Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | HELDER ALMEIDA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE BANCÁRIA CARTÃO DE DÉBITO CARTÃO DE CRÉDITO FURTO DEVER DE COMUNICAÇÃO NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO CONCLUSÕES ÓNUS DE ALEGAÇÃO REAPRECIAÇÃO DA PROVA | ||
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Data do Acordão: | 01/31/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS. | ||
Doutrina: | - António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, p. 165 e 168; - Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª ed., C. Editora, p. 354, 400 e 401; - Manuel de Oliveira Matos, Código da Estrada Anotado, 6.ª ed., Almedina, p. 449. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4, 639.º, N.ºS 1 E 2 E 640.º, N.º 1. REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS DE PAGAMENTO E DA MOEDA ELECTRÓNICA, APROVADO PELO DL N.º 317/2009, DE 30-10: - ARTIGOS 67.º, N.º 1, ALÍNEA B) E 72.º, N.º 3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 28-05-2015, PROCESSO N.º 460/11, IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | I - A rejeição do recurso na parte respeitante à impugnação da matéria de facto apenas pode radicar, atendo-nos propriamente ao conteúdo das conclusões, na falta de especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados. II - Todos os demais elementos mencionados no art. 640.º, n.º 1, do CPC, como devendo constar do recurso de impugnação de facto – especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados, menção sobre o sentido da decisão pretendido e indicação exacta das passagens da gravação em que o recurso se funda – apenas se faz indispensavelmente mister que constem da motivação – corpo alegatório – de tal recurso. III - Incorre em violação dos deveres que sobre si recaiam, nos termos do art. 67.º, n.º 1, al. b), do DL n.º 317/2009, de 30-10 (Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Electrónica) e das condições gerais de utilização do cartão de débito contratualizadas, a sociedade autora que, tendo ocorrido o desaparecimento da carteira do respectivo representante legal no estrangeiro, apenas comunicou à instituição bancária emitente o respectivo desaparecimento três dias depois do sucedido, tendo, inclusive, lhe sido questionado por esta aquando da comunicação atempada do cancelamento do cartão de crédito na mesma ocasião, se igualmente pretendia o cancelamento do débito em questão, tendo a autora manifestado essa desnecessidade. IV - Tal violação é de reputar como de negligência grave ou grosseira, para efeitos do art. 72.º, n.º 3, do DL n.º 317/2009, de 30-10, uma vez que actuando a autora com as adequadas providência e diligência, mais antecipadamente teria apurado do extravio do mencionado cartão de débito e, logo, assim podido fazer atempadamente a pertinente comunicação à ré. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1] I – RELATÓRIO[2]
1. AA - DESIGN, S.A., veio intentar a presente acção declarativa de condenação contra a CAIXA BB DE ..., CRL e a CAIXA CENTRAL - CAIXA CENTRAL BB, CRL, a final peticionando sejam as Rés condenadas: a) - a reembolsar à A. o valor de 57.685,01€; b) - bem como a indemnizar a A. a título de juros computados à taxa comercial legal desde o dia 23/01/2016 até efectivo e integral pagamento, acrescidos de 10%. Para tanto alegou - em síntese - a outorga com as Rés de um contrato de emissão de cartão de débito, sendo que por força do extravio desse mesmo cartão, ocorrido na noite de 19.01.2016, foram realizadas, no dia 20.01.2016, operações de pagamento não autorizadas pela A., no valor global de 58.767,98 €, o qual foi debitado na conta de depósitos à ordem a que estava associado o mesmo cartão. Mais alegou que, sem qualquer atraso - porquanto imediatamente após ter tido conhecimento do facto -, avisou as Rés da ocorrência de tal extravio. Do aludido montante de operações não autorizadas – prossegue - apenas lograram as Rés “recuperar” a importância de 1.072,82€, pelo que a A. regista uma perda de 57.685,01 €. A utilização do cartão não foi efectuada com quebra de qualquer protocolo de segurança, nomeadamente do PIN, que não estava anotado em qualquer lado, antes e exclusivamente memorizado. O cartão de débito estava também assinado, pelo que as operações só foram possíveis por negligência dos operadores comerciais que aceitaram as operações de pagamento sem se certificarem da identidade do portador do cartão. Ora – acrescentou - tal como resulta do edifício legislativo e contratual aplicável e invocado, a realização deste tipo de operações, salvo actuação fraudulenta ou um incumprimento deliberado do cliente, constitui um risco inerente ao serviço (de pagamento e de depósito bancário) prestado. No caso não se configura qualquer actuação fraudulenta da A. ou um incumprimento deliberado de qualquer das obrigações, nem tão pouco se pode imputar a si uma “negligência grave”, nomeadamente para efeitos do disposto no n.º 1[3] do artigo 72.º do DL N.º 317/2009, de 30 de Outubro. 2. Contestou a 1ª Ré, concluindo ter havido negligência grave nos comportamentos da A. e do titular do cartão subtraído, ao não comunicarem atempadamente o desapossamento daquele e, bem assim, pelo facto de tal cartão não se achar assinado, o que determinou a impossibilidade de conferência de assinaturas e, assim, os levantamentos em apreço. Concluiu com a respectiva absolvição do pedido. 3. Contestou a 2ª Ré em sentido semelhante à primeira, mais aduzindo que, enquanto Caixa Central, somente procede à emissão dos instrumentos de pagamento, actuando junto da marca (in casu, a VISA) em representação das Caixas. Donde o cartão de débito em apreço somente pôde ser atribuído à A. enquanto associada/cliente da Caixa BB de …, pelo que não lhe cabe responsabilidade alguma, tanto mais que não é parte no convocado contrato. Rematou, também, com a sua absolvição do pedido. 4. Após a audiência de julgamento, foi proferida Sentença, a qual julgou a acção procedente, por provada, e, em consequência, condenou as RR. CAIXA BB DE ..., CRL e CAIXA CENTRAL - CAIXA CENTRAL BB, CRL: a) - a reembolsar/satisfazer à A. o valor de 57.685,01€ (cinquenta e sete mil, seiscentos e oitenta e cinco euros e um cêntimo); b) - acrescida aquela quantia de juros computados à taxa legal relativa às obrigações da titularidade de empresas comerciais, vencidos desde o dia 23/01/2016 até efectivo e integral pagamento, sendo-o a 2ª Ré ainda acrescida aquela taxa legal de 10%. 5. Inconformada, a 2ª Ré, Caixa Central - Caixa Central BB, CRL interpôs recurso de apelação, o qual não foi admitido, com fundamento em intempestividade. 6. Igualmente inconformada, a 1.ª Ré Caixa BB de ..., CRL interpôs também recurso de apelação, relativamente ao qual a 2.ª Ré veio apresentar requerimento de adesão, este por manifesta intempestividade também não admitido. 7. Pelo Acórdão de fls. 379 e ss., foi o recurso de apelação atravessado pela 1.ª Ré julgado procedente e, por isso, revogada a decisão recorrida e ambas as Rés absolvidas do pedido. 8. Por sua vez Irresignada, a A. interpôs o vertente recurso de revista, cuja alegação finaliza com as seguintes Conclusões: 1 - O Tribunal da Relação deveria ter rejeitado o recurso da matéria de facto impetrada pela Ré Caixa BB de …, porquanto a mesma, nas suas alegações da Apelação, não cumpriu o ónus de indicar quais os concretos meios probatórios (antes se referiu, em bloco, a toda a prova produzida) que impunham decisão diversa ao facto único cujo julgamento então impugnou (do facto M) - pelo que, ao admitir o recurso da matéria de facto, o Tribunal a quo violou o artigo 640.° do CPC. 2 - Discorda-se do Tribunal recorrido quando defende que o utilizador de um cartão bancário de débito, ainda que tenha a representação mental [como demonstrado no facto Q] de que o mesmo não tinha sido extraviado, tem a obrigação de cancelar o mesmo junto da instituição bancária, à cautela, quando se apercebe que outros documentos haviam sido extraviados, sob pena de agir de forma gravemente negligente, nos termos e para os efeitos do n.° 1 do artigo 72.° do RSP. 3 - Pela própria natureza do conceito, a negligência grave não pode ser "preenchida" pela omissão de um acto de prudência ("cautela") que o utilizador do cartão considera desnecessário por estar convicto de que o meio de pagamento em causa não se extraviou. 4 - Resulta do probatório que a Autora demonstrou que o extravio do cartão foi avisado sem qualquer atraso, porque imediatamente após ter tido conhecimento do mesmo (facto I), enquanto as RR, a quem cabia a alegação e prova de um comportamento gravemente negligente, nada lograram provar. 5 - Ademais, nenhuma das RR demonstrou que a Autora tivesse tido efectivo conhecimento do extravio do instrumento de pagamento em momento anterior ao da comunicação - o que a ocorrer, constituiria a tal atitude temerária e indesculpável de que fala o Acórdão. 6 - Igualmente não lograram as Rés provar - e esse o cerne da sua defesa exceptiva - que o cartão de débito não estava assinado, e que, com isso, o cliente violou o artigo 67.° do RSP. 7 - O RSP estabelece que o risco de utilização do cartão é inerente ao prestador de serviços no caso de operações de pagamento não autorizadas, resultando que, via de regra (vide art.° 83° do RSP) é o banco responsável por operações não autorizadas pelo utilizador - o que, de resto, é consonante com o regime do depósito bancário. 8 - Como especificidade deste regime dos pagamento electrónicos salienta-se a que é ao depositário e / ou o prestador de serviços que incumbe demonstrar a culpa (na modalidade de negligência grave grosseira nos termos do RSP) do utilizador do meio de pagamento sob pena de ter de assumir a perda de valores sacados através da realização de operações não autorizadas pelo cliente. 9 - No caso concreto ambas as instâncias deram como não provada a única alegação deduzida em sede de defesa exceptiva “3 o cartão de débito utilizado não se encontrava assinado no seu verso pelo utilizador autorizado pela A", pelo que a solução a dar ao caso dos autos só podia ser a inversa àquela que foi adoptada pelo Tribunal recorrido. 10 - Do probatório ressalta a constatação de que o utilizador do cartão de débito ilicitamente utilizado não só não sabia que o mesmo estava entre os objectos extraviados em Londres, como, pela positiva, estava convencido de que o mesmo -como aliás habitualmente ocorria (facto N) - não estava na "carteira" que se encontrava dentro da "mala a tira-colo" e que se extraviou em Londres. 11 - Sendo o cartão nominativo, as operações só foram possíveis por negligência dos operadores comerciais que aceitaram as operações de pagamento sem se certificarem da fidedignidade da assinatura e da identidade do portador do cartão, demonstrado que ficou que foram realizadas mais de uma dúzia de operações de pagamento não autorizadas pela Autora no dia 20/01/2016, no valor global de 58.767,98 € através da aposição de assinatura que não correspondia à do utilizador do cartão de débito em causa (facto R e novo facto U). 12 - Pelo que o risco deve correr por conta dos operadores comerciais, e, em primeira linha, pela entidade que disponibiliza o meio de pagamento ilicitamente utilizado (sem prejuízo do direito de regresso que esta tenha, p.e., junto da VISA ou do lojista, atentos os benefícios e culpa que existirão na esfera dessas entidades). 13 - Certo é que, ao contrário do decidido em segunda instância a Autora avisou, sem qualquer atraso (porque imediatamente após ter tido conhecimento do facto), as Rés da ocorrência de tal extravio (facto N e Q). 14 - A circunstância de o utilizador do cartão não ter cancelado o cartão logo após o extravio do mesmo não foi motivada por um mero "desapercebimento" ou "distracção", antes teve origem numa representação (equivocada) de um facto (de que o cartão de débito em causa não se encontrava entre os bens extraviados, pois tinha ficado em Portugal, como aliás, era habitual - conforme facto N e Q). 15 - E tanto assim foi que ficou demonstrado que diligentemente cancelou o cartão de crédito (cf. facto G) porque representou que, esse sim, como habitualmente, estaria entre os bens levados em viagem, e, por isso, poderia ter sido extraviado. 16 - Uma vez que o utilizador do cartão estava convicto de que o cartão não se encontrava entre os objectos extraviados, mas a milhares de quilómetros, em Portugal, as concretas "circunstâncias do ocorrido" não faziam prever que a utilização abusiva do cartão fosse provável, antes impossível, ao contrário do que entendeu o Acórdão recorrido. 17 - Ou seja, estando o utilizador do cartão de débito convicto de que o mesmo não havia sido extraviado (ao ponto de que cancelou o cartão de crédito e o de débito não) não se pode qualificar o seu comportamento como eivado de uma "imprudência e temeridade inútil e indesculpável' e determinar que agiu de uma forma gravemente negligente. 18 - A tese da Decisão em revista afastou-se claramente do sobredito critério legal, não só porque o "atraso", a ter existido, não foi "injustificado", como ainda porque ao considerar que a omissão do administrador da Autora revela um comportamento altamente censurável aos olhos do Direito, não soube aplicar o conceito de "negligência grosseira7' à situação de vida em causa nos autos - adoptando, para aferir do grau de culpa, a bitola do comportamento "à cautela". 19 - Ora, a omissão da exigência de um comportamento "à cautela" numa situação de facto em que tudo indicava que o cartão de débito não tinha sido extraviado não pode ser considerado um comportamento temerário que só as pessoas especialmente incautas adoptariam. 20 - Acresce que o atraso na comunicação do extravio não, em si mesmo, censurado pelo RSP, que postula, através do adjectivo "injustificado", que o atraso na comunicação só será imputado ao agente, quando, perante o caso concreto, não exista causa que "justifique", segundo critérios de normalidade, o lapso temporal entre o extravio do cartão e a sua comunicação. 21 - Como afirma a douta e bem fundamentada Sentença de primeira instância: "nem a lei, nem o clausulado contratual já aludido sancionam a cognoscibllidade da perda, furto ou desaparecimento do cartão, sendo certo que na situação decidenda, como emerge da matéria de facto, razoável a convicção pelo utilizador de que o cartão em apreço não estava entre aqueles de que se achou desapossado. Por isso que não se tem o respectivo comportamento como integrando negligência grave ou grosseira ao não cancelar "à cautela" o cartão em apreço'. 22 - Com efeito, o que resulta dos factos provados foi que ocorreu algo que acontece, com maior ou menor frequência, ao cidadão comum e que, por isso, é absolutamente verosímil e conforme às regras da experiência comum: a errada representação sobre a localização de um objecto, pois que todos os homens médios - e não apenas os especialmente incautos e descuidados - já vivenciaram a situação de terem a convicção profunda, a representação mentai, de que determinado objecto está guardado em determinado local tendo vindo posteriormente a verificar que tal representação estava equivocada. 23 - O Acórdão recorrido aplicou incorrectamente o direito aos factos dos autos, violando eventualmente entre outras normas e princípios jurídicos, o artigo 640.º do CPC, o artigo 796 º, o n.º 2 do artigo 799º do n.º 2 do artigo 487º do CC e os artigos do RSP acima citados, mormente quando classificou a concreta situação de vida respaldada nos factos acolhidos no probatório como uma actuação gravemente negligente da Autora. Conclui, assim, no sentido de dever o presente recurso ser provido e, em consequência, proferido Acórdão que revogue a Decisão em revista e condene as Rés no pagamento/ reembolso dos valores peticionados. 8. Os AA. apresentaram contra-alegações, pugnando no sentido de o recurso ser julgado improcedente por não provado, confirmando-se o Acórdão recorrido. 9. Cada uma das Rés apresentou contra-alegações, pugnando pelo improvimento do recurso e integral manutenção do aresto recorrido.
Nada a tal opondo, cumpre decidir:
II – FACTOS
Após reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, no Acórdão ora recorrido foi decidido julgar: - Provados os factos seguintes: A) - No dia 8 de Abril de 2015 a sociedade Autora outorgou a “Proposta de adesão ao cartão de Débito Clube A Empresa” consubstanciada no documento por ela junto como n.º 1 com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, ainda e decisivamente no que interessam às condições gerais ali estabelecidas/constantes, proposta esta que foi aceite, determinando a emissão de cartão de débito. B) - A essa data, a Autora era Cliente (n.º 3…3) e Associada (1…0) da Ré Caixa BB de ..., CRL – doravante Caixa BB de …. C) - A Autora detinha na BB … uma conta de depósito à ordem com o n.º 40…2. D) - Como forma de obter um cartão para efectuar pagamentos a débito sobre a conta referida em C), a Autora celebrou o contrato a que se reporta a proposta sob A), sendo que detinha igualmente um cartão de crédito emitido pelas Rés. E) - Nos termos do ponto 1.1 das “Condições Gerais” compreendidas no documento referido em A), o “Cartão de Débito Clube Associado do Crédito Agrícola, adiante também designado por cartão, é emitido pela Caixa Central (…)”, aqui Segunda Ré. F) - O cartão de débito aqui em causa tem o número 45…7, constituindo um meio de execução da prestação de serviços de pagamento, disponibilizado por essa Ré, através de saque na referida conta de depósito a ordem 40…62 aberta pela Autora junto da primeira Ré. G) - No dia 20 de Janeiro de 2016 funcionária da Autora, por instruções do legal representante daquela e pessoa autorizada a movimentar os cartões, primeiramente via telefone e depois por escrito, solicitou à Ré BB de … o cancelamento do cartão de crédito n.º 8…5 (cf. doc. n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). H) - A Autora não participou, nem verbalmente nem por escrito, no dia 20/01/2016, o desaparecimento do cartão de débito aqui em causa. I) - Na manhã de dia 22/01/2016, a funcionária da Autora ... telefonou para a Ré BB de …, tendo falado com o Sr. CC (Coordenador de Agência de …) solicitando de imediato o cancelamento do cartão de débito 8…7 e remetendo, de seguida, e-mail confirmativo da situação (cf. doc. nº 4 junto com a petição inicial, que aqui se tem como reproduzido), do qual consta, para além do mais, a solicitação de “imediata anulação” dos “movimentos anómalos verificados na nossa conta 40…2 do BB”. J) - No mesmo dia 22.01, o sócio gerente da Autora participou junto da Guarda Nacional Republicana o sucedido (cf. doc. n.º 5 com a petição inicial). L) - Na noite do dia 19 de Janeiro de 2016, em …, o administrador da Autora, DD, verificou não ter na respectiva posse/detenção uma mala (achou-se dela desapossado), dentro da qual, para além de outros itens, se contava a carteira (porta-moedas e cartões). M) - O Administrador da autora, DD levou para ... o cartão de débito, o qual, se encontrava no interior da carteira da qual aquele foi desapossado . N) - Esse cartão de débito tinha um uso muito residual no giro da empresa, sendo que o referido administrador da Autora, quando no estrangeiro, efectuava todos os pagamentos através dos cartões de crédito (e não de débito) e / ou em dinheiro. O) - No dia 22 de Janeiro de 2016, a funcionária da A. EE, por volta das 09h00 detectou, através do “BB Online”, no decurso da rotineira análise dos movimentos das contas bancárias, que tinham sido debitados na conta à ordem movimentos que se lhe afiguraram anómalos, porque o sócio gerente não tinha por hábito utilizar o cartão de débito no estrangeiro e porque os montantes evidenciados nos “movimentos de conta” eram de elevado montante e nada condizente com o uso – residual e esporádico – que o dito cartão de débito tinha. P) - As compras efectuadas com esse cartão ocorreram no dia 20/01/2016 (data valor), mas apenas no dia 22/01/2016 é que os respectivos débitos são movimentados na conta de depósito à ordem da Autora (cf. extracto junto como doc. n.º 3 à petição, cujo teor se dá por reproduzido). Q) - Alertada pelos movimentos em causa, a funcionária EE de imediato informou o administrador da Autora, DD, que só então concluiu que, ao contrário do que era a sua representação mental, o cartão de débito também estaria nos objectos extraviados em Londres. R) - Foram realizadas, após a ocasião referida em L), compras por débito na conta bancária da Autora aberta na primeira Ré e efectuadas através do cartão emitido pela segunda Ré, sem autorização, conhecimento ou aquiescência da Autora: - Às 12h33 do dia 20/01/2016 foram debitados € 1.493,80 em resultado de uma compra efectuada na loja “FF”, em … (cf. doc. n.º 6 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); - Às 12h45 do dia 20/01/2016 foram debitados € 3.035,13 em resultado de uma compra efectuada na loja “FF”, em … (cf. doc. n.º 7 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); - Às 14h44 do dia 20/01/2016 foram debitados € 3.907,54 em resultado de uma compra efectuada na loja “GG”, em … (cf. doc. n.º 8 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). - Às 14h55 do dia 20/01/2016 foram debitados € 2.589,42 em resultado de uma compra efectuada na loja “GG”, em … (cf. doc. n.º 9 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); - Às 15h04 do dia 20/01/2016 foram debitados € 2.288,32 em resultado de uma compra efectuada na loja “GG”, em … (cf. doc. n.º 10 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); - Às 15h11 do dia 20/01/2016 foram debitados € 2.047,45 em resultado de uma compra efectuada na loja “GG”, em … (cf. doc. n.º 11 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); - Às 15h18 do dia 20/01/2016 foram debitados € 3.277,25 em resultado de uma compra efectuada na loja “GG”, em … (cf. doc. n.º 12 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); - Às 15h25 do dia 20/01/2016 foram debitados € 14.184,92 em resultado de uma compra efectuada na loja “GG”, em … (cf. doc. n.º 13 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); - Às 15h35 do dia 20/01/2016 foram debitados € 5.152,07 em resultado de uma compra efectuada na loja “GG”, em … (cf. doc. n.º 14 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; - Às 18h29 do dia 20/01/2016 foram debitados € 3.503,64 em resultado de uma compra efectuada na loja “FF”, em … (cf. doc. n.º 15 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); - Às 18h39 do dia 20/01/2016 foram debitados € 7.333,20 em resultado de uma compra efectuada na loja “FF”, em … (cf. doc. n.º 16 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); - Às 19h34 do dia 20/01/2016 foram debitados € 4.683,70 em resultado de uma compra efectuada na loja “GG”, em … (cf. doc. n.º 17 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); - Às 20h01 do dia 20/01/2016 foram debitados € 4.188,57 em resultado de uma compra efectuada na loja “GG”, em … (cf. doc. n.º 18 que justificou o uso do cartão em apreço e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). S) - Aquando da comunicação telefónica assente em G), pelo funcionário do 1º Réu, CC, foi questionada a funcionária da A. sobre o cancelamento à cautela do cartão de débito em apreço nos autos, sendo que por esta foi referida a desnecessidade do mesmo.
T) - Aquando da outorga da proposta referida em A) foi explicado pelos funcionários da Ré a ambos os administradores da Autora, DD e HH, o modo de funcionamento, responsabilidade e utilização do cartão de débito em causa, quer para a A., quer para os utilizadores, nomeadamente que a autenticação das transacções de pagamento efectuadas com o uso do cartão bancário é efectuada por um dos seguintes meios: a) o titular ou utilizador do cartão digita o código secreto (PIN) antes do TPA imprimir o talão comprovativo da transacção ou b) assina o referido talão sem digitar qualquer PIN, uma vez que este impresso e no espaço destinado à assinatura c) ou digita o código secreto e assina o talão comprovativo, e que em alguns tipos de terminais de pagamento a leitura do cartão é suficiente para concretizar a operação, não sendo necessário digitar o código PIN, sendo necessária apenas a assinatura do talão, que deve corresponder com a assinatura constante do verso do cartão M) - O Administrador da autora, DD levou para ... o cartão de débito, o qual, se encontrava no interior da carteira da qual aquele foi desapossado . U) - Nos talões das compras feitas com o cartão de débito a que alude a al. R) está aposta assinatura que não corresponde à assinatura do administrador da Autora autorizado a movimentá-lo como constante da proposta de adesão ao cartão em causa. V) - O saldo disponível existente na conta de depósitos associada ao cartão de débito era superior ao valor total das compras a que alude a alínea R), no montante total de € 57 685,01. X) - O cartão de débito foi emitido pela 2ª Ré a pedido da Autora, sendo que nesse documento constam as Condições Gerais de Utilização do Cartão de Débito Clube Associado Particulares e Empresas, ficando a 2ª Ré autorizada a proceder ao débito na conta da autora indicada, conforme proposta de adesão de fls 17 e seguintes.
- Não provados os factos seguintes: 1) - Nas circunstâncias de tempo, lugar e modo assentes em L) o sócio gerente da Autora foi desapossado, mediante furto, da mala ali referida; 2) - A assinatura aposta nos respectivos talões de compra subjacentes às operações assentes em R) não corresponde à assinatura do titular do cartão de débito que se encontrava aposta no seu verso. 3) - O cartão de débito utilizado não se encontrava assinado no seu verso pelo utilizador autorizado pela A.; 4) - Os administradores da A., mormente aquele a quem estava atribuído o cartão em apreço nos autos, estavam convencidos de que a movimentação do cartão/ a autenticação das transacções de pagamento com o uso do cartão em causa apenas podia sê-lo mediante a introdução do PIN.
III - DIREITO
1. Como inequivocamente flui do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Cód. Proc. Civil, o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões da alegação do recorrente, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas, sendo certo que o conhecimento e solução deferidos a uma[s] poderá tornar prejudicada a apreciação de outra[s]. De tal sorte, e tendo em mente esse conjunto de finais proposições com que a A./Recorrente ultima as respectivas alegações, cuidemos das questões em tal contexto suscitadas. Assim, 2. Começa a A. por sustentar que a Relação devia ter rejeitado o recurso da matéria de facto impetrada pela 1.ª Ré, porquanto esta, nas suas alegações da Apelação, não cumpriu o ónus de indicar quais os concretos meios probatórios ‑ antes se referiu, em bloco, a toda a prova produzida‑, que impunham decisão diversa ao facto único cujo julgamento então impugnou – o facto M) - pelo que, ao admitir o recurso da matéria de facto, aquele Tribunal violou o disposto no art. 640.º do CPC. Salvo o muito respeito – desde já se adiante - , cremos que não lhe assiste razão. Preliminarmente, observe-se, porém – e conforme o decidido, i.a., no Acórdão deste Tribunal Supremo de 28.05.2015[4] - , que “não obstante o art. 682.º, n.º 2, do NCPC, não permitir que o STJ altere a matéria de facto fixada pela Relação (salvo em caso de ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova ou fixe a força de determinado meio de prova), nada impede que, com fundamento no art. 674.º, n.º 1, al. b), do NCPC, aquele tribunal aprecie se o tribunal recorrido violou as condições formais exigidas pelo art. 640.º do referido diploma e cujo incumprimento determina a rejeição do recurso.” Pois bem. É esta apreciação que, como resulta apodictico, a A. ora pretende seja efectuada, o que, sem mais, se passa a fazer. Ora, o predito art. 640.º - sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto” – apresenta, no que para aqui interessa, a redacção seguinte: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; […]”. Em anotação a este preceito, escreve António Santos Abrantes Geraldes[5] que da sua normatividade dimana o sistema seguinte: - “ a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; c) o recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova […]; d) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.” Desta douta exposição resulta, pois, e em suma, que a rejeição do recurso na respectiva parte apenas pode radicar, atendo-nos propriamente ao conteúdo das conclusões, na falta de especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados. Todos demais elementos mencionados no n.º 1, do art. 640.º, como devendo constar do recurso de impugnação de facto – especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados, menção sobre o sentido da decisão pretendido e indicação exacta das passagens da gravação em que o recurso de funda - , apenas se faz indispensavelmente mister que constem da motivação – corpo alegatório – de tal recurso. Neste sentido, além do insigne Autor acima referenciado, também a extensa lista de recentes arestos deste Alto Tribunal pelo mesmo vertida, comprovando a sua afirmação no sentido de representar o exposto entendimento “jurisprudência corrente “ no Supremo Tribunal de Justiça[6]. De posse destes esclarecimentos, e fazendo incidir a nossa atenção sobre o Acórdão recorrido, vemos que nele se consigna[7], a justificar a apreciação da impugnação efectuada pela 1.ª Ré, em sede da conclusão recursória n.º 71, quanto ao [então] facto provado vertido na alínea M)[8], que a mesma “aí indica os meios de prova que no seu entender implicam que esse facto seja eliminado, sendo que, nas alegações recursórias a recorrente indica com pormenor as passagens da gravação feitas relativamente ao depoimento de parte do administrador da autora, às declarações de parte de outro administrador da autora e relativamente aos depoimentos das testemunhas que indica nessa conclusão.” E mais se acrescenta: “Como é sabido, ao ónus que impende sobre a Recorrente na interposição de qualquer recurso de apresentar a sua alegação na qual deve concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, a que se reporta o art. 639º do CPC, acresce o ónus previsto no art. 640º, do CPC estabelecido especificamente para os casos em que seja impugnada a decisão proferida pelas instâncias sobre a matéria de facto. E não obstante não se ignorar que o Supremo Tribunal de Justiça entende que para o cumprimento do ónus consagrado no art.640º do CPC é suficiente que o Recorrente inclua nas conclusões das alegações, de forma sintética, os pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, desde que remeta para o conteúdo das suas alegações o desenvolvimento de tal matéria, verificamos que no caso a recorrente nas conclusões não indica qualquer outro segmento da decisão de facto como sendo objecto de impugnação. Destarte, porque as conclusões servem para delimitar o objecto do recurso, devendo nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, entendemos que no presente recurso sobre a decisão de facto o único facto que é impugnado é aquele vertido na al. M) dos Factos Provados.”
Nestes termos, pois, além de indicar as razões pelas quais apenas circunscrevia o conhecimento da impugnação ao facto vazado sob a alínea M), o douto aresto refere também justificar-se tal conhecimento atenta a circunstância de, nas alegações recursivas, se acharem indicadas com pormenor as passagens da gravação feitas relativamente às declarações e depoimentos mencionados nessa conclusão n.º 71.
Ora, lendo esta conclusão dela consta o que segue[9]: - “ O facto constante em M) da douta sentença de[10] ser dado como não provado, atendendo às declarações de parte dos administradores da autora e ao depoimento das testemunhas D. EE e Sr. CC, e à prova documental existente no processo, nomeadamente os talões de compra e a participação efectuada junto da GNR no dia 22/01/2016.” Deste modo, temos que, nesta proposição em foco, se acha vertido o único dado que, como visto, se torna necessário incluir nas conclusões: - especificação do concreto ponto fáctico pelo recorrente considerado incorrectamente julgado. Será que os demais elementos – como flui dessa justificação do Acórdão - se acham devidamente insertos na motivação, parte discursiva, do recurso? A resposta surge inquestionavelmente afirmativa, percorrendo o conteúdo desse capítulo de tal peça. Com efeito, verifica-se que - sem olvidar que a 1.ª Ré/Apelante junta ainda com a sua alegação a transcrição integral certificada dos pronunciamentos orais produzidos em audiência[11] - , nesse capítulo constam, num primeiro momento[12], os excertos tidos como relevantes em vista da impugnação, e respectiva análise, quer das mencionadas declarações de ambos os Administradores da A. – DD e Dr. II - , quer dos depoimentos da também convocadas testemunhas EE e CC, excertos esses acompanhados ainda da indicação dos momentos de início e término das respectivas gravações. Mais à frente, refere então a Apelante: - “Temos assim, face a todo o supra exposto, que, O facto dado como provado em M) da sentença onde se refere “ O comportamento assente em […]” foi incorretamente julgado pela Meretíssima Juiz do tribunal a quo, pois atendendo às declarações de parte dos administradores administradores da autora e ao depoimento das testemunhas D. EE e Sr. CC, que acima se transcreveram[13] e à prova documental existente no processo, nomeadamente os talões de compra e a participação efectuada junto da GNR no dia 22/01/2016, impunha-se decisão diferente quanto a tal facto.” O comportamento comportamento assente em H) “ A autora não participou, nem verbalmente nem por escrito, no dia 20/01/2116, o desaparecimento do cartão de débito aqui em causa”, foi-o, não porque o administrador da Autora não se apercebeu que tivesse levado com ele tal cartão, mas sim porque agiu com culpa grave, com negligência grave na sua conduta ao não cumprir o dever de conservar e guardar o cartão em causa nos autos, o dever de preservação da eficácia e confidencialidade dos elementos de segurança do cartão em causa, (assinatura), com a não assinatura do cartão de débito em causa nos autos, bem como o dever de comunicar, sem atrasos injustificados, ao prestador de serviços de pagamento ou à entidade designada por este último, logo que deles tenha conhecimento, a perda, o roubo, a apropriação abusiva do instrumento de pagamento, como acima se alegou.” Rematando: “Assim, deve ser dado como não provado o facto constante em M) da douta sentença, face a todo o acima alegado e provado.” Nestes moldes, impõe-se, pois, irrefragavelmente reconhecer – conforme antes afirmado - que a 1.ª Ré deu efectivo e cabal cumprimento aos ónus que, mor do disposto nos n.ºs 1 e 2, al. a), do predito art. 640.º, sobre si impendiam, tendo em mente a impugnação do facto provado [segundo a sentença] da alínea M) – tal como bem se considerou no Acórdão ora em crise - , pelo que com igual acerto se houve este mesmo aresto ao entender-se adstrito a apreciar, como fez, essa impugnação levada a efeito por aquela. A vertente objecção recursória por parte da A. e ora Recorrente é, pois, improcedente.
3. Prosseguindo, sustenta a A. que, em face dos factos que lograram adesão de prova, não se pode entender – contrariamente ao Acórdão recorrido - , que ela e o utilizador do aqui enfocado cartão de débito, seu Administrador, se houveram com negligência grave ou grosseira, tendo em conta os movimentos indevidamente efectuados com esse mesmo cartão. A apreciação desta questão, convoca, desde logo – como é pacífico entendimento nos autos - , a normação constante do DL n.º 317/2009, de 30 de Outubro [Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Electrónica: doravante RSP][14], tendo em conta a última alteração a ele conferida pelo DL. n.º 157/2014, de 24 de Outubro. Ora, e desde logo, surge-nos aqui se considerar, desse diploma, os seguintes dispositivos: - Artigo 67.º : (Obrigações do utilizador de serviços de pagamento associadas aos instrumentos de pagamento): 1 - O utilizador de serviços de pagamento com direito a utilizar um instrumento de pagamento tem as seguintes obrigações: a) Utilizar o instrumento de pagamento de acordo com as condições que regem a sua emissão e utilização; e b) Comunicar, sem atrasos injustificados, ao prestador de serviços de pagamento ou à entidade designada por este último, logo que deles tenha conhecimento, a perda, o roubo, a apropriação abusiva ou qualquer utilização não autorizada do instrumento de pagamento. 2 - Para efeitos da alínea a) do número anterior, o utilizador de serviços de pagamento deve tomar todas as medidas razoáveis, em especial ao receber um instrumento de pagamento, para preservar a eficácia dos seus dispositivos de segurança personalizados.
- Artigo 72.º : (Responsabilidade do ordenante por operações de pagamento não autorizadas): 1 - No caso de operações de pagamento não autorizadas resultantes de perda, de roubo ou da apropriação abusiva de instrumento de pagamento, com quebra da confidencialidade dos dispositivos de segurança personalizados imputável ao ordenante, este suporta as perdas relativas a essas operações dentro do limite do saldo disponível ou da linha de crédito associada à conta ou ao instrumento de pagamento, até ao máximo de (euro) 150. 2 - O ordenante suporta todas as perdas resultantes de operações de pagamento não autorizadas, se aquelas forem devidas a atuação fraudulenta ou ao incumprimento deliberado de uma ou mais das obrigações previstas no artigo 67.º, caso em que não são aplicáveis os limites referidos no n.º 1. 3 - Havendo negligência grave do ordenante, este suporta as perdas resultantes de operações de pagamento não autorizadas até ao limite do saldo disponível ou da linha de crédito associada à conta ou ao instrumento de pagamento, ainda que superiores a (euro) 150, dependendo da natureza dos dispositivos de segurança personalizados do instrumento de pagamento e das circunstâncias da sua perda, roubo ou apropriação abusiva. 4 - Após ter procedido à notificação a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º, o ordenante não suporta quaisquer consequências financeiras resultantes da utilização de um instrumento de pagamento perdido, roubado ou abusivamente apropriado, salvo em caso de atuação fraudulenta. […] A mais destes dispositivos, importa ainda chamar à liça, das Condições Gerais de Utilização do Cartão de Débito – Facto provado da alínea A) – as seguintes cláusulas: - 5.1. O Titular do cartão é responsável perante a Caixa pelo seu correcto uso e conservação e deve proceder à sua assinatura assim que o mesmo lhe seja entregue, ainda que não haja o propósito de o utilizar de imediato: - 5.2. O Titular, no caso de se tratar de pessoa colectiva, é também responsável perante a Caixa pelo uso que o Utilizador faça do cartão e obriga-se a promover, junto do mesmo, o modo correcto da sua utilização e conservação, e apenas o entregará ao Utilizador após este proceder à sua assinatura. - 5.7. O Titular e, no caso de se tratar de pessoa colectiva, o Utilizador obriga-se a utilizar o cartão de acordo com as presentes Condições Gerais, tomando todas as medidas razoáveis, em especial ao recebê-lo, para preservar a eficácia dos seus dispositivos de segurança personalizados e a comunicar, sem atrasos injustificados, a Caixa ou a quem esta indicar, logo que deles tenha conhecimento, a perda, o roubo, a apropriação abusiva ou qualquer utilização não autorizada do cartão. O Titular e, no caso de se tratar de pessoa colectiva, o Utilizador não poderá, nomeadamente, notar ou por qualquer forma registar no cartão ou em qualquer outro documento o PIN. Frente a este quadro regulatório, no Acórdão ora recorrido, revogando-se a sentença apelada que havia decidido em sentido diametralmente oposto, entendeu-se haver fundamento, mercê de negligência grave ou grosseira por parte do Administrador da A. e desta, subjacente aos indevidos movimentos levados a efeito com o já mencionado cartão de débito, para os responsabilizar pela verificação de tais movimentos. Pois bem; façamos antes de mais a retenção, de entre os provados, dos factos relevantes para a decisão em vista. Assim, temos que: G) - No dia 20 de Janeiro de 2016 a funcionária da Autora, por instruções do legal representante daquela e pessoa autorizada a movimentar os cartões, primeiramente via telefone e depois por escrito, solicitou à Ré BB de … o cancelamento do cartão de crédito n.º 8…5. H) - A Autora não participou, nem verbalmente nem por escrito, no dia 20/01/2016, o desaparecimento do cartão de débito aqui em causa. I) - Na manhã de dia 22/01/2016, a funcionária da Autora EE telefonou para a Ré BB de …, tendo falado com o Sr. CC (Coordenador de Agência de …) solicitando de imediato o cancelamento do cartão de débito 8…7 e remetendo, de seguida, e-mail confirmativo da situação (cf. doc. nº 4 junto com a petição inicial, que aqui se tem como reproduzido), do qual consta, para além do mais, a solicitação de “imediata anulação” dos “movimentos anómalos verificados na nossa conta 40…2 do BB”. J) - No mesmo dia 22.01, o sócio gerente da Autora participou junto da Guarda Nacional Republicana o sucedido (cf. doc. n.º 5 com a petição inicial). L) - Na noite do dia 19 de Janeiro de 2016, em …, o administrador da Autora, DD, verificou não ter na respectiva posse/detenção uma mala (achou-se dela desapossado), dentro da qual, para além de outros itens, se contava a carteira (porta-moedas e cartões). M) - O Admnistrador da autora, DD levou para … o cartão de débito, o qual, se encontrava no interior da carteira da qual aquele foi desapossado no momento do afirmado desapossamento. N) - Esse cartão de débito tinha um uso muito residual no giro da empresa, sendo que o referido administrador da Autora, quando no estrangeiro, efectuava todos os pagamentos através dos cartões de crédito (e não de débito) e / ou em dinheiro. O) - No dia 22 de Janeiro de 2016, a funcionária da A. EE, por volta das 09h00 detectou, através do “BB Online”, no decurso da rotineira análise dos movimentos das contas bancárias, que tinham sido debitados na conta à ordem movimentos que se lhe afiguraram anómalos, porque o sócio gerente não tinha por hábito utilizar o cartão de débito no estrangeiro e porque os montantes evidenciados nos “movimentos de conta” eram de elevado montante e nada condizente com o uso – residual e esporádico – que o dito cartão de débito tinha. P) - As compras efectuadas com esse cartão ocorreram no dia 20/01/2016 (data valor), mas apenas no dia 22/01/2016 é que os respectivos débitos são movimentados na conta de depósito à ordem da Autora. Q) - Alertada pelos movimentos em causa, a funcionária EE de imediato informou o administrador da Autora, DD, que só então concluiu que, ao contrário do que era a sua representação mental, o cartão de débito também estaria nos objectos extraviados em Londres. R) - Foram realizadas, após a ocasião referida em L), compras por débito na conta bancária da Autora aberta na primeira Ré e efectuadas através do cartão emitido pela segunda Ré, sem autorização, conhecimento ou aquiescência da Autora: S) - Aquando da comunicação telefónica assente em G), pelo funcionário do 1º Réu, CC, foi questionada a funcionária da A. sobre o cancelamento à cautela do cartão de débito em apreço nos autos, sendo que por esta foi referida a desnecessidade do mesmo. T) - Aquando da outorga da proposta referida em A) foi explicado pelos funcionários da Ré a ambos os administradores da Autora, DD e HH, o modo de funcionamento, responsabilidade e utilização do cartão de débito em causa, quer para a A., quer para os utilizadores, nomeadamente que a autenticação das transacções de pagamento efectuadas com o uso do cartão bancário é efectuada por um dos seguintes meios: a) o titular ou utilizador do cartão digita o código secreto (PIN) antes do TPA imprimir o talão comprovativo da transacção ou b) assina o referido talão sem digitar qualquer PIN, uma vez que este impresso e no espaço destinado à assinatura c) ou digita o código secreto e assina o talão comprovativo, e que em alguns tipos de terminais de pagamento a leitura do cartão é suficiente para concretizar a operação, não sendo necessário digitar o código PIN, sendo necessária apenas a assinatura do talão, que deve corresponder com a assinatura constante do verso do cartão. U) - Nos talões das compras feitas com o cartão de débito a que alude a al. R) está aposta assinatura que não corresponde à assinatura do administrador da Autora autorizado a movimentá-lo como constante da proposta de adesão ao cartão em causa”. V) - O saldo disponível existente na conta de depósitos associada ao cartão de débito era superior ao valor total das compras a que alude a alínea R), no montante total de € 57685,01. Ora, com base neste mesmo contingente fáctico – e tendo presente ainda os negativos pronunciamentos emitidos em sede dos acima inscritos Factos não Provados n.ºs 2 e 3 - no Acórdão ora em crise, afastando-se, desde logo, a possibilidade de figurar, quer que a A. violou o dever de confidencialidade dos dispositivos de segurança [PIN], quer que o cartão de débito não se achava assinado pelo utilizador que está identificado na proposta de adesão ao contrato de utilização de tal cartão, afastando-se essa possibilidade – dizíamos - , assentou-se, no entanto, e como já referido, que a A e o seu Administrador agiram com grave negligência – reconduzível, no fundamental, ao supratranscrito n.º 3, do art. 72.º, referido ao art. 67.º, n.º 1, al. a), ambos do RSP -, ao não procederem à comunicação à 1.ª Ré do desaparecimento do cartão, senão no dia 22 de Janeiro, ou seja, três dias após tal desaparecimento. E sempre salvo o muito respeito, não podemos, como vimos adiantando, deixar de sufragar essa posição, tendo em conta a linha argumentativa em que a mesma se estriba, da qual se destacam as passagens que seguem: - “O mero facto de o administrador da Autora não se aperceber que tinha levado consigo para … o tal cartão de débito, não o desresponsabiliza de no seu comportamento posterior não ter actuado com a diligência que lhe é exigível, para o cumprimento das suas obrigações e deveres contratuais e legais de Utilização do cartão de débito, previstos nas cláusulas 5.1, 5.2 e 5.7 das Condições Gerais de Utilização do Cartão de débito e no artº 67º do Dec. Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro. - Só no dia 22 de Janeiro de 2016, após a funcionária da Autora D. EE ter verificado os movimentos na conta bancária e deles dar conhecimento ao administrador da Autora, Sr. DD, é que a Autora comunicou à ora recorrente- 1º Ré os movimentos bancários realizados e solicitou o cancelamento do cartão de débito, bem como, só nessa data foi efetuar junto da GNR, a participação do ocorrido em … no dia 19 de Janeiro de 2016. - Até essa data, e já tinham passado três dias do desapossamento da mala, não houve a mínima diligência por parte do Utilizador do cartão de débito em causa em saber se o mesmo efetivamente estava dentro do cofre da Autora como ele pensava, o que revela negligência grave deste, entendimento que sai reforçado se atentarmos no facto de que apesar de ter sido alertada pelo funcionário da 1ª Ré para cancelar à cautela o cartão de débito, a autora não o fez nos dias 19, 20 e 21 e para o facto de a conta associada ao cartão estar provida com saldo disponível que cobria a quantia total a que ascenderam os pagamentos não autorizados. A previsibilidade da utilização abusiva do cartão de débito em causa nos autos era tão forte, atentas as circunstâncias do ocorrido, que se impunha à autora um comportamento diferente do realizado, atendendo ao comportamento diligente que qualquer bom pai de família na mesma situação teria, nomeadamente, a Autora, tinha o ónus de comunicar o “desapossamento “ do cartão de débito e pedir o respectivo cancelamento no momento em que solicitou o cancelamento do cartão de crédito, isto é, no dia 20-01-2016, conforme alíneas G) e H) e cópia de email de fls 20-verso, impondo-se aqui, assinalar que o momento para se aferir o afirmado atraso na comunicação do “ desapossamento “ do cartão de débito deve ser aferido, atentas as circunstâncias concretas do caso, a partir do momento em que se tornou previsível para o homem médio, colocado na posição da autora, prever a utilização abusiva do cartão de débito em causa nos autos. Afigura-se-nos – insista-se – inteiramente de subscrever estas considerações, quanto é certo ditadas por esse acervo factual retro plasmado. Com efeito, somos, fora de qualquer dúvida, a entender que ao Administrador da A. e a esta eram firmemente exigíveis comportamentos bem diferentes daqueles por que pautaram as respectivas actuações ante o desaparecimento, no anómalo circunstancialismo ocorrido, do cartão de débito. Na verdade, e não podendo ainda silenciar a estranheza de uma pessoa, mais a mais efectuando uma deslocação a um país estrangeiro, não ter a precisa noção dos cartões bancários que se faz acompanhar, essa estranheza mais se nos acentua tendo em mente que na conta de depósitos associada a um ou algum desses cartões existia uma provisão de significativo valor – resulta dos Factos Provados [al. V)] superior a € 57. 685,01 - , e ainda mais – essa acentuação - , sendo certo que a conforme utilização de um desses últimos referidos cartões – mais precisamente de débito -, passava pela “mera” assinatura dos talões comprovativos das transacções, sem necessidade de digitação de qualquer PIN – Facto Provado da al. T). Assim, e ainda que admitindo – repise-se, mas não aceitando/relevando -, aquela falta de noção, ocorrido o desaparecimento da carteira onde se achavam guardados tais cartões, não se vislumbra outro comportamento que não, no âmbito da imediata ponderação/preocupação sobre o real conteúdo de tal carteira, e considerando em especial os cartões bancários, se entre estes não se acharia tal cartão de débito. E se a circunstância de o cartão de débito – “ut” Facto Provado da al. N) - ter um uso muito residual no giro da empresa, sendo que o administrador da Autora, quando no estrangeiro, efectuava todos os pagamentos através dos cartões de crédito (e não de débito) e/ ou em dinheiro, ainda poderia de algum modo “atenuar” que, nessa imediata ponderação não se incluísse o cartão de débito – posto que não se abdique, uma vez mais se ressalte, desse, a todos os títulos justificado, zelo de nunca deixar de saber da localização do cartão - , não podemos evitar de considerar que, sobretudo a partir do momento em que o Funcionário da 1.ª Ré, CC, contactado telefonicamente pela Funcionária da A. para proceder ao cancelamento do cartão de crédito, questionou também a mesma no sentido do cancelamento à cautela do cartão de débito em apreço nos autos, evitar de considerar – dizia-se – que a A., quedando-se numa absoluta inércia, não se remetendo à menor averiguação no sentido de apurar da real localização do cartão – se essa cautela avisadamente preconizada pelo Funcionário da Ré cobrava ou não fundamento - , incorreu num comportamento merecedor de inequívoca reprovação, ou seja, aquele que todo o circunstancialismo envolvente aconselharia de todo proscrever. E anote-se, outrossim, que a adopção dessa sugerida cautela – ao invés do completo descaso assumido - teria obviado à realização de qualquer dos ocorridos movimentos, uma vez que, tendo a mesma se verificado antes das 11h59 do dia 20 de Janeiro – Facto Provado da al. G), com referência ao doc. de fls. 20 v.º - , o primeiro de tais movimentos apenas às 12h33 desse dia teve lugar – Facto Provado da al. R), item primeiro. Do exposto, segue-se, pois, que também nós entendemos que a A., ao comunicar à 1.ª Ré apenas na manhã de 22 de Janeiro o desapossamento do cartão de débito e solicitar o respectivo cancelamento, o fez com injustificada dilação ou atraso. Actuando com as adequadas previdência e diligência – como vimos que lhe era não só possível como exigível - , muito mais remota/antecipadamente teria apurado do extravio do cartão e, logo, assim podido fazer – profícua, logradamente - à 1.ª Ré a comunicação pertinente. Verificando-se, pois, por parte da A. a violação do dever que sobre ela recaía, nos sobreditos termos da al. b), do n.º 1, do art. 67.º do RSP e cláusulas 5.1, 5.2 e 5.7 das Condições Gerais de Utilização do Cartão de Débito, essa violação não tem como não se reputar intensa, a negligência a ela subjacente como grave ou grosseira e, “ergo”, quadrável à previsão do também já referenciado n.º 3, do art. 72.º de tal Diploma. Efectivamente, é sabido que – como expende Manuel de Oliveira Matos[15] – em sede de culpabilidade do agente, é costume distinguir três formas de culpa, a saber: - Culpa lata, grave ou grosseira, consistente na inobservância da diligência mínima adoptada até pelos homens medianamente negligentes; - Culpa leve, substanciada no incumprimento dos deveres de diligência do homem normalmente diligente; e - Culpa levíssima, traduzida na inobservância da diligência adoptada pelos homens especialmente diligentes. Do mesmo modo, o Prof. Inocêncio Galvão Telles[16], após referir que na culpa existe uma tríplice classificação – culpa grave, culpa leve, culpa levíssima- , acrescenta: - “Quer a culpa grave (que também se diz culpa lata) quer a culpa leve correspondem a condutas de que uma pessoa normalmente diligente – o “bonus pater famílias” – se absteria. A diferença entre elas está em que a primeira só por uma pessoa particularmente negligente se mostra susceptível de ser cometida. A culpa grave apresenta-se como uma negligência grosseira: “nimia vel negligentia” lhe chamavam os romanos, que diziam consistir em “non intelligere quod omnes intelligunt”. “ Pois bem; tendo em mente estes doutos ensinamentos, e volvendo de novo aos comportamentos assumidos pela A. e seu Administrador, logo se infere de tal negligência grosseira, mormente quando considerado esse absoluto – e perdoe-se-nos a expressão - “não querer saber” sobre se era ou não providencial a medida de cautela avançada pelo Funcionário da 1.ª Ré, portanto, se o cartão havia ou não sido levado na mala desaparecida, não abstraindo ainda do facto de se apresentar de todo desrazoável que perante um cartão bancário com as características já precedentemente enfatizadas, não houvesse um perfeito, cabal conhecimento, sobre a sua real localização. Atendo-nos a essa romanística proclamação - segundo o aludido douto ensinamento do Prof. Galvão Telles -, incontornável assumir que a A. e seu Administrador, somente eles, não aferiram o que, no circunstancialismo evidenciado, a outrem qualquer – de que dito Funcionário da 1.ª Ré se perfila impressivo exemplo - não deixaria de ocorrer - o cancelamento do cartão, acto contínuo ao alvitre daquele, ou após pressuroso asseguramento sobre o paradeiro do mesmo. Flagrante, deste modo, a grave negligência por parte da A. e seu Administrador, a justificar, pois, a atinente responsabilização e arcar dos prejuízos pelos anómalos movimentos operados com o cartão em foco, considerando o já citado n.º 3, do art. 72.º, do RSP. O Acórdão ora sob censura é, pois, de confirmar. III - DECISÃO
Por tudo o que exposto fica, decide-se negar a revista, confirmando o Acórdão recorrido. Custas pela A./Recorrente. * Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 31 de Janeiro de 2019 Helder Almeida (Relator) Oliveira Abreu Ilídio Sacarrão Martins ________ [1] Rel.: Helder Almeida |