Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RAMALHO PINTO | ||
Descritores: | REVISTA EXCECIONAL RELEVÂNCIA JURÍDICA INTERESSES DE PARTICULAR RELEVÂNCIA SOCIAL | ||
Data do Acordão: | 04/17/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA EXCEPCIONAL | ||
Decisão: | NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL. | ||
Sumário : |
A interpretação do conceito de “entidade por aquele (empregador) contratada”, contido no artº 18º, nº 1, da LAT, não oferece qualquer controvérsia no caso dos autos, em que em que a entidade empregadora do sinistrado celebrou um contrato de prestação de serviços com a Recorrente, sendo que o sinistro vem a ocorrer na execução desse mesmo contrato, não se justificando, assim, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para os efeitos das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 672º do CPC. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo 195/19.0T8STC.L1.S2 Revista Excepcional 146/24 Acordam na Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: AA intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo especial, emergente de acidente de trabalho contra P..., Lda, Bvlh Invest, S.A. e Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., formulando o seguinte pedido: A – Seja considerado que o Autor sofreu um acidente de trabalho, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, no dia 5 de Novembro de 2018, pelas 07h30, quando se encontrava ao serviço das 1.ª e 2.ª Rés. B – Sejam as Rés condenadas a pagar ao Autor uma pensão anual a partir de 29 de Junho de 2019, no valor de € 8.057,36. C – Sejam as Rés condenadas a pagar ao Autor um subsídio por elevada incapacidade no valor de € 4.918,58. D - Sejam as Rés condenadas a pagar ao Autor a quantia de € 4.179,81 por diferenças de despesas de pagamentos de indemnização pelos períodos de incapacidades temporárias. E – Sejam as Rés condenadas a pagar ao Autor a quantia de € 28,80 a título de despesas de transportes que suportou em consequência directa e necessária do acidente de trabalho que sofreu no dia 5 de Novembro de 2018. Todas as Rés contestaram. Foi realizada a audiência de julgamento. Foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo: “Nos termos e fundamentos, julgo a acção procedente, e, em consequência, decido: 1 - Fixar a I.P.P. de que padece o sinistrado em razão do acidente de trabalho em 56,26%, com IPATH, e, em consequência, condenar as rés P..., Lda e BVLH Invest, S.A. a pagar ao sinistrado AA: a. Uma pensão anual e vitalícia de € 9.274,34 (nove mil, duzentos e setenta e quatro euros e trinta e quatro cêntimos), devida desde o dia 29 de Junho de 2019, acrescida das respectivas actualizações anuais, bem como juros de mora, calculados à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento. b. O montante de € 4.918,58 (quatro mil, novecentos e dezoito euros e cinquenta e oito cêntimos), a título de subsídio por elevada incapacidade previsto no artº 67º, nº 3 da Lei nº 98/2009, de 4.09, acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, desde 29.06.2019 até integral pagamento; c. A quantia de € 4.179,81 (quatro mil, cento e setenta e nove euros e oitenta e u cêntimos) referente à indemnização pelas incapacidades temporárias, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento até integral pagamento. 2 – Absolver os demais réus do peticionado. Custas a cargo da das 1.ªs e 2.ªs rés (art.º 527º do C. P. Civil). Fixo o valor da causa em 64.254,22 € (art.º 120º, nº 1 e 2 do C. P. Trabalho). A Ré BVLH Invest, S.A., interpôs recurso de apelação. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão deliberando negar provimento ao recurso. A Ré BVLH Invest, S.A. veio interpor recurso de revista nos termos gerais e, subsidiariamente, revista excepcional com fundamento nas alíneas a) e b) do artigo 672º, nº1, do C.P.C.. Não foram apresentas contra-alegações. Os autos foram remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça. Pelo Relator foi proferido despacho liminar a não admitir o recurso interposto em termos gerais e a determinar a remessa à Formação para apreciação dos requisitos da revista excepcional. x O processo foi distribuído a esta Formação, para se indagar se estão preenchidos os pressupostos para a admissibilidade da revista excepcional referidos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artº 672º do Código de Processo Civil. O Réu invocou, com vista a essa admissibilidade o seguinte, nas suas conclusões: DD. ALEGAÇÕES DE REVISTA EXCEPCIONAL por estar em causa uma questão, que pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação do direito (672.º, n.º 1 al a) do CPC) EE. No caso deste Venerando Supremo Tribunal não admitir a Revista Comum, o que apenas se pondera por mero dever de patrocínio, ainda assim, não pode deixar de se entender que a condenação da Recorrente por aplicação do Artigo 18.º da LAT tal como o fez o douto Acórdão recorrido é uma questão com relevância jurídica suficiente e cujo esclarecimento é necessário para uma melhor aplicação do direito, em virtude das normas e princípios constitucionais violados por tal decisão judicial. FF. Conforme referido supra, a interpretação normativa efetuada pelo Acórdão recorrido, tenta extrair da definição legal de representante e de entidade contratada pela entidade patronal um sentido que viola o disposto no artigo 3.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e princípio da legalidade na medida em que tal interpretação não se alcança quer atentos os elementos literal, teleológico, o espirito da lei e o enquadramento sistemático da norma. GG. Repete-se que não se trata aqui de uma qualquer responsabilização, na medida em que o artigo 18.º da LAT aborda especificamente uma responsabilidade que o sinistrado pode assacar diretamente a uma entidade com quem nunca estabeleceu qualquer relação jurídica especificamente no âmbito de acções especiais emergentes de acidentes de trabalho. HH. Nessa medida, ao estender os conceitos expressamente previstos no artigo 18.º da LAT a entidades que nenhuma relação direta ou indireta, contratual, ou formal com o sinistrado possuem, sendo as suas relações jurídicas estabelecidas única e exclusivamente com a entidade empregadora daquele, viola também o douto Acórdão recorrido o disposto no artigo 2.º da Constituição da República portuguesa que estabelece que “A República Portuguesa é um Estado de Direito Democrático”, violando também os seus corolários da Tutela da Confiança e da Segurança Jurídica. II. Estamos assim claramente perante um caso em que, para melhor aplicação do artigo 18.º, deve o Douto Acórdão ser revogado, e a Recorrente absolvida – para afastar dúvidas e incertezas jurídicas acerca dos sujeitos expressamente previstos naquela norma legal, afastando-se desta forma a incerteza e insegurança jurídica nas relações contratuais causada pela interpretação normativa aqui em causa, a qual viola o princípio da legalidade, do Estado de Direito Democrático e dos seus Corolários da Tutela da Confiança e Certeza jurídica, por alargar o âmbito do artigo 18.º da LAT de forma ilegal e inconstitucional. JJ. O Acórdão recorrido, violando lei substantiva, fez uma incorreta interpretação e aplicação do artigo 18.º, n.º 1 da LAT, subsumindo a Recorrente no âmbito da sua aplicação, quando a mesma não é entidade empregadora, nem sua representante, nem entidade contratada por aquela o que configura, além KK. Em suma, a interpretação jurídica em apreço incide diretamente sobre o critério normativo da decisão, i.e., tem por objeto uma regra definida abstratamente e suscetível de aplicação genérica, in casu, o artigo 18.º da LAT, ou seja, incide sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica. LL. Devendo, ser, por isso, declarada tal interpretação normativa inconstitucional por postergadora da lei Fundamental, maxime dos preceitos constantes dos artigos 3.º n.º1, 2 e 3 e 2.º da Constituição da República Portuguesa. MM. Por estar em causa uma questão, que pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação do direito (672.º, n.º 1 al a) do CPC), nomeadamente a de saber quem pode/deve o sinistrado demandar em Acção emergente de Acidente de Trabalho, impõe-se que o douto Acórdão seja revogado e substituído por outro que absolva a Recorrente por esta não se enquadrar em nenhuma das entidades previstas no artigo 18.º da LAT. NN. Consequentemente, deve o douto Acórdão recorrido ser revogado, e a Recorrente ser absolvida, na medida em que não se enquadra na previsão legal do artigo 18.º da LAT. OO. ALEGAÇÕES DE REVISTA EXCEPCIONAL por estarem em causa interesses de particular relevância social (672.º, n.º 1 al b) do CPC) PP. Os interesses em causa nesta decisão são de particular relevância social: trata-se de saber em que casos é que o trabalhador/sinistrado pode demandar diretamente terceiros em acções emergentes de acidente de trabalho. QQ. A disciplina legal resultante da conjugação dos artigos 17.º e 18.º da LAT, à luz da melhor doutrina e jurisprudência, torna clara essas situações: o sinistrado poderá propor a acção apenas contra a entidade empregadora, seu representante ou entidade contratada por esta, ou por empresa utilizadora de mão de obra. RR. In caso, a Recorrente não se enquadra a qualquer uma destas categorias: é um terceiro, uma entidade contratante de uma prestação de serviços. Ora, também as entidades contratantes de entidades prestadoras de serviços podem ser demandadas diretamente por um trabalhador nestas acções especiais? SS. A violação do princípio da legalidade e do artigo 2.º da Constituição, bem como a violação do Princípio do Estado de Direito Democrático e os seus Corolários da Tutela da Confiança e da Segurança Jurídica, visam nomeadamente impedir o clima de insegurança e incerteza jurídica causado pelo Acórdão ora recorrido, que tem de ser afastado para que não haja dúvidas do regime aplicável em sede de acções emergentes de acidente de trabalho, uma vez que é de particular interesse social que o quadro legal nesta matéria seja inequívoco: para as entidades contratantes, para as entidades contratadas e para os trabalhadores/sinistrados. TT. Pelo exposto, e pela relevância social dos interesses em causa – neste caso, o respeito pelas disposições legal e constitucionalmente consagradas nos UU. Em suma, a interpretação jurídica em apreço incide diretamente sobre o critério normativo da decisão, i.e., tem por objeto uma regra definida abstratamente e suscetível de aplicação genérica, in casu, o artigo 18.º da LAT, ou seja, incide sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica. VV. Devendo, por isso, ser declarada tal interpretação normativa inconstitucional por postergadora da lei Fundamental, maxime dos preceitos constantes dos artigos 3.º n.º 1, 2 e 3 e 2.º da Constituição da República Portuguesa. WW. Consequentemente, deve o douto Acórdão recorrido ser revogado, e a Recorrente ser absolvida, na medida em que não se enquadra na previsão legal do artigo 18.º da LAT. x Cumpre apreciar e decidir: A revista excepcional é um verdadeiro recurso de revista concebido para as situações em que ocorra uma situação de dupla conforme, nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil. A admissão do recurso de revista, pela via da revista excepcional, não tem por fim a resolução do litígio entre as partes, visando antes salvaguardar a estabilidade do sistema jurídico globalmente considerado e a normalidade do processo de aplicação do Direito. De outra banda, a revista excepcional, como o seu próprio nome indica, deve ser isso mesmo- excepcional . O Recorrente invoca como fundamento da admissão do recurso o disposto nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil, que referem o seguinte: “1 - Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) Estejam em causa interesses de particular relevância social”. Nas palavras do acórdão de 27/09/2023, proc. 3604/22.7T8VNF.G1.S2 reclamam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça as questões “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, como tal se devendo entender, designadamente, as seguintes: - “Questões que motivam debate doutrinário e jurisprudencial e que tenham uma dimensão paradigmática para casos futuros, onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa ser utilizada como um referente.” (Ac. do STJ de 06-05-2020, Proc. n.º 1261/17.1T8VCT.G1.S1, 4.ª Secção). – Quando “existam divergências na doutrina e na jurisprudência sobre a questão ou questões em causa, ou ainda quando o tema se encontre eivado de especial complexidade ou novidade” (Acs. do STJ de 29-09-2021, P. n.º 681/15.0T8AVR.P1.S2, de 06-10-2021, P. n.º 12977/16.0T8SNT.L1.S2, e de 13-10-2021, P. n.º 5837/19.4T8GMR.G1.S2). – “Questões que obtenham na Jurisprudência ou na Doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação que suscite problemas de interpretação, nos casos em que o intérprete e aplicador se defronte com lacunas legais, e/ou, de igual modo, com o elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, em todo o caso, em todas as situações em que uma intervenção do STJ possa contribuir para a segurança e certeza do direito.” (Ac. do STJ de 06-10-2021. P. n.º 474/08.1TYVNG-C.P1.S2). – “Questões que obtenham na jurisprudência ou na doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação com elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, suscetíveis, em qualquer caso, de conduzir a decisões contraditórias ou de obstar à relativa previsibilidade da interpretação com que se pode confiar por parte dos tribunais.” (Ac. do STJ de 22-09-2021, P. n.º 7459/16.2T8LSB.L1.L1.S2). – Questão “controversa, por debatida na doutrina, ou inédita, por nunca apreciada, mas que seja importante, para propiciar uma melhor aplicação do direito, estando em causa questionar um relevante segmento de determinada área jurídica” (Ac. do STJ de 13-10-2009, P. 413/08.0TYVNG.P1.S1). – “Questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclame aturado estudo e reflexão, ou porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores, ou porque se trata de questão nova, que à partida se revela suscetível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, suscetíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo STJ para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir.” (Ac. do STJ de 02.02.2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1). No acórdão recorrido foram considerados, para a questão que nos ocupa, os seguintes factos provados: 2. A 1.ª ré, referida em A), celebrou com a 2.ª ré, “BVLH INVEST, S.A.”, em 15.05.2018, o contrato de prestação de serviços agrícolas 7. No dia 05.11.2018, pelas 07h30, em ..., o autor, quando se encontrava em execução do contrato referido em A, foi vitima de um acidente 14. No dia 05.11.2018, em hora não concretamente apurada mas antes das 07h40m, os trabalhadores da ré P..........., entre eles o autor chegaram à exploração agrícola que é propriedade da ré BVLH, sita em ..., para iniciar os trabalhos agrícolas – (1.º). 15. O transporte dos trabalhadores era efectuado por conta e em nome da BVLH – (2.º) 16. Quando o sinistrado, ora autor, e seus colegas chegaram à entrada da exploração, estava um tractor que tinha acoplado uma plataforma agrícola para transporte de paletes para os transportar até à lavoura – (3.º) 17. Tendo os trabalhadores, incluindo o autor, subido para a referida plataforma – (4.º) 18. Aquando da deslocação desde a entrada da exploração até ao centro da lavoura, em caminho de terra batida, o tractorista parou o tractor, engatou uma mudança de velocidade e arrancou, consequentemente fez com que o tractor desse um solavanco e, consequentemente, fez com que alguns trabalhadores se tivessem desequilibrado e caído, uns ao mesmo nível e outros em altura ao solo – (5.º) 19. Um dos trabalhadores que caiu no solo, foi o ora autor – (6.º) 20. Na sexta-feira anterior à data do acidente, o proprietário da “C.......” informou que a partir de segunda-feira, o autocarro para transportar os trabalhadores já não entraria na exploração agrícola 21. A ré P..........., só teve conhecimento da forma como os trabalhadores foram transportados naquele dia, após acontecer o acidente – (10.º) 22. A empresa C....... foi contratada pela BVHL para assegurar o acesso e transporte dos trabalhadores 34. À data do acidente o A era trabalhador da R ............ e encontrava-se afecto à R. BVLH, através de um contrato de prestação de serviços agrícolas celebrado entre estas duas RR. (facto alegado no artigo 7.º da contestação da R ............, expressamente aceite no artigo 5.º da resposta à contestação da R. BVLH). 35. Aquando da outorga do contrato de prestação de serviço, a R ............ e a R BVLH convencionaram que o transporte dos trabalhadores [que era efectuado por conta e em nome da BVLH] desde a sua área de residência, no ..., até ao centro de lavoura seria feito num autocarro (factos alegados nos artigos 4.º e 8.º da contestação da R ............, expressamente aceites no artigo 5.º da resposta à contestação da R. BVLH). Adoptando-se, designadamente, a seguinte fundamentação: “Alega também a recorrente que a entidade patronal do recorrido era a 1.ª Ré, P..........., não existindo qualquer outra relação contratual entre a recorrente e o recorrido, bem como entre a recorrente e a 1.ª Ré de onde resultassem outras situações, como diz a sentença, , e que esta classifica a recorrente como “um terceiro”, pelo que não se verifica a hipótese do artigo 18.º da LAT, não se enquadrando em nenhuma das entidades previstas naquele normativo legal. E invoca que, mesmo que tivesse sido responsável pela violação de normas de segurança, o normativo aplicável seria o previsto no artigo 17.º, n.º 1 da LAT, que disciplina os acidentes de trabalho causados por terceiro. Atendo-nos aos contratos escritos celebrados – que no caso em análise têm que nortear necessariamente a tarefa de qualificação dos convénios estabelecidos, na medida em que o sinistrado ora recorrido iniciava o seu primeiro dia de trabalho após se vincular laboralmente à 1.ª R. quando sofreu o acidente – o que os mesmos nos revelam é que o sinistrado celebrou um contrato de trabalho com a 1.ª R., obrigando-se a exercer as suas funções de trabalhador agrícola sob as ordens, direção e fiscalização desta justamente a partir do dia 5 de Novembro de 2018 (artigo 11.º do Código do Trabalho) justificando-se o termo incerto do contrato de trabalho com um acréscimo de actividade da 1.ª R. decorrente da adjudicação a esta de serviços pela 2.ª R. (cláusulas 2.ª e 3.ª do contrato de trabalho referido no facto 1.). E revelam, também, que a 2.ª R. adjudicou efectivamente à 1.ª a execução de serviços agrícolas, consubstanciados na “deservagem, plantação e colheita”, serviços que a 1.ª R. executaria de acordo com os pormenores técnicos que a 2.ª convencionou comunicar-lhe (cláusula 1.ª do contrato de prestação de serviços agrícolas referido nos factos 2., 3. e 4.), o que configura um contrato de prestação de serviço tal como previsto na lei substantiva civil (artigo 1154.º do Código Civil). (...) Resulta do raciocínio exposto na sentença que a Mma. Juiz a quo entende que o acidente se deveu a violação de regras de segurança pois a sua eclosão foi originada pelo deficiente meio de transporte utilizado, que não era apto àquele fim, não dispondo de qualquer protecção colectiva ou individual que protegesse os trabalhadores do risco da queda, nem da protecção na zona do rodado, não dispondo de quaisquer bancos onde se pudessem sentar os trabalhadores, que, assim, tinham de ser transportados. (...) O actual artigo 18.º da LAT de 2009 não alterou o entendimento que vinha sendo sufragado quanto ao conceito de “representante”, o qual abrangerá tanto o legal representante da sociedade empregadora, como outras pessoas físicas que, de algum modo, actuem em representação daquela entidade nos termos referidos por Carlos Alegre e Meneses Leitão, em conformidade com a jurisprudência que vinha já sendo emitida a propósito. (...) O que este preceito trouxe de inovatório foi estender a responsabilidade pela própria reparação infortunística laboral nestes casos de actuação culposa, deixando a mesma de onerar apenas o empregador e a seguradora para quem transmitiu a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho (naturalmente nos limites do contrato de seguro celebrado), e passando a recair também sobre os próprios representantes do empregador, nestes se incluindo o legal representante do empregador que seja pessoa colectiva e as pessoas expressamente incluídas no conceito alargado de representante – a “entidade contratada pelo empregador” e a “empresa utilizadora de mão de obra” – quando o acidente tiver sido por elas provocado ou quando resulte da falta de observação, pelas mesmas, das regras sobre segurança e saúde no trabalho. Face ao regime anterior, ainda que a violação da norma de segurança causal do acidente fosse imputável a um “representante” do empregador (no conceito mais restrito ou mais alargado do termo), a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho, perante o sinistrado ou, em caso de morte deste, perante os beneficiários legais, sempre recairia sobre o empregador, sendo apenas este que respondia de modo agravado perante os titulares do direito à reparação do acidente de trabalho no âmbito da jurisdição laboral. (...) Assim, pode o sinistrado – ou os seus beneficiários legais – fazer valer perante o empregador ou qualquer das entidades referidas no artigo 18.º da LAT o direito à reparação do acidente de trabalho com a extensão agravada prevista no n.º 1 do preceito, tendo o empregador direito de regresso em caso de culpa do “representante” (entendido este conceito nos termos amplos acima referidos), como previsto no n.º 3 do preceito, em conformidade com o regime prescrito no artigo 524.º do Código Civil - se a 2.ª R., ora recorrente, estabeleceu relações contratuais com a 1.ª R. empregadora, sendo no âmbito de tais relações – o contrato de prestação de serviços agrícolas que justificou a celebração do contrato de trabalho que o A. executava no dia 5 de Novembro de 2018 (factos 1., 2., 7. e 14.) – que o sinistrado veio a sofrer o acidente de trabalho, quando chegou à exploração agrícola da recorrente para iniciar os trabalhos agrícolas e subiu para a plataforma acoplada ao tractor que ali estava para transportar os trabalhadores até à lavoura (factos 16. e 17.), e - se era da recorrente a responsabilidade de efectuar este transporte dos trabalhadores até à lavoura, fazendo-o como convencionado, pode considerar-se que a recorrente actuou como representante da empregadora, enquanto entidade por ela “contratada”, tal como se prevê no artigo 18.º, n.º 1, da LAT, quando cumpria a sua obrigação de proceder ao transporte dos trabalhadores da primeira dentro da sua exploração agrícola. Além disso, é a nosso ver patente que, se a recorrente ficou com a responsabilidade do transporte até à lavoura dos trabalhadores da empresa com quem contratou, efectuando esse transporte por sua conta e em seu nome, os factos revelam, eloquentemente, que no dia 5 de Novembro de 2018 a mesma não providenciou por esse transporte com observância das mínimas condições de segurança, permitindo – ou pelo menos não obstando, como era seu dever – que os trabalhadores fossem transportados num meio de transporte que não era apto a esse fim, sem qualquer protecção e em evidente risco de queda perante qualquer solavanco mais do que espectável, uma vez que circulava dentro de uma exploração agrícola num caminho de terra batida – facto 18. – e não numa via larga e asfaltada (factos 16. a 19. e 26. a 29.). (...) Ou seja, os factos revelam que a recorrente, que tinha a obrigação de prover pelo transporte dos trabalhadores na sua exploração em condições de segurança, não cumpriu essa obrigação e no indicado dia, uma vez chegados os trabalhadores à exploração, não providenciou por um transporte seguro dos mesmos, nem impediu que se procedesse ao transporte dos trabalhadores nos termos que ficaram apurados, assim inobservado as regras segurança que se lhe impunham no cumprimento da sua obrigação de transportar os trabalhadores até ao centro da lavoura. E pode considerar-se também, como aliás a sentença considerou, que existe um nexo de causalidade entre esta sua actuação negligente – não lançando mão dos meios necessários em ordem a prevenir o risco de acidente – e o acidente que efectivamente se verificou, pelo que é possível afirmar que na base do acidente esteve uma actuação culposa da recorrente, enquanto entidade “contratada” pela empregadora, o que, nos termos do artigo 18.º da LAT, implica a sua responsabilidade solidária pela reparação do sinistro. A esta conclusão não obsta o facto de a sentença sob recurso ter afirmado que a recorrente era um “terceiro”, nem esta afirmação da Mma. Juiz a quo implica que ao caso deixe de se aplicar a norma do artigo 18.º da LAT e passe a aplicar-se a norma do artigo 17.º. Com efeito, o primeiro responsável pela reparação do acidente de trabalho é o empregador, relativamente aos trabalhadores ao seu serviço (cfr. o artigo 7.º da LAT), tendo a sua responsabilidade, em princípio, a natureza de responsabilidade objectiva, independentemente de culpa. Mas quando este regime concorre com a responsabilidade civil subjectiva do empregador (por ser o acidente culposamente causado pelo empregador) ou com a responsabilidade de terceiros pela reparação dos danos, os artigos 17.º e 18.º da LAT estabelecem um regime especial. Quer num, quer noutro, dos preceitos – arts. 17.º e 18.º da LAT –, se prevê a responsabilidade de terceiros relativamente ao contrato de trabalho. A diferença entre os preceitos está em que “no caso do artigo 18.º o terceiro tem necessariamente uma conexão de responsabilidade (uma correlação) com a organização do trabalho do sinistrado” e no caso do artigo 17.º essa conexão não existe, o que justifica a diversidade dos regimes. No caso vertente, como cremos ter já demonstrado, a recorrente, sendo terceira em relação ao contrato de trabalho, era uma “entidade contratada” pela empregadora do sinistrado e tinha a seu cargo a responsabilidade pelo transporte do mesmo – naturalmente em segurança – para o trabalho, sendo justamente no específico âmbito da realização da realização desse transporte que o acidente se verificou, pelo que se enquadra no âmbito das entidades enunciadas no artigo 18.º da LAT, sendo de lhe imputar a violação de regras de segurança naquele transporte”. Temos que o artº 18º, nº 1, da LAT dispõe: “1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”. A questão da interpretação do conceito de “entidade por aquele (empregador) contratada” contido em tal disposição legal por forma a abranger a situação dos autos, em que a entidade empregadora do sinistrado celebrou um contrato de prestação de serviços com a Recorrente, sendo que o sinistro vem a ocorrer no exercício desse mesmo contrato, não oferece qualquer dúvida, não justificando nem de perto nem de longe a intervenção do STJ, em sede de revista excepcional, por forma a almejar-se uma melhor aplicação do direito. Um contrato de prestação de serviços é isso mesmo...um contrato. Não se vislumbra (não teria sentido que assim acontecesse), nem a Recorrente o aflora minimamente, qualquer fundamento para excluir essa modalidade de contratação da hipótese legal do citado artigo 18º, nº 1, da LAT, e assim afastar a mesma do conceito de entidade contratada pelo empregador, entidade essa que vem a provocar o acidente ou este resulte de falta de observação, por parte daquela, das regras sobre segurança e saúde no trabalho No estudo de Luís Azevedo Mendes, citado pelo acórdão recorrido e publicado no Prontuário de Direito de Trabalho do CEJ, n.º 88/89, considerou-se, inequivocamente: O sistema anterior da Lei 100/97 apenas indicava os chamados “casos especiais de reparação”, ou seja os casos em que houvesse culpa na produção do acidente, que ocorriam (artº 18º) “quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho”; a Lei de 2009 indica que tal ocorre “quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho”. Pode suscitar-se a interpretação segundo a qual ocorre alargamento da responsabilidade do empregador, solidária com outros, como agora diz a letra da lei, para os casos em que o acidente tiver sido provocado por entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra. Mas também que não se estará perante um verdadeiro alargamento, quando muito perante uma clarificação interpretativa, na linha do que vinha sendo sustentado na jurisprudência que vinha sendo afirmada maioritariamente até então. Quer se considere que o artº 18º da LAT abarca um alargamento ou não constitui mais do que uma clarificação interpretativa, o certo que é que “entidade por aquele contratada” e “empresa utilizadora de mão-de-obra” são, também, representantes do empregador. Ou seja, o conceito de representante do empregador inclui quer uma entidade por ele contratada (por exemplo, um empreiteiro ou um subempreiteiro), quer uma empresa utilizadora de mão-de-obra no caso do empregador ser uma empresa de trabalho temporário ou no caso de cedência ocasional de trabalhadores, por exemplo. No caso dos autos a Ré, entidade terceira, foi contratada, ao abrigo de uma prestação de serviços, encaixando, sem margem para qualquer dúvida, perfeitamente no descrito conceito legal do artº 18º, nº 1, da LAT. Quanto às inconstitucionalidades invocadas, a Recorrente limita-se a considerações genéricas, não especificando minimamente em que é que as mesmas consistem, por forma a violarem as disposições da Constituição que cita. Para além disto e como já referimos, a Recorrente invoca também como fundamento da admissão do recurso o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil, No que concerne a esta excepção à regra da irrecorribilidade em situações de dupla conforme, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. P. Sousa (CPC Anotado, Almedina Vol. I, 2018), referem que “Na segunda exceção, por estarem em causa interesses de particular relevo social, serão de incluir ações cujo objeto respeite, designadamente, a interesses importantes da comunidade, à estrutura familiar, aos direitos dos consumidores, ao ambiente, à ecologia, à qualidade de vida, à saúde ou ao património histórico e cultural, valores que naturalmente se sobrepõem também ao mero interesse subjetivo da parte da admissibilidade do terceiro grau de jurisdição”. O Recorrente entende que estão em causa tais interesses, importando saber em que casos é que o trabalhador/sinistrado pode demandar directamente terceiros em acções emergentes de acidente de trabalho. Valem aqui as mesmas considerações, supra- expostas, relativas à não controvérsia da interpretação do artº 18º, nº 1, da LAT, no aspecto abordado. Seguro é que não se vê que estejam em causa “aspetos fulcrais para a vida em sociedade” (Ac. do STJ de 13.04.2021, P. 1677/20.6T8PTM-A.E1.S2) ou que “exista um interesse comunitário significativo que transcenda a dimensão inter partes” (Ac. do STJ de 29.09.2021, P. n.º 686/18.0T8PTG-A.E1.S2), sendo certo que nesta matéria “não basta o mero interesse subjetivo do recorrente” (Ac. do STJ de 11.05.2021, P. 3690/19.7T8VNG.P1.S2). E mais uma vez aqui a alegação relativa às inconstitucionalidades se apresenta claramente como deficitária, nos termos igualmente acima expostos. x Decisão: Pelo exposto, acorda-se em indeferir a admissão da revista excepcional, interposta pela Ré/ recorrente, do acórdão do Tribunal da Relação. Custas pela Recorrente. Lisboa, 17/04/2024 Ramalho Pinto (Relator) Júlio Gomes Mário Belo Morgado
Sumário (da responsabilidade do Relator). |