Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02S3057
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MANUEL PEREIRA
Descritores: AGRAVO EM SEGUNDA INSTÂNCIA
VENDEDOR
LOCAL DE TRABALHO
COMISSÕES
ANULAÇÃO DA DECISÃO
FACTOS ADMITIDOS POR ACORDO
Nº do Documento: SJ200302190030574
Data do Acordão: 02/19/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1064/01
Data: 02/17/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: ANULADA A DECISÃO.
Sumário :
I – Não é admissível recurso de agravo em 2ª instância do acórdão da Relação que confirme, ainda que por diverso fundamento, sem voto de vencido, a decisão da 1ª instância – art.º 754, n.º 2 do CPC.
II – Compete à empresa definir os objectivos a prosseguir e, em consequência, estabelecer o modelo de organização e os esquemas de actuação que melhor permitam alcançá-los, tendo em atenção um mercado em constante mutação e ferozmente concorrencial, nada impedindo que, em consequência de alterações que fez na sua estrutura e sistema de vendas por razões de mercado face às grandes superfícies que comunicou aos seus vendedores, altere a área de actuação do seu trabalhador vendedor privando-o dos distritos de Bragança e Vila Real e de concelhos do “Grande Porto” se este continua a vender na área da cidade do Porto e concelhos limítrofes, conforme acordo de transferência que anteriormente efectuara com a ré.
III – Se o autor associa à diminuição da área uma diminuição das vendas e consequentemente das comissões, cabe-lhe o ónus de o demonstrar nos termos do art.º 342 do CC e, se se prova que o
autor não visitava os clientes que a ré lhe indicava, mas outros fora da sua área, o que não deixou de ter reflexo no volume das vendas, ficando sem se saber se e em que medida a redução da área teria
afectado aquele volume, a ré não pode ser responsabilizada pela redução das comissões.
IV – Não estando as partes de acordo quanto à componente variável da percentagem devida ao trabalhador a título de comissões sobre as vendas e tendo-as o autor reclamado na acção, deve tal facto ser
objecto de quesitação para ser apurado em julgamento e anular-se a decisão recorrida.
V – Tendo a ré aceite a autoria de um documento de cujo conteúdo o autor quis valer-se , o facto respectivo pode e deve ser atendido na sentença de acordo com o art.º 659 do CPC se, e na medida, em
que interessar ao conhecimento da questão a decidir.
Decisão Texto Integral: Acórdão na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


"AA", vendedor, demandou no Tribunal do Trabalho do Porto, em acção com processo ordinário emergente de contrato individual de trabalho, a Ré “Empresa-A, pedindo que seja condenada a:
1) conferir ao A. a área definida pelos distritos de Bragança e de Vila Real e do “Grande Porto”, compreendendo a área de Espinho a Amarante e as “grandes superfícies” nela situadas;
2) pagar ao A. a indemnização por não realização de vendas na área e nas grandes superfícies, correspondente às comissões relativas às vendas efectuadas em 1997 e anos seguintes, no mínimo das comissões auferidas pelas vendas de 1996, enquanto não repuser as condições de trabalho acordado em 1985;
3) compensá-lo dos danos não patrimoniais, em valor inferior a 1.500.000$00, com juros a partir da citação; e
4) pagar ao A. uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento, em valor não inferior a 50.000$00.
Alegou, no essencial, que trabalha para a Ré, sob a sua autoridade e direcção, como vendedor, há mais de 15 anos.
Em Agosto de 1985, foi transferido o local de trabalho do A., da área de Lisboa para o Porto, compreendendo os distritos de Bragança e de Vila Real e o “Grande Porto”, compreendendo a área de Espinho e de Amarante.

O A. sempre recebeu um ordenado base e 4,5% de comissões sobre todas as vendas da sua área, mas a Ré apenas legalizava 2,5% das comissões como retribuição, sendo os restantes 2% pagos sem incidência de impostos nem descontos para a Segurança Social.
As despesas pessoais do A. e de deslocações, feitos em viatura própria, eram por ele suportadas à custa das comissões.
Em Fevereiro de 1997 e Abril do mesmo ano, a Ré retirou ao A. as grandes superfícies, cujas vendas representavam cerca de 60% das comissões por ele auferidas.
E em Março, ainda de 1997, a Ré reduziu a área de trabalho do A., reduziu-lhe a percentagem das comissões e impôs-lhe a utilização de viatura da empresa, mas o A. não aceitou tais alterações, sendo certo que à Ré era vedado alterar unilateralmente as condições contratuais.
Como as vendas efectuadas pelo A., em 1996, totalizaram 217.150.000$00, recebeu uma média mensal de comissões de 814.346$00, média que a alteração contratual operada pela Ré não pode prejudicar, pelo que terá de indemnizar o A. se as vendas por ele efectuadas forem inferiores àquele montante.
As comissões que a Ré pagou ao A., nos meses de Janeiro a Abril, incl., de 1997, foram as indicadas no art. 22º da petição inicial- a acção foi proposta em 30/5/97.
O procedimento da Ré tem provocado comentários desprestigiantes e pejorativos dos clientes, em relação à actividade do A., gerando neste um estado depressivo e de desconsideração pessoal, que o traz amargurado e revoltado, justificando a reclamada indemnização por danos não patrimoniais.

Contestou a Ré, aduzindo que a remuneração do A. compunha-se de ordenado base e 2% de comissões sobre as vendas efectuadas, sendo certo que a Ré aceitava pagar ao A., a título de despesas, uma importância até 2,5%, calculada sobre as vendas efectuadas, importância com que o A. pagava as suas despesas quando ao serviço da Ré.
As novas condições de vendas, nomeadamente, comissões, despesas e áreas de vendas, foram acordadas entre Autor e Ré, passando as comissões a ser de 2,33% e suportando a Ré todos as despesas de vendedor, o que levou a Ré a adquirir uma viatura automóvel para utilização pelo Autor.
As alterações introduzidas não prejudicavam o A., foram acordados entre as partes, embora mais tarde o A. haja recusado as novas condições.
Conclui no sentido de que nada deve ao A., sendo que os reclamados danos não patrimoniais não merecem a tutela do direito.
Em reclamação, diz-se, Em reconvenção, pede a condenação do A. a pagar-lhe as quantias de 1.903.000$00, custo do veículo que o A. recusou utilizar,100.000$00 por dia a partir de 1/4/97 e até 31/5/97, prejuízo por diminuição das vendas por acto do A., 85.000$00 mensais a contar de 1/6/97, salário fixo de outro veículo que a Ré teve de contratar devido ao comportamento do A., e ainda de 10.000$00 diários, a contar de 1/4/97, a título de danos não patrimoniais.
Respondendo à reconvenção, aduz o A. razões que conduzem à sua improcedência.

Nesse articulado, corrige o alegado na petição inicial, aceitando que dos 4,5% de comissões 2% respeitavam a comissões/retribuições e 2,5% a despesas, sendo que estas ficavam abaixo dos 2,5%.
Notificada do oferecimento da resposta, requereu a Ré o desentranhamento do articulado, por não se contestar neste nenhum dos factos alegados na reconvenção.
Designado diz que uma tentativa de conciliação, veio o A. requerer que, por não haver qualquer hipótese de acordo, se desse sem efeito a diligência.
Do despacho que indeferiu o requerido e condenou o A. em custas, interpôs este recurso de agravo, admitido com subida diferida.
Proferiu-se o despacho saneador, em que, além do mais, se considerou não escrito o articulado da resposta, excepto quanto à matéria respeitante ao pedido reconvencional, e selecionou-se a matéria assente e controvertida, de que reclamaram A. e Ré, sem êxito.
O A. interpôs recurso de agravo do despacho que considerou não escrita por parte do articulado da resposta, agravo também recebido para subir oportunamente.
Julgada a causa, proferiu-se sentença a julgar improcedente quer a acção, quer o pedido reconvencional.
Do assim decidido interpôs o Autor recurso de apelação.
O Tribunal da Relação do Porto, pelo acórdão de fls. 336-349, negou provimento aos recursos.

De novo inconformado, recorreu o A. de revista, tendo assim concluído a sua alegação:
a) O juiz tem o poder- dever direito da direcção do processo, mas deve exercê-lo no interesse das partes, de acordo com a sua vontade presumível e em economia de actos e de tempo.
b) Tendo o A. pedido que ficasse sem efeito a tentativa de conciliação marcada para 4.2.98 (escreveu-se 4.2.97 por lapso), por considerar inútil tal diligência, por saber que a nada conduzia e constituía perda de tempo, a senhora juíza “a quo” devia ter atendido o pedido/sugestão e não insistir na prática do acto condenado ao fracasso e não podia tributar tal acto como incidente, por representar um acto de colaboração e de lealdade com o próprio tribunal.
c) Violou, assim, o despacho de fls. 17 e segs os art. os 265º nº 1 e 266º nº 1, do CPC e o art. 43º do CCJ.
d) Tendo a Ré fundamentado a reconvenção com toda a alegação feita em matéria de contestação, nos termos do art. 102º da contestação, que abre a reconvenção, incumbia ao A., recorrido, tomar posição definida sobre toda essa matéria remetida.
e) O despacho de fls. 67 violou os art.os 505º e 491º nº 1 do CPC.
f) O acórdão recorrido, considerando improcedentes os dois agravos, de fl. 17 e fl. 67, violou, tal como os despachos recorridos, as normas das conclusões c) e e).
g) E porque parte da matéria abrangida já foi esclarecida pelo colectivo que julgou a matéria de facto, e na medida em que com ela se conforma, devem os efeitos da revogação do despacho de fl. 67 ser limitados à parte ainda em discussão ( montante da comissão, de 4,5% e de 2,33% tal como abaixo se esclarece).
h) A matéria das alíneas F) a I da especificação foi fixada dando guarida à expressão formal da Ré, que nem merece o mínimo de aceitabilidade e em contrário quer da alegação do A., quer da conclusão a extrair da conjugação dos factos assentes por confronto dos articulados.
i) De facto, resulta claramente dos articulados que a Ré pagava ao A. 4,5% sobre as vendas por ele efectuadas sendo 2% processados como retribuição e 2,5% titulados como despesas.
j) Dos 2,5% o A. pagava as despesas por ele feitas com a angariação das vendas.
l) Estes factos estão subjacentes à posição das partes e pode concluir-se por um acordo quanto a eles, pelo que devem considerar-se assentes.
m) Se assim não se entender, deve repetir-se o julgamento para se apurar se entre Ré e A. foi acordada a comissão de 4,5%, que era processada em 2% de comissão e 2,5% de despesas.
n) A resposta ao quesito 20º deve ser corrigida face ao documento de fls 163, elaborado pela Ré e que entregou ao A. como sendo as novas condições de trabalho que lhe concedia (por força dos art.os 373º e 376º do CC): ”Pagar-lhe-ia apenas 2,33% de comissões sobre as vendas efectuadas em 12 meses em vez de 2% sobre as vendas efectuadas em 14 meses e não lhe concedia 2,5% sobre as vendas para despesas.
o) A área de trabalho do A. era constituída pelos distritos de Vila Real e de Bragança e pelo “Grande Porto”, que ia de Espinho a Amarante.
p) Nessa área havia grandes superfícies que o A. trabalhava e constituíam pelo menos 60% dos seus rendimentos.
q) A Ré reduziu a área de trabalho do A. à cidade do Porto e aos concelhos da Maia, Matosinhos e Gaia, e retirou-lhe as grandes superfícies e os ganhos de comissões correspondentes.
r) O A. não aceitou tal alteração de área e de rendimentos. Pelo que tem direito à mesma área e fonte de rendimentos.
s) Violou o acórdão recorrido os art.os 490º, nº 1 e 511º do CPC, os art.os 376º, nºs 1 e 2 e 406º, nº 1, do CC e o art. 21º nº 1, al. c) da LCT.
t) Deve, por isso, ser revogado, dando-se provimento aos agravos, e anulando-se, se for de entender, o julgamento ou decidindo-se pela procedência da acção.
Na contra-alegação, entende a Ré que não é de conhecer a matéria dos agravos, por se tratar de questões definitivamente decididas; quanto ao mais objecto de recurso, pronuncia-se pelo improvimento.
No parecer que ofereceu (fls 394-402), o Ex .mo Procurador-Geral Adjunto conclui no sentido de que será de anular em parte a decisão das instâncias sobre a matéria de facto, no que respeita à que ficou assente nas alíneas F), G) e I da especificação, e que deverá ser quesitada, e no que toca à al. N) e à resposta ao quesito 9º, “devendo as instâncias decidir com precisão qual a matéria de facto utilizável a esse propósito”.
Colhidos os vistos cumpre decidir.

O acórdão em recurso considerou fixados os seguintes factos, os que vinham apurados da 1ª instância:
1) O A. foi contratado pela Ré para lhe prestar serviço sob a sua autoridade e direcção, há mais de 15 anos, como vendedor.
2) A Ré dedica-se ao comércio de venda por grosso de produtos químicos e acessórios para automóvel e de utilidades diversas.
3) Do início do contrato de trabalho até Julho de 1985, o A. tinha como local de trabalho Lisboa e como área distribuída a zona centro de Lisboa e Leiria, Sacavém, Santarém, Cartaxo, Castelo Branco, Covilhã e Fundão, como localidades principais e de influência.
4) Em Agosto de 1985, as partes acordaram em transferir o local de trabalho do A. para o Porto, tendo como área de trabalho a dos distritos de Bragança e Vila Real e o “Grande Porto”, compreendendo a área de Espinho a Amarante.
5) As comissões pagas em Janeiro dizem respeito a vendas do mês de Dezembro de 1996 e as de Fevereiro a vendas de Janeiro de 1997, "grosso modo”.
6) Desde há alguns anos ( início de 1993) que a remuneração do A ( e demais vendedores) se compunha de: ordenado base e 2% de comissões sobre as vendas efectuadas.
7) A Ré aceitava pagar ao A. a título de despesas uma importância até 2,5%, calculada sobre as vendas efectuadas, não sujeita a desconto para a Segurança Social e IRS.
8) Era desta importância que o A. pagava livremente as suas despesas, nomeadamente alimentação, dormidas e transportes, quanto ao serviço da Ré.
9) O A., a maior parte dos meses, esgotava o limite concedido.
10) O sócio-gerente da Ré só aceitava vendas ao A. da nova área estabelecida depois de 26/3/97, não aceitando nem dando andamento às propostas de venda feitas fora da área indicada ao A.
11) E exigia que o A. fizesse relatórios diários do novo itinerário fixado.
12) A Ré admitiu um novo vendedor que passou a contactar clientes nas zonas que tinham sido do A.
13) No ano de 1996 o ordenado base do A. era de 84.850$00 e o valor das vendas foi de 217.159.000$00.
14) Dá-se como reproduzido o conteúdo do doc. de fls. 7 dos autos; fls. 39 e 40 dos autos.
15) Em Fevereiro de 1997, a Ré retirou ao A. as grandes superfícies da Sonae ( os hipermercados “Continente” de Matosinhos e Vila Nova de Gaia e os “modelos” da Zona) e a partir de Abril de 1997 todas as restantes grandes superfícies ( “Carrefour” de Gaia, “Makro de Gaia e de Matosinhos, “Feira Nova” de Valongo, Penafiel , Bragança e Mirandela e “Jumbo” da Maia e de Gaia.
16) As vendas das grandes superfícies representavam pelo menos cerca de 60% do total das comissões do A.
17) No dia 26/3/97, o sócio gerente da Ré, BB, chamou-o à sede e pretendeu que o A. assinasse um novo contrato de trabalho, pelo qual dava como consumada a retirada das grandes superfícies e pretendia ainda reduzir-lhe a área de trabalho, limitando a actividade do A. à cidade do Porto e aos concelhos da Maia, Matosinhos e Gaia, passava a utilizar viatura da empresa.
18) O A. não aceitou nem assinou tal contrato.
19) A partir daí, o sócio gerente da Ré BB, deu como consumada a alteração da área do A., fixando-a como sendo apenas a cidade do Porto e os concelhos de Maia, Matosinhos e Gaia.
20) Em 1996, o A. recebeu 9.772.155$00, sendo 2% de comissões e 2,5% de despesas, conforme facto do nº 7, além do ordenado base.
21) O A. recebeu pelo menos os montantes referidos nos documentos de fls. 168 e 169 dos autos.
22) Há algum tempo (como todos os que nela trabalhavam sabem), a Ré procura ser considerada uma “Empresa Certificada”, título que é conferido pelo Instituto Português de Qualidade, de acordo com o Manual Interno de Qualidade.
23) A Ré tem vindo a cumprir, obrigatoriamente uma série de directrizes que lhe são impostas, encontrando-se por isso em observação.
24) Foram as alterações de mercado face às “grandes superfícies” que levaram a Ré a ter de efectuar alterações na sua estrutura e nomeadamente no seu sistema de vendas.
25) Após uma reunião alargada a todos os vendedores, efectuada em 4/1/97, em que o A. também esteve presente foram anunciadas novas condições de vendas com todos os vendedores da Ré.
26) A. e Ré conversaram sobre as novas condições de vendas, nomeadamente quanto a comissões, despesas e área de vendas, em data anterior a 26/3/97.
27) As comissões para o A. deixaram de ser de 2% para passarem a ser de 2,33% sobre as vendas efectuadas.
28) As despesas do vendedor passavam a ser suportadas pela Ré, como transportes, alimentação e estadias.
29) A Ré comprou uma viatura nova, para colocar ao serviço do A., um Citroen Saxo 1500 Diesel, novo.
30) Todas as despesas com a viatura (aquisição, gasóleo, manutenção, reparações, seguro, etc.) eram da conta da Ré.
31) Seriam retiradas as zonas de Trás-os-Montes (Chaves, Vila Real e Bragança).
32) Ficou acordado que o A. iria à sede da Ré em Albarraque, no dia 26/3/97, assentar novas condições e receber a viatura nova.
33) Nesse dia 26/3/97, o A. recusou aceitar as novas condições e recusou receber a referida nova viatura.
34) Foi dito ao A. que a Ré não pagaria mais deslocações feitas no seu próprio veículo, e as deslocações, suportadas pela Ré passariam a ser feitas ou na viatura nova para o efeito comprada, ou em transportes públicos.
35) Como faz relativamente a todos os vendedores, a Ré indica ao A. as rotas a seguir e os clientes a visitar, e as demais condições de trabalho.
36) O A. recusa essas ordens e o cumprimento das obrigações fixadas: não visitava os clientes indicados, não respeitava as áreas indicadas, fazia vendas fora das áreas indicadas e não enviava os relatórios diários do trabalho efectuado.
37) O A. foi avisado de que se não cumprisse, a Ré ver-se-ia obrigada a colocar um novo vendedor nas respectivas áreas.
38) A Ré colocou outro vendedor nas áreas recusadas pelo A.
39) A exigência dos relatórios diários sobre o trabalho efectuado é uma das exigências -procedimento obrigatório- imposto pelo I.P.Q.( Instituto Port. de Qualidade), para a concessão do título de “Empresa Certificada”.
40) A Ré avisou o A. da incorrecção do seu procedimento e da impossibilidade de manutenção de tal situação e, ainda que se não corrigisse o comportamento, admitiria um novo vendedor para essas áreas que o A. rejeitava.
41) Em Janeiro de 1997, a Ré pagou (respeitante a Dezembro de 1996) de comissões de 2% a quantia de 225.825$00.
42) Em Fevereiro de 1997 relativamente a Janeiro/97, a Ré pagou ao A., de comissões de 2%, a quantia de 426.804$00.
43) Em Março/97, relativamente a Fevereiro/97, a Ré pagou ao A. de comissões de 2% a quantia de 261.652$00.
44) Em Abril/97, relativamente a Março/97, a Ré pagou ao A. pela nova comissão de 2,33% a quantia de 161.229$00.
45) As comissões eram calculadas sobre as vendas efectivamente feitas pelo A.
46) Com a compra dessa viatura Citroen Saxo 1500 Diesel, a Ré gastou a quantia de 1.903.000$00.
47) A Ré teve de pagar o salário de um novo vendedor.
Esta a factualidade que, apurada em primeira instância, mereceu confirmação do acórdão recorrido, que assim desatendeu as críticas do recorrente, que em primeira via pugnava pela anulação do julgamento, por considerar que há factualidade que indevidamente, por se mostrar controvertida, foi levada à especificação.
Voltaremos oportunamente a esta questão, certo que, antes, e além do mais, importa apreciar o que se prende com a matéria dos dois agravos, a que a Relação negou provimento e que o recorrente volta a trazer ao recurso de revista.

Como se disse, na contra-alegação a recorrida expressou o entendimento de que não é de conhecer da matéria dos agravos, por se mostrarem definitivamente decididas as questões neles apreciadas.
E efectivamente assim é, uma vez que, nos termos do nº 2 do art. 754º do Cód. Proc.Civil, não é admitido recurso (agravo em 2ª instância) do acórdão da Relação que confirme, ainda que por diverso fundamento, sem voto de vencido, a decisão proferida na primeira instância, norma subsidiariamente aplicável ao processo laboral face ao disposto no art.1º nº 2 al.a) do Cód. de Proc. Do Trabalho/81, o aplicável.
Como aos dois agravos foi negado provimento, sem votos de vencido, tornou-se definitivo no processo o que neles se decidiu.
Portanto, nem a decisão de não dar sem efeito a tentativa de conciliação e de condenar em custas o Autor por tal requerimento, e só neste último aspecto o agravo tinha sentido útil uma vez que foi realizada a tentativa, nem o decidido quanto a considerar não escrito o que no articulado da resposta ia além da oposição ao pedido reconvencional, podem ser reapreciados, pelo que não há que ajuizar da bondade dos despachos agravados, nomeadamente do segundo.
Definido este ponto, segue-se apreciar o que se prende com a alteração da área de vendas atribuídas ao A., que ficou diminuída, e a retirada das grandes superfícies, com graves reflexos, no dizer do trabalhador, no volume das vendas por ele efectuadas, e, consequentemente, no montante das comissões
Acompanhando as instâncias, julgamos que à Ré era consentido alterar a área de trabalho do Autor, pois que o acordo de transferência para o Porto, ponto de facto nº 4, apenas significava isso, não resultando dele que a área então atribuída ao trabalhador devesse manter-se sempre a mesma, sendo, pois, inalterável.
É sabido que compete à empresa definir os objectivos a prosseguir e, em consequência, estabelecer o modelo de organização e os esquemas de actuação que melhor permitam alcançá-los, tendo em atenção um mercado em constante mutação e ferozmente concorrencial.
Daí que lhe seja consentido transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não causar prejuízo sério ao trabalhador (art. 24º nº 1 da LCT), prejuízo que existirá se forem essencialmente atingidos interesses pessoais e familiares do trabalhador, sabido que o local de trabalho condiciona decisivamente o seu plano de vida pessoal e familiar.
Mas no caso nem há que, e o recorrente reconhece-o, falar de transferência do local de trabalho, certo que agora, como antes, o A. continuou com a área da cidade do Porto e ainda concelhos próximos, pese embora ficasse privado dos distritos de Bragança e Vila Real e de concelhos do “Grande Porto”.
Da redução da área das vendas e retirada das grandes superfícies, a que o A. retira é uma diminuição das comissões, com reflexo na retribuição a que se considera com direito.
Mas se, como vimos, a entidade patronal podia transferir o trabalhador para outro local de trabalho, de igual modo entendemos que lhe era consentido atribuir ao A. área distinta, sendo certo que a Ré teve de efectuar alterações na sua estrutura e sistema de vendas por razões de mercado face às grandes superfícies, terá levado ao conhecimento dos vendedores, A. incluindo, as novas condições de vendas (facto dos nºs 24 a 26).

Portanto, não estando a Ré obrigada a garantir a área de vendas que estava atribuída ao A., da mera alteração dela não decorrem consequências que possam responsabilizar a Ré.
Só que o A. associa à diminuição da área uma diminuição das vendas, logo das comissões.
Mas este pormenor não está demonstrado e cabia ao A. prová-lo (art. 342º nº 1 do Cód. Civil).
E o que provou antes foi que o A., para além de não fazer os relatórios diários ordenados pela Ré, não visitava os clientes que a empregadora lhe indicava, mas visitava outros fora da sua área, pelo que este comportamento do trabalhador não deixou de ter reflexos no volume das vendas, ficando-se sem saber se, e em que medida, a redução da área, supondo-se que normalmente trabalhador, teria afectado aquele volume.
Por isso, neste ponto, a revista tem de improceder, pois o A. não logrou provar a diminuição das vendas e, com ela, das comissões.
Aqui chegados, julgar-se-ia que desinteressava a questão pendente sobre a fixação da factualidade relevante, matéria de que este Supremo Tribunal pode conhecer nos estritos limites dos nºs 2 e 3 do art. 729º do Cód. Proc. Civil.
Se é certo que as partes estão de acordo em que a Ré pagava ao A. 2% de comissões, percentagem sobre que incidiam os legais descontos para o fisco e para a Segurança Social, o que inequivocamente integra a retribuição (art. 82º da LCT), já no tocante aos restantes 2,5% das comissões, a versão das partes não é coincidente, pelo que indevidamente foi especificado o facto do nº 7, al. G da especificação-enquanto, para o A; as comissões eram sempre de 4,5% repartidas pela forma indicada, já para a Ré, a parcela destinada a custear as despesas era variável, versão que foi considerada - "A Ré aceitava pagar ao A. a título de despesas uma importância até 2,5% calculada sobre as vendas efectuadas, não sujeita a descontos para a Segurança Social e IRS, diz assim o facto do nº 7.
Portanto, contrariamente ao que se entendeu, o pormenor mostra-se controvertido, pelo que devia ter sido objecto de quesitação, para ser apurado em julgamento, o que interessa porquanto, a provar-se a versão do A; que reclama a totalidade das comissões, ele terá direito à diferença entre os 2,5% e o montante das despesas por ele custeadas, se situadas abaixo daqueles 2,5% (ver art. 87º da LCT), isto com referência às comissões relativas aos meses de Março de 1997 e seguintes (vide facto do nº 44), a partir do momento em que a Ré começou a aplicar a nova comissão de 2,33%, que em 12 meses é ligeiramente inferior à de 2% x 14.

Quanto à resposta que foi dada ao quesito 20%, facto do nº 27), ela corresponde ao que se mostrava perguntado.
Só que resulta dos autos que a Ré aceitou a autoria do documento de fls. 163, de cujo conteúdo o A. quis valer-se, pelo que é de considerar provado que a componente variável das receitas do A. passou a ser a “equivalente a 2,33% sobre as vendas realizadas (sobre esse valor variável não incide subsídio de férias, nem de Natal em vez dos 2% (14 vezes ao ano) como se praticava até aqui…” (alínea b) do ponto 6 do documento).
Portanto, trata-se de facto em que as partes acordaram, que por isso podia e devia ser atendido na sentença ( art. 659º nº.s 2 e 3 do CPC), como deverá sê-lo se e na medida em que interessar ao conhecimento da questão que está em aberto, relativa às comissões efectivamente devidas ao A.
Termos em que se acorda em anular a decisão recorrida a fim de que se apure o facto constante do nº 7 (o da alínea G da Especificação), que importa à decisão do que toca às comissões, nos termos que ficaram referidos, sendo com referência ao valor que for apurado que importa interpretar o facto do nº 8.
O recorrente suporta 95/100 dos custos, ficando os restantes 5/100 a cargo da recorrida.

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2003
Manuel Pereira
Azambuja da Fonseca
Vítor Mesquita