso ordenamento penal (art.º 30.º, n.º 1, do CP) a violação de mais do que um interesse jurídico ou a repetida violação do mesmo interesse jurídico conduz a outros tantos juízos de censura, porquanto cada violação brotou de uma resolução criminosa autónoma, o que dá lugar a um concurso de crimes, real ou ideal.
19º) Contudo, as diversas violações de bens jurídicos, nascidas de diferentes resoluções criminosas, apenas conduzam a um único juízo de censura, assim acontecendo quando a actividade do agente se mostra unificada por factores que lhe são exteriores e contribuam para a diminuição considerável da culpa, dando lugar a um crime continuado - é a exceção do n.º 2 do art. 30.º do CP.
20º) O crime continuado é a plúrima violação do mesmo tipo legal ou de tipos diferentes que protejam o mesmo bem jurídico, executada através de um procedimento revestido de uma certa uniformidade e que aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, arrastando consigo uma diminuição considerável da culpa do agente.
21º) Portanto, quanto aos crimes de furto e furto agravado, em que estão em causa apenas a proteção de bens jurídicos patrimoniais, o tribunal devia ter ponderado e concluído pela figura jurídica do crime de furto continuado, fazendo-se refletir na pena a aplicar ao ora recorrente a diminuição considerável da sua culpa cabendo, porém, introduzir já, nesse particular do douto acórdão ora em recurso, a alteração da autoria pela cumplicidade.
22º) Por último e quanto às penas parcelares e à pena única, resultante do cúmulo, caberá adequá-las a tudo o que foi dito, já que não podem deixar refletir-se as gravíssimas sequelas produzidas pela desconsideração de que a comparticipação criminosa do ora recorrente o foi a título de cumplicidade, e não de coautoria material consumada conforme decisão em recurso, bem como da desconsideração da figura do crime continuado no que toca particularmente aos crimes de furto, já que não do roubo, pelas razões ante expostas.
23º) Ora, na comparticipação criminosa, a punibilidade da cumplicidade vem regulada no n.º 2 do art.º 27.º do C. Penal onde se lê: “É aplicável ao cúmplice a pena fixada para o autor, especialmente atenuada”.
24º) Por sua vez, o art.º 73.º do mesmo diploma legal estatui que “Sempre que houver lugar à atenuação especial da pena observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável: a) o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço; b) o limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a três anos e ao mínimo legal se for inferior”.
25º) Ao sobre dito acresce, por último, que o recorrente à data da prática dos factos não registava quaisquer antecedentes criminais e que beneficia de grande integração familiar e social, pelo que os 6 (seis) anos de prisão fixados no acórdão em recurso resultam ilegais, injustos, exagerados, e desproporcionais, principalmente quando comparada com as penas face às condutas de outros arguidos, julgados por este tribunal.
26º) Em nosso entender e salvo melhor opinião, considera-se justa e adequada a pena que se fixe próximo do limite mínimo legal, isto é, em cúmulo, 3 (três) anos de prisão.
27º) Devendo ser ponderada a sua execução, por se entender que a simples ameaça da pena de prisão realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição.
28º) E isto porque, a possibilidade de suspensão justifica-se como uma nova oportunidade, de o recorrente se afirmar através de uma conduta conforme à lei.
29º) Desta feita a finalidade última de recuperação do recorrente, será atingida, afastando-o assim, da criminalidade sem, contudo, descurar as finalidades da punição, e sem nunca esquecer que a conduta desconforme do recorrente se prendeu, precisamente, com o consumo de estupefacientes.
30º) Assim sendo, todas as considerações sobre a culpa do recorrente, em função das eventuais lesões ou perigos concretamente criados por si, não têm cabimento na determinação da medida concreta da pena de seis anos de prisão.
31º) Por último, o n.º 2 do art.º 71.º do CP impõe ao tribunal que releve todas as circunstâncias que não façam parte do tipo legal de crime e que militem a favor e contra o arguido, sendo enunciadas a título exemplificativo nas als. a) a f).
32º) Ora, no caso dos autos, na determinação da medida concreta da pena, verifica-se que, para além dos vícios já apontados, o Tribunal o quo não fez, como devia, uma equitativa ponderação das circunstâncias que depunham o favor e contra o recorrente, privilegiando estas últimas em detrimento daquelas.
33º) Pelo que se entende, e salvo o devido respeito e tudo ponderado, deverá ser reapreciada a real comparticipação criminosa do arguido, não com o coautor material que efectivamente não foi, mas como cúmplice em todas as suas participações e nos da prática dos furtos, em apenas um crime de furto na forma continuada, daí se retirando as legais consequências no que toca à medida da pena, que deverá ser fixada próximo, em cúmulo, dos três anos de prisão, suspensos na sua execução,
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência, deverá a decisão ora recorrida, ser substituída por outra que, ponderados todos os elementos de facto e de direito, objetivos e subjetivos aplique ao arguido pena de prisão até 3 anos de prisão, contudo suspensa na sua execução, nos termos dos arts. 27º, 28º, 29º, 30º, 40.º, 70.º, 71.º, 72º, 73º e 50. º do Código Penal (…)»,
3. O Ministério Público, pelo Senhor Procurador da República no tribunal recorrido, apresentou resposta, no sentido da improcedência do recurso, concluindo:
«1. Consta da matéria provada que o recorrente, era o condutor do veículo em que seguia o BB, parou junto às residências onde os factos foram praticados, deixou sair BB, que posteriormente entrou nas residências. BB colocou tudo no carro conduzido pelo arguido ora recorrente, que permaneceu no local à espera, e os dois abandonaram o local com os referidos objetos.
2. Se o arguido praticou os factos referidos, as circunstâncias em que atuaram indiciam, sem margem para dúvidas, face às regras da lógica e da experiência comum que existiu um acordo entre eles no sentido de se apropriarem dos bens pertencentes aos ofendidos, de acordo com o plano traçado.
3. Não lhe assiste, assim, razão ao alegar que a sua participação se integra apenas na cumplicidade, uma vez que nem sequer saiu do carro, e que não precisavam dele para cometer o crime. Os arguidos distribuíram as tarefas a exercer por cada um, já acima descritas, para a consumação dos crimes.
4. O arguido teve, assim, uma participação idêntica à do arguido BB, que foi tão relevante para a consumação do crime como a de BB, já que tinha o domínio do facto, isto é, podia parar o desenrolar da ação típica. Caso faltasse a execução de qualquer das tarefas, o crime não se teria consumado na forma planeada. O arguido é assim, coautor dos factos e não meramente cúmplice, como pretende fazer crer.
5. Da factualidade dada como provada no acórdão não resulta a enunciação de qualquer condicionalismo exterior ao agente, com que o mesmo se tenha deparado por força do acaso, que tenha facilitado a sua ação, traduzindo uma menor exigibilidade para que o arguido atuasse de forma conforme ao direito.
6. Pelo contrário, o que resulta da factualidade dada como provada é que foi sempre o arguido a procurar o quadro fáctico propiciador do cometimento e reiteração do ilícito penal, na medida em que foi sempre ele quem, consciente e deliberadamente, conduziu o seu veículo automóvel aos locais dos factos para aí concretizar as intenções criminosas com o arguido BB que formulou.
7. Em concreto, a factualidade dada como provada nos pontos n.º 8., 22., 35. e 48. da matéria de facto traduz apenas a motivação do arguido para a prática dos factos, conexionadas com a situação sócio-económica vivenciada na altura aliada ao consumo reiterado de produto estupefaciente, o que corresponde a um circunstancialismo endógeno e não exógeno a agente.
8. Assim, face à factualidade dada como provada no acórdão recorrido, não é operante a figura do crime continuado prevista no n.º 2 do artigo 30.º do Código Penal, sendo que se impunha que o recorrente, como foi, tivesse sido condenado pela prática, em concurso efetivo real, dos dois crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelo artigo 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal de que vinha acusado.
9. Por último quanto à determinação da pena concreta, defendemos que foi feita dentro destes limites legais. A pena concreta não ultrapassou a medida da culpa, e atendeu às exigências da prevenção geral e especial. A gravidade dos factos ilícitos praticados denota um elevado grau de culpa.
10. O comportamento ilícito do recorrente é sem sombra de dúvidas sentido pela comunidade como sinal de desprezo pela ordem jurídica, fazendo perigar as expectativas dos restantes cidadãos na eficácia do ordenamento jurídico (prevenção geral). As exigências de prevenção geral são relevantes atenta a natureza do ilícito em causa, que nos tempos que correm, dentro dos tipos legais de crimes, é seguramente dos que causa maior insegurança social.
11. A intensidade do dolo - direto -, o modo de execução da atividade delituosa do arguido, são circunstâncias que não são suscetíveis de mitigar a responsabilidade do mesmo.
12. Perante este quadro a pretensão do arguido/recorrente no sentido de ser-lhe aplicada uma pena não superior a 5 anos suspensa na sua execução, não deve proceder, não devendo ser alterada a pena de prisão determinada. Assim, no caso concreto, atendendo a toda a factualidade, entendemos que não se verificam circunstâncias suscetíveis de mitigar a responsabilidade do arguido, concluindo que a pena aplicada é justa e adequada, sendo de manter.
Como consequência o douto acórdão não viola os preceitos legais invocados pelo recorrente.»
4. Remetido o processo ao Tribunal da Relação de Lisboa, o Senhor Juiz Desembargador relator proferiu despacho a mandar subir os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, por o arguido interpor recurso directamente para este tribunal, “com expressa invocação do disposto no artigo 431.º, n.º 2, alínea c) do CPP”.
5. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, para os efeitos do disposto no artigo 416.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitido parecer, também no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos (transcrição):
«2. (…) Dir-se-á, antes de mais, que a precisão e exaustividade dos argumentos aduzidos nas respostas do Exmo. Colega – que se acompanham na íntegra – nos dispensam de maiores considerandos.
Notar-se-á, tão só, que o arguido AA não impugnou os factos que o acórdão considerou provados. Ora, o Tribunal a quo considerou que a sua participação nos crimes configurava uma co-autoria, não tendo ponderado a possibilidade que, agora, é por ele sugerida… porque não se verificam os requisitos a que alude o art.º 27º do Código Penal.
Frise-se que o acórdão, descrevendo as actividades conjuntas de ambos os arguidos, utiliza as seguintes expressões, relativamente às situações comuns:
“os arguidos BB e AA, decidiram, de comum acordo entre si…”
“actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si e em execução de um plano previamente traçado entre ambos…”
“em concretização do plano previamente traçado entre ambos…”
“abandonaram o local, levando consigo os mencionados objectos, que fizeram seus…”
Ora, as diferenças entre as figuras da autoria e da cumplicidade foram perfeitamente caracterizadas pelo nosso Exmo. Colega na sua bem elaborada resposta e, como claramente resulta das suas palavras, o arguido AA cometeu os crimes como (co-)autor e não, apenas, como cúmplice.
Na verdade, tal como sucede na situação clássica do motorista de um grupo de assaltantes, o facto de este não entrar no local onde os demais furtam ou roubam bens alheios, não o exime das mesmas responsabilidades dos comparsas.
De resto e como diz o ditado: “tão ladrão é o que vai à horta como o que fica à porta…”
Falece, igualmente, a argumentação do arguido AA quanto à hipotética prática de um único crime – continuado –, uma vez que os respectivos pressupostos estão completamente ausentes da sua actuação.
Como muito bem observou o Exmo. Procurador da República em 1ª instância, não se verificou qualquer condicionalismo exterior ao arguido que tivesse facilitado as suas acções, por forma a reduzir a sua responsabilidade. Com efeito, foi ele quem procurou as oportunidades de cometer os diversos ilícitos, reiterando os comportamentos criminosos sem que nada diminuísse a sua culpa.
Em suma, inexistem os requisitos previstos pelos nºs 2 e 3 do art.º 30º do Código Penal. Sustentar o contrário seria premiar – de forma absolutamente injustificada e indefensável – quem actua, reiteradamente, como se a prática de crimes fosse uma carreira profissional…
Finalmente, quanto às penas únicas, recorde-se que a moldura abstracta, relativamente ao arguido AA, oscila entre os 4 anos e 6 meses e os 11 anos e 8 meses de prisão; e o Tribunal acrescentou, ao limite mínimo, cerca de um quinto da diferença para a soma aritmética de todas as penas parcelares. (…)
Parece-nos, pois, que o aresto fez uma adequada interpretação dos critérios contidos nas disposições conjugadas dos art.ºs 40.º, n.º 1 e 71.º, n.º 1 e 2, als. a) a c), e) e f) do Código Penal.
Atendeu-se, cremos, à vantagem da reintegração tão rápida quanto possível dos arguidos em sociedade; sem se esquecer, porém, que a pena deve visar também, de forma equilibrada, a protecção dos bens jurídicos e a prevenção especial e geral, neste caso particularmente relevantes.
Com efeito, as fortíssimas exigências de prevenção e a gravidade (e reiteração) do comportamento dos arguidos tinham, obviamente, em conformidade e de acordo com os critérios acima referidos, de ser traduzidos em pena correspondente à medida das suas culpas; o que o tribunal recorrido conseguiu de forma justa e que respeita as finalidades visadas pela punição.
3. Assim, concluindo, dir-se-á que o douto acórdão recorrido qualificou e sancionou de forma adequada e criteriosa a matéria fáctica fixada, pelo que o recurso deverá improceder.»
6. Notificado para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse.
7. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi remetido à conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.
II. Fundamentação
O acórdão recorrido – fundamentação e factos provados
8. O acórdão recorrido encontra-se fundamentado nos seguintes termos:
8.1. Factos provados
O tribunal coletivo deu como provados os seguintes factos (transcrição):
“Da acusação pública:
(…)
NUIPC 430/21.4PBPDL (processo principal)
8. No dia ... de Março de 2021, cerca das 19h00m, os arguidos BB e AA, decidiram, de comum acordo entre si, entrar na residência sita na Rua ..., na freguesia ..., no concelho ..., pertencente a CC, com o propósito de se apoderarem de objectos de valor que lá se encontrassem, recorrendo, caso necessário, à força física ou à ameaça.
9. Para tanto, e em concretização do plano previamente traçado entre ambos, os arguidos BB e AA deslocaram-se até à sobredita habitação na viatura automóvel de matrícula ...-RC-..., conduzida pelo arguido AA.
10. Chegados ao local, o arguido AA aguardou no interior do referido veículo automóvel, de vigia, e o arguido BB, utilizando, para o efeito, a chave que CC tinha deixado na porta para o seu filho entrar, introduziu-se no interior da antedita habitação.
11. Em acto contínuo, o arguido BB dirigiu-se ao quarto onde CC se encontrava a dormir, acordou-o, atirou-o para o chão, desferiu-lhe pontapés no rosto e no tronco, e colocou-lhe um pé na zona do pescoço, pressionando-o, impedindo-o de se mover e provocando-lhe dores e falta de ar, ao mesmo tempo que exigia a CC que lhe desse dinheiro.
12. De seguida, o arguido BB pegou nas calças que CC tinha no chão, junto à cama, e retirou do interior de um dos bolsos a carteira de CC, que largou de seguida, por não ter dinheiro.
13. Em acto contínuo, o arguido BB pegou no telemóvel de CC, que tinha um cartão SIM com o número ...51, e no respectivo carregador, que se encontravam em cima da mesa-de-cabeceira, e num tablet, que se encontrava no quarto do filho de CC.
14. Após, o arguido BB abandonou a referida residência, levando consigo os sobreditos objectos, e, após, introduziu-se na viatura automóvel de matrícula ...-RC-..., onde colocou os objectos que tirara da habitação pertencente a CC.
15. Em acto contínuo, os arguidos BB e AA abandonaram o local, levando consigo os mencionados objectos, que fizeram seus, contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo dono.
16. O arguido BB introduziu-se na habitação de CC pela forma supra descrita, em execução de um plano previamente traçado entre ambos os arguidos, BB e AA, sem o consentimento e sem a autorização de CC, bem sabendo ambos os arguidos que não podiam introduzir-se no interior da referida residência, pois que a mesma não lhes pertencia, e que agiam contra a vontade do respectivo dono, CC.
17. Os arguidos BB e AA sabiam que os aludidos objectos, que se encontravam no interior da sobredita habitação, não lhes pertenciam, pertencendo, outrossim, a CC.
18. Os arguidos BB e AA actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si e em execução de um plano previamente traçado entre ambos, com o propósito de fazerem seus os aludidos objectos, o que, efectivamente, conseguiram, recorrendo, para o efeito, à utilização da força física, o que, igualmente, quiseram e conseguiram, bem sabendo que os referidos objectos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e em prejuízo do seu legítimo dono.
19. Os arguidos BB e AA agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas, supra descritas, eram proibidas e punidas por lei penal.
Mais se provou que:
20. O telemóvel mencionado em 19) tinha um valor aproximado de 60,00 €. 21.O tablet mencionado em 19) tinha um valor aproximado de 300,00€.
Apenso NUIPC 414/21.2...
22. Entre as 21h00m do dia ... de Março de 2021 e as 15h00m do dia ... de Março de 2021, os arguidos BB e AA decidiram, de comum acordo entre si, entrar na residência sita na Rua ..., ..., na freguesia ..., no concelho ..., pertencente a DD, com o propósito de se apoderarem de objectos de valor que lá se encontrassem.
23. Para tanto, e em concretização do plano previamente traçado entre ambos, os arguidos BB e AA deslocaram-se até à sobredita habitação na viatura automóvel de matrícula ...-RC-..., conduzida pelo arguido AA.
24. Chegados ao local, o arguido AA aguardou no interior do referido veículo automóvel, de vigia, e o arguido BB, introduziu-se no interior da residência através da porta das traseiras da residência.
25. Em acto contínuo, o arguido BB apoderou-se dos seguintes objectos:
· Uma coroa do Espírito Santo, de tamanho grande, em prata, avaliada em € 1.500,00;
• Um oratório de madeira e vidro, de valor não apurado;
· Um Menino Jesus em palhinha, de valor não apurado;
· Uma jarra de vidro com aplicação em estanho, de valor não apurado;
· Três cadeiras de madeira forradas a tecido de cor bege, de valor não apurado;
· Uma pequena salva em prata, de valor não apurado;
· Um paliteiro de prata, em forma de maçaroca de milho, de valor não apurado;
· Um terço com contas verdes e brancas, de valor não apurado;
· Um guarda-jóias prateado, com o interior revestido a veludo vermelho, de valor não apurado;
· Um par de brincos dourados com brilhantes, de valor não apurado;
· Um prato prateado, com a inscrição «...», avaliado em € 80,00;
· Uma maçaroca de milho prateada, avaliada em € 325,00;
· Um guarda-jóias em loiça, de cor azul, avaliado em € 10,00;
· Uma pulseira grossa, de prata entrelaçada, avaliada em € 60,00;
· Um par de brincos de prata, de valor não apurado;
· Um pingente em forma de coração, avaliado em € 5,00;
· Um pingente mulher do capote, de prata, avaliado em € 10,00;
· Um par de brincos em filigrana prata, avaliado em € 15,00;
· Um relógio de bolso, em prata, de valor não apurado;
· Duas medalhas, de valor não apurado;
· Três pingentes em forma de coração, pequenos, avaliados no valor unitário de € 2,50;
· Uma pulseira de prata fina, avaliada em € 5,00;
· Um fio de prata de malha fina, avaliado em € 15,00;
· Uma medalha quadrada de prata, de valor não apurado;
· Uma escrava com vários pendentes, avaliada em € 30,00;
· Uma pulseira de prata, avaliada em € 1,00;
· Uma medalha quadrada dourada, avaliada em € 65,00;
· Três molduras de medalhas douradas, avaliadas no valor unitário de € 5,30.
26. Posteriormente, o arguido BB abandonou a referida habitação, levando consigo os aludidos objectos, e, após, introduziu-se na viatura automóvel de matrícula ...-RC-..., onde colocou os objectos que tirara da habitação pertencente a DD.
27. Em acto contínuo, os arguidos BB e AA abandonaram o local, levando consigo os mencionados objectos, que fizeram seus, contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo dono.
28. Em data não apurada, mas ocorrida, seguramente, em data posterior e próxima do dia 16 de Março de 2021, na residência sita no Beco ..., na freguesia ..., no concelho ..., o arguido EE comprou ao arguido BB, que lha vendeu, uma coroa do Espírito Santo, de tamanho grande, em prata, avaliada em €1.500,00, supra descrita, pertencente a DD, pelo preço de € 10,00, seguramente, muito inferior ao respectivo valor real (de mercado).
29. Os arguidos BB e AA sabiam que os aludidos objectos, que se encontravam no interior da sobredita residência, não lhes pertenciam, pertencendo, outrossim, a DD.
30. Os arguidos BB e AA actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si e em execução de um plano previamente traçado entre ambos, com o propósito de fazerem seus os aludidos objectos, o que, efectivamente, conseguiram, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que, ao retirá-los do interior da antedita habitação, pertencente a DD, actuavam contra a vontade, sem autorização e em prejuízo do seu legítimo dono.
31. O arguido EE sabia que o objecto que adquiriu, por compra, ao arguido BB tinha um valor de mercado muito superior àquele por que foi adquirido.
32. O arguido EE sabia da proveniência ilícita do objecto que comprou ao arguido BB, por valor muito inferior ao respectivo valor real (de mercado), atendendo, por um lado, ao local em que o comprou e ao preço pago pelo mesmo, muito inferior ao respectivo valor real (de mercado), e, por outro lado, ao facto de conhecer o arguido BB, por ser filho de uma prima do arguido EE, bem sabendo, também, que o mesmo era toxicodependente e de débil condição económica e que recorria ao cometimento de ilícitos criminais contra o património para obter dinheiro ou objectos de valor, que vendia, para, assim, com o dinheiro ou com o produto da venda de tais objectos, satisfazer o seu vício e as suas necessidades básicas.
33. Ao adquirir, por compra, o supra indicado objecto, o arguido EE actuou com a intenção de obter, para si, vantagem patrimonial, o que quis, e, efectivamente, sucedeu, bem sabendo que agia contra a vontade do dono de tal objecto.
34. Os arguidos BB, AA e EE agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas, supra descritas, eram proibidas e punidas por lei penal.
Apenso NUIPC 49/21.0...
35. No dia ... de Março de 2021, cerca das 08h15m, quando FF caminhava, no Largo ..., na freguesia ..., no concelho ..., em direcção à Matriz, local em que apanharia o autocarro, os arguidos BB e AA, que ali circulavam na viatura automóvel de matrícula ..-RC-.., conduzida pelo arguido AA, decidiram, de comum acordo entre si, abordar FF, com o propósito de se apoderarem de objectos de valor e de dinheiro que a mesma trouxesse consigo, recorrendo, caso necessário, à força física ou à ameaça.
36. Para tanto, e em concretização do plano previamente traçado entre ambos, o arguido AA parou o veículo automóvel que conduzia, aguardando no interior do mesmo, de vigia, e o arguido BB saiu do referido carro e aproximou-se da ofendida FF.
37. Em acto contínuo, o arguido BB agarrou na alça da mala de senhora, de cor ..., que FF trazia ao ombro e puxou-a com força para si.
38. Porque FF resistiu, puxando a mala para si, o arguido BB puxou-a com mais força, acabando por rebentar a alça da mala e fazendo com que FF rodopiasse sobre si própria, o que lhe causou dores no ombro.
39. Nesta sequência, o arguido BB apoderou-se da mala de FF, que continha, no seu interior:
Uma carteira pequena, porta-documentos, sem marca, de cor preta, avaliada em €3,00, contendo documentos pessoais de FF;
Um porta-chaves, com três chaves e com uma etiqueta com a designação «Consultório FF»;
Uma chave, com uma etiqueta com a designação «FF»;
Uma carteira castanha, com o logótipo «Miss You», avaliada em € 5,00, que continha € 6,00;
Um alisador de cabelo, da marca «Babyliss», avaliado em € 7,00;
Um telemóvel, de cor cinzenta, da marca ..., com os IMEI ...11 e ...67 e com um cartão SIM com o número de contacto ...64, avaliado em € 70,00.
40. Após, o arguido BB abandonou o local, levando consigo os sobreditos objectos, e, após, introduziu-se na viatura automóvel de matrícula ...-RC-..., onde colocou os objectos de que acabara de se apoderar, pertencentes a FF.
41. Em acto contínuo, os arguidos BB e AA abandonaram o local, levando consigo os mencionados objectos, que fizeram seus, contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo dono.
42. Em data não apurada, mas ocorrida, seguramente, em data posterior e próxima do dia 21 de Março de 2021, no Bairro ..., no concelho ..., o arguido GG comprou a pessoa não identificada, que lho vendeu, um telemóvel, de cor ..., da marca ..., com os IMEI ...11 e ...67 e com um cartão SIM com o número de contacto ...64, supra descrito, pertencente a FF, pelo preço de €30,00, seguramente, muito inferior ao respectivo valor real (de mercado).
43. Os arguidos BB e AA sabiam que os aludidos objectos não lhes pertenciam, pertencendo, outrossim, a FF.
44. Os arguidos BB e AA actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si e em execução de um plano previamente traçado entre ambos, com o propósito de fazerem seus os aludidos objectos, o que, efectivamente, conseguiram, recorrendo, para o efeito, à utilização da força física, o que, igualmente, quiseram e conseguiram, bem sabendo que os referidos objectos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e em prejuízo do seu legítimo dono.
45. O arguido GG em face do preço que pagou, também não se preocupou em averiguar qual a proveniência do telemóvel, sendo certo que o valor desse material, era superior.
46. O arguido GG agiu voluntária, livre e conscientemente, admitindo, nomeadamente quer pelo preço que pagou, quer pela forma, modo e local onde se efectuou a compra desse telemóvel, da sua proveniência ilícita, conformando-se com este facto, pretendendo com essa aquisição, obter para si um enriquecimento ilegítimo, integrando o bem supra referido, no seu património, o que conseguiu.
47. Os arguidos BB, AA e GG agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas, supra descritas, eram proibidas e punidas por lei penal.
Apenso NUIPC 447/21.9...
48. Entre as 15h30m e as 19h00m do dia 21 de Março de 2021, os arguidos BB e AA decidiram, de comum acordo entre si, entrar na residência sita na Rua ..., na freguesia ..., no concelho ..., pertencente a HH, com o propósito de se apoderarem de objectos de valor que lá se encontrassem.
49. Para tanto, e em concretização do plano previamente traçado entre ambos, os arguidos BB e AA deslocaram-se até à sobredita habitação na viatura automóvel de matrícula ..-RC-.., conduzida pelo arguido AA.
50. Chegados ao local, o arguido AA aguardou no interior do referido veículo automóvel, de vigia, e o arguido BB, depois de ter saltado o muro de vedação do quintal da referida residência e de ter partido o vidro de uma janela das traseiras da residência, introduziu-se no respectivo interior.
51.Em acto contínuo, o arguido BB apoderou-se dos seguintes objectos:
· Um computador portátil, da marca ..., de modelo ...», de cor ..., com o nome de utilizador «HH», avaliado em € 120,00, e respectivo adaptador, da marca ..., que se encontravam acondicionados dentro de uma pasta de cor ..., com ..., da marca ..., avaliada em € 12,00, objectos comprados por HH, novos, pelo preço global de € 618,40;
· Um mealheiro, que continha, no seu interior, cerca de € 200,00 em moedas;
· Uma carteira porta-documentos, que continha, no seu interior, diversos documentos pessoais de II, mãe de HH, bem como a quantia de € 200,00;
· Três cordões em ouro, sendo um de valor não apurado, um avaliado em € 440,00 e o outro avaliado em € 245,00;
· Uma medalha de ouro branco, que se encontrava num dos cordões, de valor não apurado;
· Três escravas em ouro, de valor não apurado;
· Várias medalhas de ouro, de valor não apurado;
· Seis pares de brincos em ouro, de valor não apurado;
· Um colar de prata, de valor não apurado;
· Um anel de ouro de compromisso, de valor não apurado;
· Uma aliança de ouro, de valor não apurado;
· Um relógio de homem, da marca ...», de cor ..., com pulseira em pele, de cor ..., avaliado em € 40,00;
· Um relógio da marca ..., de cor ..., com uma correia em malha metálica, avaliado em € 30,00;
· Uma moeda prateada de 1000 escudos, avaliada em € 5,00;
· Um pingente em forma de cesta de flores, avaliado em € 10,00; • Um pingente em forma de pomba, avaliado em € 15,00.
52. Posteriormente, o arguido BB abandonou a referida habitação, levando consigo os aludidos objectos, e, após, introduziu-se na viatura automóvel de matrícula ..-RC-.., onde colocou os objectos que tirara da habitação pertencente ao ofendido HH.
53. Em acto contínuo, os arguidos BB e AA abandonaram o local, levando consigo os mencionados objectos, que fizeram seus, contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo dono.
54. Os arguidos BB e AA sabiam que os aludidos objectos, que se encontravam no interior da sobredita residência, não lhes pertenciam, pertencendo, outrossim, a HH.
55. Os arguidos BB e AA actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si e em execução de um plano previamente traçado entre ambos, com o propósito de fazerem seus os aludidos objectos, o que, efectivamente, conseguiram, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que, ao retirá-los do interior da antedita habitação, pertencente a HH, actuavam contra a vontade, sem autorização e em prejuízo do seu legítimo dono.
56. Os arguidos BB e AA agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas, supra descritas, eram proibidas e punidas por lei penal.
Dos antecedentes criminais, situação pessoal, familiar, profissional e económica do arguido AA:
57. Por acórdão proferido em 29.04.2021, e transitada em julgado em 31.05.2021, no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 437/20.... que correu termos em ..., foi o arguido condenado pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado na forma tentada, praticado em 30.12.2020, um crime de roubo, praticado em 01.01.2021, e 1 (um) crime de furto simples, praticado em 31.12.2020, na pena única de 130 dias de multa à taxa diária de 5,00 €, e na pena de prisão de 3 anos e 6 meses suspensa na sua execução, com regime de prova.
58. Por sentença proferida em 07.06.2021, e transitada em julgado em 18.06.2021, no âmbito do Processo Sumaríssimo n.º 590/20…, que correu termos na Ribeira ..., foi o arguido condenado pela prática de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, praticados em 20.08.2020, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5,00 €.
59. AA, de 42 anos de idade, nascido no seio de um agregado familiar com boas condições socioeconómicas, o seu desenvolvimento psicoafectivo decorreu num ambiente familiar harmonioso, estruturado e cuja educação se pautou pelas normas e regras sociais vigentes.
60. O progenitor do arguido, trabalhou no ... – ..., e a progenitora, era professora do 1.º ciclo, ambos reformados.
61. AA iniciou o percurso escolar na idade própria, tendo completado com sucesso o 9.º ano de escolaridade na Escola Secundária ....
62. Posteriormente, em novembro de 2014, completou o ensino secundário, através da ....
63. Em termos laborais, AA regista experiências como empregado de balcão, numa loja de roupa, no ..., onde permaneceu quase 9 anos e, posteriormente, na tabacaria “...”, cerca de 7 anos.
64. Entretanto, por extinção do posto de trabalho, trabalhou como repositor na empresa S.…, onde permaneceu por um curto período de tempo.
65. Regista como última experiência laboral, na E.…, (leitura de contadores de energia elétrica), onde permaneceu quase um ano, tendo o arguido rescindindo o contrato de trabalho em janeiro do corrente ano, justificando com a condição aditiva.
66. Segundo informação veiculada pela Agência para a Qualificação e Emprego ..., AA encontra-se sem inscrição na agência desde 28.02.2021, pelo facto de não ter respondido a um cartão remetido por aquela entidade.
67. AA tem um filho, JJ, atualmente, com 14 anos de idade, estudante na Escola Secundária ..., fruto de uma relação afetiva com KK, tendo cada um permanecido no seu agregado familiar de origem.
68. Posteriormente, na sequência de outra relação afectiva com LL. o casal viveu em união de facto cerca de 9 anos, em habitação de renda.
69. Dessa relação nasceu MM, actualmente com 11 anos de idade, estudante na Escola ....
70. A ruptura conjugal ocorreu há cerca de quase 3 anos, na sequência de uma recaída no consumo de substâncias aditivas, tendo o arguido reintegrado o seu núcleo familiar de origem.
71. Os descendentes estão aos cuidados das respetivas progenitoras, sendo os pais do arguido que coadjuvam na subsistência dos menores.
72. AA afastou-se dos descendestes devido à condição aditiva dele.
73. O arguido situa o início do consumo de estupefacientes (haxixe) aos 16 anos de idade c, posteriormente, aos 18 anos, o consumo de cocaína e heroína fumada.
74. Em abril do ano transato, referiu ter iniciado o consumo de substâncias psicoativas (sintéticas).
75. AA foi submetido a vários tratamentos à problemática aditiva.
76. O primeiro tratamento ocorreu há cerca de 15 anos, na Associação ..., com toma medicamentosa de antagonista, assumindo ter ficado abstinente cerca de 9 anos.
77. Na sequência de uma recaída, regressou à ..., não cumprindo com a terapêutica.
78. Em 2019, integrou numa instituição "...", situada no distrito ..., onde permaneceu cerca de 9 meses, tendo regressado em dezembro de 2019.
79. Na sequência de uma nova recaída no consumo de substâncias, AA foi submetido a tratamento com Internamento, na Clínica ... tendo obtido alta clinica.
80. Perante a emergência do processo 437/20...., foi aplicada ao arguido a medida de coação de tratamento à toxicodependência, e nesse âmbito o arguido foi encaminhado para a Associação ..., no dia 16.02.2021, e ficou integrado na toma medicamentosa de antagonista de opiáceos naltrexona, à 2a, 4a e 6a feiras, com realização de testes de despiste regulares, tendo apresentado resultados negativos a todas as substâncias, onde cumpriu até ao dia 24.03.2021, sendo que as novas substâncias psicoativas (drogas sintéticas) nem sempre são detetáveis no controle dos testes de despiste.
81. AA encontra-se preventivo à ordem dos presentes autos, e pese embora tenha sido solicitada informação para aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, na moradia dos progenitores, e atendendo à idade avançada destes e por questões associadas à saúde desta não deram o consentimento para aplicação da medida de coação com vigilância eletrónica.
82. De acordo com informação veiculada pelos Serviços de Acompanhamento da Execução da Pena do Estabelecimento Prisional ..., o arguido não está integrado em programa terapêutico, não tendo ainda sido submetido a testes de despiste toxicológico.
83. Segundo informações recolhidas junto da comunidade, os progenitores são bem referenciados no meio, consideradas pessoas idóneas e integras, no entanto, AA é referenciado pelos seus desajustes comportamentais, associados à problemática aditiva.
84. À data dos factos, AA estava integrado no seu agregado familiar de origem, composto pelos progenitores, NN e OO, reformados, atualmente, com 73 e 70 anos de idade, respetivamente.
85. O arguido tem um irmão mais novo, PP, autónomo.
8.2. Factos não provados (invocados pelo recorrente – ponto 16 das conclusões)
“Não se provaram quaisquer outros factos que não aqueles que acima foram referidos, nomeadamente que:
Apenso NUIPC 118/21.6... (…)
Apenso NUIPC 43/21.0... (…)
Apenso NUIPC 414/21.2... (…)
Apenso NUIPC 97/21.0... (…)
Apenso NUIPC 49/21.0...
cc) Foi o arguido BB que vendeu o telemóvel ao arguido GG.
Apenso NUIPC 447/21.9....
dd) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 51) dos factos provados, o arguido BB apoderou-se de um envelope que continha, no seu interior, a quantia de € 1.000,00.”
8.3. Fundamentação de direito:
“Dos crimes de furto:
Os arguidos estão acusados da prática, em co-autoria material e na forma consumada, de 5 (cinco) crimes de furto qualificado p. e p. pelos arts. 13.º, 14.º n.º 1, 26.º 1.ª parte, 203.º n.º 1 e 204.º n.º 2 al. e), todos do Cód. Penal.
Dispõe o artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal que comete o crime de furto simples “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel ou animal alheios (...)”.
Por sua vez, nos termos da alínea e) do n.º 2, do artigo 204.º do Código Penal, “quem furtar coisa móvel ou animal alheios penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas, é punido com pena de prisão de dois a oito anos”.
Já a al. f) do n.º 1 do artigo 204.º do Código Penal prevê que quem furtar coisa móvel ou animal alheios introduzindo‐se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
Entre o crime de furto simples, que constitui o tipo legal de base e crime de furto qualificado, previstos respectivamente nos artigos 203.º e 204.º do Código Penal, existe um concurso aparente, em relação de especialidade. No tipo matricial, é enunciada a conduta punível como crime de furto, sendo que, no tipo legal de furto qualificado a ilicitude da conduta é agravada em função da verificação de determinados elementos adicionais ou complementares. A relação de especialidade tem como consequência a aplicação em concreto da norma especial, in casu, o furto qualificado, sempre que se verifiquem os elementos agravantes.
No que tange aos bens jurídicos protegidos pela normas em apreço, na esteira do referido por Faria Costa em anotação a este artigo in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, entende-se que se visa tutelar não só o direito de propriedade, mas a “especial relação de facto sobre a coisa – poder de facto sobre a coisa – tutelando-se, dessa maneira, a detenção ou mera posse como disponibilidade material da coisa; como disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica”.
São elementos objectivos do crime de furto: a coisa; o seu carácter móvel e alheio; e a subtracção.
Quanto ao que se entende por “coisa” para o preenchimento do tipo, no seguimento de José António Barreiros, in Crimes contra o património, Ed. 1996 considera-se que terá que ser “necessariamente algo passível de subtracção, embora não tenha que ser algo de apreensível”.
A coisa terá também que ser móvel, na medida que tem que ser passível de apreensão, não se fazendo aqui utilização dos conceitos civis, dado que os artigos 204.º e 205.º do Código Civil distinguem entre coisas móveis ou imóveis, consoante se encontrem ou não directamente incorporados ou ligados ao solo.
Outro dos elementos do tipo é o carácter alheio da coisa, não se exigindo o conhecimento da identidade do proprietário da coisa, mas tão-somente que a mesma não pertença ao agente do crime, o que também se encontra preenchido.
O tipo legal em apreço exige ainda para o seu preenchimento a subtracção, que, conforme evidencia Faria Costa, in obra citada, “traduz-se em uma conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor”, o que implica “a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa”. A subtracção, consiste assim, na quebra de uma detenção originária com a respectiva constituição de uma nova detenção.
Ora, por detenção entende-se o poder de facto sobre a coisa no sentido de domínio efectivo de acordo com as regras sociais.
Quanto ao momento, propriamente dito, em que se constitui uma nova detenção, têm sido apresentadas na doutrina quatro teorias, a saber: a teoria da “contretação” segundo a qual, existe nova detenção no momento em que o agente se limita a tocar a coisa; a teoria da “ablação”, nos termos da qual, haverá nova detenção no momento em que o agente afasta a coisa do domínio do seu detentor original; a teoria da “apreensão”, segundo a qual existe nova detenção quando o agente tem o controlo de facto e exclusivo sobre a coisa; e a teoria da “ilação”, para a qual só haverá nova detenção no momento em que o agente transfere a coisa definitivamente para a sua esfera de domínio.
Numa tomada de posição sobre as várias teorias, afigura-se-nos como mais correcta a teoria da apreensão, sendo, assim, necessário na concretização da nova detenção que a coisa passe da esfera de poder do detentor original para o domínio do agente.
Importa ainda referir no que tange à consumação do crime de furto, relativamente ao elemento subtracção, que se considera ser de perfilhar o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Fevereiro de 2007, in www.dgsi.pt, em que foi relator o Sr. Juiz Conselheiro, Maia Costa, segundo o qual “parece adequado optar por um conceito de subtracção que exija uma apropriação relativamente estável, como tal podendo considerar-se aquela que consegue ultrapassar os riscos imediatos de reacção por parte do próprio ofendido, das autoridades ou de outras pessoas agindo em defesa do ofendido”.
Em sentido convergente, refere Faria Costa in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, que apresenta um critério de acordo com o qual, “se exige o efectivo domínio sobre a coisa durante um espaço de tempo mínimo, de acordo com as circunstâncias do caso pois doutra forma, como explica, estaria arredado o recurso à legítima defesa (própria ou alheia) contra o agente do crime quando este entra em fuga na posse dos objectos apropriados, o que seria absurdo”.
No mesmo sentido, refere também o acórdão citado que Paulo Saragoça da Matta, num artigo denominado Subtracção de Coisa Móvel Alheia – Os Efeitos do Admirável Mundo Novo num Crime “Clássico” in Liber Discipulorum para J. Figueiredo Dias, “defende que o crime de furto se consuma quando a coisa entra no domínio de facto do agente com “tendencial estabilidade”, por ter sido transferida para fora da esfera do domínio do seu possuidor”.
Mas, para que um determinado facto previsto na lei penal como crime (elemento objectivo do tipo legal), seja punido, exige-se ainda a verificação do elemento subjectivo.
Ora no que concerne ao elemento subjectivo, conforme refere Eduardo Correia in Unidade e pluralidade de infracções, em nota de rodapé, no tipo legal de furto exige-se um dolo específico que se caracteriza pelo propósito do agente integrar a coisa furtada no seu património ou no património de terceiro, contra a vontade do seu proprietário.
Analisemos o caso concreto.
(…)
No que concerne ao apenso 414/21.2...:
Apurou-se que, nas circunstâncias descritas na acusação pública não foi necessário proceder ao arrombamento de qualquer porta/janela, uma vez que a porta da residência se encontrava aberta.
Estamos, pois, perante um crime de furto qualificado, nos termos do disposto no artigo 204.º, nº 1, alínea f), do Código Penal. Assim, impõe-se concluir pela absolvição dos arguidos da prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado que lhe vem imputado e condenar pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, por um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, nº 1, alínea f), do Código Penal.
No que concerne ao apenso 447/21.2..:
Estamos, pois, perante a prática pelos arguidos, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, nos termos do disposto artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do Código Penal, por referência ao preceituado no artigo 202.º, alíneas d) e e), do mesmo diploma legal.
Refira-se ainda que não existem factos susceptíveis de consubstanciarem causas de exclusão da ilicitude, da culpa ou da punibilidade, pelo que os arguidos AA e BB deverão ser punidos, como co-autores materiais, na forma consumada, e em concurso real e efectivo, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, nº 1, alínea f), do Código Penal e dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), com referência ao artigo 202.º, al. d) e e), todos do Código Penal (C.P.).
Dos crimes de roubo
Os arguidos encontram-se acusados, ainda, da prática em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de roubo, p. p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código Penal, por referência ao preceituado nos artigos 204.º, n.º 2, alínea e), e n.º 4, e 202.º, alínea c), do mesmo diploma legal (autos principais) e p. p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal (apenso n.º 49/21.0...).
O tipo legal do crime do roubo (artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal) dispõe que quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
O crime de roubo trata-se, consabidamente, de um crime complexo, em que se abrange simultaneamente a tutela da liberdade individual de decisão e acção, da integridade física, do direito de propriedade e de detenção das coisas apropriáveis ou subtraíveis (neste sentido, Conceição Ferreira Cunha Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo 2, páginas 160 e 161). “Trata-se de um ilícito que se esgota, em síntese, numa intenção de apropriação ilícita consumada através de uma intercalar acção coactiva, por meios violentos ou constrangedores” (in Acórdão da RL, de 18/06/2002 processo n.º 3240/2003-3, disponível no site www.dgsi.pt).
Os bens protegidos pelo tipo legal em análise são, assim, bens de índole patrimonial – o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis – e bens de índole pessoal – a liberdade individual de decisão e acção, e a integridade física (neste sentido, vide Conceição Ferreira da Cunha, in Comentário Conimbricense do Cód. Penal, V.II, pg.160).
“O roubo apresenta-se, assim, como crime meio e crime fim, atendendo ao facto de a ofensa a bens pessoais surgir como meio de lesão (crime meio) dos bens patrimoniais (crime fim)” (Acórdão da R.C. de 10/10/2001, processo n.º 1838/2001, disponível no site www.dgsi.pt).
De realçar que o ilícito, ora em análise, consubstancia um crime de dano e de resultado. Ou seja, para que o respectivo tipo se tenha por consumado, é necessário não só que se verifique uma efectiva subtracção ou entrega ao agente de coisa móvel alheia, mas também que tenha havido um efectivo constrangimento (a um «facere» ou a um «non facere»), levado a cabo por um dos meios descritos no tipo legal (a este propósito, Conceição Ferreira Cunha, obra citada, páginas 171 e 172).
É, pois, indispensável que entre o conseguir a coisa móvel ou animal alheios e os meios utilizados para tanto, possa afirmar-se um nexo de imputação, de forma a poder concluir-se que a violência, a ameaça ou a colocação da vítima na impossibilidade de resistir provocaram nesta um efectivo constrangimento à entrega do bem, ou um efectivo constrangimento à tolerância da sua subtracção.
Assim, na definição dos critérios a seguir para a afirmação deste nexo de imputação, importa salientar que para além dos meios utilizados pelo agente terem de ser adequados a constranger a vítima, exige-se ainda que eles efectivamente a constranjam.
Acrescente-se ainda que a adequação dos meios é aferida de acordo com um critério objectivo-individual, ou seja, deve considerar-se adequado o meio que se mostre, na objectividade das suas circunstâncias, susceptível de constranger qualquer pessoa, fazendo apelo ao critério do homem médio; mas há ainda que ter em conta as características individuais do sujeito passivo, isto é, a sua maior ou menor susceptibilidade de, em conformidade com os aspectos psicológicos ou capacidades que o caracterizam, sentir-se ou não intimidado. (Neste sentido, Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pp 348 e 349).
Na parte referente ao tipo subjectivo de ilícito, cumpre ter em consideração que o roubo integra um crime doloso, pelo que o agente terá que agir conhecendo correctamente toda a factualidade típica contida na previsão da incriminação. Podendo tal dolo assumir qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14º do Código Penal – dolo directo, necessário ou eventual.
Para o preenchimento do tipo subjectivo acresce ainda ao dolo a ilegítima intenção de apropriação, que faz do roubo um delito intencional.
Tal como refere Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense, 174, haverá tentativa de roubo se não se consumou a subtracção ou a entrega da coisa móvel alheia e/ou se não se conseguiu o efectivo constrangimento.
Por sua vez o artigo 210.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal dispõe: A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.
O artigo 204.º do Código Penal dispõe:
1 - Quem furtar coisa móvel ou animal alheios: a) De valor elevado;
b) Colocada ou transportada em veículo ou colocada em lugar destinado ao depósito de objetos ou transportada por passageiros utentes de transporte coletivo, mesmo que a subtração tenha lugar na estação, gare ou cais;
c) Afeta ao culto religioso ou à veneração da memória dos mortos e que se encontre em lugar destinado ao culto ou em cemitério;
d) Explorando situação de especial debilidade da vítima, de desastre, acidente, calamidade pública ou perigo comum;
e) Fechada em gaveta, cofre ou outro recetáculo equipados com fechadura ou outro dispositivo especialmente destinado à sua segurança;
f) Introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar;
g) Com usurpação de título, uniforme ou insígnia de empregado público, civil ou militar, ou alegando falsa ordem de autoridade pública;
h) Fazendo da prática de furtos modo de vida; ou i) Deixando a vítima em difícil situação económica;
j) Impedindo ou perturbando, por qualquer forma, a exploração de serviços de comunicações ou de fornecimento ao público de água, luz, energia, calor, óleo, gasolina ou gás;
é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 - Quem furtar coisa móvel ou animal alheios:
a) De valor consideravelmente elevado;
b) Que possua significado importante para o desenvolvimento tecnológico ou económico; c) Que por sua natureza seja altamente perigosa;
d) Que possua importante valor científico, artístico ou histórico e se encontre em coleção ou exposição públicas ou acessíveis ao público;
e) Penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas;
f) Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta; ou
g) Como membro de bando destinado à prática reiterada de crimes contra o património, com a colaboração de pelo menos outro membro do bando;
é punido com pena de prisão de dois a oito anos.
Prevê o artigo 204.º, nº 4, do Código Penal: não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor.
E, nos termos do disposto no artigo 202.º, alínea c), do Código Penal, considera-se valor diminuto aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto.
À data da prática dos factos (e atualmente) o valor da unidade de conta era de 102€.
Vejamos os factos provados:
No que concerne aos autos principais 430/21.4....:
No presente caso, atenta a factualidade provada atinente ao processo principal (factos 8 a 21, do processo 430/21.4...) resta concluir que os arguidos praticaram, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código Penal, por referência ao preceituado nos artigos 204.º, n.º 2, alínea e), e 202.º, alínea c), do mesmo diploma legal, não existindo factos susceptíveis de consubstanciarem causas de exclusão da ilicitude, da culpa ou da punibilidade dos arguidos.
No que concerne ao apenso 49/21.0....:
No presente caso, atenta a factualidade provada atinente a este apenso (factos 35 a 41, 43, 44 e 47, do apenso 49/21.0...) resta concluir que os arguidos praticaram, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de roubo simples, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 do Código Penal, não existindo factos susceptíveis de consubstanciarem causas de exclusão da ilicitude, da culpa ou da punibilidade dos arguidos.”
Âmbito e objeto do recurso
9. O recurso tem, pois, por objeto um acórdão proferido pelo tribunal coletivo que aplicou uma pena de prisão superior a 5 anos. Visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, da competência deste tribunal (artigo 434.º do CPP), sem prejuízo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, segundo o qual se pode recorrer com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º, que não vêm invocados.
O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se for caso disso, em vista da boa decisão do recurso, de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro), que não se verificam.
Estando em causa uma situação de concurso de crimes (artigos 30.º, n.º 1, e 77.º do Código Penal), pode este tribunal conhecer de todas as questões de direito relativas à pena conjunta aplicada aos crimes em concurso e às penas aplicadas a cada um deles englobadas naquela pena única, inferiores àquela medida, se impugnadas (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 5/2017, DR I, de 23.6.2017).
Mostram-se satisfeitos os requisitos impostos pelos artigos 374.º e 375.º do CPP, nomeadamente quanto à fundamentação em matéria de facto e em matéria de direito, bem como quanto à escolha e determinação da medida das penas, não se revelando qualquer dos vícios de decisão a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, os quais, na previsão deste preceito, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência, e não ocorrem nulidades não sanadas que devam ser conhecidas.
10. Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso, este Tribunal é, pois, chamado a apreciar e decidir, em síntese:
(a) Se “os 6 (seis) anos de prisão fixados no acórdão em recurso resultam ilegais, injustos, exagerados, e desproporcionais” (conclusão 25), incluindo-se, neste âmbito, as questões de saber se, no procedimento de determinação da pena única, o recorrente deve ser condenado “como cúmplice, relativamente a todos os crimes em que se provou a sua comparticipação” (conclusões 3 a 16) e não como coautor, e se “o tribunal [a quo] devia ter ponderado e concluído pela figura jurídica do crime de furto continuado” (conclusões 16 a 21), o que, a verificar-se, se refletiria nas penas parcelares (a partir das quais é determinada a pena única), embora não diretamente impugnadas na sua medida concreta, por aplicação do regime de atenuação especial da pena (artigos 27.º, n.º 2, 72.º e 73.º do Código Penal), no que respeita à cumplicidade, e do regime de punição do crime continuado (artigos 30.º, n.º 2 e 79.º do Código Penal); e
(b) Se, na procedência do recurso quanto à pena única, que, no entender do recorrente, deve ser fixada “próximo do limite mínimo legal, isto é, em cúmulo, 3 (três) anos de prisão”, esta pena deve ser suspensa na sua execução (conclusão 28 e final).
Por razões metodológicas, de precedência lógica, apreciar-se-ão em primeiro lugar, as questões relacionadas com a coautoria e com a alegada não consideração da figura do crime continuado.
Quanto à coautoria
11. Recordando a matéria de facto provada, que se encontra estabelecida, dela se extrai, na parte que agora interessa, que:
a) No processo NUIPC 430/21.4... (processo principal):
“8. (…) os arguidos BB e AA, decidiram, de comum acordo entre si, entrar na residência (…) pertencente a CC, com o propósito de se apoderarem de objectos de valor que lá se encontrassem, recorrendo, caso necessário, à força física ou à ameaça.
9. Para tanto, e em concretização do plano previamente traçado entre ambos, (…) deslocaram-se até à sobredita habitação na viatura automóvel de matrícula ..-RC-.., conduzida pelo arguido AA.
10. Chegados ao local, o arguido AA aguardou no interior do referido veículo automóvel, de vigia, e o arguido BB (…) introduziu-se no interior da antedita habitação.
11. Em acto contínuo, o arguido BB dirigiu-se ao quarto onde CC se encontrava a dormir, acordou-o, atirou-o para o chão, desferiu-lhe pontapés no rosto e no tronco, e colocou-lhe um pé na zona do pescoço, pressionando-o, impedindo-o de se mover e provocando-lhe dores e falta de ar, ao mesmo tempo que exigia a CC que lhe desse dinheiro. (…)
13. Em acto contínuo, o arguido BB pegou no telemóvel de CC, que tinha um cartão SIM com o número ...51, e no respectivo carregador, que se encontravam em cima da mesa-de-cabeceira, e num tablet, que se encontrava no quarto do filho de CC.
14. Após, o arguido BB abandonou a referida residência, levando consigo os sobreditos objectos, e, após, introduziu-se na viatura automóvel de matrícula ..-RC-.., onde colocou os objectos que tirara da habitação pertencente a CC.
15. Em acto contínuo, os arguidos BB e AA abandonaram o local, levando consigo os mencionados objectos, que fizeram seus, contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo dono.
16.O arguido BB introduziu-se na habitação de CC pela forma supra descrita, em execução de um plano previamente traçado entre ambos (…), sem o consentimento e sem a autorização de CC, bem sabendo ambos os arguidos que não podiam introduzir-se no interior da referida residência (…) e que agiam contra a vontade do respectivo dono, CC.
17. Os arguidos BB e AA sabiam que os aludidos objectos, que se encontravam no interior da sobredita habitação, não lhes pertenciam, pertencendo, outrossim, a CC.
18. Os arguidos BB e AA actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si e em execução de um plano previamente traçado entre ambos, com o propósito de fazerem seus os aludidos objectos, o que, efectivamente, conseguiram, recorrendo, para o efeito, à utilização da força física, o que, igualmente, quiseram e conseguiram, bem sabendo que os referidos objectos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e em prejuízo do seu legítimo dono.”
b) No apenso NUIPC 414/21.2....
“22. (…) os arguidos BB e AA decidiram, de comum acordo entre si, entrar na residência (…) pertencente a DD, com o propósito de se apoderarem de objectos de valor que lá se encontrassem.
23. Para tanto, e em concretização do plano previamente traçado entre ambos, (…) deslocaram-se até à sobredita habitação na viatura automóvel de matrícula ..-RC-.., conduzida pelo arguido AA.
24. Chegados ao local, o arguido AA aguardou no interior do referido veículo automóvel, de vigia, e o arguido BB, introduziu-se no interior da residência através da porta das traseiras da residência.
25. Em acto contínuo, o arguido BB apoderou-se dos seguintes objectos: [indicados neste ponto da matéria de facto]
26. Posteriormente, o arguido BB abandonou a referida habitação, levando consigo os aludidos objectos, e, após, introduziu-se na viatura automóvel de matrícula ..-RC-.., onde colocou os objectos que tirara da habitação pertencente a DD.
27. Em acto contínuo, (…) abandonaram o local, levando consigo os mencionados objectos, que fizeram seus, contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo dono. (…)
29. Os arguidos (…) sabiam que os aludidos objectos, que se encontravam no interior da sobredita residência, não lhes pertenciam, pertencendo, outrossim, a DD.
30. Os arguidos (…) actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si e em execução de um plano previamente traçado entre ambos, com o propósito de fazerem seus os aludidos objectos, o que, efectivamente, conseguiram, bem sabendo que (…), ao retirá-los do interior da antedita habitação, pertencente a DD, actuavam contra a vontade, sem autorização e em prejuízo do seu legítimo dono.”
c) No apenso NUIPC 49/21.0...
“35. (…) quando FF caminhava (…) em direcção à Matriz, local em que apanharia o autocarro, os arguidos BB e AA, que ali circulavam na viatura automóvel de matrícula ..-RC-.., conduzida pelo arguido AA, decidiram, de comum acordo entre si, abordar FF, com o propósito de se apoderarem de objectos de valor e de dinheiro que a mesma trouxesse consigo, recorrendo, caso necessário, à força física ou à ameaça.
36. Para tanto, e em concretização do plano previamente traçado entre ambos, o arguido AA parou o veículo automóvel que conduzia, aguardando no interior do mesmo, de vigia, e o arguido BB saiu do referido carro e aproximou-se da ofendida FF.
37. Em acto contínuo, o arguido BB agarrou na alça da mala de senhora, de cor ..., que FF trazia ao ombro e puxou-a com força para si.
38. Porque FF resistiu, puxando a mala para si, o arguido BB puxou-a com mais força, acabando por rebentar a alça da mala e fazendo com que FF rodopiasse sobre si própria, o que lhe causou dores no ombro.
39. Nesta sequência, o arguido BB apoderou-se da mala de FF, que continha, no seu interior: [os objetos descritos neste ponto da matéria de facto]
40. Após, o arguido BB abandonou o local, levando consigo os sobreditos objectos, e, após, introduziu-se na viatura automóvel de matrícula ..-RC-.., onde colocou os objectos de que acabara de se apoderar, pertencentes a FF.
41. Em acto contínuo, os arguidos BB e AA abandonaram o local, levando consigo os mencionados objectos, que fizeram seus, contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo dono. (…)
43. Os arguidos (…) sabiam que os aludidos objectos não lhes pertenciam, pertencendo, outrossim, a FF.
44. Os arguidos (…) actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si e em execução de um plano previamente traçado entre ambos, com o propósito de fazerem seus os aludidos objectos, o que, efectivamente, conseguiram, recorrendo, para o efeito, à utilização da força física, o que, igualmente, quiseram e conseguiram, bem sabendo que os referidos objectos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e em prejuízo do seu legítimo dono.”
d) No apenso NUIPC 447/21.9...
“48. (…) os arguidos BB e AA decidiram, de comum acordo entre si, entrar na residência (…) pertencente a HH, com o propósito de se apoderarem de objectos de valor que lá se encontrassem.
49. Para tanto, e em concretização do plano previamente traçado entre ambos, os arguidos (…) deslocaram-se até à sobredita habitação na viatura automóvel de matrícula ..-RC-.., conduzida pelo arguido AA.
50. Chegados ao local, o arguido AA aguardou no interior do referido veículo automóvel, de vigia, e o arguido BB, depois de ter saltado o muro de vedação do quintal da referida residência e de ter partido o vidro de uma janela das traseiras da residência, introduziu-se no respectivo interior.
51. Em acto contínuo, o arguido BB apoderou-se dos seguintes objectos: [indicados neste ponto da matéria de factos]
52. Posteriormente, o arguido BB abandonou a referida habitação, levando consigo os aludidos objectos, e, após, introduziu-se na viatura automóvel de matrícula ..-RC-.., onde colocou os objectos que tirara da habitação pertencente ao ofendido HH.
53. Em acto contínuo, os arguidos (…) abandonaram o local, levando consigo os mencionados objectos, que fizeram seus, contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo dono.
54. Os arguidos (…) sabiam que os aludidos objectos, que se encontravam no interior da sobredita residência, não lhes pertenciam, pertencendo, outrossim, a HH.
55. Os arguidos (…) actuaram da forma supra descrita, em conjugação de esforços entre si e em execução de um plano previamente traçado entre ambos, com o propósito de fazerem seus os aludidos objectos, o que, efectivamente, conseguiram, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que, ao retirá-los do interior da antedita habitação, pertencente a HH, actuavam contra a vontade, sem autorização e em prejuízo do seu legítimo dono.”
12. Perante esta factualidade, relembrando as conclusões da motivação, diz o recorrente, em síntese:
- Que “nenhum facto provado materializa, quanto ao ora recorrente, [a] realidade absolutamente essencial do domínio funcional do facto próprio da autoria, no sentido em que a actividade, mesmo parcelar, do coautor na realização do objectivo acordado, se tem de revelar indispensável à realização desse objectivo”;
- Que “os factos dados como provados, (…) não revelam mais do que uma intenção conjunta, nada referindo nem nada contendo quanto a uma eventual individualização, desenvolvimento e concretização das ações de cada um e muito menos a sua função instrumental ou a essencialidade/importância para o resultado típico das ações imputadas ao arguido ora recorrente, contrariamente às do coarguido BB”;
- Que apesar do acórdão referir que “é verdade que foi dado como provado que ambos os coarguidos agiram em comunhão de esforços e intenções e com base num plano previamente gizado”, “tais elementos subjetivos e genéricos não constituem propriamente factos, mas apenas conclusões que poderiam eventualmente ser extraídas de outros factos, estes sim concretos, precisos e mais ou menos individualizados, que revelassem uma ligação, mesmo parcelar, mediata ou imediata, com a acção que estava em causa, como por exemplo a essencialidade da condução do carro, ou o mínimo de discussão prévia em que tivesse admitido e aceite algumas possibilidades da actuação do autor imediato, ou após estas, a perceção pelo recorrente dos termos em que aquelas tinham sido concretizadas, sempre, pelo arguido BB. Nada disso aconteceu e, portanto, nada disso foi provado”;
- Que, “sem factos que revelem e integrem os elementos materiais mínimos da relação entre autor (e coautor) e acção (os comportamentos concretos, mesmo parcelares, mais ou menos intensos, mas essenciais porque co determinantes), não pode ser estabelecida a direta e necessária ligação de um facto ao seu autor, já que o simples conhecimento da acção sem atos de participação real e efetiva, que não apenas de auxílio, não é relevante em termos de comparticipação como autoria material consumada, mas, conforme impõe a lei que seja (art.º 27 do C.P.), de comparticipação criminosa a título de cumplicidade”;
- Que “o acórdão descumpriu [os] artigos (27º e 29º do CP), pelo que, adequando estes preceitos aos concretos factos do douto acórdão, provado e não provados na audiência de discussão e julgamento”, deverá o acórdão “ser revogado na parcela referente à regra penal da comparticipação criminosa da coautoria material na forma consumada (art.º 26º do CP), (…) substituindo-a por outra que condene, sim, o ora recorrente, mas como cúmplice, relativamente a todos os crimes em que se provou a sua comparticipação”.
13. Como se viu, o recorrente vem condenado pela prática, em coautoria com o arguido BB, de dois crimes de roubo, um agravado e um “simples”, e de dois crimes de furto qualificado.
No domínio da comparticipação nada de específico se encontra quanto a estes tipos de crime, devendo seguir-se as regras gerais do artigo 26.º do Código Penal, no que diz respeito à autoria, e no artigo 27.º, no que se refere à cumplicidade.
14. Nos termos do artigo 26.º, “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”. “É punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso”, diz o artigo 27.º.
Numa formulação sintética, o artigo 26.º contém várias hipóteses de autoria: uma de autoria singular, quando ao agente executa o facto por si mesmo – autoria imediata –, e três de autoria plural: situações em que o facto é praticado por intermédio de outrem (que é instrumento ou longa manus do autor imediato) – autoria mediata –; situações em que dois ou mais agentes acordam entre si a prática do facto e o executam conjuntamente – coautoria –, e os casos de instigação, em que uma pessoa determina outra à prática do crime, a qual mantém vontade autónoma de praticar o facto, sendo, por conseguinte autor dele (assim, Paula Ribeiro de Faria, Formas Especiais do Crime, Católica Editora, Porto, 2017, p. 305ss).
15. Como tem sido unanime e reiteradamente afirmado na jurisprudência (cfr., entre outros, os acórdãos 06-10-2004 (Henriques Gaspar), Proc. 04P1875, de 5.6.2012 (Armindo Monteiro), Proc. 148/10.3SCLSB.L1.S1, e de 14.12.2017 (Francisco Caetano), Proc. 470/16.5JACBR.S1, em www.dgsi.pt) e na doutrina, na coautoria a realização conjunta de um crime supõe a existência de um plano ou de um acordo (contendo a “decisão”) – que Eduardo Correia identifica como o “elemento mais importante” da coautoria (Direito Criminal II, Almedina, Coimbra, 1971, pp. 249-255) – e o contributo objetivo de cada um dos autores na execução do facto. Porque nenhum dos coautores possui na íntegra o domínio do facto, no sentido que lhe é atribuído para definir a autoria – «autor é quem domina o facto, quem dele é “senhor”, quem toma a execução “nas suas próprias mãos”, de tal modo que dele depende decisivamente o se e o como da realização típica», «e não apenas que se limite a oferecer ou a pôr à disposição os meios de realização» de facto alheio –, Figueiredo Dias (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3.ª ed., GestLegal, 2019, pp. 894, 923 e 928) usa o conceito de “condomínio do facto”, para designar a partilha ou o exercício conjunto desse “domínio” durante a execução do facto [numa “teoria do domínio do facto estrita”, comumente reconhecida como refletida no artigo 26.º do Código Penal português, que não abrange uma contribuição “substancial” na fase de preparação (“teoria do domínio do facto moderada”), como no sistema alemão – assim, Eric Hilgendorf/Brian Valerius, Direito Penal, Parte Geral, tradução da 2.ª ed., Marcial Pons Editora do Brasil, 2019, p. 250. Sobre estes pontos, cfr. Nuno Brandão, Pacto para matar: autoria e início de execução, comentário ao acórdão do STJ de 16.10.2008, Proc. n.º 3867/07, em Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 4/2008, p. 531-605].
A coautoria é caraterizada por uma atuação com divisões de trabalho, ou repartição de tarefas, e uma distribuição funcional de papéis na execução do facto (preenchimento do tipo). Dado que cada contribuição singular completa um todo unitário (a realização do tipo), todas as contribuições individuais e objetivas têm que ser imputadas reciprocamente a todos os coautores, desde que eles atuem nos limites do acordo, expresso ou tácito, estabelecido entre eles, de praticar o facto conjuntamente. A componente subjetiva reside na decisão conjunta, pois só assim “se pode justificar que responda pela totalidade do delito o agente que por si levou a cabo uma parte da execução típica”. Não basta, porém, o mero acordo – que também pode existir entre o autor e o cúmplice – ou plano conjunto, pois necessário se torna que este respeite ao papel ou função na execução do facto “por forma a que o contributo de cada um para o facto apareça não como mero favorecimento de um facto alheio, mas como parte da atividade total e, correspondentemente, as ações dos outros se revelam como um complemento da sua participação própria” (Figueiredo Dias, loc. cit. p. 925). Daí que o dolo da prática do facto típico por cada coautor seja “um dolo de realização conjunta desse facto típico, o que obriga ao conhecimento do plano [conjunto], das tarefas envolvidas, das circunstâncias típicas de atuação e a vontade da sua realização nesses termos” (Paula Ribeiro de Faria, loc. cit., p. 313).
16. Os arguidos praticaram, em conjunto, dois crimes de furto e dois crimes de roubo, crimes que se inscrevem nas categorias de crimes de dano e de resultado, de execução não vinculada (artigos 203.º, 204.º e 210.º do Código Penal). A sua execução compreende todos os atos idóneos à produção do resultado típico – subtração de coisa móvel alheia, sem violência (furto) ou com violência (roubo) – bem como os atos que os antecedem segundo um juízo de normalidade e experiência comum (artigo 22.º, n.º 2, al. b) e c), do Código Penal).
No caso, estes atos foram levados a efeito de acordo com os planos traçados entre ambos, com o propósito, realizado, de produzir os resultados (típicos) pretendidos.
Com efeito, da matéria de facto provada (supra, 12), que descreve circunstanciadamente as suas condutas, resulta que ambos os arguidos decidiram, de comum acordo entre si, em concretização de planos que previamente traçaram, praticar todos os atos descritos, se necessário com recurso à força física ou à ameaça (nos crimes de roubo), para se apropriarem, como apropriaram, dos objetos subtraídos, pertencentes aos ofendidos, que fizeram seus. Para o efeito, de acordo com esses planos, dividindo tarefas e funções, deslocavam-se em veículo automóvel conduzido pelo arguido AA, que aguardava no seu interior, de vigia, enquanto o coarguido BB penetrava nas habitações e, usando de violência, se necessário, de lá retirava os bens que trazia consigo e enquanto este abordou a vítima FF, de cuja carteira se apoderou com violência, apoderando-se dos objetos nela contidos; de seguida, o arguido BB regressava ao veículo automóvel conduzido por aquele, onde colocava os objetos de que acabava de se apoderar, e abandonavam os locais levando todos os objetos consigo, de que ambos se apropriaram.
17. Face à matéria de facto provada, assim sumariada nos seus aspetos essenciais, não resta qualquer dúvida de que o comportamento do arguido se compreende na previsão normativa da coautoria (artigo 26.º do Código Penal), tal como anteriormente caraterizada (supra, 15).
Ao atuar da forma descrita, nas diferentes situações, o arguido AA agiu também como “senhor” do facto, com perfeito “condomínio” do facto, dele dependendo, decisivamente, o “como” e o “se” da realização típica, em que participou, assegurando, pelas tarefas e funções que desempenhou, na execução do facto, o resultado que ambos pretendiam realizar, não se limitando a prestar auxílio ao coarguido BB na prática dos furtos e roubos por que este também foi condenado.
Carece, por conseguinte, de total fundamento tudo o que vem alegado pelo recorrente, nomeadamente quanto à ausência de factos que revelem o domínio do facto, restringindo-os à mera “intenção conjunta”, e quanto à falta de concretização de factos suscetíveis de demonstrar a comparticipação efetiva do arguido na execução dos crimes, de modo a poder ser considerado coautor. Tais alegações não encontram suporte nos factos provados, no sentido do afastamento da punição como coautor e da punição como cúmplice.
18. Assim sendo, tendo atuado nos limites dos acordos estabelecidos entre si de praticar os factos conjuntamente, as contribuições individuais e objetivas de cada um dos arguidos, como partes da atividade total, têm de ser imputadas reciprocamente a ambos, como complemento das suas ações próprias. O que determina a punição do recorrente como autor, nos termos do artigo 26.º do Código Penal, relevando as circunstâncias concretas da sua ação apenas para efeitos de determinação da pena, nos termos do artigo 71.º.
Termos em que improcede o recurso nesta parte.
Quanto à não consideração da figura do crime continuado
19. No que respeita à alegação da não consideração do crime continuado, o recorrente, depois de invocar aspetos gerais do seu regime (artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal), limita-se a dizer que “quanto aos crimes de furto e furto agravado, em que estão em causa apenas a proteção de bens jurídicos patrimoniais, o tribunal devia ter ponderado e concluído pela figura jurídica do crime de furto continuado, fazendo-se refletir na pena a aplicar ao ora recorrente a diminuição considerável da sua culpa cabendo, porém, introduzir já, nesse particular do douto acórdão ora em recurso, a alteração da autoria pela cumplicidade”.
Mas não indica, na motivação, a razão desta conclusão, ou seja, quais as circunstâncias, descritas nos factos provados, que o acórdão recorrido deveria ter considerado para que se deva concluir que os dois crimes de furto integram uma continuação criminosa.
Nem essas circunstâncias se revelam dos factos provados.
20. Tal como o tribunal recorrido decidiu, os crimes de furto encontram-se numa relação de concurso efetivo, nos termos do artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, não se demonstrando que tenham sido praticados “no quadro de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa”, para que tais condutas possam constituir um só crime continuado (n.º 2 do mesmo preceito).
Esta circunstância não pode julgar-se verificada pelo facto de, como diz o acórdão recorrido, os factos terem sido praticados “num período de tempo muito curto, a solicitação da mesma necessidade – a dependência de produto estupefaciente”, que apenas releva para efeitos de determinação da pena (artigo 71.º do Código Penal). A diminuição sensível da culpa, exigida pelo artigo 30.º, n.º 2, só poderá ter lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete, sem que o agente tenha contribuído para essa repetição, já não quando o agente a provoca, nomeadamente escolhendo o tempo, o local, a vítima e o modo de execução do crime, como sucede neste caso.
Pelo que também improcede o recurso nesta parte.
Quanto à pena
21. A determinação da pena requer, num primeiro momento, o estabelecimento da respetiva moldura abstrata, definida em função dos tipos de crime em concurso (artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal) e das penas concretamente aplicadas a cada um dos crimes (artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal).
Não se suscitam quaisquer questões no que diz respeito à qualificação jurídica dos factos e o recorrente, que deve ser punido como coautor, como decidido no acórdão recorrido, e não como cúmplice, não impugna a medida das penas parcelares.
22. A crítica do recorrente dirige-se nesta parte, à pena única, de 6 anos de prisão, por, no seu entender, não terem sido considerados fatores pessoais que considera relevantes. Relembrando as conclusões do recurso:
“25º) Ao sobre dito acresce, por último, que o recorrente à data da prática dos factos não registava quaisquer antecedentes criminais e que beneficia de grande integração familiar e social, pelo que os 6 (seis) anos de prisão fixados no acórdão em recurso resultam ilegais, injustos, exagerados, e desproporcionais, principalmente quando comparada com as penas face às condutas de outros arguidos, julgados por este tribunal.
26º) Em nosso entender e salvo melhor opinião, considera-se justa e adequada a pena que se fixe próximo do limite mínimo legal, isto é, em cúmulo, 3 (três) anos de prisão.
29º) Desta feita a finalidade última de recuperação do recorrente, será atingida, afastando-o assim, da criminalidade sem, contudo, descurar as finalidades da punição, e sem nunca esquecer que a conduta desconforme do recorrente se prendeu, precisamente, com o consumo de estupefacientes.
30º) Assim sendo, todas as considerações sobre a culpa do recorrente, em função das eventuais lesões ou perigos concretamente criados por si, não têm cabimento na determinação da medida concreta da pena de seis anos de prisão.
31º) Por último, o n.º 2 do art.º 71.º do CP impõe ao tribunal que releve todas as circunstâncias que não façam parte do tipo legal de crime e que militem a favor e contra o arguido, sendo enunciadas a título exemplificativo nas als. a) a f).
32º) Ora, no caso dos autos, na determinação da medida concreta da pena, verifica-se que, para além dos vícios já apontados, o Tribunal o quo não fez, como devia, uma equitativa ponderação das circunstâncias que depunham o favor e contra o recorrente, privilegiando estas últimas em detrimento daquelas.
33º) Pelo que se entende, e salvo o devido respeito e tudo ponderado, deverá ser reapreciada a real comparticipação criminosa do arguido, não com o coautor material que efectivamente não foi, mas como cúmplice em todas as suas participações e nos da prática dos furtos, em apenas um crime de furto na forma continuada, daí se retirando as legais consequências no que toca à medida da pena, que deverá ser fixada próximo, em cúmulo, dos três anos de prisão, suspensos na sua execução”.
23. A decisão de aplicação da pena única encontra-se assim fundamentada:
«Torna-se necessário proceder, em seguida, ao cúmulo jurídico das penas parcelares acima fixadas ao arguido, nos termos do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal, a pena unitária correspondente ao concurso de infracções terá, como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas a cada um dos crimes, e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicáveis aos vários crimes.
Assim, a pena unitária a impor ao arguido tem os seguintes limites:
- Mínimo: pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- Máximo: pena de 11 (onze) anos e 8 (oito) meses de prisão.
O n.º 1 estabelece que, na medida da pena, são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Tudo ponderado, e considerando que: os factos ocorreram todos num período de tempo muito curto (mês de Março de 2021), a solicitação da mesma necessidade – a dependência de produto estupefaciente – o tribunal considera adequada e suficiente a aplicação de uma pena única de 6 (seis) anos de prisão a aplicar ao arguido AA.
(…)”.
24. Como se vê dos fundamentos da decisão de aplicação das penas singulares, cujos fatores adquirem agora relevância na perspetiva da avaliação, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente (infra, 25), foram consideradas as exigências de prevenção geral decorrentes da “frequência inquietante” destes tipos de crimes, e foi tido em conta que, quanto às necessidades de prevenção especial, o arguido, apesar de à data da prática dos factos não ter antecedentes criminais”, “tem condenações posteriores aos factos em análise nestes autos, por factos praticados anteriormente”, “tem condenações posteriores pela prática de crimes contra o património, tendo sido condenado em pena de prisão suspensa (facto desfavorável)”, que, “atendendo ao modo de cometimento do crime”, o grau de ilicitude do facto é “mediano” e que agiu com dolo direto. Considerou-se também a “total desvalorização do desvalor da sua conduta (facto desfavorável)”, “a dependência aditiva do arguido à data da prática dos factos, servindo os crimes para satisfazer o seu vício”, a recuperação parcial e o valor dos bens.
Da matéria de facto provada, resulta que o arguido, de 42 anos de idade, nasceu “no seio de um agregado familiar com boas condições socioeconómicas”, “o seu desenvolvimento psicoafectivo decorreu num ambiente familiar harmonioso, estruturado e cuja educação se pautou pelas normas e regras sociais vigentes”, iniciou o consumo de estupefacientes (haxixe) aos 16 anos de idade, passou a consumir cocaína e heroína fumada aos 18 anos, e em abril do ano transato, substâncias psicoativas (sintéticas), “foi submetido”, sem sucesso “a vários tratamentos à problemática aditiva” , afastando-se dos seus descendentes, de 14 e 11 anos, devido à sua “condição aditiva”, condição que também afetou a capacidade de manter situações de emprego estável; na sequência “de uma recaída no consumo de substâncias aditivas”, rompeu a sua relação conjugal com a mãe do filho mais novo, tendo regressado ao seu agregado familiar de origem; foi-lhe aplicada a medida de coação de tratamento à toxicodependência, no processo 437/20.... e ainda não se encontra integrado em programa terapêutico no estabelecimento prisional.
Dos antecedentes criminais extrai-se que praticou anteriormente, um crime de detenção de arma proibida, em 20.8.2020, e um crime de furto qualificado tentado, um crime de roubo e um crime de furto, em 30.12.2020, 31.12.2020 e 1.1.2021.
25. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir de uma moldura definida, no seu mínimo, pela mais elevada das penas aplicadas aos crimes em concurso e, no seu máximo, pela soma das penas aplicadas a esses crimes, sem ultrapassar 25 anos de prisão (n.º 2 do artigo 77.º), para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (n.º 1 do artigo 77.º, in fine), com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração. Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas e sociais, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, p. 248ss; por todos, o acórdão de 16.2.2022, Proc. 160/20.4GAMGL.S1).
26. Recordando jurisprudência constante deste Supremo Tribunal e o que se consignou em acórdãos anteriores, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento do agente. Há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido e ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projeção nos crimes praticados, levando-se em consideração a natureza destes e a verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, tudo isto «tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de fatores meramente ocasionais» [assim, o citado acórdão de 16.2.2022, retomando-se o que se afirmou no acórdão de 2.12.2012, Proc. 923/09.1T3SNT.L1.S1, de 21.11.2018, ECLI:PT:STJ:2018:114.14.0JACBR. A.S1.73, citando-se, designadamente, os acórdãos de 06-02-2008 (Proc. n.º 4454/07), de 18.1.2012, Proc. 34/05.9PAVNG.S1 (Raul Borges), de 14.07.2016 e de 17.06.2015 (Proc. 4403/00.2TDLSB.S1) (Pires da Graça) e 488/11.4GALNH (Maia Costa), em www.dgsi.pt].
Citando e repetindo o afirmado em anteriores decisões: “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». «A personalidade do agente – se bem que não a personalidade no seu todo, mas só a personalidade manifestada no facto», – «é um factor da mais elevada importância para a medida da pena e que para ela releva, tanto pela via da culpa como pela via da prevenção» (Figueiredo Dias, loc. cit., p. 291).
27. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, que se refere às finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente (manifestada no facto), relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.
Como se tem afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». A privação do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva (cfr. Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º).
28. Para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – fatores indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – fatores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).
Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo para determinação da medida concreta da pena em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização do agente, devendo evitar-se a dessocialização.
Como se tem sublinhado, é, pois, na determinação da presença e na consideração destes fatores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na acção levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação (cfr., entre outros, os acórdãos de 26.06.2019, Proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, cit.).
29. Os crimes cometidos posicionam-se, como se disse, numa relação de concurso, pelo que, conforme jurisprudência deste Tribunal, há que apreciar do respeito por este critério de adequação e proporcionalidade da pena única.
Aos crimes em concurso corresponde a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, no seu limite mínimo, por ser a pena mais grave, e de 11 anos e 8 meses de prisão no seu limite máximo, correspondente à soma das penas parcelares, todos eles, praticados entre 14.3.2021 e 21.3.2021, ou seja, no período de uma semana.
Há uma conexão interpessoal entre eles, pelo comum acordo prévio entre os dois arguidos, em execução conjunta desse acordo, com utilização do mesmo veículo automóvel, sempre conduzido pelo recorrente, que aguardava de vigia, e de forma essencialmente idêntica, lesando o mesmo bem jurídico protegido (a propriedade e a propriedade e a integridade física e psicológica, no caso dos roubos), com grau de violência de maior intensidade no primeiro roubo.
Os factos provados permitem estabelecer uma correlação entre os crimes praticados e o consumo de estupefacientes.
No comportamento anterior ressalta a prática, cerca de três meses antes, de três crimes de pequena gravidade e idêntica natureza, mas julgados posteriormente, não se podendo, nesta base, concluir pelo reforço das necessidades de prevenção especial em resultado da condenação por esses crimes, a que foram aplicadas penas de multa e de prisão, de execução suspensa com regime de prova.
Apesar da repetição dos comportamentos criminosos, lesando os mesmos bens jurídicos, tendo em conta a sua concentração temporal e a conduta anterior, não é de concluir que o arguido tenha iniciado uma carreira criminosa, a considerar com efeito de agravação.
A decisão reflete o grau de ilicitude dos factos, no seu conjunto, nomeadamente levando em conta o modo e a participação do arguido na execução dos crimes, os valores dos objetos furtados e os prejuízos resultantes das apropriações.
Foram devidamente ponderados a intensidade do dolo, bem como o comportamento anterior aos crimes e as condições pessoais do arguido, nomeadamente as invocadas pelo recorrente, e a baixa capacidade revelada para manter uma conduta lícita, condicionada pelo consumo de substâncias estupefacientes, particularmente relevantes para responder às exigências de prevenção especial, que, por estas circunstâncias, se mostram particularmente elevadas, a requerer intervenção, em meio prisional, para recuperação da toxicodependência.
Assim, tendo em conta os factores relevantes acima expostos, nomeadamente as condições pessoais (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal), e, em particular, o critério especial definido no artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que convoca a avaliação da personalidade do agente projetada no conjunto dos factos praticados, tudo ponderando numa apreciação global, não se encontra fundamento que possa constituir motivo de discordância quanto à medida da pena aplicada, por violação dos critérios de adequação e proporcionalidade, na consideração da concreta gravidade dos factos praticados e das necessidades de protecção dos bens jurídicos e de reintegração que a sua aplicação visa realizar.
Sendo esta pena de medida superior a 5 anos, não há lugar à ponderação da suspensão da sua execução, por a isso se opor o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.
Termos em que o recurso igualmente improcede nesta parte.
Quanto a custas
30. De acordo com o disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
III. Decisão
31. Pelo exposto, acordam os juízes da 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.
Supremo Tribunal de Justiça, 8 de junho de 2022.
José Luís Lopes da Mota (relator)
Maria da Conceição Simão Gomes
Nuno António Gonçalves
(assinado digitalmente)