Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S3534
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
QUEIXA-CRIME
RESCISÃO PELO TRABALHADOR
DIRECTOR GERAL
AVISO PRÉVIO
Nº do Documento: SJ200907070035344
Data do Acordão: 07/07/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
I – A existência de uma queixa-crime só pode ser provada pela exibição de documento que contenha a respectiva participação, única forma de se apurar a identidade do denunciante e a sua correspondente motivação, sendo, para tal, irrelevante a confissão [artigos 354.º, alínea a), conjugado com o artigo 364.º, n.º 1, do Código Civil].

II – A lei possibilita a desvinculação contratual por declaração unilateral do trabalhador, sem necessidade de observar o prazo de aviso prévio previsto no artigo 38.º da LCCT, naquelas situações que qualifica de todo anormais e particularmente graves e em que, por via disso, deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado por mais tempo à empresa.

III – Estas situações reconduzem-se aos comportamentos do empregador enunciados no artigo 35.º do citado diploma.

IV – Para que exista «justa causa» – cujo conceito, nos termos expressos daquele artigo 35.º e do seu precedente artigo 34.º, condiciona o direito do trabalhador a «rescindir» o vínculo – torna-se mister que aqueles comportamentos do empregador inviabilizem, de imediato e praticamente, a subsistência da relação de trabalho, que o contrato pressupõe.

V – Desempenhando o autor as funções de Director Geral da ré, a quem esta concedeu um estatuto de grande autonomia na direcção e supervisão da actividade por ela prosseguida, constatando-se que a mesma ré tinha recolhido um conjunto de indícios apontando para a existência de irregularidades no seio da empresa – irregularidades essas que, ao menos funcionalmente, recaíam sobre o autor –, justificava-se que aquela adoptasse medidas cautelares para a conservação da prova, durante dois dias (17 e 18 de Abril de 2001) e, com ela, o apuramento cabal dos factos, como ocorreu, no caso, ao guardar e pedir total confidencialidade sobre as investigações em curso e ao ocultar ao autor a vinda da Direcção (sedeada no estrangeiro) a Lisboa, do mesmo passo que reforçou a segurança física das instalações, substituiu fechaduras e alterou códigos de alarmes.

VI – No mesmo propósito se inserem reuniões promovidas nesses dois dias com advogados da ré, com os seus revisores de contas e com a empresa a quem a mesma encomendava habitualmente auditorias, após o que a ré procurou, sem sucesso, nos dias 19 e 20 de Abril de 2001, contactar telefonicamente o autor para lhe dar conta da sua suspensão preventiva de funções.

VII – Face a tal circunstancialismo, carece de justa causa a rescisão do contrato operada pelo autor no referido dia 20 de Abril – inviabilizando, assim, que a ré apurasse a veracidade dos indícios infraccionais recolhidos e, em caso afirmativo, a sua imputação subjectiva –, com fundamento na factualidade referida, e ainda por terem sido admitidos dois trabalhadores para cargos directivos na ré, à sua revelia – quando, é certo, tendo, embora, conferido ao autor poderes para contratar trabalhadores, a ré mantinha também tais poderes –, e por no referido dia 20 se ter deslocado à empresa e lhe ter sido inicialmente barrada a entrada na mesma, que só lhe veio a ser permitida mais tarde, embora nesse mesmo dia, sendo-lhe entregue em mão, nessa altura, uma carta em que o suspendia preventivamente de funções sem perda de retribuição.

VIII – A função do aviso prévio para a rescisão do contrato pelo trabalhador (artigo 38.º da LCCT) destina-se a possibilitar ao empregador destinatário a realização de diligências necessárias à substituição desse trabalhador, ou, até, à dispensa das funções por ele desempenhadas.

IX – Por isso, a indemnização prevista no artigo 39.º da LCCT, não representando uma mera contrapartida da desvinculação infundada pelo trabalhador, mostra-se injustificada quando o empregador assuma um comportamento prévio, do qual seja lícito inferir o seu propósito de dispensar no imediato – e ainda que temporariamente – a prestação laboral do seu funcionário.

X – Assim, tendo a ré suspenso preventivamente o autor e tendo-se logo apressado a implementar as medidas que julgou adequadas para colmatar a sua ausência, que previa estender-se por «alguns meses», inexiste nexo causal entre a posterior «rescisão» do contrato pelo trabalhador e a produção dos danos justificativos de uma indemnização por incumprimento do pré-aviso legal.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


1-RELATÓRIO

1.1.

DR. AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “O... – I..., T..., S.A.”, pedindo o reconhecimento da verificação de justa causa na “rescisão”, que operou, do contrato de trabalho aprazado com a Ré e que, por via disso, seja esta condenada a pagar-lhe as componentes indemnizatórias – por antiguidade e a título de danos não patrimoniais – e retributivas – reportadas a salários, férias, proporcionais de férias e subsídios pretensamente em dívida – discriminados no petitório inicial.
A Ré contaria frontalmente, na sua contestação, os fundamentos aduzidos em abono da apontada “rescisão” – de onde extrai, desde logo, a necessária improcedência dos pedidos indemnizatórios – do mesmo passo que questiona o montante da retribuição devida ao Autor – com óbvia repercussão nos montantes que, porventura, lhe sejam devidos – reclamando, por fim, a compensação entre esses eventuais créditos e a quantia, que se arroga, por falta de cumprimento de “aviso prévio” na rescisão produzida.
1.2.
Instruída e discutida a causa, foi lavrada sentença, de que se transcreve o respectivo segmento decisório:
“Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente, porque provada apenas em parte e, em consequência, declaro que a cessação por iniciativa do trabalhador, em 23 de Abril de 2001, do contrato de trabalho que unia o A. à Ré ocorreu por rescisão com justa causa, e condeno a R. O... – I... T... de P..., S.A. a pagar ao A. AA:
a) € 42.172,26 (quarenta e dois mil cento e setenta e dois euros e vinte e seis cêntimos) a título de indemnização de antiguidade pela rescisão com justa causa, calculada nos termos dos arts. 13º n.º 3 e 36º da LCCT;
b) € 26.064,82 (vinte e seis mil e sessenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos) a título de 23 dias de retribuição do mês de Abril de 2001, subsídio de férias vencido em Janeiro de 2001, férias vencidas em Janeiro de 2001 e não gozadas, proporcionadas do serviço prestado em 2001 relativamente a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
C) € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais”.
Sob apelação da Ré, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a justa causa rescisória mas, porque aderiu à tese da empregadora sobre o montante remuneratório do Autor, reduziu para € 23.859,35 e € 16.650,33, respectivamente, as quantias mencionadas supra sob as alíneas a) e b), do mesmo modo que também fixou em € 10.000,00 o montante ressarcitório dos danos não patrimoniais.
1.3.
Mantendo-se irresignada – por continuar a defender a ilicitude da rescisão imediata – a Ré pede revista a este Supremo Tribunal mas, desta feita, acompanhada do Autor, que também o faz a título principal – com expressa censura ao valor retributivo mensal fixado no Acórdão, com a inerente repercussão no ressarcimento por antiguidade e nos quantitativos remuneratórios, a ao valor indemnizatório por danos não patrimoniais.
Nesse sentido, coligem os seguintes núcleos conclusivos:
A)
REVISTA DA RÉ
1- os factos constantes do art.º 86º da P.I., aceites pela R. nos termos dos arts. 100º e 103º da contestação, constituem confissão judicial, não exigindo a Lei Civil “animus confidendi”;
2- a confissão judicial escrita, feita nos articulados, tem força probatória plena contra o confitente;
3- o ofício do Sr. Procurador da República dirigido ao Sr. Juiz da 1ª instância, a fls. 779 dos autos, dá como certa a existência do processo de inquérito e, portanto, da participação “sub judice” que o determinou;
4- o referido ofício constitui um documento autêntico com força probatória superior à participação, que é apenas um documento particular, pelo que substitui esta quanto à prova da sua existência, nos termos do art. 364º n.º 1 do C.C.;
5- por outro lado, a mera existência de uma busca no domicílio do Recorrido constitui um facto passado, objectivo e confessado pelo A., nada se referindo sequer ao seu resultado, pelo que não ofende o segredo de justiça;
6- o Acórdão recorrido violou a lei substantiva expressa nas normas do C.C., com maior relevo dos arts. 356º n.º 1, 358º n.º 1 e 364º n.º 1, ao não atender à requerida alteração da matéria de facto, ou seja, que “a R. fez participação crime contra o A. da qual resultou uma busca no domicílio conjugal do A.”, matéria muito relevante para enquadrar a razoabilidade da conduta da empresa;
7- as providências investigatórias e securitárias tomadas pela R. nos dias que antecederam a suspensão preventiva do A., foram justificadas à face dos direitos e deveres desta concernentes à sua defesa e, consequentemente, dos postos de trabalho pelos quais é responsável;
8- para o efeito, deve considerar-se certas circunstâncias, fundamentalmente a especial posição do A. na empresa e o seu procedimento durante a visita a este dos Srs. BB e Director do Grupo O... na Europa, acompanhados de 3 individualidades do grupo;
9- a situação do A. na R. era a de Director Geral, dotado da maior autonomia, porquanto os membros do CA a quem reportava residiam no estrangeiro;
10- sendo certo que a R. foi constituída para explorar separadamente os dois mercados ibéricos e, a partir de Portugal, também o mercado brasileiro;
11- para a realização deste projecto da OHI, o A. foi incumbido dos poderes necessários contidos no objecto social da R., compreendendo designadamente, o de contratar e despedir pessoal;
12- em suma e como vem provado, enquanto Director Geral, o A. “tinha um estatuto de grande autonomia, de direcção e supervisão dos negócios da R. e os trabalhadores viam nele, ao longo do tempo, o símbolo da própria empresa”;
13- “Os Srs. BB e CC não anunciaram ao A. a sua vinda porque o objectivo da deslocação era o de se inteirarem sobre um conjunto de indícios que entendiam estar relacionados com situações irregulares da actividade da empresa, e que consideravam ser da directa responsabilidade do A.”;
14- tal conjunto de indícios foi depois confirmado pelas investigações feitas em Lisboa e mais tarde, quer pelas certificações dos resultados do exercício de 2001, como também pelo Relatório apresentado pelos auditores DD e EE de 18/5/2001 sobre as contas correntes da empresa, anteriormente indicadas pelo Sr. BB ao Auditor;
15- quanto ao exercício de 2000, o A. apresentou um resultado positivo de 33.481.000$00, cuja certificação legal das contas continha uma reserva capaz de afectar o resultado apresentado;
16- novas demonstrações financeiras, com data de 21/2/02 rectificaram o resultado positivo de 2002, apresentado pelo A., para 291.601.451$00 negativos, aprovado em A.G. de 15/11/2002;
17- a certificação legal de contas de 2000, de 21/2/2002, evidenciou um ajustamento total de 274.803.083$00 que influenciaria negativamente o resultado negativo do exercício de 2000, pois que corresponderia a situações que eventualmente diriam respeito a 2001 ou aos posteriores;
18- em qualquer caso, ou seja, mesmo que “eventualmente” se concretizasse como “certamente” e “completamente”, o resultado continuava a ser negativo, na melhor hipótese, em 16.798.367$00;
19- por sua vez, o Relatório da DD e revela graves irregularidades em diversas contas correntes, designadamente na do A., que concretiza da seguinte forma:
20- “A análise efectuada no ano de 2000 e primeiro trimestre de 2001 revelou a existência de documentação ou documentação inadequada a suportar certos serviços prestados à O... I..., S.A., falta de evidência da efectiva prestação desses serviços, inexistência da análises sobre a economicidade dos custos, documentos de pagamentos que não evidenciam que os mesmos sejam efectuados às entidades prestadoras dos serviços, bem como movimentos bancários aparentemente não relacionados com transacções efectuadas pela Empresa e movimentos de regularização de contas correntes entre entidades diferentes”;
21- portanto, os indícios que o Sr. BB e os seus acompanhantes teriam à sua chegada a Lisboa de graves irregularidades da directa responsabilidade do A., foram confirmados nas investigações a que procederam nesta cidade, a partir de 17/4/01 e mais tarde, com maior pormenor, através das certificações dos resultados do exercício de 2000 e Relatório dos auditores da DD e EE;
22- perante tal cenário factual, o acórdão apenas reconheceu “o direito dos representantes da Apelante, Sr. BB e Sr. CC, em averiguarem eventuais irregularidades cometidas pelo Apelado e que esse desiderato pode significar a surpresa como que apareceram na empresa sem nada comunicarem ao Apelado ...”;
23- sobre a restante matéria provada, atrás referida, que confirma as suspeitas sobre a grave conduta infraccional do A., o Acórdão recorrido não a comenta;
24- apenas observa, relativamente a eventuais irregularidades nas contas da empresa, que “houve uma correcção do saldo do ano do exercício do ano de 2000, mas nestes autos não se apuraram quaisquer factos ilícitos imputáveis ao A., sendo certo que está provado, relativamente ao exercício de 2000, que a R. foi qualificada pelos responsáveis do Grupo O... em Roma, em Março de 2001, como sendo a empresa do grupo com melhores resultados”;
25-naturalmente que em Março de 2001 não tinha ainda a R. quaisquer suspeitas sobre a falsidade do saldo apresentado pelo A. relativo ao exercício de 2000, pois que a primeira certificação legal das contas, em que foi apresentada uma reserva, foi em Maio de 2001 (facto provado 40, al. b));
26- quanto ao necessário saldo negativo da conta de 2000, em contradição com o saldo positivo apresentado pelo A., bem como quanto ao conteúdo do Relatório da DD e EE, o Acórdão recorrido “observa de conrado o prudente silêncio”. Nem uma palavra;
27- ora, obviamente que, como refere o Acórdão recorrido, não se provaram nos autos “quaisquer factos ilícitos imputáveis ao A.”, nem esta é a questão do processo; apenas se confirmaram suspeitas de graves irregularidades do Recorrido;
28- porém, a questão nuclear do processo é outra, ou seja, saber se a R. praticou factos ilícitos que justificaram a rescisão imediata do contrato de trabalho por parte do A. tendo também em atenção o comportamento do próprio A. que vem provado;
29- deste modo, os factos que o Acórdão qualifica com ilícitos praticados pela Recorrente, é que têm que ser apreciados tendo em atenção, por um lado, a necessidade de uma investigação eficaz e segura perante a adensação das suspeitas e, por outro, o comportamento do A.;
30- naturalmente que a investigação das suspeitas, já que respeitam a factos da vida financeira da empresa, deveriam incidir, como incidiram, fundamentalmente, sobre a documentação escrita/informatizada da empresa, pelo que,
31- era, portanto, essencial para a Recorrente a preservação da integralidade da documentação contra intervenções que visassem a sua alteração ou desaparecimento;
32- naturalmente que, suspeitando a R. do A. como responsável por graves infracções disciplinares e até criminais no sector financeiro da empresa, seria este o principal interessado em intervenções na documentação que visassem a sua alteração ou subtracção na parte que interessasse;
33- ora, o comportamento do A. desde o dia 18/4/2001 em que tomou conhecimento, por aviso da empresa, da presença dos Srs. BB e CC, foi de molde a exigir da parte da R. as mais rigorosas medidas securitárias;
34- logo no dia 18/4, o A. é informado, por telefonema da empresa, da chegada à sede da R. dos representantes da Ré, entre os quais o Sr. BB, Director do Grupo O... na Europa e, portanto, seu superior hierárquico;
35- o A., na altura no norte do país, após ter recebido tal comunicação, não entrou em contacto com o seu superior hierárquico, como era sua obrigação, ao menos por comunicação telefónica, para o saudar e saber se necessitava da sua presença, nem sequer atendeu as chamadas que pelos representantes da administração da R. lhe foram feitas para o seu telemóvel, em 19 e 20 de Abril;
36- e os pretextos que congeminou são completamente contraditórios com a sua partida para o Montijo no dia 20/4;
37- se no dia 18/4 vem provado que pensou tratar-se de uma das muitas auditorias a que a empresa regularmente era sujeita, porque é que no dia 20/4, data em que continuava a nada saber do que se passava na empresa, não continuou a pensar como no dia 18/4 e resolve apresentar-se no Montijo?
38- não vindo provado que alguém da empresa tenha comunicado com o A. entre 18 e 20/4?
39- por culpa do A., portanto, gerou-se a convicção da R., correspondente, aliás, à realidade, de que o A. poderia aparecer e entrar na empresa em qualquer momento, tornando-se, pois, necessário garantir o desígnio fundamental da investigação da preservação da já referida integralidade da documentação;
40- foi, pois,, por culpa do A. que a R. foi obrigada a tomar medidas securitárias tão rigorosas como as que estabeleceu para assegurar a integralidade da documentação, medidas que o Acórdão censura sem ter em consideração os factos que vêm provados;
41- se o A. viu barrada a sua entrada na empresa e teve que esperar não se sabe quanto tempo, pois se ignora a que horas chegou da Guarda, a culpa foi sua;
42- tal não teria sucedido se tivesse telefonado ao Sr. BB e comunicado que se apresentava no dia 20, pelas X horas, pois que, então o Sr. BB daria ordens para que, logo que chegasse, fosse conduzido à sua presença;
43- quanto aos factos da investigação que o Acórdão considerou integrarem-se nas als. b) e f) do art.º 35º da LCCT, salvo o devido respeito, entende a R. que tal integração não se verifica pelas razões que a seguir se expõe:
44- a confidencialidade pedida ao responsável pela contabilidade, Dr. FF, pelo Sr. CC, integrou-se na investigação de irregularidades no sector financeiro, sendo o próprio Acórdão recorrido que reconhece a necessidade de secretismo na averiguação de certas irregularidades;
45- a análise e discussão de tais irregularidades na praça pública é que seria lamentável e ofenderia o A., que ainda não tinha tido oportunidade de defender a sua honra no competente processo disciplinar e, se necessário, no tribunal, oportunidades que recusou, o que é bem significativo;
46- quanto à readmissão do Sr. GG, não se provou que tivesse lugar ainda na vigência do contrato de trabalho com o A., nem para que função foi readmitido, pois que a respeito destas circunstâncias nada se provou;
47- quanto à designação do Sr. HH como “ responsável do sector industrial”, não se prova que fosse anterior a 19/7/2001, ou seja, anterior à situação da suspensão preventiva do A., pois o que vem provado é que tal designação se verificou entre 17 e 20/4;
48- é que, tendo-se iniciado em 19/7 a situação de suspensão preventiva, após decorrer a restante investigação, e todo o processo disciplinar, provável é que, dada a natureza das infracções do sector financeiro, a sua duração fosse de alguns meses. Era, pois, indispensável que, durante este período, alguém assumisse as funções de responsável pela área industrial;
49- não se verificou, portanto, por esta designação do Sr. HH, a distribuição do A. das suas funções na área industrial;
50- o que destituiu o A. de todas as suas funções foi a suspensão preventiva, que pressupõe o início anterior do procedimento disciplinar, que continuaria com o processo disciplinar se o A. não se tivesse despedido, recusando, assim, tacitamente receber a nota de culpa, o que, repete-se, foi bastante esclarecedor;
51- quanto à substituição das fechaduras das instalações da R., alteração dos créditos de alarmes e dos “hakers” informáticos e ao bloqueio dos instrumentos de trabalho sob a supervisão do A., integrou-se na já fundamentada necessidade de providências securitárias eficazes e rigorosas, dado o comportamento do A., que nunca comunicou com o Sr. Steffens ou com qualquer outro dos representantes da R., nem atendeu os seus telefonemas, e para garantir a inoperância pelo A. se tentasse alterar ou fazer desaparecer documentação, o que se afigura cuidado absolutamente legítimo da R., face ao comportamento do A.;
52- o reforço da segurança com elementos do Grupo 8, justifica-se por idênticas razões;
53- a pretendida consideração dos actos securitários e investigatórios da R., atrás referidos como violadores do art. 18º da L.C.T., não pode proceder, no caso dos autos, pois que o dever de mútua colaboração suspende-se, naturalmente, durante um procedimento disciplinar, sobretudo no caso de suspensão preventiva, pelo menos até ao final do procedimento;
54- também os deveres das als. a) e g) do art. 19º da LCT sofrem idêntica redução, com excepção do dever do empregador tratar o trabalhador, no processo disciplinar, com imparcialidade, garantindo-lhe a sua defesa e decidindo ponderadamente e com boa-fé, além de lhe pagar a retribuição durante a suspensão preventiva;
55- é, poisa, convicção da recorrente, considerando todo o âmbito e circunstâncias do caso dos autos, que o A. não teve justa causa para se despedir, pois que a R. não praticou qualquer acto culposo e, muito menos, tão grave que impossibilitasse a subsistência do contrato de trabalho dentro do condicionalismo de um procedimento disciplinar que exigiu uma investigação com especiais cautelas securitárias e que, à partida, justificava uma previsão temporal relativamente longa, pelo menos até à conclusão do previsível processo disciplinar, o que obrigava a garantir certas funções directivas na empresa durante tal período;
56- naturalmente, o que era previsível, se o A. tivesse factos que pudessem evidenciar a sua inocência, era que à suspensão se seguiria o processo disciplinar;
57- por último, é óbvio que qualquer dos factos atrás referidos, que mereceram a censura do Acórdão, não integram ilícitos penais, como exige a al. f) do n.º 1 do art. 35º da LCCT, o que seria indispensável para serem qualificados como justa causa na rescisão do contrato operada pelo A.;
58- não vem também provado que tais factos fossem praticados com dolo, sendo que os crimes contra a honra referidos nos arts. 180º e segs. do C.P., são crimes dolosos, que não prevêem a negligência (art. 13º do mesmo Código);
59- porém, mesmo que de uma forma forçada se quisesse atribuir àqueles factos natureza de imputação ao Recorrido, sob a forma de suspeita de um facto, ou formular sobre ele um juízo ofensivo da sua honra e consideração, a verdade é que tal imputação (imaginária, no caso dos autos), teria sido feita para defender interesses legítimos da Recorrente (n.º 2 al. A) do art. 18º do C.P.), como foi amplamente alegado neste documento;
60- não sendo lícito o despedimento operado pelo A., por ausência de justa causa, não tem direito o mesmo à indemnização fixada no art. º 36º da LCCT, pois que a R. não praticou culposamente qualquer dos factos alegados pelo A., constantes do art. 35º n.º 1 da mesma Lei;
61- sendo assim, não pode atender-se a danos não patrimoniais, que são uma decorrência da indemnização por facto ilícito (art. 496º n.º 1 do C.C.);
62- o Acórdão fixou a retribuição mensal do A. em € 4.490,00;
63- pela posição da R., assumida no processo e defendida nesta alegação, o despedimento do A. foi ilícito, pelo que, reitera-se, não tem direito à indemnização de € 23.895,00 fixada no Acórdão;
64- pelo contrário, o A. é que é devedor à R., como vem alegado na contestação, do montante correspondente ao aviso prévio de 2 meses, no montante de € 8.880,00;
65- tendo em atenção as quantias devidas pela Recorrente ao Recorrido pela cessação do contrato de € 16.605,3, requer-se a compensação judiciária entre os dois créditos, resultando um crédito do A. no montante de € 7.670,33;
66- o Acórdão recorrido violou, designadamente, o n.º 1 als. b) e f) do art. 35º da LCCT e ainda, quanto a citada al. f), os arts. 13º e n.º 2 al. a) do art. 18º do C.P., bem como os arts. 18º e 19º als. a) e g) da LCT, além dos arts. 355º n.ºs 1, 2 e 3, 356º n.º 1, 358º n.º 1 e 364º n.º 1 do C.C..

B)
REVISTA DO AUTOR
1- este recurso de revista é circunscrito ao segmento do acórdão que revogou a sentença quanto à retribuição, que passou de € 7.028,71 para € 4.490,00, e quanto ao montante dos danos não patrimoniais, que passou de € 20.000,00 para € 10.000,00;
2- tendo a sentença da 1ª instância ficado aquém dos justos valores formulados na P.I., reduzi-los ainda mais – como fez o Acórdão em revista – é algo que só uma errada interpretação do direito aplicável explica e uma leitura deficiente dos factos assentes autoriza;
3- a questão central da discordância do recorrente, quanto ao decidido sobre a retribuição, reside no facto de o acórdão não ter encontrado uma solução consentânea com o que foi acordado entre as partes;
4- ao invés do acórdão, só a solução da 1ª instância respeita a letra e o espírito do que foi acordado pelas partes, sendo conforme aos melhores princípios subjacentes ao conceito e definição da figura da retribuição, não obstante se entender que esta tenha, mesmo assim, ficado aquém do que era de direito e seria de esperar;
5- ficou provado e assente que, antes da admissão do A. para director geral da R., o presidente do C.A. desta sociedade e director geral da OHI, Sr. II, acordou com o recorrente, balizado em informada anuência do Sr. JJ, uma remuneração base líquida anual de USD 112.000,00, que correspondia a 19.728.000$00 e equivale a € 98.402,00;
6- e provado ficou também que, posteriormente, o C.A. da R., representado pelo seu referido presidente, propôs e o A. aceitou receber nos seguintes termos:
a) USD 14.000,00 (€12.300,00), como parcela anual líquida a quitar pelo A. a R., que suportaria os encargos com a previdência social, correspondentes a 34,75%;
b) USD 98.000,00 (€ 86.102,00), como parcela anual a liquidar pela R., acrescida de IVA de 17%, e que o A. quitava àquela através de recibos emitidos em nome da firma que constituíra com as suas iniciais e se denomina de RBC – C... e G... de E... Ld.ª;
7- ficou ainda expressamente acordado que esta assunção de forma de pagamento se fazia sempre de acordo com os interesses e as conveniências do grupo OHI;
8- tendo em conta o assim expressamente acordado, a retribuição mensal do recorrente só podia ser uma: 7.028,71;
9-é com base neste último valor - € 7.028,71, correspondente a € 98.402,00, a dividir por 14 meses – que deve ser calculada a indemnização devida ao recorrente;
10- na verdade, o único valor fixo retributivo constante dos autos e resultante dos factos assentes é o da conclusão anterior, não se podendo utilizar – como faz o acórdão – o critério das retribuições definidas no ponto 39 dos factos assentes por não distinguir itens retributivos;
11- igualmente ficou provado, e sem margem de dúvidas, que daquela quantia de € 98.402,00, a quantia de € 12.300,00 correspondia à parcela anual relativa ao trabalho do recorrente em Portugal e a quantia de € 86.102,00 correspondia ao montante anual pago pela recorrida pelo seu trabalho prestado no Brasil;
12- a sentença da 1ª instância, ao transcrever e ao fundamentar-se no acordo celebrado entre as partes – consubstanciado nos pontos 36 e 37 da matéria provada e relativo ao montante da retribuição que aquele iria auferir desta – alcança com clareza o critério estruturante que deve presidir e ser decisivo para determinar a correcta e concreta retribuição do A.;
13 – este acordo é bem explícito e concreto, determinando as verbas parciais e o montante total a ser percebido pelo trabalhador recorrente;
14 – como se sabe, a retribuição de um trabalhador pode ter uma fonte legal ou convencional, ou então derivar da estipulação das partes, como aconteceu e vem provado nos referidos pontos 36 e 37;
15 – o que é decisivo para alcançar a retribuição de um trabalhador, é saber qual o acordo firmado pelas partes – quando ele existe, como é o caso;
16- o acórdão recorrido não faz alusão, ou comenta ou interpreta este acordo, antes elimina pura simplesmente a componente mais significativa da retribuição acordada entre as partes, perfilhando assim uma perspectiva que, do ponto de vista legal, é insustentável e que consta da seguinte proposição:
“também as importâncias pagas à empresa RBC Ld.ª não integram pela sua própria natureza a retribuição do autor”;
17- a própria recorrida nunca pôs em causa que o montante correspondente ao trabalho prestado pelo recorrente à CITEC integrava uma parcela da sua retribuição, como nomeadamente se pode constatar do art. 6º da contestação;
18 – o que diverge a recorrida do recorrente circunscreve-se do facto desta só se querer responsabilizar pela retribuição anual de € 12.300,00, devendo o remanescente até perfazer € 98.400,00, ser pago pela “CITEC” – S... de D... B... pertencente ao G... O...;
19- mas essa tese da recorrida, de que o pagamento que fazia ao A. pelo trabalho por este prestado à “CITEC” era um adiantamento sujeito a acerto de contas entre as empresas, [naufragou] totalmente ao nível da prova;
20- só o Acórdão em revista, contrariando a confissão da própria R., vem argumentar que a parcela de € 86.102,00 – “por sua própria natureza” – não integrava a retribuição do A., o que constitui uma perspectiva redutora e simplista, posto que se traduz numa afirmação isolada e descontextualizada das circunstâncias específicas do acordo realizado entre as partes;
21- é certo que a parcela da retribuição foi paga através da RBC Ld.ª, mas isso não descaracteriza o pagamento feito como sendo contrapartida do trabalho prestado pelo A., nem a elimina como uma condição estrutural do acordo celebrado pelas partes e no sentido da R. o pagar, como sempre o pagou;
22- a prestação de duma empresa a outra, que no caso até são associadas, através de um trabalhador do quadro de uma delas é perfeitamente legal sem prejuízo dos deveres da prestadora de serviços, entre eles, o pagamento da retribuição ao trabalhador que os prestou que no caso sempre se verificou;
23- a solução ao Acórdão constitui como que uma expropriação de parte significativa da retribuição do A. e sofre do vício de ser o enunciado de um princípio abstracto sem qualquer correspondência com a realidade contratual da estipulação das partes, bem visível na inexpressiva locução empregada: “pela sua própria natureza”;
24- a interpretação e aplicação das leis não podem, nem devem, fazer-se do modo como se exprimiu o acórdão recorrido, produzindo deduções meramente lógicas, sem correspondência com a vida e, no caso concreto, contrariamente a própria estipulação das partes;
25 – o despedimento com justa causa a que o A. foi obrigado, nas condições e termos em que ocorreu, configura um caso muito expressivo e simbólico da negação dos mais elementares direitos de personalidade e do princípio geral contido na afirmação de que o trabalhador, pelo facto de recorrer ao trabalho, não deixa de ser cidadão;
26- os princípios constitucionais e legais em vigor sobre direitos de personalidade reflectem esta afirmação e nem o facto de a entidade patronal recorrida ser uma multinacional, com administrador estrangeiros, a autoriza a eximir-se à sua observância;
27- salvo o devido respeito, a amputação que o acórdão fez da indemnização por danos morais, já de si tão escassamente fixada na 1ª instância, não cumpre melhores critérios da justiça e da equidade;
28- a elevada posição hierárquica do Director Geral na estrutura da R., com reporte directo aos administradores, e a sua excelente performance na gestão e supervisão comercial e financeira da recorrida e da sua associada brasileira, deviam merecer respeito e consideração pelo recorrente;
29- o conjunto das actuações do Sr. BB, no sentido de – sem ouvir o Director Geral da R., ainda que sumariamente – logo o destituir das suas funções, substituindo-o por outra cadeia de comando, consubstancia uma atitude de total desprezo pela personalidade profissional e moral do A.;
30- a substituição das fechaduras, a alteração dos alarmes, os “hakers” informáticos o bloqueio de acesso aos instrumentos de trabalho do A. e a barragem, perante terceiros, da sua entrada nas instalações da R., realizada pela equipa de segurança especialmente contratada à sua revelia e reforçada para aquele acto vexatório, é humilhante e desprestigiante e fere elementares direitos de personalidade do A.;
31- o que no caso em apreço está em causa, é o comportamento agressivo e autoritário por parte dos Srs. BB e CC que, na base de uma simples suspeita de um comportamento ilícito, se julgaram autorizados a tudo fazer sem olhar a meios, numa clara actuação de medidas agressivas, sem observação disciplinar do princípio da proporcionalidade na sua tripla dimensão da necessidade, da adequação e da proibição do excesso;
32- mal chegaram a Portugal, esses representantes da R. trataram o A. como se fosse uma mera coisa, ignorando-o e não o ouvindo, como se não fosse pessoa, não tivesse direito ao bom-nome, à sua honra e dignidade pessoais;
33- ele, que era Director Geral da R., com um curriculum de confiança e alta produtividade, que alcandorou o grupo OHI, que íntegra aquela empresa e a “CITEC”, a reconhecidos patamares de sucesso industrial e comercial em Portugal e no Brasil;
34- a imagem de um Director Geral, à porta das instalações da empresa enquadrado por seguranças reforçados que o não deixam entrar, a substituição de cadeados e códigos de alarmes, é uma cena surrealista, indecorosa, que humilha, enxovalha e destabiliza emocional e psiquicamente qualquer pessoa, tanto mais quando a cena é pública, sendo presenciada por terceiros e trabalhadores subordinados do A.;
35- quando o recorrente, às 16 horas, é finalmente recebido pelo Sr. BB, na presença do Sr. CC, para lhe ser entregue em mão a carta que o suspendia, a cena passa-se no hall da entrada e não em qualquer sala de reunião, como se aquele Director Geral fosse uma pessoa infecta, qualquer animal tinhoso, a excluir e a eliminar;
36- o A. tinha um elevado estatuto académico de economista e gestor financeiro, pelo que os comportamentos ilícitos da R., agravados com a sua exposição pública, acarretaram graves prejuízos a essa sua reconhecida e prestigiada imagem;
37- o profundo choque moral e psicológico sofrido pelo A. é um concreto e dramático acto de vida, indutor de intensos danos morais, cuja compensação deve ser entendida por óbvia e que só o Sr. BB, vindo das paragens frias do Norte da Europa, parece não querer compreender;
38- o A. perdeu o seu posto de trabalho e a sobrevivência económica que ele garantia;
39- todo este complexo conjunto de circunstâncias opressivas, negadoras de elementares direitos de personalidade, imagem e bom nome, indutoras de intenso sofrimento e angústia em relação a um trabalhador no topo hierárquico da empresa, não se podem ter por compensados com a decidida indemnização de € 10.000,00, manifestamente abaixo do que é razoável e equitativo, até se considerarmos a consabida capacidade económica e financeira da R.;
40- justo e equitativo seria o valor de € 100.000,00 formulado na P.I., pelo que o valor fixado na 1ª instância é um limite mínimo, abaixo do qual se acende a luz vermelha da justiça;
41- como diz bem Albino Mendes Batista, “... a posição hierárquica no seio de qualquer estrutura empresarial coloca problemas de dignidade profissional e pessoal. Quem tem um determinado “status” na estrutura da empresa tem de ser tratado de acordo com esse status em toda a vida do contrato. É uma questão de dignidade do cargo, da função e da pessoa ...” (“Notas sobre a Cessação do Contrato de Trabalho por Iniciativa do trabalhador no novo Código do trabalho”, in “A Reforma do Código do Trabalho”, pág. 549º);
42- ao alterar a sentença da 1ª instância quando aos segmentos decisórios das als. a) e c) , o Acórdão em revista violou, além do mais, os arts. 82º e 90º da L.C. T., bem como os art.ºs 483º e 496º do C.C. .

1.4.
Cada uma das partes contra-alegou no recurso da parte contrária, sustentando a sua improcedência.
1.5.
A Ex.ma Procuradora-Geral, cujo douto Parecer mereceu a expressa censura da Ré em tudo o que lhe era desfavorável, defende a negação das duas revistas.
1.6.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
______//______

2 – FACTOS
A 1ª instância, com a anuência expressa DA Relação fixou a seguinte matéria de facto:
1- em 1/1/96, o A. foi admitido ao serviço da R. para sob as suas ordens e direcção, lhe prestar trabalho com a categoria profissional de director geral, sendo a retribuição anual ajustada paga em 14 prestações mensais;
2- o A. rescindiu o contrato de trabalho que o ligava à R. em 23/4/01, nos termos da carta datada de 23/4/01, cuja cópia está junta de fls. 24 a 27 e cujo teor se dá por reproduzido;
3- a R. foi constituída como sociedade anónima em 28/12/95, por escritura outorgada no 20º Cartório Notarial de Lisboa, com o capital social no valor inicial de 50.000 contos, representado por acções ao portador;
4- para lá do A. – que outorgou nesse acto “por si e na qualidade de procurador da S... O... H... I..., B.V.”, intervieram de favor três outros cidadãos nacionais, sendo que dois destes vieram a integrar o quadro de pessoal da R., os Srs. LL e MM;
5- logo que formalizada a constituição da R., aquela holding holandesa passou a deter a totalidade do seu capital social por virtude de os quatro outros accionistas fundadores, em obediência a instruções pré-estabelecidas por aquela sociedade accionista, lhe terem endossado as quatro cautelas referentes a tantas outras acções subscritas em seu nome;
6- o Conselho de Administração com que a R. iniciou a sua actividade compôs-se com os Srs:
- II, que passou a acumular a presidência desse órgão de gestão com o cargo de Director Geral da O... H... I..., B.U.;
- NN, que foi nomeado vogal desse órgão, mas manteve-se como Director de Exportação do universo empresarial denominado de Grupo O...; e
- OO, também indigitado como vogal do mesmo órgão, que manteve as suas funções na holding francesa do Grupo OO, denominada de G.I.D.I., S.A.;
7- a constituição da R. foi determinada pela OHI perante:
a) a prestação dos seus propósitos em alargar a participação que detinha sobre 49% do capital social da “C... – S.A.”, onde os restantes 51% pertenciam ao grupo espanhol “Usalita”, para uma relação de domínio desta empresa e, reflexamente, da “C...-P...- I... e C... de M... P...”; e
b) a circunstância de ver, até então, entravado o desejo de explorar separadamente os dois mercados ibéricos e de, a partir de Portugal, poder explorar o mercado brasileiro;
8- a OHI determinou a implementação do mencionado projecto sem prejuízo de, ela própria, manter a parceria aludida na al. a) da alínea anterior até 1997 e apesar da R. concorrer com a “C... P...”;
9- para realizar os projectos citados no artigo anterior, o referido Sr. II convidou o A. para director geral das filiais do OHI em Portugal, ora R., e no Brasil, convite a que não foi alheia a circunstância de ambos terem privado profissionalmente desde Janeiro de 1994, aquele enquanto administrador da “C... – SA” e este como director geral do “C...-P..., S.A.”, contratado em 3/1/94 com um salário fixo de 9.000.000$00 por ano, 1.000.000$00 em função dos objectivos e carro da empresa;
10- para realizar os objectivos contratados, o A. recrutou os referidos Srs. LL e MM, nos termos dos contratos de trabalho a termo cujas fotocópias estão juntas de fls. 46 a 49 e cujo teor se dá por reproduzido;
11- o A. também foi incumbido pelo C.A. da R. com os poderes indispensáveis a realizar este projecto empresarial da OHI e, sem prejuízo da sua subordinação directa àquele órgão, foram-lhe conferidos “os poderes contidos no objecto social (fabrico e comércio por grosso e a retalho de transformados de plástico) e ainda para ... despedir e contratar pessoal ...”;
12- o A. e a equipa de trabalhadores que contratou para o efeito, realizaram em Portugal todos os objectivos que a OHI se tinha proposto realizar através da R., empresa que contou uma quota de 32% do mercado nacional tradicional na área de equipamentos de contemporização de resíduos sólidos e urbanos e, em finais de 1977, já liderava o mercado de equipamentos para recolha selectiva de resíduos sólidos urbanos;
13- em função desse esforço, e sob a iniciativa do A., o C.A. da R. acordou na montagem de uma unidade fabril de rotomoldagem de plásticos em Portugal, por forma a iniciar a sua laboração, com moldes próprios, em Janeiro de 1998;
14- para a pronta realização de tal investimento foi decisiva a perfomance obtida pelo A., como director geral da R., e sua equipa de trabalho nos resultados de 1997, volvido um ano da actividade dominada pelo esforço de investimento indispensável à sua implantação e conquista do mercado nacional, tendo alcançado um resultado líquido de imposto no montante de 24.973.406$00, equivalente a 99,9% do valor do capital social realizado por aquela holding holandesa;
15- no que tange à extensão do negócio ao Brasil, o A. logrou introduzir os produtos do Grupo Otto sob a firma “C... do B..., Ld.ª” e com a logística administrativa e comercial da R., chegando a deter quase 100% de quota daquele mercado em equipamentos para contentorização de resíduos sólidos urbanos;
16- a R. foi a unidade empresarial que centralizava todo o negócio que o Grupo O... passou a explorar no Brasil, por acção e sob a coordenação do A.;
17- até 1996 as marcas O... e C... eram totalmente desconhecidas em Portugal e no Brasil, situação que já nos finais de 1997 se tinha invertido de todo e em resultado dos esforços do A. e das equipas de trabalho que constituiu para ambos os países;
18- em fins de 1997, a CITEC dominava o mercado brasileiro na actividade que a R. liderava em Portugal;
19- no exercício de 1998, apesar dos custos de investimentos inerentes à implementação da sua referida unidade industrial, e não obstante a sua única accionista só ter realizado no final deste ano a parte residual de 50% do capital subscrito em 1995, a R. consolidou a sua posição do mercado e obteve resultados no montante líquido de impostos de 21.887.249$00;
20- os resultados alcançados pelo A. no desenvolvimento da associada da R. no Brasil tiverem uma expressão de tal modo favorável que, em sede de reorganização do Grupo O... em 4 grandes áreas mundiais, motivou o alargamento dos negócios do Brasil a toda a América do Sul, região cuja coordenação também foi cometida ao A.;
21- a partir de 1/11/98 o A. manteve o uso gratuito e ilimitado de telemóvel, bem como a fruição de cartões de crédito para afectação a custos desta empresa e cuja utilização pessoal era autorizada, mas implicava a devolução dos valores aquando do respectivo débito;
22- no dia 17/4/2001, o Sr. BB, director geral do Grupo O... para a Europa, acompanhado o Sr. CC e de mais dois senhores cujas identidades se desconhecem, chegaram a Portugal no fim da manhã, em voo do estrangeiro, sem disso terem informado o A.;
23- foi solicitada total confidencialidade ao Dr. FF, responsável pela contabilidade e gestão da R. a quem o Sr. CC instruíra para se juntar a ele, pelas 20h00, no Hotel D. P...., em Lisboa;
24- o Sr. BB procurara contactar o anterior director comercial desta empresa, Sr. GG, com quem marcou almoço para o dia 18/4/2001;
25- o Sr. BB convocou o Sr. GG com o propósito de o readmitir, tal como veio a suceder;
26- no final do mesmo dia 18 de Abril, e sem comunicar rigorosamente nada ao A., o Sr. BB reuniu-se com o advogado da empresa, Dr. PP, com os Revisores da Empresa, QQ e com os Auditores da Empresa DD e EE, para tratarem, em conjunto com os seus acompanhantes, de assunto que o A. desconhecia em absoluto;
27- no final de 5ª feira, dia 19 de Abril, o Sr. BB tinha assegurado, a mando do Sr. RR, um reforço da equipa inicial com a chegada de elementos da empresa de segurança Grupo 8, que foram colocados nos acessos às instalações da empresa tendo mandado substituir fechaduras e alteraram códigos de alarmes de acesso às instalações da R.;
28- no dia 20 de Abril, alguns trabalhadores da R. estiveram durante 3 horas aguardando que o segurança lhes franqueasse o acesso às instalações ou alguém da empresa lhes indicasse os motivos por que não poderiam ir trabalhar nesse dia;
29- no dia 20/4/2001, o A. deslocou-se à empresa, fazendo-se acompanhar de advogado;
30- assim que chegou ao portão de acesso da R., o A. viu ser-lhe também barrada a sua entrada nesta por um segurança da empresa Grupo 8, a quem exigiu que lhe explicasse a razão por que impedia o director geral da R. de aceder a esta, só logrando obter como resposta o argumento de que aquele só cumpria ordens;
31- só por volta das 16 horas é que o dito segurança se aprestou a franquear o acesso do A. até ao hall de entrada das instalações da R., onde o Sr. BB o aguardava, na presença do Sr. CC, para lhe entregar em mão, na presença do referido advogado, a telecópia da carta que informou ter sido expedida para a sua residência, cuja cópia está junta a fls. 216 e cujo teor aqui se tem por inteiramente reproduzido, baseando-se no seu texto para lhe entravar o acesso ao seu posto de trabalho, como director geral da R.;
32- dá-se por reproduzida a carta enviada pala R. ao A., datada de 24/4/2001, cuja cópia está junta a fls.217/218 e cujo teor aqui se tem por inteiramente reproduzido;
33- dá-se por reproduzido o relatório anual sobre a fiscalização efectuada relativamente ao exercício de 2000 da R., elaborado por “Oliveira Lima, Neves da Silva e Fernanda Colaço, Sociedade de Revisores oficiais de Contas”, datado de 8/3/2001, cuja cópia está junta a fls. 341/345 e cujo teor aqui se tem por inteiramente reproduzido;
34- a R. não pagou ao A. a remuneração correspondente ao trabalho prestado em 23 dias de Abril de 2001, nem a remuneração de férias e o subsídio de férias vencidos em 1/1/2001, nem as proporcionais das férias e dos subsídios de férias e de Natal;
35- dá-se por reproduzido o relatório elaborado por “DD e EE – A... e C..., Ld.ª “, datado de 18/5/2001, cuja cópia está junta de fls. 430 a 433;
36- antes da admissão do A. para director geral da R., o Presidente do C.A. desta sociedade e director geral da OHI, Sr. II, acordou, balizado em informada anuência do Sr. JJ, com o A. uma remuneração base líquida Anual de USD 112.000,00, que correspondia a 19.728.000$00 e equivale a € 98.402,00, acrescida dos benefícios líquidos comuns a todos os trabalhadores da empresa;
37 – O C.A. da R., representado pelo seu Presidente, Sr. II, propôs, e o A. aceitou receber nos termos seguintes:
- USD 14.000,00 (€12.300,00), como parcela anual líquida a quitar pelo A. a R., que suportaria os encargos com a previdência social correspondentes a 34,75%;
- USD 98.000,00 (€86.102,00), como parcela anual a liquidar pela R., acrescida de IVA de 17%, e que o A. quitava àquela através de recibos emitidos em nome da firma que constituíra com as suas iniciais e se denomina de RBC – C... e G... de E..., Lda., tudo isso sempre de acordo com os interesses e as conveniências do Grupo OHI, o que tudo resultava numa retribuição mensal de €7.028,71.
Com o esclarecimento de que: a quantia de €12.300,00 correspondia à parcela anual relativa ao trabalho do A. em Portugal e a quantia de €86.102,00 correspondia ao montante anual pago ao A. pelo seu trabalho prestado no Brasil;
38 – a R. passou a pagar ao A. as seguintes prestações retributivas, a partir de Novembro de 2008:
-€1.995,19 (400.000$00) a título de salário base mensal, processado de 1 de Novembro a 31/12/98;
-€ 2.239,60 (449.000$00) como ajudas de custo processadas de 1 de Novembro a 31/12/98;
-€13.317,90 (2.670.000$00) acrescidas de IVA, como facturas apresentadas pela “RBC – C... e G... de E..., Lda., de 1 de Novembro a 31/12/98;
39 – a R. satisfaz as retribuições do A. pelos seguintes valores anuais:
a) durante o ano de 1999:
1 - € 42.896,62 (8.600 contos), a título de salários processados, acrescidos de um prémio processado em Dezembro de 1999, no montante de € 4.489,18 (900 contos);
2 - € 10.649,34 (2.135 contos), a título de ajudas de custo processadas;
3 - € 132.181,44 (26.500 contos), acrescidos de IVA, a título de facturas apresentadas pela “RBC – C... e G... de E..., Lda.”;
b) durante o ano de 2000:
1 - €62.848,54 (12.600 contos), a título de salários, processados, acrescidos de um prémio processado em Dezembro de 2000, no montante de €2.992,79 (600 contos).
2 - €21.960,50 (4.402.685$00), a título de ajudas de custo processadas;
3 - € 111.180,13 (22.450 contos), acrescidos de IVA, a título de facturas apresentadas pela “RBC – C... e G... de E..., Lda.”;
c) de 1 de Janeiro a 31 de Março de 2001:
1 - € 13.467,54 (2.700 contos), a título de salários processados;
2 - €5.159,75 (1.034.437$00), a título de ajudas de custo processadas;
3 - € 43.644,82 (8.750 contos), acrescidos de IVA, a título de facturas apresentadas pela “RBC- C... e G... de E..., Lda.”;
40 – sob a direcção geral do A,. a R. obteve os seguintes resultados de exercício:
a) o exercício de 1999 apresentou um resultado líquido de 387.809$00;
b) foi apresentado um resultado liquido de 33.481.000$00 do exercício de 2000, que deu origem a uma certificação legal das contas datada de 10/5/2001.
Com os seguintes esclarecimentos:
- foi efectuada a seguinte reserva na certificação legal das contas de 10/5/01: “em data posterior à conclusão do nosso exame, foram identificadas algumas situações susceptíveis de afectar as contas do exercício findo em 31 de Dezembro de 2000. Na presente data de 10 de Maio de 2001, estão a decorrer os trabalhos de verificação destinados a apurar essas situações, pelo que não podemos concluir se e em que extensão as contas do exercício findo em 31 de Dezembro de 2000 poderiam ser materialmente afectadas se as conclusões daquelas verificações tivessem sido já apuradas”, conforme documento de fls. 503 a 505, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
- esta reserva terá dado origem à elaboração de novas demonstrações financeiras com data de 21/2/2002, conforme documento de fls. 506 a 510, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, demonstrações financeiras essas que produzido, demonstrações financeiras essas que rectificaram o resultado líquido para € 1.095.367,42 (291.601.451$00) negativos, e que foram aprovados em A.C. de 15/11/2002;
- no entanto, a Certificação Legal das Contas datada de 21/2/2002 evidencia um ajustamento no total de €1.370.712,00 (274.803.083$00), o montante de € 756.492,00 (151.663.029$00), que influenciou negativamente o resultado de exercício de 2000, correspondente a situações, que eventualmente, apenas diriam respeito a 2001 ou anos posteriores;
41 – por reporte ao exercício social de 2000, a R. foi qualificada, numa reunião de todos os responsáveis do Grupo O..., realizada em Março de 2001 em Roma, como sendo a empresa com os melhores resultados relativos entre todas as unidades orgânicas integradas nesse universo empresarial;
42 – o Sr. RR era Director Geral da OHI desde 1997 e o Sr. II deixou a Presidência do C.A. da R. em Dezembro de 1998;
43 – a partir de Agosto de 1999, o Sr. II decidiu:
- Cancelar vários projectos de investimento que antes tinham merecido o acordo do próprio Sr. JJ;
- a redução ou eliminação de investimentos indispensáveis para o desempenho corrente nas empresas;
- a alienação de activos importantes e históricos para o Grupo O...; e
- o afastamento de vários directores gerais de unidades de negócio deste grupo empresarial;
44 – o Sr. RR substituiu o A. como responsável pelos negócios do Grupo O... no Brasil, tendo-o informado telefonicamente;
45 – em 17/4/2001, o A. encontrava-se deslocado no Norte do País, a exercer as suas funções, em conformidade com uma planificação de contactos com clientes da R., anteriormente programada e, no dia seguinte, foi informado por telefone e por diversos colaboradores da chegada às instalações da R. do Sr. BB, acompanhado do Sr. CC e de mais dois senhores;
46 – por não ter sido contactado para qualquer reunião com os referidos senhores, o A. considerou que a sua presença na R. teria a ver com mais uma das muitas auditorias a que esta empresa fora regularmente submetida, razão pela qual prosseguiu com os mencionados contactos;
47 – O Sr. BB sabia que o Sr. GG fora dispensado pelo A. da função de director comercial, por manifesta incapacidade para a exercer, mediante um acordo de cessação de contrato de trabalho;
48- entre os dias 17 e 20 de Abril de 2001 e sem inteirar o A. de nada, o Sr. BB apresentou ao director industrial da R., Eng. SS, um dos seus acompanhantes, mais precisamente o Sr. TT, como sendo o novo responsável pela área industrial;
49 – porque ignorava o que se estava a passar na R; o A. preteriu a sua presença numa reunião no distrito da Guarda, onde se decidia um concurso público em que esta empresa concorria, para regressar de imediato ao Montijo a fim de se inteirar do que se estava a passar na R.;
50 – as contas do exercício de 1996 foram aprovadas em A.G. de 28/5/1997, conforme acta nº4; as contas do exercício de 1997 foram aprovadas em A.G. de 3/7/1998, conforme acta nº5; as contas do exercício de 1998 foram aprovadas em A.G. de 27/4/1999, conforme acta nº6; as contas do exercício de 1999, foram aprovadas em A.G. de 30/5/2000, conforme acta nº9; e as contas do exercício de 2000 foram aprovadas em A.G. de 15/11/2002, conforme acta nº12;
51 – O A., enquanto director geral, tinha um estatuto de grande autonomia, de direcção e supervisão dos negócios da R., e os trabalhadores viam nele, ao longo do tempo, o símbolo da própria empresa;
52- a substituição de fechaduras das instalações da R., a alteração dos Códigos de alarme, os “hackers” informáticos e o bloqueio dos demais instrumentos de trabalho sob a supervisão do A., e a sua saída da R., sem uma reunião ou conversa prévia, provocaram ao A. deprimento e angústia, enorme frustração e profundo choque moral e psicológico com repercussões negativas na sua imagem pública e no seu estatuto académico de economista e gestor financeiro;
53 – o A. havia criado em 1998 uma sociedade por quotas denominada “RBC – c... e G... de E..., Lda.”;
54 – a “Citec” pertence ao mesmo grupo empresarial que a R.;
55 – Os Srs. BB e CC não anunciaram ao A. a sua vinda porque o objectivo da deslocação era a de se inteirarem sobre um conjunto de indícios que entendiam estar relacionados com situações irregulares da actividade da empresa, e que consideravam ser da directa responsabilidade do A.;
56 – o propósito da reunião com o Dr. GG foi o de se inteirar da actuação do A.;
57 – tal reunião decorreu sem o conhecimento do A.;
58 – Como é uso na R. e no grupo a que pertence, existe uma articulação entre as várias empresas nos diversos domínios técnicos;
59 – os contactos referidos no ponto 26 – não foram comunicados ao A. a fim de permitir aos representantes da R. inteirarem-se sobre um conjunto de indícios que entendiam estar relacionados com situações irregulares da actividade da empresa, e que consideravam ser da directa responsabilidade do A.;
60 – durante os dias 19 e 20 de Abril, os representantes da administração da R. tentaram, por diversas vezes, entrar em contacto com o A., quer para a sua residência, quer para o seu telemóvel, tendo em vista, precisamente, comunicar-lhe a decisão da administração da R. em proceder à sua suspensão.
São estes os factos.
*

3- Direito
3-1
O Autor obteve ganho de causa nas instâncias quanto à sua pretensão nuclear: o reconhecimento de que a “rescisão” do vínculo laboral que o ligara à Ré foi operado com “justa causa”.
E, quanto às demais pretensões accionadas, aceitou na íntegra a sentença da 1ª instância só vindo a reagir recursoriamente contra o Acórdão da Relação na exclusiva medida em que nele se reduziu – de € 20.000,00 para €10.000,00 - a indemnização por danos não patrimoniais, bem como o montante da sua remuneração mensal – de €7.028,71 para €4.490,00 – com directa repercussão nos valores da indemnização por antiguidade – de €42.172,26 para €23.859,35 – e nas retribuições em dívida – de €26.064,82 para 16.650,33-.
Em contrapartida, a Ré continua a sustentar – como tem vindo a fazer desde a contestação – que a “rescisão” do Autor foi ilegítima: daí que reclame uma indemnização por inobservância do pré-aviso legal e rejeite qualquer ressarcimento em benefício do Autor, seja a título de indemnização por antiguidade, seja a título de danos não patrimoniais.
Neste contexto, e ponderando os quadros conclusivos dos dois recursos, verifica-se que nos são colocadas as seguintes questões:
A – por parte da Ré:
1ª – alteração da matéria de facto;
2ª - ilegalidade da “rescisão” vinculística por parte do Autor;
3ª – indemnização, a favor da Ré, por pretenso incumprimento do pré-aviso legal;
B- por parte do Autor:
4ª – montante da sua retribuição mensal, e consequente repercussão na indemnização por antiguidade e nas quantias remuneratórias em dívida;
5ª – indemnização por danos não patrimoniais.
3-2
Pretende a Ré que seja dada como provada a seguinte factualidade, extraída do artigo 86º da P.I.:
“Face à suspeita de graves irregularidades na actividade da empresa imputáveis ao Autor, as mesmas que estiveram na origem da sua suspensão preventiva, a Ré apresentou uma queixa-crime.
Na sequência da apresentação da referida queixa, o Autor foi alvo de uma busca domiciliária”.
Em abono dessa sua pretensão, aduz que se trata de matéria articulada – e, portanto, confessada – pelo próprio Autor, ao que acresce a sua expressa comprovação nos autos, através do documento junto a fls. 779 [quereria certamente aludir-se a fls. 799], que é um documento autêntico.
Como se vê, sufraga a recorrente o entendimento de que a descrita factualidade se acha plenamente provada, pelo que as instâncias ofenderam os dispositivos legais que conferem essa virtualidade probatória à confissão e aos documentos autênticos.
Estando em causa a pretensa violação de direito probatório material, dúvidas não restam de que é consentida a incursão sindicante do Supremo em tal domínio – artigo 722º nº2 do Código de Processo Civil.
Segundo as instâncias, a descrita factualidade só poderia ser provada por documento que ilustrasse a referida queixa e a subsequente busca domiciliária.
Estamos de acordo.
A existência de uma queixa-crime só poderá ser provada pela exibição de documento onde se contenha a respectiva participação, única forma de se apurar a identidade do denunciante e a correspondente motivação.
Sendo assim, torna-se irrelevante a confissão produzida pelo Autor -artigo 354º alínea a) do Código Civil, conjugado com o seu art.º 364º nº1.
Por outro lado, o documento de fls. 799, subscrito por um Magistrado do M.º P.º junto do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, apenas ilustra que “...os autos de inquérito nº 13/01.57ELSB [assim identificados pela Ré no seu requerimento de fls. 794] ainda se encontram em fase de inquérito e, consequentemente, em segredo de justiça”.
Resulta evidente que o transcrito documento não esclarece as circunstâncias em que foi instaurado o aludido inquérito – designadamente, como importava, se o foi, por iniciativa da Ré – e que diligências probatórias foram realizadas no seu decurso – mormente, a alegada busca domiciliária.
Bem andaram, pois, as instâncias ao rejeitar a pretensão da Ré em ver reconhecida a matéria de facto em análise.


3-3-1
Ao intentar a presente acção, pretendia o Autor ver reconhecida em juízo a “justa causa” da resolução, que operou, do vínculo laboral que o ligava à Ré, com as inerentes consequências indemnizatórias.
Atenta a data em que essa resolução foi produzida – 23 de Abril de 2001 – o complexo normativo atendível é o que emerge do “Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho”, aprovado pelo D.L. nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro (L.C.C.T.).
A lei possibilita a desvinculação contratual por declaração unilateral do trabalhador, sem necessidade de observar o prazo de aviso prévio previsto no artigo 38º da L.C.C.T., naquelas situações que qualifica de todo anormais e particularmente graves e em que, por via disso, deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado por mais tempo à empresa.
Estas situações reconduzem-se aos comportamentos do empregador enunciados no art.º 35º do citado diploma.
Para que exista “justa causa” – cujo conceito, nos termos expressos daquele art.º 35º e do seu procedente artigo 34º, condiciona o direito do trabalhador a “rescindir” o vínculo – torna-se mister que aqueles comportamentos do empregador inviabilizem, de imediato e praticamente, a subsistência da relação de trabalho, que o contrato pressupõe.
Lança-se, assim, mão do conceito de “justa causa” consagrado no artigo 9º da referida L.C.C.T., como já era entendimento generalizado na anterior “Lei dos Despedimentos”, em cujo domínio se considerava – embora a lei o não explicitasse – que se achava subjacente ao conceito geral de “justa causa” a ideia de “inexigibilidade”, que igualmente enforma a noção de “justa causa” disciplinar, consagrada no domínio da faculdade de ruptura unilateral por banda da entidade patronal.
Nos precisos termos daquele artigo 35º (nº4), a “justa causa” de rescisão imediata, por parte, do trabalhador, constituída por algum dos comportamentos enumerados nas várias alíneas do seu nº 1, tem de ser apreciada pelo tribunal nos termos do artigo 12ª nº5 do mesmo diploma, com as necessárias adaptações.
Para a apreciação da “justa causa” deve, assim, o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que, no caso, se mostrem relevantes, ponderando-se em face delas, se é de concluir pela impossibilidade prática e imediata da subsistência da prestação de trabalho.

3-3-2
Na parte ora útil, dispõe como segue a carta “rescisória” do Autor:
“... fui surpreendido, no passado dia 17 de Abril de 2001, com a notícia de que o Sr. BB, indigitado Director Europa do Grupo O.., o Sr. CC, indigitado Director Financeiro do Grupo O... para Portugal, Espanha, França e Itália e mais dois senhores cuja identidade desconheço, haviam chegado a Portugal no fim da manhã, em voo do estrangeiro, deslocação esta que me não foi previamente informada, enquanto Director Geral, contrariamente ao que era hábito e era de esperar.
Apurei que a razão desta alteração de comportamento teve a ver com a circunstância de haver sido solicitada total confidencialidade ao Dr. FF, responsável pela contabilidade e gestão da O... Industrial, a quem o Sr. CC instruíra para se juntar a ele, pelas 20.00 horas no Hotel D. P..., em Lisboa.
À data, encontrava-me deslocado no Norte do País, a exercer as minhas funções... tendo sido informado por telefone e por diversos colaboradores da chegada desses senhores às nossas instalações no dia 18 seguinte. Como não fui contactado para qualquer reunião com os senhores acima referidos, considerei que a sua presença na empresa teria a ver com mais uma das muitas auditorias a que temos sido submetidos, razão pela qual prossegui com o rectro citado desempenho.
Vim a saber posteriormente, por telefonema que me foi dirigido, da empresa, que o Sr. BB procurara contactar o ex-Director Comercial da O... I..., Sr. GG, com quem marcou almoço para o mesmo dia 18, bem sabendo que ele tinha sido dispensado por mim, daquela função, por manifesta incapacidade para a exercer ... desautorizando-me o Sr. BB com esta convocatória feita à minha total revelia, para cúmulo, com o informado propósito de readmitir essa pessoa para a função de que havia sido por mim dispensado.
No mesmo dia 18, o Sr. BB apresentou ao Director Industrial da O... I..., Eng. SS, um dos seus acompanhantes, Sr. TT, como sendo o novo responsável pela área industrial, invocando para tanto o meu suposto (e falso) desinteresse por essa área, que montara 3 anos, antes e gerira desde então com os resultados positivos espelhados nos sucessivos balanços da empresa.
Esta surpreendente actuação, feita também à minha revelia, prefigura o acto que faltava para evidenciar melhor a injusta descredibilização da minha pessoa ... e só pode traduzir expressão inequívoca de uma total e irreparável quebra da relação de confiança e de respeito recíproco que subjaz à manutenção da minha pessoa como Director Geral da O... I... e constitui pressuposto da própria subsistência do meu contrato de trabalho com esta empresa.
Como se não bastassem as ocorrências atrás descritas, no final do mesmo dia 18 de Abril e sem me comunicar rigorosamente nada, o Sr. BB reuniu-se com o advogado da empresa, Dr. PP, com os Revisores da Empresa, QQ e com os auditores da empresa, DD e EE, em conjunto com os seus acompanhantes, para assunto que não conheço mas que presumo, perante os actos precedentes, relacionado com qualquer ignorado aspecto do meu desempenho... .
Prevenindo a eventualidade do que atrás se disse só ter ocorrido à minha revelia por não ter sido possível ao Sr. BB ou a outrem do Grupo O... contactar-me pelos meios habituais de que sempre se serviram nas minhas ausências em serviço, faço questão de notar que nesses oito dias (terça e quarta feira, dias 17 e 18 de Abril), estive permanentemente acompanhado pelo técnico comercial Sr. UU, e nem eu nem ele tivemos a oportunidade de ouvir, através do sistema de alta voz do telefone instalado no meu carro, qualquer chamada em que esses senhores me procurassem contactar, seja para que assunto fosse.
No final de 5ª feira dia 19 de Abril, e sem ter sido dado conhecimento prévio ou ser ouvido sobre o assunto, vim a saber que, para além das medidas já referidas, quanto ao inopinado reforço da equipa inicial com a chegada de outros senhores estranhos à empresa, foram colocados nos acessos à empresa Seguranças do Grupo 8 e substituídas fechaduras e Códigos de alarmes de acesso às instalações. Desta ocorrência só me foi dada notícia na manhã do dia seguinte, Sexta Feira dia 20 de Abril, quando alguns trabalhadores me telefonaram, relatando que encontraram tal tipo de entraves ao acesso(...).
Perante a gravidade desta situação e porque eu próprio ignorava o que se estava a passar na empresa, regressei de imediato ao Montijo e apresentei-me nas instalações da empresa, onde a minha entrada também foi barrada pelo segurança e até que, cerca das 16 horas, este me acompanha até ao hall de entrada do edifício, onde o Sr. BB, na presença do Sr. CC, me fez entrega em mão de uma telecópia da carta que me declararam ter sido enviada para a minha residência, e em cujo texto se basearam para me entravar o acesso ao meu posto de trabalho, como Director Geral da O... P..., não me adiantando nenhuma explicação sobre qualquer das ocorrências acima sumariadas, para lá daquela que se infere da carta e se traduz numa surpreendente suspensão da prestação de trabalho, sem perda remuneratória, processada e informada fora do contexto de motivação a que se alude no número 2 do Art.º 31º do Regime Jurídico do contrato individual de trabalho aprovado em anexo ao Dec. Lei nº 49.408, de 24/11/1969 e, muito menos em conformidade com o previsto no nº1 do Art.º 11º do regime jurídico da cessação do contrato de trabalho, aprovado em anexo ao Dec. Lei nº 64-A/89, de 27/2.
Considero que todos os actos acima descritos foram premeditados e orquestrados com culpa e clara intenção persecutória, sendo perpetrados com o único propósito de ofender a minha honra e consideração, o meu bom nome e brio profissional, tudo isso com vista a me forçarem a afastar-me do cargo de Director Geral da O... I..., cuja função trataram de esvaziar pelas inqualificáveis atitudes acima referidas.
(...)
Assim, face à motivação acabada de descrever, e ainda que vá de encontro às vossas expectativas, venho por este meio rescindir o meu contrato de trabalho... com a justa causa sucintamente atrás indicada...”(FIM DE TRANSCRIÇÃO).
Em resposta à sobredita carta, a Ré enviou uma outra ao Autor (ponto nº 32 da matéria de facto), datada de 24 de Abril de 2001, subscrita pelo seu Presidente do Conselho de Administração, Sr. RR, na qual se deixou exarado:
“... a) Registamos a rescisão unilateral do seu contrato de trabalho, com data de 23 de Abril de 2001;
b) Refutamos de todo em todo a invocação de justa causa, sendo esta motivação uma fuga para a frente, pelo que nos é devido o pré-aviso de 60 dias, do qual faremos compensação dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho que iremos colocar à sua disposição;
C) (...).
Quanto aos considerandos que faz, e sem a preocupação de impugnação ponto a ponto, sempre lhe diremos que são falaciosas e sem qualquer base, como passamos a debitar:
d) (...);
e) A nossa actuação é a normal, quando existem indícios de irregularidades graves, que demoram algum tempo a positivar e que não se compatibilizam com a permanência na empresa;
f) sendo lícito à entidade empregadora solicitar ao trabalhador para permanecer afastado da empresa, com retribuição, até se esclarecerem matérias complexas;
g) com a sua atitude, não permite a instauração de acção disciplinar, visto a relação de trabalho se ter extinto, mas poderá V.Exa. estar certo que o que for apurado será levado às instâncias competentes;
h) Ao contrário do que se refere, tanto o Sr. BB como o Sr. RR tentaram inúmeras vezes contactá-lo via telemóvel e para a sua residência sem qualquer sucesso;
i) Aliás é sintomático que, sabendo de todas as movimentações, só sexta-feira, dia 20, tenha vindo à empresa pelas 16 horas, acompanhado de advogados, sem tentar sequer contactar-nos antes.
(...) (FIM DE TRANSCRIÇÃO)
Por sua vez, a carta entregue ao Autor pelo Sr. BB (ponto nº 31 dos factos provados) é datada de 19 de Abril de 2001, mostra-se igualmente subscrita pelo PRESIDENTE do Conselho de Administração da Ré, Sr. RR e tem o seguinte conteúdo útil:
“ Na minha qualidade de Presidente do Conselho de Administração de O... I... – T... de P..., S.A., venho comunicar-lhe o seguinte:
1 – Chegaram ao nosso conhecimento, esta semana, factos que estamos a verificar e que podem configurar situações de infracções disciplinares de alguma gravidade;
2- Este tipo de situações necessitam de ser investigadas com serenidade e justiça;
3 - Para tanto necessitamos de proteger a nossa posição bem como a sua.
Pelo exposto, deverá V.Exa. abster-se de frequentar as instalações da empresa, mantendo-se no entanto contactável e à nossa disposição, com retribuição, após o que lhe daremos brevemente notícias.
(...) (FIM DE TRANSCRIÇÃO).
3-3-3
Segundo a carta rescisória, os comportamentos pretensamente infraccionais imputados à Ré podem ser agrupados do seguinte modo:
1º - o aparecimento na empresa de membros do seu Conselho de Administração, vindos do estrangeiro, sem que o Autor, enquanto Director Geral, tivesse sido disso informado e sem que com ele tivesse sido estabelecido qualquer contacto, atitude correspondente com a “total confidencialidade” que os referidos membros pediram ao responsável pela área da contabilidade e gestão da Ré;
2º - a convocatória feita pelo Sr. BB ao ex Director Comercial da Ré, Sr. GG, que o Autor dispensara por “manifesta incapacidade”, bem como a indigitação do Sr. TT como novo responsável pela área industrial;
3º - a reunião promovida pelos citados membros com o advogado da Ré, com os seus Revisores e com os seus auditores;
4º - o reforço da equipa de segurança com elementos estranhos, a substituição de fechaduras e códigos de alarmes de acesso às instalações, o temporário impedimento físico com que o Autor se viu confrontado ao pretender entrar na empresa e, por fim, a simples entrega, que lhe foi feita pelo Sr. BB, da carta referida no ponto nº31 dos factos provados, sem que lhe tivesse sido prestada qualquer explicação sobre as precedentes ocorrências.
Vejamos.
Da factualidade firmada pelas instâncias decorre, desde logo, que ao Autor fora concedido um estatuto de grande autonomia na direcção e supervisão da actividade prosseguida pela Ré.
Neste contexto, facilmente se entendem as medidas securitárias de que a Ré se procurou rodear, a partir do momento em que terá recolhido um conjunto de indícios apontando para a existência de irregularidades no seio da empresa.
E, como a responsabilidade pelas indiciadas ocorrências recaía, ao menos funcionalmente, sobre o Autor, não surpreende que a Direcção da Ré tivesse guardado e pedido confidencialidade sobre as investigações em curso, ocultando ao demandante a sua vinda a Lisboa, do mesmo passo que reforçava a segurança física das instalações, substituía fechaduras e alterava códigos de alarmes.
No mesmo propósito se inserem as reuniões promovidas com o Advogado da Ré, com os seus Revisores de Contas e com a empresa a quem a mesma encomendava habitualmente as auditorias.
Não se vê que estes comportamentos hajam excedido a adopção de efectivas medidas cautelares para a conservação da prova e, com ela, o apuramento cabal dos factos.
De resto, está provado que a falada confidencialidade se circunscreveu aos dias 17 e 18 de Abril, visto que a própria Direcção da Ré procurou, sem sucesso, contactar telefonicamente o Autor nos dias 19 e 20 seguintes.
Neste particular, anote-se que a convicção probatória das instâncias contraria frontalmente a tese do Autor, que nega esses contactos.
Se o demandante tivesse atendido uma dessas chamadas telefónicas e anunciado a sua vinda às instalações da empresa, não faria o menor sentido – então sim – que lhe fosse barrada a passagem à sua chegada; como, porém, o não fez e resolveu comparecer quando o entendeu oportuno, sujeitou-se ao eventual desprestígio profissional de ter de aguardar enquanto o segurança diligenciava sobre o procedimento a adoptar.
Saliente-se, por outro lado, que se ignora de todo o lapso de tempo em que o Autor assim permaneceu, o que sempre impediria de ponderar a eventual repercussão pública que tal acto poderia ter tido na sua “imagem” de Director Geral.
Quanto á readmissão, pela Ré, de um trabalhador que o Autor dispensado “por manifesta incapacidade” para exercer as suas funções, e à nomeação de um outro elemento para um cargo directivo à revelia do mesmo Autor, importa deixar assinalado que tais competências não constituíam um seu exclusivo atributo.
Nem se compreenderia que assim fosse, uma vez que, por regra, é ao empregador que compete, no domínio da gestão empresarial, definir o seu quadro de funcionários e exercer sobre eles o poder disciplinar (cf. artigos 1º, 26º e 39º da L.C.T.).
Certamente por isso, aliás, se refere nos autos, que ao Autor foram “conferidos” e não “transferidos” – poderes para contratar e despedir pessoal.
Gozando embora de assinalada autonomia, o Autor não deixava de ser trabalhador subordinado da Ré, sujeito, como tal, às suas ordens e direcção.
No caso concreto do trabalhador readmitido, sabe-se que o Autor o dispensara por “manifesta incapacidade”.
Todavia, essa afirmada motivação é insuficiente para se concluir que a sobredita readmissão constituiu um acto vexatório para o Autor, quando se desconhecem, em concreto, os factos que conduziam à “dispensa” do trabalhador e à sua posterior “readmissão” (mormente o tempo que medeou entre os dois factos, o grau de experiência profissional porventura adquirido, a eventual alteração das funções a desempenhar, etc.).
Um juízo cabal sobre o descrito comportamento pressupunha o necessário apuramento das concretas razões profissionais em que assentava essa pretensa inaptidão, por forma a concluir se a falada readmissão afectava a imagem, a autoridade e o brio profissional do Autor ou, tão somente, a sua perspectiva pessoal.
Deste jeito, não se sufraga o entendimento, segundo o qual a contratação de dois quadros superiores, quando o Autor também tinha poderes para tal, configure para este, só por si, um acto vexatório e desprestigiante.
Cabe também referir que a suspensão preventiva de um trabalhador, sem perda de retribuição, constitui uma faculdade que a lei concede à entidade patronal – artigo 11 nº1 da L.C.C.T. – sem embargo de se reconhecer que, no concreto dos autos, o local e a forma dessa comunicação constituíram uma deselegância por parte da Ré, ainda que mitigada pelo comportamento do próprio Autor, ao não atender os contactos telefónicos e ao comparecer inopinadamente na empresa acompanhado de Advogado.
Na ponderação da existência, ou não, de justa causa “rescisória”, importa coligir ainda o escasso período de tempo que decorreu entre a produção dos factos em análise e a desvinculação contratual.
Ademais, a “rescisão” imediata do contrato, por banda do Autor, inviabilizou que a Ré apurasse a veracidade dos indícios infraccionais recolhidos e, em caso afirmativo, a sua imputação subjectiva, do mesmo modo que o Autor perdeu voluntariamente a oportunidade de uma defesa cabal – em abono da sua reputação e dignidade – no âmbito do próprio processo disciplinar da empresa.
E, neste específico contexto, não será despiciendo anotar que os Relatórios juntos aos autos evidenciam indícios de irregularidades no seio da empresa, o que não deixa de confortar as suspeitas iniciais da Ré.
Assim é que:
1- o relatório elaborado por “D... T...”, junto a fls. 430 a 433 (facto nº 35) dá nota de que “... a análise efectuada no ano de 2000 e primeiro trimestre de 2001 revelou a inexistência de documentação ou documentação inadequada a suportar certos serviços prestados à O... I..., S.A., falta de evidência da efectiva prestação desses serviços, inexistência de análises sobre a economicidade dos custos, documentos de pagamentos que não evidenciam que os mesmos sejam efectuados às entidades prestadoras de serviços, bem como movimentos bancários aparentemente não relacionados com transacções efectuadas pela Empresa e movimentos de regularização de contas correntes entre entidades diferentes”;
2- mais assinala o mesmo Relatório que “...na análise documental da conta corrente do Dr. AA, existem diversos pagamentos de cartões de crédito sem suporte documental adequado, transferências bancárias para VV, vários movimentos devedores e credores com RBC – C... e G... (merecendo particular destaque o facto de haver cheques recebidos da RBC, não se encontrando o subsequente depósito bancário) e, essencialmente, movimentos relacionados com pagamentos de 80.000 contos a coberto de um aviso de crédito proveniente do estrangeiro da mesma importância que não se encontra identificada a sua origem”;
3- relativamente às demonstrações financeiras apresentadas pela Ré com reporte a 31/12/2000, a “S... de R... O... de C... O... L..., N... da S... e F... C...” apresentou três relatórios sobre a respectiva certificação legal das contas, lendo-se no último, com data de 21/2/2002, designadamente:
“Depois do nosso exame e da emissão da nossa primeira certificação legal das contas com a data de 10 de Maio de 2001, foram identificadas algumas situações que conduziram a que o Conselho de Administração apresentasse novas demonstrações financeiras com data de 21 de Fevereiro de 2002, diferentes das que haviam sido preparadas pela Empresa com data de 16 de Fevereiro de 2001 e que haviam sido a base da nossa primeira certificação legal das contas.
(...)
Todas as situações atrás enumeradas foram identificadas em data posterior ao nosso exame mas, no complemento da nossa certificação legal das contas, com data de 10 de Maio de 2001, chamávamos já a atenção para indícios de situações susceptíveis de alterar as demonstrações financeiras do exercício de 2000. Neste contexto, aliás, e logo que disso tivemos conhecimento, participámos às autoridades competentes duas situações que indiciavam ilícito criminal”.
Aliás, o facto nº 40 alínea b) dá nota cabal das dúvidas sucessivas que o exercício de 2000 tem suscitado.
Ponderando os diversos elementos noticiados nos autos, somos a concluir ao invés das instâncias, que não se verificou justa causa de rescisão do contrato por banda do Autor.
3-4-1
Aqui chegados, já se vê que procede a pretensão nuclear da Ré.
Sendo assim, importa apreciar agora o seu pedido indemnizatório, fundado no incumprimento do pré-aviso legal a cargo do Autor - artigos 37º e 39º da L.C.C.T. – cujo conhecimento nas instâncias ficara prejudicado pela solução que ali se firmou sobre a precedente questão da justa causa rescisória.
Segundo aquele artigo 37º, “A rescisão do contrato pelo trabalhador com invocação de justa causa, quando esta venha a ser declarada inexistente, confere à entidade empregadora direito à indemnização, calculada nos termos previstos no artigo 39º”.
Porém, a atribuição desse direito não se processa de forma automática, na justa medida em que o mesmo não representa uma mera contrapartida da desvinculação infundada operada pelo trabalhador: a simples remissão do artigo 37º para o sequente artigo 39º - cuja epígrafe é a “Falta de cumprimento do prazo de aviso prévio” – logo evidencia que a falada indemnização se destina a penalizar o trabalhador pela omissão do sobredito prazo e pelos consequentes prejuízos assim supostamente causados à sua entidade patronal.
E também se compreende a confluência desses dois preceitos: pela sua própria natureza, uma “rescisão” com suposta justa causa destina-se a produzir efeitos imediatos mas, se a mesma vier a ser tida como ilegítima, a lei equipara-a a uma cessação contratual desmotivada, logo, sujeita ao cumprimento do pré-aviso legal.
Conforme esclarece Monteiro Fernandes, “A função do aviso prévio - comunicação antecipada, em termos inequívocos, do propósito de desvinculação em certa data – é a de possibilitar ao empregador destinatário a realização de diligências necessárias à substituição do trabalhador interessado, ou, até, à dispensa das funções por ele desempenhadas. Daí, ao que cremos, a variação do prazo, com a antiguidade: presume-se mais completa e delicada a tarefa da procura de um substituto para um trabalhador mais antigo, portanto com aptidões específicas mais desenvolvidas e uma mais profunda integração nos moldes do funcionamento da empresa” (in “Direito do Trabalho”, 12ª edição, página 604).
Se é esta a função do aviso prévio, mal se aceitará o questionado ressarcimento do empregador, sempre que este assuma um comportamento prévio, do qual seja lícito inferir o seu propósito de dispensar no imediato – e ainda que temporariamente – a prestação laboral do seu funcionário.
Num tal contexto, não se vislumbra sequer a produção de qualquer dano decorrente da substituição imediata ou de uma eventual reorganização gestionária.
3-4-2
É, patentemente, o caso dos autos.
Está provado que a Ré suspendeu preventivamente o Autor – e não vem ao caso a legitimidade dessa decisão – logo se apressando a implementar as medidas que julgou adequadas para colmatar uma ausência que previa estender-se por “alguns meses”.
Ora, se o Autor, nesse contexto, vem entretanto “rescindir” o seu vínculo laboral – e também não releva aqui o haja feito sem justa causa – não podemos reconhecer qualquer vinculação causal entre essa “rescisão” e a produção de danos justificativos de uma indemnização por incumprimento do pré-aviso legal.
Ademais, esse comportamento da Ré não deixa de poder configurar um abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”.
Na verdade, revela-se absolutamente contraditório suspender preventivamente um trabalhador e vir, mais tarde, reclamar dele uma indemnização por cessação imediata e sem motivo do vínculo laboral.
Não se ignora que o “venire” não se basta com a comprovada verificação de condutas contraditórias, exigindo, a par disso, que a conduta inicial do agente tenha criado na contraparte a legítima convicção de que poderia contar com ela para tomar decisões e arranjar planos de vida.
Mas, mesmo nesta vertente subjectiva, é adequado admitir que o Autor, confrontado com uma suspensão preventiva de “alguns meses”, jamais pudesse supor que a Ré lhe iria exigir uma indemnização por ele – ainda que sem motivo – se não ter disposto a oferecer a sua prestação nos 60 dias seguintes.
Num caso em que uma trabalhadora resolvera o seu contrato de trabalho com pretensa justa causa, que não logrou provar, já este Supremo Tribunal recusou ao empregador a ora questionada indemnização, sob o fundamento de que o referido empregador abusara do seu accionado direito ressarcitório, na sobredita modalidade de “venire”, ao propor anteriormente à trabalhadora a extinção do vínculo por acordo e ao evidenciar dificuldades em atribuir-lhe novas funções correspondentes à sua categoria profissional (Acórdão desta Secção de 17/4/08, na Revista nº 4747/07).
Subscrevemos por inteiro o juízo assim alcançado, sendo que o contexto factual que o acobertou não se distancia do concreto dos presentes autos.
E, talqualmente como ali se discorreu, também aqui concluímos que a consequência a extrair “... é a supressão desse direito, tudo se passando como se a Ré não fosse titular do mesmo, o que determina a improcedência da reconvenção e a absolvição da Autora [aqui Autor] do pedido...”


3-5
A afirmada procedência da pretensão recursória nuclear da Ré – inverificação da justa causa rescisória – consequência que:
- não assista ao Autor o direito à indemnização prevista no artigo 36º da L.C.C.T. nem, tão pouco, a qualquer ressarcimento de pretensos danos não patrimoniais, cuja reparação pressupõe, desde logo, a prática de um – aqui improvado - facto ilícito (artigo 496º nº1 do Código Civil.
Consequentemente, fica prejudicado, sem mais, o conhecimento da problemática atinente aos montantes dessas indemnizações.
No contexto da revista do Autor, resta apurar o questionado montante da sua retribuição mensal, dado o seu necessário reflexo nos valores remuneratórios que lhe são reconhecidamente devidos.
3-6-1
Discute-se nos autos se a remuneração mensal do Autor deve ser fixada em € 7.028,71 (como entendeu a 1ª instância) ou em € 4.490$00 (como afirmou a Relação).
Sobre tal problemática, o Acórdão em crise discorreu como segue:
“Nos termos do art.º 82º da L.C.T., só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho (nº1), incluindo esta a retribuição de base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie (nº2), presumindo-se, porém, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador (nº3).
Face aos factos provados, nomeadamente ao disposto nos nºs 37 e 39, a Ré passou a pagar ao Autor uma remuneração por trabalho dependente, sobre o qual eram efectuados os descontos legais, uma importância a título de ajudas de custo e uma outra importância que era liquidada à empresa RBC - C... e G... de E..., Lda., constituída pelo Autor.
Ora, nos termos do art.º 87º da L.C.T., as importâncias pagas a título de ajudas de custo, em princípio, não integram a retribuição, sendo de presumir que as importâncias pagas a esse título não excediam as despesas normais de um Director Geral de empresa.
Também as importâncias pagas à empresa RBC Lda., não integram, pela sua própria natureza, a retribuição do Autor.
Resta-nos, pois, considerar como retribuição as importâncias pagas a título de trabalho dependente, sobre as quais eram feitos os descontos legais.
A esse título, foi pago ao Autor, no ano de 2001 (de Janeiro a Março) a quantia de €13.467, 54, o que dá uma média mensal de 4.490,00. No ano de 2000, foram pagas retribuições ao Autor no montante de 62.848,54, o que a dividir por 14, dá também a média de € 4.490,00.
Considera-se, pois, esta importância de €4.490,00 como sendo a retribuição mensal do Apelado, que está em conformidade com a declaração de rendimento do trabalhador dependente, apresentada pelo A., conforme doc. nº 39, junto dos autos pelo Autor” (FIM DE TRANSCRIÇÃO).
Compaginando o teor da transcrita motivação com as alegações produzidas na sua revista, verifica-se que o Autor não contraria a aludida motivação no que concerne à exclusão das “ajudas de custo” da questionada componente retributiva, mormente o juízo segundo o qual as importâncias pagas a esse título não excediam as despesas normais de um Director Geral.
Assim, cabe-nos aceitar necessariamente a decisão neste específico segmento, por força do caso julgado que sobre ele se formou.
No que respeita aos pagamentos efectuados à “RBC Ldª”, resulta dos pontos nºs 38 e 39 da matéria de facto que esses pagamentos eram processados em contrapartida de facturas apresentadas por essa empresa, ali se incluindo o IVA correspondente.
Um tal mecanismo não se harmoniza de todo com um “pagamento salarial”, sob pena de se qualificarem como falsas as sobreditas facturas, por não documentarem uma qualquer obrigação prestacional da Ré.
Por outro lado, admitir que a RBC estivesse obrigada a entregar esses pagamentos ao Autor, seria desconsiderar a sua personalidade jurídica: assim se compreende que “a própria natureza das coisas” – como diz o acórdão sindicando - levasse a excluir os mencionados pagamentos como retribuição do Autor.
Somos a concluir, pois, que também este segmento decisório não nos merece qualquer censura.
3-6-2
Sabe-se que a Relação fixou em € 16.650,35 o valor global das remunerações devidas ao Autor pela cessação do vínculo laboral.
Esse apuramento, enquanto tal, não vem questionado por nenhuma das partes, só o sendo pelo Autor em função da sua tese sobre o valor da respectiva remuneração mensal.
Ora, rejeitada essa tese, resta aceitar o aludido montante.
*
4 – DECISÃO
Em face do exposto:
1 – Concede-se parcialmente a revista da Ré, revogando-se o Acórdão recorrido na parte em que considerou verificada a justa causa de “rescisão” contratual operada pelo Autor e, bem assim, os consequentes segmentos decisórios que haviam arbitrado, a favor do Autor, uma indemnização de antiguidade (€ 23.859,35) e uma outra a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, (€10.000,00), absolvendo-se a Ré desses pedidos;
2 – nega-se a mesma revista no tocante à reclamada indemnização por incumprimento, pelo Autor, do prazo legal de aviso prévio;
3 – Considera-se prejudicado o conhecimento da revista do Autor no que concerne às vertentes indemnizatórias, cujos montantes questionava, e nega-se no mais.
*
Custas, nas instâncias e no Supremo, pelo Autor e pela Ré, na proporção do respectivo decaimento.
*
Lisboa 7 de Julho de 2009

Sousa Grandão (Relator)
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis