Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B2970
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS MORAIS
Nº do Documento: SJ200410070029707
Data do Acordão: 10/07/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 228/04
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário : 1. A afectação da pessoa do ponto de vista funcional na envolvência do que vem sendo designado por dano biológico, determinante de consequências negativas da nível da sua actividade geral, justifica a sua indemnização no âmbito do dano patrimonial, independentemente da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial.
2. As fórmulas financeiras utilizadas na determinação do quantum indemnizatório por danos patrimoniais futuros só relevam como meros elementos instrumentais, no quadro da formulação de juízos de equidade, face aos elementos de facto provados.
3. Tendo a vítima sofrido no acidente lesões que lhe determinaram incapacidade total para o exercício da sua profissão habitual de motorista de veículos pesados, que poderia exercer durante mais 27 anos, da qual auferia € 8 379, 80 anuais, e incapacidade de 45% para o exercício de outras profissões, em relação às quais ainda não conseguiu emprego, justifica-se a fixação da sua indemnização a título de danos futuros montante de € 120 000,00.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I
"A" e B, este representado pelo primeiro e por C, e D instauraram, no dia 15 de Setembro de 1999, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a Sociedade E pedindo a sua condenação a pagar-lhes 45 909 567$, ao primeiro, 750 000$ ao segundo e 1 930 000$ à terceira, com juros à taxa legal desde a citação, com fundamento em danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do embate entre o veículo automóvel com a matrícula n.º QQ da terceira autora, conduzido pelo primeiro autor, onde era transportado o segundo autor, e o veículo automóvel com a matrícula n.º QR, conduzido por F, a este imputável a título de culpa, e em contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado com a ré.
A ré, em contestação, admitiu a sua obrigação de indemnizar os autores, mas impugnou os factos relativos à quantificação respectiva, e provocou a intervenção da Companhia de Seguros G, do lado activo, sob o fundamento de o evento estradal em causa ter sido qualificado de trabalho em relação ao primeiro autor e a chamada, seguradora laboral, o haver indemnizado.
Admitido o incidente, a Companhia de Seguros G, SA pediu a condenação da ré a pagar-lhe 4 224 694$, ditos pagos ao primeiro autor com base no contrato de seguro de acidentes laborais, a que a última respondeu dever o pedido ser julgado de harmonia com a prova a produzir.
O autor A requereu a ampliação do pedido, o que lhe foi indeferido, de cujo despacho interpôs recurso de agravo, e foi-lhe concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e de encargos com o processo.
Realizado o julgamento, no decurso do qual foi admitida a ampliação do pedido formulado pela chamada sob o fundamento de haver pago pensões no montante € 8 729,59, foi proferida, no dia 15 de Julho de 2003, sentença condenatória da ré a pagar a A, € 221 690,06, a B, € 3 740,98, e a D, € 9 626,79, em qualquer caso acrescidos de juros à taxa anual de 7% desde a data da citação até 30 de Abril de 2003 e de 4% desde 1 de Maio de 2003, e à "Companhia de Seguros G SA", € 29 801,27.
Apelou a Companhia de Seguros H, que sucedeu à Sociedade E, e a Relação, por acórdão proferido no dia 17 de Março de 2004, deu provimento ao recurso de agravo interposto por A, fixando o valor do pedido no montante de € 279 180,01 e negou provimento ao recurso de apelação.

A Companhia de Seguros H interpôs recurso de revista, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação:
- o recorrido não demonstrou não ter conseguido encontrar nova actividade laboral, ou não ter sido aceite por alguma entidade formadora, ou não ter obtido emprego apesar de formação para o efeito ou que o mercado de trabalho só admite profissionais não claudicantes ou que consigam permanecer na posição de ajoelhados;
- o juízo equitativo deverá tomar em consideração a inflação anual, a progressão na carreira, os impostos, e o recorrido poderá, para além da indemnização que lhe for fixada, dispor de todo o tempo para a sua vida pessoal e exercer qualquer outra profissão compatível com a sua capacidade de trabalho;
- o critério preconizado para o cálculo dos danos futuros é inadequado às circunstâncias da vida e, em particular, ao caso em apreço, não realizando a solução mais justa face ao recurso às tabelas financeiras, devendo a indemnização por danos futuros ser calculada por forma a evitar o enriquecimento indevido do lesado em razão do imediato e integral recebimento do capital;
- pela aplicação das tabelas financeiras ao caso em apreço obtém-se o montante de € 76.884,24 mas, considerando os factos provados, sobretudo a necessidade de readaptação do A a nova e adequada profissão é equitativa uma quantia indemnizatória não superior € 89.783,62;
- mesmo pela metodologia adoptada no acórdão recorrido, vê-se ter havido equívoco nos cálculos efectuados, certo que traduz maior ponderação a indemnização € 90.000,00;
- o acórdão recorrido violou os artigos 483.º, 562.º e 564 n.º 2, do Código Civil.

Respondeu o recorrido A em síntese de conclusão:
- o acórdão recorrido firmou-se na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, e deve manter-se;
- deverá ser proferido acórdão nos termos do artigo 713º, n.º 6, do Código de Processo Civil.
II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. No dia 24 de Março de 1997, às 17.30 horas, rodava o veículo automóvel com a matrícula n.º QQ, de D, conduzido pelo autor A, nascido no dia 4 de Fevereiro de 1961, pela Estrada Nacional nº 205, ao quilómetro 47, 63, no sentido Amares/Braga, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido de marcha, a velocidade não excedente a 50 quilómetros por hora.
2. A deslocava-se então ao serviço de D, em execução de ordens por esta emanadas, com ela se encontrando vinculado por contrato de trabalho subordinado, prestando-lhe trabalho na categoria de motorista.
3. O veículo automóvel pesado de mercadorias com a matrícula n.º QR, de I, conduzido por F, no exercício de funções laborais de que tinha sido incumbido por aquela sociedade, circulava no sentido Braga/Amares daquela Estrada.
4. O veículo automóvel com a matrícula n.º QR mudou de direcção para a sua esquerda, para passar a circular na Estrada Nacional n.º 205-3, no sentido Rendufe/Terras de Bouro, no momento em que o veículo automóvel com a matrícula n.º QQ, que lhe era visível, estava a meia dúzia de metros de distância.
5. F, condutor do veículo automóvel com a matrícula n.º QQ, não o travou, e foi embatido na parte da frente lateral esquerda pela parte da frente do lado direito do veículo automóvel com a matrícula n.º QR, no momento em que o primeiro dos referidos veículos estava com a parte do lado direito fora da estrada por onde circulava, para tentar evitar a colisão.
6. Em consequência do embate, o veículo automóvel com a matrícula n.º QQ ficou danificado, não é aconselhável a sua reparação, e D, em 12 de Fevereiro de 1997, havia iniciado negociações com a Toyota de Braga para troca daquele veículo automóvel por um novo, tendo sido avaliado para retoma em 1.230.000$, e o que dele restou foi vendido, para a sucata, por 50.000$.
7. D, dedica-se à compra e venda de materiais para a construção civil, e utilizava diariamente, de segunda a sábado, o veículo automóvel com a matrícula n.º QQ para se abastecer e para fazer entregas aos seus clientes.
8. O veículo automóvel com a matrícula n.º QQ esteve paralisado até ao dia 28 de Maio de 1997, tempo que a Toyota levou para entregar um veículo novo, e, nesse período, D recorreu a outros meios de transporte, mais dispendiosos, e deixou de efectuar algumas entregas e vendeu mais barato os produtos que comercializava, indo os clientes buscá-los ao armazém, representando cada um dos referidos dias o prejuízo de 15.000$.
9. Em consequência do referido embate, A sofreu traumatismo do membro inferior esquerdo - coxa, joelho e perna - e do membro inferior direito - coxa e perna - e foi transportado para o Hospital de São Marcos-Braga, onde foi internado, tendo o exame radiológico revelado fracturas transtrocantérica do fémur esquerdo, da diáfise do fémur direito, e longitudinal da rótula esquerda e exposta dos ossos de ambas as pernas - tíbia e perónio.
10. Foi submetido nesse dia a uma intervenção cirúrgica, fez cirurgia de osteossíntese com placa monobloco 130 na correcção da fractura transtrocantérica do fémur esquerdo, cirurgia de osteossíntese com encavilhamento de Kuntcher na correcção da fractura da diáfise do fémur direito, e correcção cirúrgica do esfacelo do joelho esquerdo e osteotaxia com fixadores à perna direita e a mesma intervenção à perna esquerda.
11. No dia 30 de Abril de 1997, foi recoperado para lhe serem retirados os fixadores de ambas as pernas e foi submetido a correcção cirúrgica da ferida da perna direita, seguida de plastia, e foi-lhe então feita a imobilização gessada cruropodálico de ambos os membros inferiores, e, no dia 26 de Maio de 1997, foi-lhe feita nova imobilização gessada, até aos joelhos - tíbio-podálico.
12. No dia 3 de Junho de 1997, teve alta de internamento, passando a ser assistido na consulta externa do Hospital de São Marcos, Braga e, mais tarde, nos serviços clínicos da Companhia de Seguros G e, durante o seu internamento naquele Hospital, iniciou o tratamento de fisioterapia que se prolongou por cerca de dois meses.
13. No dia 26 de Setembro de 1997 retirou a imobilização gessada, por apresentar infecção das feridas cutâneas ao nível das fracturas expostas, em 17 de Outubro de 1997, fez imobilização gessada até ao joelho, em 15 de Dezembro de 1997, retirou o gesso da perna direita, e, em Março de 1998, retirou o gesso da perna esquerda
14. No dia 17 de Novembro de 1997, por conta da "Companhia de Seguros G, SA", foi submetido a tratamento fisiátrico que se prolongou até 26 de Outubro de 1998.
15. Apesar dos tratamentos a que se submeteu, ficou a padecer definitivamente de marcha claudicante e de sequelas no plano muscular, de hipotrofia dos músculos nadegueiros à direita, e de sequelas no plano ósseo e osteoarticular, e ficou a padecer de limitação da mobilidade articular na flexão da coxa até 90º e na rotação interna entre 0º e 10º, e de encurtamento do fémur direito inferior a dois centímetros, ao nível do joelho esquerdo, e de crepitações e irregularidades da superfície articular, sem aparente limitação da mobilidade, e de consolidação viciosa da perna esquerda, ao nível dos tornozelos, e de rigidez bilateral com crepitação, existindo no tornozelo esquerdo limitação da mobilidade entre 0º e 18º na flexão dorsal do pé e entre 0º e 5º na flexão plantar do pé, ao nível do pé esquerdo, e de limitação da mobilidade entre 0º e 10º na inversão e na eversão, resultantes da lesão neurológica.
16. E como sequelas neurológicas, ficou a padecer de lesão grave do nervo peronial profundo e de lesão do ramo sensitivo do nervo peronial superficial a nível do terço distal da perna esquerda, e, como sequelas vasculares, ao nível das pernas esquerda e direita, de lesões venosas e linfáticas traumáticas, com sensação de peso, dor, edema, prurido e alterações tróficas múltiplas no terço médio e terço inferior, nomeadamente à esquerda,.
17. E como sequelas no plano das dismorfias, no membro inferior esquerdo, ficou a padecer, ao nível da coxa, de cicatriz distrófica com 15 centímetros de extensão, ao nível do joelho, de cicatriz distrófica em V na face anterior e inferior do joelho, impeditiva de permanecer ajoelhado, e de pequenas cicatrizes resultantes da aplicação de fixadores externos e, no membro inferior direito, ao nível da nádega, de cicatriz distrófica com 20 centímetros de extensão, e ao nível da coxa de cicatriz distrófica de 20 centímetros de extensão e, ao nível da perna, de cicatriz distrófica de 16 centímetros de extensão ao nível do foco da fractura, sede de correcção cirúrgica da ferida, seguida de plastia e pequenas cicatrizes resultantes da aplicação dos fixadores externos.
18. As lesões sofridas por A provocaram-lhe dores físicas muito intensas, no momento do embate e no decurso do tratamento, e as sequelas mencionadas sob 15 a 17 de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal estar, que o vão acompanhar durante toda a vida e que se exacerbam com as mudanças de tempo.
19. As referidas sequelas provocam-lhe incapacidade total para o exercício da sua profissão habitual de motorista de veículos pesados e uma incapacidade permanente de quarenta e cinco por cento para o exercício de outras profissões, e causaram-lhe desgosto e amargura.
20. Antes do embate, A era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico e trabalhador, auferindo, na altura do embate, 120.000$ mensais, durante catorze meses, acrescidos de 830$ diários de subsídio de alimentação.
21. Em virtude do embate, das lesões sofridas e dos tratamentos a que teve de se submeter, nunca mais A pode retomar o seu trabalho, nem encontrou ocupação remunerada compatível com o referido na segunda parte de 19 e, enquanto esteve internado, e depois da alta hospitalar, precisou do acompanhamento de uma terceira pessoa.
22. O estado em que A, obriga-o a fazer fisioterapia, todos os anos, durante um mês, de segunda a sexta feira, pelo que vai pagar, por dia, 2.800$, e para se deslocar ao local onde possa fazer o tratamento gasta em transportes cerca de 750$.
23. B, nascido no dia 19 de Julho de 1971, era transportado gratuitamente no veículo automóvel com a matrícula n.º QQ, o qual, em consequência do embate, sofreu fractura da perna esquerda, foi transportado para o Hospital de São Marcos, Braga, onde foi submetido a intervenção cirúrgica, teve alta hospitalar no dia 3 de Abril de 1997, andou 40 dias com gesso e, durante dois meses, andou em tratamento na consulta externa daquele Hospital.
24. As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas no momento do embate e no decurso do tratamento, e o ter ficado sozinho, com a idade que tem, internado num hospital, também lhe causou angústia e sofrimento.
25. Representantes da Sociedade E, SA, por um lado, e representantes de I, por outro, declararam por escrito, consubstanciado na apólice n.º 0207813, a primeira assumir, mediante prémio a pagar pela segunda, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o veículo automóvel com a matrícula n.º QR.
26. Representantes da Companhia de Seguros G, SA, por um lado, e de D, por outro, declararam, por escrito, consubstanciado na apólice n.º 09-10056.827, a primeira assumir, mediante prémio a pagar pela segunda, a responsabilidade civil por acidentes laborais sofridos por A.
27. D participou à Companhia de Seguros G, SA o embate mencionado sob 5 enquanto acidente de trabalho de que foi vítima A, a qual iniciou a reparação ao último, tendo despendido, a título de indemnizações pagas àquele, por todo o tempo em que esteve incapacitado de trabalhar, 1.132.796$, tendo pago, a título de pensões, desde o seu início, no dia 2 de Março de 1999, até Junho de 2003, o total de € 8.728,59.
28. Responsável pelo pagamento da pensão anual e vitalícia de que beneficia A, a Companhia de Seguros G, SA tem constituída reserva matemática para cálculo desse pagamento que, face ao dia 1 de Julho de 2003, é de € 26.854,28.
29. A Companhia de Seguros G, SA entregou A, por transportes de que aquele utilizou para se apresentar a tratamento no período de incapacidade, 1.332.137$, em cirurgias e hospitalização, o total de 778.835$, na concessão de serviços prestados na sua própria estrutura clínica, 208.900$, e por despesas na farmácia, hospedagens e outras em resultado exclusivo do embate, gastou 178.246$.
30. Em consequência do embate, A gastou 15.000$ em honorários médicos, 37.000$ em meios de diagnóstico e 47.325$ em transportes para receber tratamentos, e ficou com umas calças, uma camisa, um relógio e uns sapatos totalmente inutilizados, e que valiam, respectivamente, 5.000$ 2.000$, 10.000$ e 7.500$.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se a indemnização por danos patrimoniais futuros devida ao recorrido A deve ou não ser fixada em € 90 000,00.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e do recorrido, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- delimitação do objecto do recurso;
- síntese do quadro fáctico concernente aos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade para o trabalho;
- critério legal de cálculo da indemnização por danos patrimoniais decorrente de perda de capacidade aquisitiva de rendimento de trabalho;
- solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela delimitação do objecto do recurso.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões de alegação do recorrente, nos termos dos artigos 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Tendo em conta o conteúdo das conclusões de alegação da recorrente, não está em causa no recurso, por um lado, a questão da verificação ou não dos pressupostos da responsabilidade civil - facto ilícito e culposo, prejuízo reparável e nexo de causalidade entre este e aquele, a que se reportam os artigos 483º, n.º 1, e 563º do Código Civil.
Nem, por outro, nele está em causa a problemática dos danos não patrimoniais nem a vertente dos danos patrimoniais futuros concernentes ao dispêndio que o recorrido terá de realizar com as várias sessões de fisioterapia, fixado nas instâncias no montante de € 9 975,96.
O que está em causa no recurso é, efectivamente, a determinação do montante indemnizatório devido ao recorrido por virtude da perda aquisitiva de salário em razão da incapacidade física com que foi afectado no acidente em causa.
Também não é questionado no recurso que, por virtude do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel em que a Sociedade E outorgou, à qual a recorrente sucedeu, esta seja responsável pelo pagamento ao recorrido do montante indemnizatório em causa a que o recorrido tenha direito (artigos 427º do Código Comercial e 5º, alínea a), e 8º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro).
2.
Atentemos agora, em síntese útil, na factualidade atinente às lesões físicas e à incapacidade sofridas pelo recorrido A em razão do evento estradal infortunístico em causa.
Antes do evento era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico e trabalhador, e exercia a actividade de motorista de veículos pesados, do que auferia 120 000$ mensais, acrescidos do valor equivalente a mais dois meses, naturalmente correspondentes ao subsídio de férias e de Natal, e de 830$ diários de subsídio de alimentação, naturalmente durante os dias de efectivo trabalho ou dias úteis.
As lesões que sofreu no acidente determinaram-lhe essencialmente marcha claudicante, hipotrofia dos músculos nadegueiros direitos, limitação da mobilidade articular na flexão da coxa e na rotação interna, encurtamento do fémur direito inferior a dois centímetros, consolidação viciosa da perna esquerda, limitação da mobilidade na flexão dorsal e plantar do pé esquerdo na inversão e na eversão, lesão grave do nervo peroneal profundo, lesão do ramo sensitivo do nervo peroneal superficial a nível do terço distal da perna esquerda, lesões venosas e linfáticas traumáticas com sensação de peso, dor, edema, prurido e alterações tróficas múltiplas no terço médio e terço inferior à esquerda, e cicatriz distrófica em V na face anterior e inferior do joelho, impeditiva de permanecer ajoelhado.
As referidas sequelas provocaram no recorrido incapacidade total para o exercício da sua profissão habitual de motorista de veículos pesados e incapacidade permanente de quarenta e cinco por cento para o exercício de outras profissões, e nunca mais pôde retomar o seu trabalho, nem encontrou ocupação remunerada compatível com sua referida incapacidade permanente parcial.
Do referido quadro de facto ressalta, em termos de relevo essencial na decisão do recurso, a circunstância de o recorrido ter ficado incapacitado em absoluto para o exercício da sua profissão de motorista de veículos pesados e na percentagem de quarenta e cinco por cento para o exercício de qualquer outra profissão.
3.
Vejamos, ora, o critério legal de cálculo da indemnização por danos patrimoniais decorrente de perda de capacidade aquisitiva de ganho.
O ressarcimento dos danos futuros, como é o caso vertente, por cálculo imediato, depende da sua previsibilidade e determinabilidade (artigo 564º, n.º 2, primeira parte, do Código Civil).
No caso de os danos futuros não serem imediatamente determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (artigo 564º, n.º 2, segunda parte, do Código Civil).
Os danos futuros previsíveis, a que a lei se reporta, são essencialmente os certos ou suficientemente previsíveis, como é o caso, por exemplo, da perda ou diminuição da capacidade produtiva de quem trabalha e, consequentemente, de auferir o rendimento inerente, por virtude de lesão corporal.
A regra é no sentido de que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que se verificaria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação, fixável em dinheiro no caso de inviabilidade de reconstituição em espécie (artigos 562º e 566º, n.º 1, do Código Civil).
A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não tivesse ocorrido o dano, e, não podendo ser determinado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil).
A afectação da pessoa do ponto de vista funcional, na envolvência do que vem sendo designado dano biológico, determinante de consequências negativas a nível da sua actividade geral, justifica a indemnização no âmbito do dano patrimonial, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial.
Com efeito, a incapacidade permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho, por via da perda ou diminuição da remuneração ou da implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho.
No caso vertente, considerando a situação em que o recorrido ficou, tendo em conta as regras da probabilidade normal do devir das coisas, a conclusão deve ser no sentido de que, na espécie, se está perante um dano futuro previsível em razão da perda de capacidade específica de ganho na actividade profissional desenvolvida e em qualquer outra a desenvolver.
Procurando atingir a justiça do caso, têm os tribunais vindo a acolher a solução de que a indemnização do lesado por danos futuros deve representar um capital que se extinga ao fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante ela, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.
Têm sido utilizadas para o efeito, no âmbito da jurisprudência, fórmulas e tabelas financeiras várias, na tentativa de se conseguir um critério tanto quanto possível uniforme.
As referidas fórmulas não se conformam em absoluto, porém, com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, deve ser entendido como meramente orientador e explicativo do juízo de equidade a que a lei se reporta.
Como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora com a inerente dificuldade de cálculo, naturalmente com a utilização intensa de juízos de equidade.
A partir dos pertinentes elementos de facto, desenvolvidos no quadro das referidas fórmulas meramente instrumentais, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso.
Apesar do longo período de funcionamento da previsão, a quantificação deve ser imediata, sob a atenuação da fluidez do cálculo no confronto da referida previsibilidade no âmbito da variável inatingível da trajectória futura do lesado, quanto ao tempo de vida e de trabalho e à espécie deste, por via dos referidos juízos de equidade.
Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit, com a equidade a impor a correcção, em regra por defeito, dos valores resultantes de cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental.
No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva em causa.
4.
Vejamos, ora, tendo em conta as considerações de ordem jurídica acima mencionadas, a solução indemnizatória para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.
Considerando que o recorrido viu eliminada a sua capacidade de exercício da sua profissão e diminuída a sua capacidade para o exercício de qualquer outra profissão em pouco menos de metade, tendo em conta as regras da probabilidade normal do devir das coisas, a conclusão não pode deixar de ser, conforme acima se referiu, no sentido de que, na espécie, se está perante um dano futuro previsível.
Na primeira instância, a partir da incapacidade absoluta e permanente para o trabalho consubstanciado na condução de veículos pesados, foi a indemnização por dano patrimonial futuro devida ao recorrido calculada em € 224 459,05, mas reduzida ao montante € 221 690,06 em razão do limite e princípio do pedido.
A Relação, partindo de ambas as vertentes da incapacidade do recorrido para o trabalho, a absoluta para a condução de veículos pesados, e a relativa para o exercício de qualquer outra profissão, mas dando particular relevo à referida redução do montante indemnizatório em € 2 768,99, confirmou o valor indemnizatório fixado pelo tribunal da primeira instância, com o que a recorrente discorda, entendendo que ele deve ser fixado no montante de € 90 000,00.
Não há motivo legal para que seja posto em causa o juízo das instâncias no sentido de que o recorrido provavelmente teria mais trinta e dois anos de esperança de vida e vinte e sete deles de vida activa, ou seja, que poderia exercer, neste último período, a sua actividade laboral por conta de outrem.
Por virtude da sua natureza e fim, o valor do subsídio de alimentação que o recorrido auferia nos dias de efectivo exercício da sua actividade profissional de motorista é insusceptível de relevar, na espécie, para determinar o quantum indemnizatório em causa.
O elemento salarial disponível, tido em conta nas instâncias, e que tem de ser considerado é no sentido de que o recorrido auferia anualmente, a título de rendimento de trabalho, a quantia correspondente a € 8 379,80, o que correspondia a € 598,55 mensais.
Os factos provados não revelam, porém, se o mencionado vencimento auferido pelo recorrido era ou não líquido do valor do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e da contribuição para a segurança social.

Tal como foi considerado no acórdão impugnado, não se pode abstrair no cálculo da indemnização por danos futuros em causa da circunstância de o recorrido dispor de cinquenta e cinco por cento de capacidade para o exercício de actividade laboral diversa da concernente à condução de veículos automóveis pesados.
Tendo em conta os elementos considerados nas instâncias, o vencimento anual de € 8 379,80 e o tempo de vinte e sete anos de provável exercício pelo recorrido da sua profissão de motorista de veículos pesados não fora a sua perda total de capacidade para o efeito, independentemente de actualizações decorrentes de desvalorização da moeda ou de ganhos de produtividade, ele auferiria, nesse período, a título de rendimento de trabalho, o montante de € 226 254, 73.
Atenta a idade do recorrido e a natureza das sequelas das lesões que sofreu, a circunstância de ele não haver conseguido ocupação remunerada compatível com a sua percentagem de incapacidade permanente não significa, como é natural, que a não venha a conseguir.
Não é, por isso, de excluir, em termos de probabilidade ou de normalidade das coisas, que o recorrido consiga, por via do exercício de actividade profissional diversa da concernente à condução de veículos pesados, auferir um rendimento de trabalho de quantitativo inferior ao que percebia na sua profissão de outrora.
Na hipótese de o recorrido vir a exercer uma profissão com o mesmo nível regra de vencimento daquela que exercia e, por virtude da sua referida incapacidade de quarenta e cinco por cento, ser patrimonialmente afectado naquela percentagem, então a perda de rendimento de trabalho em razão de tal incapacidade cifrar-se-ia, no mencionado período, em € 101 814,63.
Nesse quadro, importa considerar que, para o cálculo da indemnização por danos futuros devida ao recorrido partindo de uma mera previsibilidade, somos confrontados com a variável inatingível da trajectória futura da sua vida, quer quanto ao tempo da sua duração, quer quanto à possibilidade de ele conseguir exercer alguma actividade remunerada, quer quanto à respectiva estabilidade.
Acresce que, o recorrente vai perceber imediatamente um valor indemnizatório por danos patrimoniais futuros temporalmente dilatados por longo período, certo que, a partir-se de dados exactos, haveria que considerar a quantificação mês a mês ou ano a ano da perda efectiva da capacidade de ganho.
Perante este circunstancialismo, partindo dos dados de facto assentes, tendo em conta o nível de inflação previsível, a provável evolução de carreiras profissionais e os ganhos de produtividade, e a circunstância de o recorrido receber de uma só vez um montante pecuniário que sé receberia mês a mês ao longo de tão dilatado período temporal, ajuizando com a prudência, a justa medida das coisas e a criteriosa ponderação das realidades da vida, na envolvência de juízos de equidade, julga-se adequado fixar a indemnização devida pela recorrente ao recorrido em razão da perda da capacidade aquisitiva de rendimento de trabalho no montante de € 120, 000, 00.

Procede, pois, parcialmente o recurso, com natural afectação do decidido nas instâncias.
Vencidos, são a recorrente e o recorrido responsáveis pelo pagamento das custas na proporção do vencimento (artigo 446º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil)

Todavia, como o recorrido beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas, tendo em conta o disposto nos artigos 15º, n.º 1, 37º, n.º 1, e 54º, n.ºs 1 a 3, do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, 57º, n.º 1, da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 51º, n.ºs 1 e 2 e 53º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, inexiste fundamento legal para a sua condenação no pagamento das custas da sua responsabilidade.
IV
Pelo exposto, dá-se parcial provimento ao recurso, revogam-se os segmentos do acórdão recorrido relativos à indemnização arbitrada ao recorrido a título de perda aquisitiva de ganho sentença proferida, fixa-se o respectivo montante em cento e vinte mil euros, e condena-se a recorrente no pagamento das custas relativas à acção e a ambos os recursos na proporção do vencimento.

Lisboa, 7 de Outubro de 2004.
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís