Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1002/24.7YRLSB.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: EXTRADIÇÃO
PEDIDO
OBJETO DO PROCESSO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
PRINCÍPIO DA DUPLA INCRIMINAÇÃO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
CONVENÇÃO INTERNACIONAL
Data do Acordão: 06/26/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: EXTRADIÇÃO / M.D.E. / RECONHECIMENTO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Sumário :
I. Nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, a extradição, rege-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma (n.º 1), sendo subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal (n.º 2). Nas relações entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil é aplicável a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, de 2005 RAR 49/2008 e DPR 67/2008, DR, 1.ª Série, 15.9.2008; Aviso n.º 183/2011, do MNE, de 11.8.2011, DR 1.ª Série, 11.8.2011 («Convenção CPLP»).

II. A concessão da extradição, que só pode ser determinada por autoridade judicial (artigo 33.º, n.º 7, da Constituição), depende sempre da apresentação de um pedido do Estado estrangeiro, com o qual se inicia o processo de extradição regulado nos artigos 44.º a 61.º da Lei n.º 144/99.

III. O processo compreende a fase administrativa e a fase judicial (artigo 46.º), destinando-se a fase judicial, da competência do tribunal da Relação – que se inicia com o envio do pedido ao Ministério Público na Relação e com a promoção do seu cumprimento (artigo 50.º) –, a decidir, com audiência do interessado, sobre a concessão da extradição por procedência das condições de forma e de fundo do pedido (artigo 10.º da Convenção CPLP), não sendo admitida prova alguma sobre os factos imputados ao extraditando (artigo 46.º, n.º 2).

IV. Em caso de urgência, e como ato prévio de um pedido formal de extradição, pode ser solicitada a detenção provisória da pessoa a extraditar, a qual pode ser ordenada e mantida nos termos e condições previstos no artigo 21.º da Convenção CPLP e nos artigos artigo 38.º, 62.º, 63.º e 65.º da Lei n.º 144/99. A pessoa procurada pode também ser detida pelas autoridades de polícia criminal anteriormente à apresentação de um pedido de extradição, com base em «notícia vermelha» da Interpol emitida com vista à localização e detenção para efeitos de extradição, nos termos dos artigos 82.º e seguintes do «Regulamento de processamento de dados da Interpol » (Interpol’s rules on the processing of data, https://www.interpol.int), em conformidade com o disposto nos artigos 39.º, 64.º e 65.º da Lei n.º 144/99.

V. Não há lugar a extradição quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena «em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido» (artigo 3.º, n.º 1, al. f), da Convenção CPLP) e a extradição pode ser recusada se a pessoa reclamada tiver sido condenada à revelia pela infração que deu lugar ao pedido de extradição, exceto se as leis do Estado requerente lhe assegurarem a possibilidade de interposição de recurso, a realização de novo julgamento ou outra garantia de natureza equivalente (artigo 4.º, al. e)).

VI. A Convenção CPLP obriga a um duplo controlo da prescrição, a efetuar de acordo com a lei do Estado requerente e com a lei portuguesa; não estando o funcionamento da prescrição no Estado requerido associado à fase do processo no Estado requerente ou à finalidade visada pela extradição (procedimento criminal ou execução da pena), o controlo há de efetuar-se com referência aos dois momentos geradores de imunidade, pelo decurso do tempo (prescrição do procedimento e da pena), que constituem motivo de proibição da extradição no caso de esta se destinar ao cumprimento de uma pena.

VII. Suscitada a questão da prescrição do procedimento, deverá esta ser apreciada no processo, à luz do direito brasileiro e das informações obtidas e do direito português, levando em conta o disposto no artigo 12.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 144/99; esta apreciação não pode, todavia, conduzir a uma decisão sobre a prescrição do procedimento por aplicação da lei brasileira, matéria que é da competência dos tribunais brasileiros. Os tribunais portugueses apenas podem e devem levar em conta os motivos de interrupção ou de suspensão da prescrição segundo o direito brasileiro.

VIII. Deverá apreciar-se se, face à lei portuguesa, o procedimento criminal se encontraria ou não prescrito à data do trânsito em julgado, no Brasil, da sentença que impôs a pena cuja execução se visa com o pedido de extradição, não bastando que o conhecimento da prescrição seja limitado à prescrição da pena, como decidido no acórdão recorrido, que se limita a convocar o artigo 122.º do Código Penal.

IX. Limitando-se à prescrição da pena, a apreciação pode conduzir a soluções inaceitáveis, por ignorarem o tempo dos processos em que foram pronunciadas – em violação do direito a uma decisão judicial em tempo razoável consagrado no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (artigo 14.º), na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (artigo 6.º) e na Convenção Americana dos Direitos Humanos (artigo 8.º) –, por factos antigos e longínquos, de punição carecida de justificação pelo decurso do tempo à luz da natureza e das finalidades penais que presidem ao instituto da prescrição.

X. A extinção do procedimento criminal por efeito da prescrição depende da pena aplicável, nos termos do artigo 118.º do Código Penal, o que implica a verificação da dupla incriminação, que constitui um dos pressupostos da extradição (artigo 2.º, n.º 1, e 10.º da Convenção CPLP).

XI. A falta de elementos essenciais à decisão (conteúdo e data da sentença condenatória, pena aplicada e suas vicissitudes e pena a cumprir) não permite formular um juízo seguro sobre a prescrição do procedimento, invocada pelo recorrente na oposição à extradição, a qual, sendo matéria de direito – e, como tal, não admitindo prova, como bem decidiu o acórdão recorrido –, deverá ser apreciada com base no conteúdo do pedido e das informações e elementos que o acompanham, sem prejuízo de, se necessário, serem pedidas informações suplementares, nos termos dos artigos 10.º e 12.º da Convenção CPLP, nomeadamente quanto à alegada «prescrição intercorrente», que constitui figura desconhecida do direito português.

XII. O acórdão recorrido não aprecia nem considera o pedido de extradição apresentado pelo Brasil, quer do ponto de vista formal e processual quer na sua substância (“condições de forma e de fundo”, a que se refere o artigo 46.º, n.º 3, da Lei 144/99). Como resulta dos pontos 1 a 5 dos «factos provados» o acórdão centra a sua apreciação no mandado de detenção internacional com vista à extradição difundido pela «red notice» («notícia vermelha») da Interpol, que considera «válido e regular», o qual esgotou a sua função na efetivação da detenção antecipada e na sua manutenção até à apresentação do pedido de extradição.

XIII. Ou seja, o acórdão recorrido não apreciou nem decidiu sobre o objeto do processo, que é constituído pelo pedido de extradição apresentado pelo Brasil, com que se iniciou o processo judicial, e que, concluída a fase administrativa do processo, foi considerado admissível (artigos 48.º a 50.º da lei 144/99), e sobre o qual tinha obrigação de decidir, pelo que se encontra ferido de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, que o STJ não pode suprir.

XIV. Assim, acorda-se em declarar a nulidade do acórdão recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que aprecie e decida do pedido de extradição apresentado pela República Federativa do Brasil nos termos do artigo 10.º da Convenção CPLP, bem como, se necessário após a obtenção de informações suplementares, sobre a prescrição do procedimento invocada pelo extraditando na oposição à extradição, e, a subsistir, sobre o motivo de recusa facultativa decorrente do julgamento à revelia.

Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 1002/24.7YRLSB.S1

3.ª Secção

ACÓRDÃO

Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA, cidadão brasileiro, com a identificação que consta dos autos, interpõe recurso do acórdão de ... de ... de 2024 do Tribunal da Relação de Lisboa, que autorizou a sua extradição para o Brasil, «para cumprimento da pena de prisão de oito anos, seis meses e dois dias».

2. Apresenta recurso com motivação de que extrai as seguintes conclusões:

«I – O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito do Acórdão proferido nos presentes autos, pelo que deve ser admitido nos autos por despacho, e os autos de recurso enviados ao competente Supremo Tribunal de Justiça.

II – A pretensão do Recorrente é ver anulado o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, para que seja revogada a autorização de extradição para o Brasil.

III – Sucede que o extraditando, ora Recorrente, apresentou Oposição com fundamento no artigo 55.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto.

IV – As Autoridades Brasileiras requereram a extradição, com base em uma condenação em um processo que demorou mais de 15 anos para obter decisão transitada em julgado, sendo que durante todo esse tempo, o Recorrente só esteve privado da sua liberdade por poucos meses.

V – O Recorrente veio para ... trabalhar, de forma lícita, tendo família constituída e está inserido social, familiar e profissionalmente, sendo que pertence à família de classe social alta no ....

VI – Ocorre que transcorreu um grande lapso temporal entre os factos e o advento de uma condenação definitiva, pelo que o Recorrente reforça que ocorreu a Prescrição Intercorrente e a extinção da punibilidade.

VII – A extradição não pode ser deferida com base em uma condenação por um crime que já está prescrito, ainda que através da ocorrência da Prescrição Intercorrente.

VIII – A prescrição, após passado em julgado a condenação, retroage e passa a ser regulada pela pena efectivamente imposta com a condenação.

IX – A detenção do Recorrente em ... apenas ocorreu após já ter restado configurado o prazo prescricional, via a Prescrição Intercorrente, que decorre no curso do processo por inércia processual por longo tempo.

X – A condenação do Recorrente pelas Autoridades Brasileiras remontam à factos ocorridos no ano de ..., mas, a sua condenação definitiva demorou, sensivelmente, 16 (dezesseis) anos para transitar em julgado.

XI – As Autoridades Brasileiras já não tem legitimidade para punir o extraditando, diante da evidente morosidade e diante do entendimento decorrente da Lei Brasileira, no artigo 110.º do Código Penal Brasileiro e do entendimento jurisprudencial consolidado no Brasil.

XII – A oposição apresentada pelo Recorrente não se limita apenas à alegação de que este vive inserido socialmente em ..., mas, pauta-se por fundamentos atrelados à extinção da punibilidade, bem como pela prescrição intercorrente.

XIII – O Acórdão não decidiu bem ao fundamentar que as teses da extinção da punibilidade e prescrição interocorrente devem ser fundamentos a serem apresentados apenas à Justiça Brasileira.

XIV – Até porque as Autoridades Portuguesas não podem cometer a ilegalidade de entregar um cidadão que tem Autorização de Residência formal em nosso País, à Justiça Brasileira, com base em um crime cuja punibilidade já encontra-se extinta e ainda com prescrição intercorrente.

XV – O Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu ao Recorrente o direito de produzir provas, pois recusou-se a ouvir todas as testemunhas requeridas, supostamente por entender que seriam inúteis para o deslinde da causa.

XVI – O Acórdão não foi precedido sequer de um convite ao extraditando para justificar a razão de ciência e para justificar o interesse em ouvir as testemunhas arroladas.

XVII – Ocorreu evidente cerceamento de defesa do extraditando, porque o Tribunal da Relação indeferiu a produção de todas as provas requeridas.

XVIII – A Legislação permite ao extraditando indicar testemunhas, conforme previsto no art.º 56.º, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, mas, o extraditando teve negado e cerceado o seu direito de produzir provas.

XIX – Ao ver negado o direito de ouvir todas as testemunhas, o extraditando teve inviabilizada a sua defesa e teve negada a oportunidade de tentar, perdeu uma chance essencial de tentar evitar a extradição.

XX – O Tribunal da Relação de Lisboa nem sequer procurou perquirir a razão de ciência das testemunhas arroladas pelo extraditando, até porque o extraditando nem sequer foi notificado para clarificar e justificar a sua pretensão em produzir as provas testemunhais arroladas.

XXI – O extraditando não pode ser cerceado no seu direito de defesa e, deveria ter assegurado o seu direito de, ao menos, tentar expor as suas justas razões para obstar a sua extradição, pelo que foi privado do direito e não teve sequer hipóteses de impugnar a extradição.

XXII – Não podemos tolerar decisões arbitrárias de indeferimento na produção de todas as provas requeridas pelos arguidos, sem sequer previamente se ter conhecimento da relevância jurídica dos seus argumentos de defesa.

XXIII – Nesse contexto, foram vilipendiados os princípios do contraditório, da ampla defesa e a própria paridade de armas entre defesa e acusação.

XXIV - Não podemos tolerar um regime inquisitorial que indefere tudo o que os arguidos indicam como provas, em autêntica violação às garantias constitucionais de defesa e afronta ao artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

XXV – O Tribunal da Relação nem sequer convidou previamente o extraditando para justificar a pertinência das testemunhas ouvidas, tampouco a razão de ciência e o interesse das provas, o que configura uma decisão desleal, surpreendente e prejudicial à defesa do arguido.

XXVI – Com todo o respeito, mas, não estamos em uma inquisição, tampouco em um contexto de “caça as bruxas” e, se existem direitos de defesas aos arguidos, o Tribunal não pode se omitir e desprezar os direitos das pessoas de, ao menos, tentarem se defender, sendo extremamente perigoso chancelar uma decisão que indefere todas as provas da defesa.

XXVII – As testemunhas BB e CC e DD representam os advogados do extraditando, que o defendem nos autos do processo crime que corre termos no Brasil e a sua oitiva, tinham por fim esclarecer as informações do processo de origem e também para fins de justificarem a ocorrência da prescrição intercorrente e os fundamentos de defesa, também com base na legislação brasileira.

XXVIII – Já as testemunhas EE e FF, são os juízes brasileiros, que tiveram intervenção no processo que julgou o extraditando e, que poderiam colmatar quaisquer dúvidas sobre a ocorrência ou não do instituto da prescrição intercorrente, no caso específico do extraditando, sendo autoridades judiciárias capazes de relatar tudo o que sabem sobre o referido processo judicial.

XXIX – Já as testemunhas GG e HH, são os procuradores, que atuam no processo crime brasileiro, que culminou com a condenação do extraditando e, teriam todas as competências para clarificar aos Tribunais Portugueses, a visão do MP sobre as teses de prescrição fundamentadas pelo extraditando.

XXX – Diante do exposto, não pairam dúvidas de que o indeferimento de todas as provas requeridas pela defesa repercute violação aos direitos e garantias fundamentais da defesa, cerceamento de defesa e violação ao princípio da paridade de armas entre a defesa e a acusação, uma vez que a defesa técnica do extraditando não pode ser indevidamente amordaçada.

XXXI – As testemunhas arroladas são determinantes para fazer prova da extinção da punibilidade, bem como do reconhecimento do instituto da Prescrição Intercorrente e da impossibilidade de se promover a extradição.

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER DETERMINADA A ANULAÇÃO DO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, COM O REGRESSO DOS AUTOS À FASE DE PRODUÇÃO DE PROVAS, UMA VEZ QUE RESTOU CONFIGURADO EVIDENTE CERCEAMENTO DE DEFESA, SENDO QUE O EXTRADITANDO DEVE TER ASSEGURADA A CHANCE E OPORTUNIDADE DE PRODUZIR PROVAS E DEFENDER AS SUAS TESES JURÍDICAS, INCLUSIVE QUANTO À EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE E O RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE, ATÉ PORQUE JAMAIS PODEMOS LEGITIMAR A EXTRADIÇÃO ILEGAL ORA REQUERIDA PELAS AUTORIDADES BRASILEIRAS, PARA QUE NÃO SEJA PROCEDIDA À ENTREGA DO CIDADÃO QUE É TITULAR DE AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA FORMAL EM PORTUGAL E, QUE ESTÁ TOTALMENTE INSERIDO; FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA.»

3. Respondeu o Ministério Público, concluindo pela improcedência do recurso, nos seguintes termos:

“(…)

e no que respeita à invocação de nulidade insanável devido ao indeferimento das diligências requeridas, há que referir que, a nosso ver, não se verifica qualquer nulidade ou irregularidade.

Na verdade, bem andou o Tribunal recorrido ao indeferir as diligências requeridas.

É que nos processos em geral, incluindo os de extradição, decide-se sobre factos concretos e não sobre apreciações genéricas ou generalidades e, muito menos, no que aqui interessa, sobre opiniões subjetivas de operadores judiciários.

O que releva para a decisão neste tipo de processo é saber se, no caso concreto em apreço, se verificam ou não quaisquer motivos, de natureza obrigatória ou facultativa, impeditivos do deferimento do pedido de extradição do requerido.

As opiniões subjetivas dos operadores judiciários manifestadas fora de determinado processo concreto não fazem parte dos motivos de natureza obrigatória ou facultativa, impeditivos do deferimento do pedido de extradição, em casos como o aqui em avaliação.

Daí a manifesta irrelevância dos referidos pedidos de diligências, que, aliás, foram bem indeferidos.

A indagação pretendida não cabe no âmbito deste processo, que foi instaurado ao abrigo de convenção internacional de cooperação judiciária, tendo subjacente o respeito e a confiança mútua entre os Estados contratantes, neste caso entre o Estado requerente (Brasil) e Estado requerido (Portugal), sendo proibido por lei praticar nos autos atos inúteis.

No entanto, o Recorrente não está impedido de, por si, apresentar requerimento no processo que corre termos junto das Autoridades Judiciárias Brasileiras com vista a esclarecer a questão que suscita sobre a prescrição intercorrente, questão que o próprio Recorrente reconhece que ainda não conhecida e resolvida sequer pela Justiça Brasileira, sendo que só pode ser conhecida e resolvida no concreto processo a correr termos no Brasil e não através de prova testemunhal a ser produzida nos presentes autos de extradição.

A ser assim, e ao contrário do que é alegado no recurso, é manifesto que as requeridas diligências não eram essenciais para a decisão deste processo, antes se mostravam inúteis, impertinentes e dilatórias.

CONCLUSÕES:

1. O Acórdão recorrido mostra-se corretamente fundamentado de facto e direito, tendo o Tribunal recorrido realizado todas as diligências úteis e necessárias.

2. A ser assim, a argumentação apresentada pelo Recorrente não tem qualquer fundamento e como tal o douto Acórdão recorrido não merece nenhum reparo ou censura.

Nestes termos, ao negarem provimento ao recurso e manterem o douto Acórdão sob recurso farão Vossas Excelências Justiça!»

4. Colhidos os vistos, o recurso foi à conferência, para julgamento – artigos 3.º, n.º 2, e 59.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP).

II. Fundamentação

5. A decisão do Tribunal da Relação assenta na seguinte fundamentação de facto:

5.1. Factos provados

“II – Factos provados

1. AA foi detido no dia ... de ... de 2024, pelas 16:30 horas, pela Polícia Judiciária, na cidade de Lisboa.

2. O requerido foi detido em cumprimento de Red Notice da INTERPOL com o Control Number n.º ..., difusão Interpol ..., emitido em ... de ... de 2023, onde é identificado como sendo fugitivo procurado para efeitos de cumprimento de pena de prisão.

3. O mandado de detenção ou captura judicial que ordena a detenção do requerido foi emitido a ... de ... de 2021, com o n.º .......... pela ... e está assinado pela ... Federal II.

4. Este mandado de captura internacional visa a detenção do requerido e sua extradição para o Brasil, a fim de cumprir pena de prisão de oito anos, seis meses e dois dias, em conformidade com a sentença condenatória data de ... de ... de 2021, registada sob o n.º 0490115-52.............5101.0002-12 e com o Julgamento do Agravo Regimental em Habeas Corpus, do Supremo Tribunal de Justiça do Brasil, que reconheceu a atenuante da confissão espontânea, decisão de ........2023, transitada em julgado em ........2023.

5. O presente mandado mostra-se válido e regular.

6. O extraditando é procurado por factos praticados no ..., em ... de ... de 2008.

7. O requerido é membro de uma organização criminosa dedicada ao tráfico internacional de estupefacientes.

8. Na data referida foi preso ao entrar no Brasil, vindo de ..., transportando consigo 11.380 Kgs em comprimidos de Ecstasy, 290 gs. de LSD e 302 gs. de Skunk, uma variante de Cannabis e com maior concentração de substâncias psicoactivas.

9. Os factos pelo quais o extraditando é procurado correspondem, segundo a legislação brasileira, a crimes de tráfico de estupefacientes, p. e p. p. art.ºs 33.° e 40.° da Lei 11.343/2006.

10. Tais factos são também puníveis na legislação portuguesa, pelo DL. 15/93 de 22 de Janeiro.

11. O requerido não esteve presente no tribunal quando a decisão foi proferida, mas foi suficientemente informado do julgamento ou teve oportunidade de se defender.

12. Sua Ex.ª a Ministra da Justiça emitiu o Despacho n.º.../2024 de .../.../2024, no Processo n.º .../2024, referente ao pedido de execução de extradição passiva solicitada pela República Federativa do Brasil quanto ao cidadão de nacionalidade brasileira JJ.

13. Antes de detido, o requerido residia na ....»

5.2. Fundamentação da decisão de facto

«A convicção do tribunal assenta nos diversos documentos juntos pelo Ministério Público a instruir o presente pedido de extradição. Importa destacar que a pena de prisão a cumprir pelo Requerido é agora de oito anos, seis meses e dois dias e já não a pena inicial de dez anos, dois meses e quinze dias, em conformidade com o Julgamento do Agravo Regimental em Habeas Corpus, do Supremo Tribunal de Justiça do Brasil, que reconheceu a atenuante da confissão espontânea, decisão de ........2023, transitada em julgado em ........2023.»

6. O recurso tem, pois, por objeto um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em 1.ª instância – artigos 12.º, n.º 3, al. c), do CPP e 73.º, al. d), da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.

Nos termos do artigo 432.º, n.º 1, al. a), do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de ..., recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º.

O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se for caso disso, em vista da boa decisão do recurso, de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de ........1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de ...).

7. Pretende o recorrente, em síntese, a «anulação do acórdão» recorrido, com «o regresso dos autos à fase de produção de provas» «quanto à extinção da punibilidade e o reconhecimento da prescrição intercorrente» face ao direito brasileiro, que, na sua alegação, impedem o deferimento da extradição e a sua entrega às autoridades brasileiras, sendo que, diz é titular de autorização de residência e está totalmente inserido em Portugal.

8. Estes temas foram objeto de apreciação no acórdão recorrido («III – Fundamentação»), nos seguintes termos:

«O pedido formal de extradição apresentado às autoridades portuguesas pelas autoridades brasileiras satisfaz os requisitos do artigo 2° da citada Convenção de Extradição e artigos 16°, nº 5 e 31° da lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, tendo, a Senhora Ministra da Justiça, por despacho de ... de ... de 2024, considerado tal pedido admissível e autorizado o seu prosseguimento.

Nada de formal ou de substancial obsta à extradição para a República Federativa do Brasil, do cidadão brasileiro AA, não se identificando causas de recusa a que aludem os artigos 3° e 4° da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, nem as que resultam da lei interna, nomeadamente o extraditando não é nacional português, o crime pelo qual foi condenado pelas autoridades da República Federativa do Brasil mostra-se igualmente previsto no ordenamento jurídico português e não se verifica qualquer das situações a que alude o artigo 6º alíneas a) a d), 7° e 8° da Lei 144/99, de 31 de Agosto.

O requerido fundamenta a oposição na sua inserção social e familiar em Portugal, o que não é fundamento para rejeitar a extradição.

Mais invoca a prescrição da pena. No entanto, sem razão. A pena não se encontra prescrita, nos termos dos artigos 109.º a 111.º do Código Penal do Brasil e 122.º, n.º 1, al. b), do nosso Código Penal.

A propósito da prescrição, invoca ainda o requerido o instituto da prescrição intercorrente, que o próprio refere ser “um instituto jurídico presente na legislação brasileira e que possibilita o reconhecimento da perda da hipótese de o extraditando ter que cumprir a pena que alegadamente foi condenado (…); é reconhecida pela jurisprudência brasileira (…); deverá ser objeto de especial análise pelo Ministério Público Brasileiro e pela Justiça Brasileira”. Ora, como bem refere o próprio requerido, essa questão da prescrição intercorrente deve ser suscitada pelo próprio junto das autoridades brasileiras. Não é este Tribunal de Portugal que ab initio deve invocar tal questão, quer porque entre nós não existe tal figura, quer porque resulta dos citados artigos do CP brasileiro que a pena não está prescrita. Aliás, da leitura do art.º 110.º do CP do Brasil (“A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente; § 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa”), invocado pelo requerido, não se vislumbra qualquer referência à denominada prescrição intercorrente.

Nada mais havendo a ponderar, é, pois, de deferir este pedido de extradição.»

9. Consta também do acórdão recorrido que o recorrente não deu o seu consentimento à extradição, não renunciou ao benefício da regra da especialidade, deduziu oposição ao pedido de extradição, nos termos do disposto no artigo 55.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, alegando «que não estão reunidos os pressupostos legais e de direito legalmente previstos, tendo em conta ainda que a pretensão punitiva encontra-se fulminada pela ocorrência da Prescrição Intercorrente» e que arrolou testemunhas, cinco das quais residentes no Brasil, o que foi indeferido por «despacho liminar» do relator de ... de ... de 2024.

Consta deste despacho:

«Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 55° n° 2 da citada Lei n° 144/99, veio o Requerido deduzir oposição ao pedido de extradição, com a seguinte conclusão: “Diante do exposto, a presente Oposição deve ser acolhida, para evitar a extradição requerida pelas Autoridades Brasileiras, uma vez que não estão reunidos os pressupostos legais e de direito legalmente previstos, tendo em conta ainda que a pretensão punitiva encontra-se fulminada pela ocorrência da Prescrição Intercorrente, razão pela qual deve ser ainda reconhecida a ilegalidade da manutenção da detenção do extraditando, que deve ter restituída a sua liberdade, sendo certo ainda que o extraditando encontra-se em liberdade há mais de 16 (dezasseis) anos, estando ainda, totalmente inserido social, profissional e familiarmente em ..., razão pela qual deve ser recusada a extradição pretendida.

O Requerido arrolou testemunhas, cinco das quais residentes no Brasil, bem como requereu que fosse de novo ouvido.

O Ministério Público respondeu, concluindo pelo indeferimento das diligências probatórias, pela improcedência da oposição do Requerido e que se determine a extradição do Requerido para o Brasil.

O art.º 55.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, determina que “a oposição só pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição”.

A Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, de 15/09 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67/2008, de 15/09, consagra o seguinte nos seus artigos 3.º e 4.º: [transcrição dos preceitos]

O Requerido invoca dois fundamentos para ser recusada a extradição: (i) a inserção social, profissional e familiar em Portugal; (ii) a prescrição.

Como resulta, a contrario, dos artigos supracitados da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, a inserção social, profissional e familiar em Portugal não é fundamento para a inadmissibilidade ou recusa facultativa da extradição. Do que se extrai que a produção de prova sobre esta matéria seria um acto inútil.

E a questão da prescrição – que conheceremos no acórdão –, sendo exclusivamente de direito, também não depende da requerida produção de prova.

Nesta medida, indefere-se as requeridas diligências probatórias, por se entender desnecessárias para a decisão de extradição, daí que não se designe, por inútil, dia para produção de prova (conforme o previsto no art.º 56.º, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto)

10. Nos termos do artigo 3.º (sob a epígrafe «Prevalência dos tratados, convenções e acordos internacionais») da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, as formas de cooperação a que se refere o artigo 1.º, em que se inclui a extradição, regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma (n.º 1), sendo subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal (n.º 2).

Nas relações entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil é aplicável a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na Cidade da Praia, em 23 de novembro de 2005, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67/2008, DR, 1.ª Série, 15.9.2008 (cfr. Aviso n.º 183/2011, do MNE, de 11.8.2011, DR 1.ª Série, 11.8.2011, quanto à ratificação pelo Brasil), doravante designada por «Convenção CPLP». Esta convenção substituiu o Tratado de Extradição entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, concluído em Brasília em 7.5.1991, aprovado para ratificação pela RAR n.º 5/94, de 03/02 e ratificado pelo DPR n.º 3/94, de 3.2.2008 (artigo 25.º, n.º 1, da Convenção).

Com base na Convenção CPLP, os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições nela estabelecidas, as pessoas que se encontrem nos seus respetivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente (artigo 1.º).

Dão causa à extradição os factos tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, independentemente da denominação dada ao crime, os quais sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano; se a extradição for requerida para o cumprimento de uma pena privativa da liberdade exige-se, ainda, que a parte da pena por cumprir não seja inferior a seis meses (artigo 2.º da Convenção CPLP).

11. A concessão da extradição, que só pode ser determinada por autoridade judicial (artigo 33.º, n.º 7, da Constituição), depende sempre da apresentação de um pedido do Estado estrangeiro, com o qual se inicia o processo de extradição, regulado nos artigos 44.º a 61.º da Lei n.º 144/99. O processo compreende a fase administrativa e a fase judicial (artigo 46.º), destinando-se a fase judicial, da competência do tribunal da Relação – que se inicia com o envio do pedido ao Ministério Público na Relação e com a promoção do seu cumprimento (artigo 50.º) –, a decidir, com audiência do interessado, sobre a concessão da extradição por procedência das suas condições de forma e de fundo, não sendo admitida prova alguma sobre os factos imputados ao extraditando (artigo 46.º, n.º 2).

Em caso de urgência, e como ato prévio de um pedido formal de extradição, pode ser solicitada a detenção provisória da pessoa a extraditar, a qual pode ser ordenada e mantida nos termos e condições previstos no artigo 21.º da Convenção CPLP e nos artigos artigo 38.º, 62.º, 63.º e 65.º da Lei n.º 144/99.

A pessoa procurada por autoridade estrangeira pode também ser detida pelas autoridades de polícia criminal anteriormente à apresentação de um pedido de extradição, com base em informações oficiais, designadamente de «notícias vermelhas» da Interpol emitidas com vista à localização e detenção para efeitos de extradição, nos termos dos artigos 82.º e seguintes do «Regulamento de processamento de dados da Interpol » (Interpol’s rules on the processing of data, https://www.interpol.int), em conformidade com o disposto nos artigos 39.º, 64.º e 65.º da Lei n.º 144/99.

Nos termos do artigo 10.º («Forma e instrução do pedido») da Convenção CPLP, quando se tratar de pedido para cumprimento de pena, o pedido de extradição deverá ser acompanhado de original ou cópia certificada da sentença condenatória e de certidão ou mandado de prisão dos quais conste qual a pena que resta cumprir (n.º 2). Deverão acompanhar o pedido: a descrição dos factos pelos quais se requer a extradição, indicando-se o lugar e a data de sua ocorrência, sua qualificação legal e fazendo-se referência às disposições legais aplicáveis, bem como cópia dos textos legais que tipificam e sancionam o crime, identificando a pena aplicável, bem como os que estabelecem o respetivo regime prescricional (n.º 3). Se os dados ou documentos enviados com o pedido forem insuficientes, poderão ser solicitadas informações complementares (artigo 12.º).

Nos termos do n.º 1, al. f), do artigo 3.º, que enumera os casos de “inadmissibilidade de extradição”, não há lugar a extradição “quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido”.

De acordo com o artigo 4.º, alínea e), a extradição pode ser recusada se a pessoa reclamada tiver sido condenada à revelia pela infração que deu lugar ao pedido de extradição, exceto se as leis do Estado requerente lhe assegurarem a possibilidade de interposição de recurso, a realização de novo julgamento ou outra garantia de natureza equivalente.

12. Como se observou no acórdão de 29.12.2022, Proc. 254/22.1YRCBR.S1 (em www.dgsi.pt e https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/254-2022-209274475), que seguidamente se segue de perto, a norma de direito internacional contida no artigo 3.º, n.º 1, al. f), da Convenção CPLP não confere eficácia, no Estado requerido, ao trânsito em julgado da condenação no Estado requerente, para efeitos de funcionamento do motivo de inadmissibilidade da extradição por prescrição do procedimento ou da pena; remete a matéria para o direito interno (“em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido”, diz o preceito).

Daí que, suscitando-se tal questão no processo de extradição passiva, nele deve ser apreciada e decidida, com a autonomia que lhe é própria, de modo a determinar-se se o procedimento criminal ou a pena estariam ou não prescritos de acordo com o direito nacional.

Nesse conhecimento, deve o tribunal levar em conta todas as informações e documentos recebidos do Estado requerente, que devem instruir o pedido, bem como solicitar a esse Estado os esclarecimentos que forem necessários à decisão (artigos 10.º e 12.º da Convenção CPLP e, subsidiariamente, artigos 23.º, n.º 3, e 45.º da Lei n.º 144/99), incluindo informações sobre “os motivos de interrupção ou de suspensão da prescrição segundo o direito do Estado que formula o pedido”, que, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 144/99, aplicável nos termos do artigo 3.º, n.º 1, da lei n.º 144/99, produzem efeitos em Portugal [como se decidiu no acórdão de 21.11.2013 (Souto de Moura), Proc. 87/13.6YREVR.S1, em www.dgsi.pt].

13. O artigo 3.º, n.º 1, al. f), da Convenção obriga, assim, a um duplo controlo da prescrição, a efetuar de acordo com a lei do Estado requerente e com a lei portuguesa. Não estando o funcionamento da prescrição no Estado requerido associado à fase do processo no Estado requerente ou à finalidade visada pela extradição – procedimento criminal ou execução da pena –, esse controlo há de efetuar-se com referência aos dois momentos geradores de imunidade, pelo decurso do tempo, do procedimento e para execução da pena, que constituem motivo de proibição da extradição, no caso de esta se destinar ao cumprimento de uma pena. Foi este o entendimento subjacente e seguido nos recentes acórdãos de 14.7.2022 (Carmo Silva Dias), Proc. 16/22.6YRPRT-A.S1, e de 6.9.2022 (Ana Barata Brito), Proc. 181/22.2YRPRT.S1, em www.dgsi.pt, em que, em situações idênticas à do Proc. 254/22.1YRCBR.S1, se suscitou, apreciou e decidiu a questão da prescrição do procedimento criminal em pedidos de extradição para o Brasil, para efeitos de cumprimento de penas de prisão aplicadas por decisões transitadas em julgado.

Ou seja, tendo sido suscitada a questão da prescrição do procedimento, tal questão não poderá deixar de ser apreciada no âmbito deste processo, à luz do direito brasileiro e das informações obtidas (como indicado supra) e do direito português, levando em conta o disposto no artigo 12.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 144/99.

Esta apreciação não pode, todavia, conduzir a uma decisão sobre a prescrição do procedimento por aplicação da lei brasileira, matéria que é da competência dos tribunais brasileiros. Os tribunais portugueses apenas podem e devem levar em conta os motivos de interrupção ou de suspensão da prescrição segundo o direito brasileiro.

Assim sendo, diversamente do que vem sustentado no acórdão recorrido, não poderá deixar de apreciar-se, com base nos elementos referidos, se, face à lei portuguesa, o procedimento criminal se encontraria ou não prescrito à data do trânsito em julgado, no Brasil, da sentença que impôs a pena cuja execução se visa com a apresentação do pedido de extradição. Não bastando que o conhecimento da prescrição seja limitado à prescrição da pena, como decidido no acórdão recorrido, que se limita a convocar o artigo 122.º do Código Penal, que dispõe sobre os prazos de prescrição das penas.

E isto sob pena de, limitando-se à apreciação de prescrição das penas (mais recentes), solução contrária poder conduzir a soluções inaceitáveis, por ignorarem o tempo dos processos em que foram pronunciadas – mesmo em violação do direito a uma decisão judicial em tempo razoável consagrado em instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos de dimensão universal (Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, artigo 14.º) ou regional (Convenção Europeia dos Direitos Humanos, artigo 6.º, e Convenção Americana dos Direitos Humanos, artigo 8.º) – por factos antigos e longínquos, de punição carecida de justificação pelo decurso do tempo à luz da natureza e das finalidades penais que presidem ao instituto da prescrição.

14. A extinção do procedimento criminal por efeito da prescrição depende da pena aplicável, nos termos do artigo 118.º do Código Penal, o que implica necessariamente a verificação da dupla incriminação, que constitui um dos pressupostos da extradição.

Dispõe o artigo 2.º, n.º 1, da Convenção que dão causa à extradição os factos tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, independentemente da denominação dada ao crime, os quais sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano. Acrescentando o n.º 2 que se a extradição for requerida para o cumprimento de uma pena privativa da liberdade exige -se, ainda, que a parte da pena por cumprir não seja inferior a seis meses.

Requer, por isso, o artigo 10.º que, quando se tratar de pedido para cumprimento de pena, o pedido de extradição seja acompanhado de original ou cópia certificada da sentença condenatória e de certidão ou mandado de prisão dos quais conste qual a pena que resta cumprir (n.º 2), e ainda da descrição dos factos pelos quais se pede a extradição, indicando-se o lugar e a data de sua ocorrência, sua qualificação legal e fazendo-se referência às disposições legais aplicáveis [n.º 3, al. a)].

15. Com relevância para a apreciação da prescrição – do procedimento criminal e da pena –, que, a verificar-se, torna a extradição inadmissível, apenas consta dos factos provados que:

«6. O extraditando é procurado por factos praticados no ..., em ... de ... de 2008.

7. O requerido é membro de uma organização criminosa dedicada ao tráfico internacional de estupefacientes.

8. Na data referida foi preso ao entrar no Brasil, vindo de ..., transportando consigo 11.380 Kgs em comprimidos de Ecstasy, 290 gs. de LSD e 302 gs. de Skunk, uma variante de Cannabis e com maior concentração de substâncias psicoactivas.

9. Os factos pelo quais o extraditando é procurado correspondem, segundo a legislação brasileira, a crimes de tráfico de estupefacientes, p. e p. p. art.ºs 33.° e 40.° da Lei 11.343/2006.»

Concluindo o tribunal a quo que:

«10. Tais factos são também puníveis na legislação portuguesa, pelo DL. 15/93 de 22 de Janeiro.»

Porém, não indica qual o tipo de crime, previsto neste diploma legal, que se mostra preenchido pelos factos que o tribunal considera provados, sendo que da pena abstrata que lhe corresponde dependerá a determinação do prazo de prescrição.

16. Perante os «factos provados» prevalece a dúvida sobre se, ao considerar estes factos como «provados», o tribunal decidiu com base na sua própria apreciação da matéria de facto – o que lhe está legalmente vedado (artigo 46.º, n.º 3, da Lei 144/99) – ou se, com esta formulação, pretende, como se admite, significar que os factos indicados nos pontos 7 e 8 correspondem, nas suas circunstâncias, aos factos dados como provados na sentença condenatória proferida no Brasil que justifica o pedido de extradição para cumprimento da pena.

Prevalecem dúvidas sobre o conteúdo e a data da sentença condenatória, bem como quanto à data do trânsito em julgado da condenação, à pena aplicada, suas vicissitudes e à pena que falta cumprir, o que não consta, como devia, dos «factos provados».

Todos estes elementos são essenciais para a decisão sobre o pedido de extradição.

Sendo que a sua falta não permite formular um juízo seguro sobre a prescrição do procedimento, invocada pelo recorrente na oposição à extradição, a qual, sendo matéria de direito – e, como tal, não admitindo prova, como bem decidiu o acórdão recorrido –, deverá ser apreciada com base no conteúdo do pedido e das informações e elementos que o acompanham, sem prejuízo de, se necessário, serem pedidas informações suplementares, nos termos dos artigos 10.º e 12.º da Convenção CPLP, nomeadamente quanto à alegada «prescrição intercorrente», que constitui figura desconhecida do direito português.

Acresce que o acórdão recorrido não aprecia nem considera o pedido de extradição apresentado pelo Brasil, quer do ponto de vista formal e processual quer na sua substância (“condições de forma e de fundo”, a que se refere o artigo 46.º, n.º 3, da Lei 144/99). Como resulta dos pontos 1 a 5 dos «factos provados» o acórdão centra a sua apreciação no mandado de detenção internacional com vista à extradição difundido pela «red notice» («notícia vermelha») da Interpol, que considera «válido e regular» (ponto 4), o qual esgotou a sua função na efetivação da detenção antecipada e na sua manutenção até à apresentação do pedido de extradição (como anteriormente se referiu – supra, 11), mas não o substituiu.

Ou seja, o acórdão recorrido não apreciou nem decidiu sobre o objeto do processo, que é constituído pelo pedido de extradição apresentado pelo Brasil, com que se iniciou o processo judicial, e que, concluída a fase administrativa do processo, foi considerado admissível (artigos 48.º a 50.º da lei 144/99), e sobre o qual tinha obrigação de decidir.

Assim sendo se impõe concluir que o acórdão recorrido se encontra ferido de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, que este Supremo Tribunal de Justiça não pode suprir.

17. De notar ainda que consta dos «factos provados» que:

«11. O requerido não esteve presente no tribunal quando a decisão foi proferida, mas foi suficientemente informado do julgamento ou teve oportunidade de se defender.»

Para além de criar incerteza quanto à data do trânsito em julgado, com incidência direta no estabelecimento dos termos iniciais e finais dos prazos de prescrição, este «facto» suscita a questão de saber se, no caso, ocorre o motivo de recusa facultativa da extradição previsto na al. e) do artigo 4.º (condenação à revelia), que, como tal, deve ser apreciado, com solicitação das garantias a que se refere este preceito, se for caso disso.

III. Decisão

18. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, declarar a nulidade do acórdão recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que aprecie e decida do pedido de extradição apresentado pela República Federativa do Brasil nos termos do artigo 10.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, bem como, se necessário após a obtenção de informações suplementares, sobre a prescrição do procedimento invocada pelo extraditando na oposição à extradição, e, a subsistir, sobre o motivo de recusa facultativa decorrente do julgamento à revelia.

Sem custas (artigo 73.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto).

Supremo Tribunal de Justiça, 26 de junho de 2024.

José Luís Lopes da Mota (relator)

Maria do Carmo Silva Dias

Horácio Correia Pinto