Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | BALTAZAR PINTO | ||
Descritores: | QUESTÃO NOVA DUPLA CONFORME MEDIDA CONCRETA DA PENA INCÊNDIO | ||
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Data do Acordão: | 05/03/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA A VIDA EM SOCIEDADE / CRIMES DE PERIGO COMUM. DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO UNITÁRIA. | ||
Doutrina: | - Anabela Miranda Rodrigues, Rev. Port. Ciência Criminal, Ano I, n.º 2, p. 248 e ss. ; A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção- Coimbra Editora, p. 163 e ss., 671 e ss.; - Cristina Libano Monteiro, A Pena Unitária do Concurso de Crimes, RPCC, Ano 16, n.º 1, p.162; - Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral III, Teoria das Penas e Medidas de Segurança, p. 43 e ss., 143/5; - Jorge de Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 228 e 291 ; Direito Penal Português, Ed. Notícias, 1993, p. 214 e ss. e, 227; - Maia Gonçalves, C.P. Português anotado, 18.ª Edição, 2007; - Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, p. 45; - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do código Penal, 3.ª Edição; - Robalo Cordeiro, Escolha e Medida da Pena, Jornadas de Direito Criminal, p. 235 e ss.; - Souto Moura, A jurisprudência do STJ sobre fundamentação, e critérios de escolha e medida da pena, RCEJ, n.º 13, p. 93/114. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, 71.º, 73.º E 274.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA A). CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 400.º, N.º 1, ALÍNEAS E) E F), 414.º, N.º 2 E 420.º, N.º 1, ALÍNEA B). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 06-06-2001, PROCESSO N.º 1874/02; - DE 28-06-2001, PROCESSO N.º 1293/01; - DE 26-09-2001, PROCESSO N.º 1287/01; - DE 16-01-2002, PROCESSO N.º 3649/01; - DE 13-03-2002, PROCESSO N.º 222/02; - DE 22-10-2003, PROCESSO N.º 2446/03; - DE 30-10-2003, PROCESSO N.º 3281/03; - DE 06-05-2004, IN CJSTJ, XII, 2, P. 191; - DE 20-07-2006, PROCESSO N.º 2316/06; - DE 28-02-2007, PROCESSO N.º 35/07; - DE 02-05-2007, PROCESSO N.º 1238/07; - DE 10-10-2007, PROCESSO N.º 3634/07; - DE 18-06-2009, IN WWW.STJ.PT; - DE 26-04-2010, RELATOR SOUTO DE MOURA; - DE 15-02-2017, PROCESSO N.º 976/15.3PATM.E1.S1; - DE 13-07-2017, PROCESSO N.º 295/15.5JALRA.A.S1; - DE 11-10-2017, PROCESSO N.º 25/14.9GBPCV.S1. | ||
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Sumário : | I - No recurso para o tribunal da relação, o arguido nunca defendeu a aplicação da atenuação especial do art. 73.º, do CP. Como assim, não tendo o recorrente suscitado em tal recurso a aplicabilidade da atenuação especial da pena, a formulação agora de tal questão perante o STJ constitui formulação de questão nova que não pode ser apreciada, pelo que o recurso é rejeitado, nesta parte, por inadmissibilidade legal nos termos dos arts. 420.º, n.º 1, al. b) e 414.º, n.º 2, ambos do CPP. II - Tendo existido confirmação da decisão da 1.ª instância no que respeita a parte das penas parcelares, todas inferiores a 8 anos de prisão, não é admissível recurso das mesmas para este STJ, nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP (verifica-se aqui a chamada dupla conforme). III - Mais, com excepção da pena de 4 anos de prisão pelo crime de incêndio florestal, do art. 274.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CP, que foi agravada para 6 anos de prisão, todas as restantes penas foram agravadas em penas inferiores a 5 anos de prisão, pelo que, também relação às mesmas não é admissível recurso para este STJ, por força do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP. Resta assim a pena parcelar de 6 anos de prisão e a pena única de 9 anos e 6 meses de prisão. IV - No que diz respeito à pena parcelar de 6 anos de prisão, está em causa a prática de um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CP, em que o grau de ilicitude é enorme, sendo o dolo directo também intenso e as consequências gravíssimas. A fundamentação do acórdão recorrido é, assim, inatacável, sendo de manter a pena aplicada de 6 anos de prisão. V - Na determinação da pena única, como critério específico deve proceder-se à operação de olhar para o conjunto dos factos e daí retirar uma ilicitude global que leve à superação da possível fragmentaridade da análise das diversas situações. Por outro lado, a gravidade dos vários crimes cometidos, a frequência com eles acontecem na comunidade e o próprio impacto que têm na mesma, deverão ser tidos em conta. E também deverão continuar a ser levados em conta os pressupostos ínsitos nos arts. 40.º e 71.º, do CP. VI - O arguido cometeu o primeiro crime de incêndio em 21-08-2013 e só passados 3 anos cometeu os outros 4 crimes de incêndio, revelando, pois, uma propensão para a prática deste tipo de crime. Tendo em conta que a pena única aqui aplicável se situa entre um mínimo de 6 anos de prisão e um máximo de 25 anos de prisão, considerasse que a pena de 9 anos e 6 meses de prisão aplicada pelo tribunal da relação é adequada e proporcional. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça
I – RELATÓRIO 1. No âmbito do Processo n.º 170/16.6 JAGRD.C1 (Processo Comum Colectivo) Comarca da Guarda – Juízo Central Cível e Criminal da Guarda – Juiz 3) foi o arguido AA, com os sinais dos autos, condenado pela prática, em co-autoria, na forma consumada e em concurso real, de 3 (três) crimes de incêndio florestal, p.p. nos termos do art.º 274.º, n.º 1, do Código Penal, na pena parcelar 2 anos de prisão a cada um dos crimes; de 1 (um) crime de incêndio florestal, p.p. pelo art.º 274.º, n.º s 1 e 2, al. a), do Código Penal, praticado em 21 de Agosto de 2013, na pena parcelar de 4 anos de prisão; de 1 (um) crime de incêndio florestal, p.p. pelo art.º 274.º, n.º s 1 e 2, al. a), do Código Penal, praticado em 3 de Agosto de 2016, na pena parcelar de 3 anos e 3 meses de prisão; de 1 (um) crime de dano, p.p. pelo art.º 212.º, n.º 1, do Código Penal, na pena parcelar de 9 meses de prisão; de 3 (três) crimes de dano qualificado, p.p. pelo art.º 213.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, na pena parcelar de 1 ano e 6 meses de prisão a cada um dos crimes; de 1 (um) crime de dano qualificado, p.p. pelo art.º 213.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, na pena parcelar de 2 anos e 3 meses de prisão; e de 3 (três) crimes de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelos artsº. 143.º, n.º 1 e 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l) do Código Penal, na pena parcelar de 1 ano e 3 meses de prisão e, em cúmulo jurídico logo operado, na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão. 1.1. Tanto o arguido como o Ministério Público interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra. O arguido defendendo que o crime de incêndio consome os crimes de dano e que em relação aos quatro crimes de incêndio cometidos em 2016 há só um crime de incêndio continuado. Por sua vez, o M.P. pugnou pelo agravamento das penas. No que se refere à prática pelo arguido de um crime de incêndio florestal, p.p. pelo art.º 274.º, n.ºs 1 e 2, al. a), praticado em 21 de Agosto de 2013, atenta a devastação de uma enorme área geográfica, deve ser aplicada a pena parcelar não inferior a seis (6) anos de prisão. No que diz respeito aos três crimes de incêndio florestal cometidos pelo arguido, e p.p. pelo art.º 274°, n.º 1, impõe-se que ao mesmo seja aplicada uma pena parcelar não inferior a três (3) anos de prisão a cada um deles. Por sua vez, a prática pelo arguido de um crime de incêndio florestal, p.p. pelo art.º 274°, n.ºs 1 e 2, al. a), praticado em 3 de Agosto de 2016, justifica a aplicação de uma pena parcelar não inferior a quatro (4) anos de prisão. E relativamente ao crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelo art.ºs 143.º, n.º 1 e 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. 1), de que foi ofendido o assistente BB, atendendo às gravidade dos ferimentos, ao longo período de doença que os ferimentos demandaram para a sua cura e às sequelas que resultaram para o ofendido, deve o arguido ser condenado em pena parcelar não inferior a dois (2) anos e seis (6) meses de prisão. E a pena única não deve ser inferior a dez anos de prisão. 1.2. Por Ac. de 29. 12. 2017 ( Ac. ora recorrido) foi negado provimento ao recurso interposto pelo arguido e concedido parcialmente provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, em consequência: - No que se refere à prática pelo arguido de um crime de incêndio florestal, p.p. pelo art.º 274.º, n.ºs 1 e 2, al. a), praticado em 21 de Agosto de 2013, alterar a pena aplicável para seis (6) anos de prisão. - No que diz respeito aos três crimes de incêndio florestal cometidos pelo arguido, e p.p. pelo art.º 274°, n.º 1, alterar para três (3) anos de prisão a pena devida para cada um deles. - Por sua vez, no que tange ao crime de incêndio florestal, p.p. pelo art.º 274°, n.ºs 1 e 2, al. a), praticado em 3 de Agosto de 2016, alterar a pena aplicável para quatro (4) anos de prisão. - Relativamente ao crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelo art.ºs 143.º, n.º 1 e 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. 1), de que foi vítima o ofendido e assistente BB da Costa, alterar a punição devida para dois (2) anos e seis (6) meses de prisão. - Em cúmulo jurídico destas e das demais penas parcelares a considerar, condenar o arguido na pena única de (9) nove anos e (6) meses de prisão. 1.3. Não aceitando esta decisão recorre agora o arguido para este STJ, delimitando o recurso com as seguintes conclusões – transcrição - ( como é sabido são as conclusões que delimitam o objeto do recurso - arts. 412º, nº 1 e 417º, nº 3 do C.P.P.. “As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação - assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502). E como referia o acórdão do STJ de 11 de Março de 1998, in BMJ n.º 475, pág. 488, as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação “. )[1] : 1- A discordância do Recorrente incide sobre os mecanismos de determinação da pena única efetuada por cúmulo jurídico. 2- O Tribunal da Relação de Coimbra, que alterou as penas para: 3 - (três) crimes de incêndio florestal, previstos e punidos, nos termos do artigo 274º, n.º 1, do Código Penal, na pena parcelar de 3 anos de prisão a cada um dos crimes; de 1 (um) crime de incêndio florestal, previsto e punível pelo artigo 274º, n.º 1, e 2, alínea a), do Código Penal, praticado em 21 de Agosto de 2013, na pena parcelar de 4 anos de prisão; 1 (um) crime de incêndio florestal, previsto e punível pelo artigo 274º, ns.º 1 e 2, alínea a), do Código Penal, praticado em 3 de Agosto de 2016, na pena parcelar de 4 anos de prisão; 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punidos pelos artigos 143.º, n.º1 e 145.º, ns.º1, alínea a) e 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l) do Código Penal, de que foi vitima o ofendido e assistente BB na pena parcelar de 2 (dois) e 6 (seis) meses de prisão. Em cúmulo jurídico, na pena única de nove (9) anos e seis (6) meses de prisão. 3- Deve ser mantida a pena única de seis anos e seis meses de prisão aplicada pelo Tribunal de 1ª instância. 4- A pena única tem de ser determinada em função de fatores específicos que traduzam a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita. 5- A culpa é o pressuposto e limite inultrapassável da medida concreta das penas. A culpa não pode ultrapassar a medida concreta das penas. 6- Na determinação da medida concreta da pena conjunta dentro da moldura penal abstrata, os critérios gerais de fixação da pena, segundo os parâmetros indicados – culpa e prevenção – contidos no art. 71.º do CP, servem apenas de guia para essa operação de fixação da pena conjunta, pois os mesmos não podem ser valorados novamente sob pena de se infringir o princípio da proibição da dupla valoração. 7- Decorre do n.º 2 do artigo 71.º do CP, que na determinação da medida concreta da pena, deve-se atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente. 8- O Tribunal a quo na determinação concreta da pena teve em atenção: - o grau elevado da ilicitude da conduta do arguido; -a intensidade do dolo; -as exigências de prevenção especial; - as exigências de prevenção geral. 9 - O tribunal de 1ª instância, como o tribunal de imediação considerou e bem que : “as exigências de prevenção especial são moderadas atenta a integração social do arguido, ter admitido a prática de quase todos os factos e a inexistência de antecedentes criminais.” 10 - O Tribunal da Relação concorda que sem a colaboração do arguido não se saberia o que aconteceu, nem o arguido seria condenado, pois não existiam provas que fossem bastantes para uma condenação, seja as fotos de passagem no local de incêndio, a apreensão do isqueiro e fósforo no veículo, mesmo a reconstituição foi feita com a sua colaboração, mas o que valeria fotos a apontar para os locais dos incêndios. Para culminar temos a sua confissão recheada de informações, forma de atuar, locais, datas. 11-A pena de seis anos e meio aplicada pelo Tribunal de 1ª instância, que percecionou e avaliou bem a personalidade do arguido é suficiente para acautelar as exigências de prevenção geral e especial. 12- O que se pretende com esta pena é, - a prevenção geral positiva ou de integração (as penas devem reforçar o sentimento de crença na vigência e validade do Direito): Durkheim, Jakobs, Figueiredo Dias. - a prevenção especial positiva ou de reintegração (a condenação em pena de prisão ou outra e muito em especial a execução da pena devem ter como objetivo fundamental a reintegração do delinquente na sociedade - artº 40º do CP). F. Dias, Roxin... 13-Neste circunspecto, a discordância deste recorrente cinge-se à medida das penas parcelares aplicadas aos cinco crimes de incêndio, pelos quais o arguido foi condenado, e ao crime de ofensa à integridade física qualificada, de que é ofendido o assistente BB e ainda à medida da pena única que resultou do concurso de crimes; entendimento assumido, o de que perante as elevadas exigências de prevenção geral e as particulares circunstâncias da prática dos factos pelo arguido, quer as penas parcelares quer a pena única são exageradas, para alcançar as finalidades da punição a pena única deve manter-se nos seis anos e seis meses de prisão. 14-Parece-nos claro que resulta dos factos dados como provados que o arguido não tem uma predisposição criminosa, sempre pautou a sua vida pelo direito, era social, profissionalmente e familiarmente integrado. Estes atos surgem na vida do arguido de uma forma isolada, inexplicável até ao final. 15- Pode não ter sabido explicar porque o fazia, mas sabia, ou melhor sentia que não voltaria a atear incêndios. 16-De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). 17-Perante o explanado parece evidente que uma pena média como a aplicada terá um efeito positivo sobre o arguido. Uma pena elevada 9 anos e seis meses de prisão pode ter o efeito devastador de impedir, de ser demasiado tarde para a reintegração social do arguido. 18-A Relação não teve em conta o facto de o ora recorrente ter confessado de forma quase integral e sem reservas os factos e por via disso dever beneficiar da atenuação nos termos do disposto no art. 73 do CP. Como escreve o Prof. Figueiredo Dias, o princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção 19- Assim, a pena ao ser fixada no quantum de seis anos e seis meses de prisão pelo Tribunal de 1ª instância contribui para a reinserção social do agente e não prejudica a sua posição social mais do que o inevitável e, por outro lado, neutraliza os efeitos do crime como exemplo negativo para a sociedade e simultaneamente contribuir para fortalecer a consciência jurídica da comunidade sem deixar de ter em consideração o que foi afetado com o delito e suas consequências. 20-. A pena aplicada deverá ser reduzida para o limite mínimo estatuído para o tipo de crime tipificado e imputado ao arguido, para o incêndio qualificado”, de 4 (quatro) anos e dois anos e seis meses pelos restantes, em face da atenuação possível em consonância com os fatores que supra se referiu. 21-Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Por isso que, quando o art.71.º nº 1 refere que a medida da pena é feita “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, importará interpretar a expressão “em função da culpa” com o sentido de, “considerando a culpa do agente”, e essa consideração circunscrever-se-á a uma função de limite, sem significar equivalência quantitativa. Com este art. 40.º, do CP, fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa. Na verdade, entende-se que o art. 18.º da CR, aponta para uma natureza utilitária da pena e portanto para fins preventivos, sem concessões à direta retribuição da culpa. Se os direitos, liberdades e garantias, só podem ser restringidos para salvaguarda de outros direitos, também constitucionalmente protegidos, então dificilmente se aceitaria o acrescentar de um mal (sofrimento do condenado) ao mal já acontecido (sofrimento da vítima, dano social), com a pretensão de compensar ou neutralizar o mal do crime. Para supostamente se atingir uma situação de equilíbrio “cósmico”, ou “justiça” entendida esta como igualdade “ontológica”. Fosse esse o caso, ao invés da justiça que se espera que o Estado proporcione, estaríamos confrontados com uma verdadeira ficção, melhor, com um puro exorcismo. 22-Ao lado da prevenção geral positiva ou até intimidatória, a pena prossegue consabidamente finalidades especial-preventivas. Então, a partir da moldura legal do crime, haverá que formar uma submoldura para o caso concreto, limitada, no máximo, pelo ponto óptimo da satisfação das necessidades de prevenção geral positiva, e, no mínimo, pela medida ainda ajustável àquelas necessidades. 23-As exigências de prevenção especial (reinserção social, intimidação individual, neutralização temporária), ditarão a pena concreta, tudo, evidentemente, sem ultrapassar o grau de censura que o agente pode suportar, ou seja a sua culpa. A jurisprudência do Supremo Tribunal tem-se orientado quase unanimemente num sentido igual ao que acaba de se referir. De acordo com o art. 71.º nº 2 do CP importa atender, na determinação da medida da pena, a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo legal de crime militem contra ou a favor do arguido. Quanto à medida da pena conjunta. 24-Como é sabido, no caso de concurso de crimes importa encontrar uma pena única conjunta, fruto de um cúmulo jurídico, de tal modo que se terá que operar com uma “moldura de cúmulo”, que vai da parcelar mais grave até à soma aritmética de todas as parcelares (art. 77.º nº 2 do CP). 25-Como critérios de medida, apresentados pela lei, contamos com a ponderação da ilicitude global e da personalidade do agente. De acordo com uma orientação inspirada, na origem, pela lição do saudoso Conselheiro Carmona da Mota, In “Colóquio de Direito Penal e Processo Penal, 2009-06-18” - do S T J hpt://www.sti.pt, deverá acolher-se a ideia de que a pena conjunta se terá que situar até onde a empurrar um efeito “expansivo” da parcelar mais grave, exigido pelas outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. E assim uma proporcionalidade deve existir entre o peso relativo de cada parcelar tendo em conta o conjunto de todas elas, de tal modo que a “representação” da parcelar que acresce à pena mais grave, na pena conjunta, deve corresponder a uma fração cada vez menos elevada, quanto menor for a gravidade do crime traduzida na parcelar que acresce à pena parcelar mais alta aplicada. Então: 26-Apesardo concurso de crimes, entendemos que deverá acrescentar-se à parcelar mais grave mais um acréscimo de tempo de prisão, e a pena conjunta justa, aplicada em cúmulo, é, no especial circunstancialismo do caso, de seis anos e seis meses anos de prisão. 1.4. O Sr. Procurador – Geral Adjunto na Relação de Coimbra contra- alegou do modo seguinte ( transcrição ) : I . - O arguido AA veio, a fls. 1568 a 1578, interpôr recurso para o S. T. J. do acórdão do Tribunal desta Relação de Coimbra, de fls. 1483 a 1536, que julgou improcedente o recurso interposto pelo mesmo arguido, de fls. 1412 a 1418, e procedente o recurso interposto pelo M º Pº, de fls. 1404 a 1410 v º, ambos do acórdão constante de fls. 1296 a 1358, proferido pelo Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal da Guarda, Comarca da Guarda. A ) - O Tribunal Coletivo, do Juízo Central Criminal da Comarca da Guarda, havia condenado o arguido-recorrente (cfr. acórdão de fls. 1296 a 1358) na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva, na sequência de cúmulo jurídico efetuado com as seguintes penas parcelares : a ) - 3 penas de 2 (dois) anos de prisão, cada uma, aplicadas pela prática de 3 crimes de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274 º, n º 1 do Código Penal, uma por cada um desses crimes; b ) - 4 (quatro) anos de prisão, aplicada pela prática de 1 crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274 º, n º s 1 e 2, al. a), do Código Penal, praticado em 21/8/2013 ; c ) - 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, aplicada pela prática de 1cri- me de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274 º, n º s 1 e 2, al. a), do Cód. Penal, praticado em 03/8/2016 ; d) - 9 (nove) meses de prisão, aplicada pela prática de 1 crime de dano, p. e p. pelo artigo 212 º, n º 1 do Cód. Penal ; e ) - 3 penas de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, cada uma, aplicadas pela prática de 3 crimes de dano qualificado, p. e p. pelo artigo 213 º, n º 1, al c), do Cód. Penal, uma por cada um desses crimes ; f ) - 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, aplicada pela prática de 1 cri-me de dano qualificado, p. e p. pelo artigo 213 º, n º 2, al a), do Cód. Penal ; g ) - 3 penas de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, cada uma, aplicadas pela prática de 3 crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143 º, n º 1, 145 º, n º s 1, al a), e 2, com referência ao art. 132 º, n º 2, al. l), todos do Cód. Penal, uma por cada um desses crimes. B ) - Não se conformando com o acórdão da 1 ª Instância, de fls. 1296 a 1358, interpôs recurso a Magistrada do Ministério Público, no Juízo Central Criminal da Comarca da Guarda, a fls. 1404 a 1410 v º, apenas na parte em que condenou o arguido AA, pela prática dos crimes de incêndio florestal e de ofensa à integridade física qualificada, e no que concerne às penas aplicadas, considerando as mesmas muito leves e pouco adequadas, defendendo a agravação das citadas penas dos crimes de incêndio florestal e de ofensa à integridade física qualificada, em que foi ofendido BB, nos termos alegados a fls. 1407 v º a 1409, e a aplicação de uma pena única, após cúmulo jurídico, de 10 (dez) anos de prisão (fls. 1409). B. 1 ) - Com efeito, a Exmª Procuradora da República-recorrente fundamenta, além do mais, a sua alegação na valoração da prova, entendendo serem prementes, in casu, as necessidades de prevenção geral e especial e a necessidade de aplicação de penas mais severas, dada a gravidade dos crimes praticados, as consequências dos mesmos, a propensão que o arguido revela para a prática de crimes de incêndio e a insensibilidade e reiteração demonstradas, mesmo depois de ter provocado um incêndio de proporções gigantescas, no ano 2013, no concelho de Trancoso, com consequências e prejuízos de extrema gravidade B. 2 ) - O M º P º, neste Tribunal da Relação, acompanhou o recurso interposto pela Magistrada do Ministério Público do Juízo Central Criminal da Comarca da Guarda, nos termos do nosso parecer de fls. 1463 a 1468, que aqui damos como reproduzido. C ) - Também o arguido-recorrente, AA, havia impugnado, a fls. 1412 a 1418, o acórdão recorrido, de fls. 1296 a 1358, que condenou o mesmo na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva, na sequência de cúmulo jurídico efetuado com as penas parcelares referenciadas na al. A) - ponto I - desta resposta, questionando o acerto da decisão proferida apenas sobre a matéria de direito, alegando ter sido excessiva a pena única aplicada, pugnando pela eliminação das penas aplicadas aos crimes de dano, por estes serem consumidos pelos crimes de incêndio, não existindo concurso real, mas aparente, devendo, após a exclusão das penas aplicadas pelos crimes de dano, ser reformulado o cúmulo jurídico e reduzida a pena única, conforme resulta das conclusões de recurso, de fls. 1416 a 1418, tendo o M º P º, na Relação, no nosso parecer, de fls. 1463 a 1468, defendido carecer de razão o arguido, AA, em face da matéria de facto dada como provada, tendo o acórdão recorrido efetuado correta subsunção jurídica dos factos ao direito, conforme explicitou, a fls. 1337 a 1339, aplicando penas de prisão demasiado benevolentes, face ao elevado grau de culpa e ilicitude do agente, como resulta do recurso do M º P º, em que se defende a agravação das penas parcelares e pena única, considerando a moldura penal aplicável e atendendo a que se trata de crimes graves e que são um autêntico flagelo para a vida das populações e meio ambiente. D ) - No Tribunal da Relação de Coimbra, foi proferido, em 29/11/2017, o douto acórdão, de fls. 1483 a 1536, no qual foi decidido : 1 ) - Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido ; 2 ) - Conceder parcialmente provimento ao recurso interposto pelo Mº P º, e em consequência : 2.a ) - No que se refere à prática pelo arguido de um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274 º, n º s 1 e 2, al. a), do Código Penal, praticado em 21 de Agosto de 2013, alterar a pena aplicada para 6 (seis) anos de prisão ; 2.b ) - No que diz respeito aos 3 crimes de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274 º, n º 1 do Código Penal, alterar para 3 (três) anos de prisão a pena devida para cada um desses crimes ; 2.c ) - No que tange ao crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274 º, n º s 1 e 2, al. a), do Cód. Penal, praticado em 03 de Agosto de 2016, alterar a pena aplicada para 4 (quatro) anos de prisão ; 2.d ) - Relativamente ao crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143 º, n º 1, 145 º, n º s 1, al a), e 2, por referência ao art. 132 º, n º 2, al. l), todos do Cód. Penal, de que foi ofendido BB, alterar a pena aplicada para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão. 2.e ) - Em cúmulo jurídico destas e das demais penas parcelares a considerar, condenar o arguido AA, na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão. II . - Não se conformando com o acórdão deste Tribunal da Relação, de fls. 1483 a 1536, que agravou as penas aplicadas ao arguido-recorrente, AA, interpôs este o recurso, de fls. 1568 a 1578, alegando em síntese, conforme as conclusões de fls. 1575 v º a 1578 : " - A discordância do Recorrente incide sobre os mecanismos de determinação da pena única efetuada pelo cúmulo jurídico ; - Deve ser mantida a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, aplicada pelo Tribunal de 1ª Instância, o qual percecionou e avaliou bem a personalidade do arguido, sendo a mesma pena suficiente para acautelar as exigências de prevenção geral e especial ; - O Tribunal de 1 ª Instância, como tribunal de imediação, considerou e bem que : " as exigências de prevenção especial são moderadas, atenta a integração social do arguido, ter admitido a prática de quase todos os factos e a inexistência de antecedentes criminais"; - Parece evidente que uma pena média, como a aplicada, terá um efeito positivo sobre o arguido. Uma pena elevada, de 9 anos e 6 meses de prisão, pode ter o efeito devastador de impedir, de ser demasiado tarde para a reintegração social do arguido ; - A Relação não teve em conta o facto de o ora Recorrente ter confessado, de forma quase integral e sem reservas, os factos e por via disso deve beneficiar da atenuação, nos termos do disposto no art. 73 º do Cód. Penal ; - A pena aplicada deverá ser reduzida para o limite mínimo estatuído para o tipo de crime tipificado e imputado ao arguido - para o incêndio qualificado de 4 anos; e 2 anos e 6 meses para os restantes, em face da atenuação possível, em consonância com os fatores que supra se referiu ; - Apesar do concurso de crimes, entendemos que deverá acrescentar-se à parcelar mais grave mais um acréscimo de tempo de prisão, e a pena conjunta justa, aplicada em cúmulo, é, no especial circunstancialismo do caso, de seis anos e seis meses de prisão ". III . - Sendo as conclusões das motivações dos recursos que delimitam o âmbito dos mesmos, obviamente sem prejuízo da obrigatoriedade de apreciação das questões cujo conhecimento oficioso a lei impõe, mas que não se vislumbram no presente caso, temos como assente que o objeto do recurso em análise se prende com a questão da medida das penas parcelares e pena única aplicadas, pretendendo-se a manutenção das penas aplicadas na 1 ª Instância. Porém, reiterando o parecer do M º P º nesta Relação, de fls. 1463 a 1468, e a motivação do M º P º, da 1ª Instância (fls. 1404 a 1410 v º), bem como a decisão constante do acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação (cfr. fls. 1483 a 1536), diremos que os factos dados como provados e os crimes cometidos não aconselham o uso de atenuação ou diminuição das penas e que foi efetuada correta apreciação da prova e dos recursos interpostos, bem como correta subsunção jurídica dos factos ao direito. Por outro lado, também se nos afigura que, face ao desvalor ético-retributivo da conduta criminosa e às necessidades de prevenção geral e especial e de proteção das vítimas, atendendo a que se trata de crimes graves e que são um autêntico flagelo para a vida das populações e meio ambiente, se impõe a aplicação de penas efetivamente privativas da liberdade, nos termos das impostas na Relação ao arguido-recorrente. Em face do exposto, porque tratando-se de questões já corretamente analisadas pelo recurso do M º P º, na 1 ª Instância, a fls. 1404 a 1410 v º, e o Parecer do M º P º na Relação (fls. 1463 a 1468), concluiremos com a opinião de que deverão improceder as pretensões do Recorrente e, por não merecer censura o douto acórdão recorrido,deverá o mesmo ser mantido,assim se negando provimento ao recurso do arguido,por ser de J U S T I Ç A. E M C O N C L U S Ã O : A ) - O douto acórdão recorrido não padece de falta de fundamentação, insuficiências, erro de apreciação ou qualquer irregularidade ou nulidade ; B ) - As pretensões do Recorrente carecem de fundamento, pelo que devem ser julgadas improcedentes e negado provimento ao recurso ; C ) - O acórdão recorrido é correto, não violou qualquer dispositivo legal, nem os direitos de defesa do arguido, pelo que, não merecendo censura, deve ser mantido e confirmado nos seus precisos termos. 1.5. Neste STJ o Sr. Procurador – Geral Adjunto proferiu o seguinte parecer ( transcrição): I Como decorre das respectivas conclusões, o arguido submete a reexame a medida das penas parcelares e da única. Defende que deve beneficiar da atenuação especial, por «ter confessado de forma quase integral e sem reservas os factos», pretendendo a redução da pena única para 6 anos e 6 meses de prisão. II Respondeu o Ministério Público (1592-1598), concluindo pela improcedência do recurso. III Nossa perspectiva 1. Como primeira nota, importa salientar que as penas parcelares impostas ao arguido pela Relação, na procedência do recurso do Ministério Público, são todas inferiores a 8 anos de prisão. Na verdade, a Relação agravou as penas parcelares nos seguintes termos: - as três penas de 2 anos de prisão, cada, pelos crimes do artigo 274.º, n.º 1, do Código Penal, para 3 anos de prisão; - a pena de 4 anos de prisão, pelo crime (de 21 de Agosto) do artigo 274.º, n.º s 1 e 2, alínea a), do Código Penal, para 6 anos de prisão; - a pena de 3 anos e 3 meses de prisão, pelo crime (de 3 de Agosto) do artigo 274.º, n.º s 1 e 2, alínea a), do Código Penal, para 4 anos de prisão; - a pena de 1 ano e 3 meses de prisão, pelo crime de ofensa à integridade física de que foi vítima BB, para 2 anos e 6 meses de prisão; Nos termos da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Cód. Proc. Penal, é inadmissível o recurso «De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos». Vale por dizer que, tendo sido confirmadas as condenações, embora com agravamento das penas supra referidas, todas elas inferiores a 8 anos de prisão, é inadmissível recurso que as vise, bem como questões delas instrumentais, nomeadamente a pretendida atenuação especial, com incidência exclusiva na moldura penal relativa a cada um dos crimes em causa. Deve, pois, o recurso ser rejeitado neste segmento, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), 414.º, n.º 2, e 400.º, n.º 1, alínea f), todos do Cód. Proc. Penal. 2. Fica-nos, pois, a pena única. Acompanha-se integralmente a fundamentação constante de fls. 1535 do acórdão recorrido. Com efeito, a ilicitude global dos factos é, sem dúvida, de grau elevado, bem como as exigências de prevenção geral. A moldura do concurso é de 6 anos a 30 anos de prisão, reduzidos a 25 anos, em termos de pena aplicável. Ora, perante tal moldura, a pena fixada, representando de um acréscimo em relação ao mínimo de mais de 1/5 do somatório das restantes penas, ou seja, na dimensão menor da moldura, mostra-se perfeitamente fundamentada e justificada em função dos fatores que a devem determinar. Reitera-se que o ilícito global assume uma dimensão superior, não sendo despiciendo referir que a pretensão do recorrente assenta essencialmente na diminuição das penas parcelares, que, como acima se referiu, são imodificáveis. Acresce, por último, que a personalidade de um incendiário condu-lo, normalmente, à prática de novos factos, com acrescidos riscos de reincidência. Aliás, basta ler a fundamentação da decisão probatória, da qual consta que o arguido, pronunciando-se sobre os motivos das suas ações, «não soube explicar o porquê mas apenas que lhe “dava vontade”…». E foi seguramente aquela forte “vontade” que o levou a atear 5 fogos entre 3 e 21 de Agosto, com as graves consequências dadas como provadas. E assim, comportando-se a pena única dentro dos limites da culpa e exigências de prevenção, e respondendo às muito fortes exigências de prevenção geral, e menos acentuadas de prevenção especial, ou seja, acatando os critérios fixados no art. 77.º do Cód. Pena, está salvaguardada de censura corretiva. 3. Deve, pois, o recurso ser julgado improcedente. 2. Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2 do CPP sem que houvesse resposta. 3. Como não foi requerida audiência, o recurso será julgado em conferência – artºs. 411.º, 5 e 419.º, 3, al. c) do Cód. Proc. Penal.
II – FUNDAMENTAÇÃO 1. A matéria de facto fixada é a seguinte : 1. Em dia não concretamente apurado do ano de 2012, o arguido AA decidiu atear vários fogos em diversas localidades do concelho de Trancoso; 2. O arguido resolveu praticar tais factos utilizando o veículo ligeiro de mercadorias da marca Renault, modelo W, com a matrícula ...-OJ-..., pertencente à frota dos Correios de Portugal, S.A., por si utilizado no exercício das suas funções de carteiro, durante o seu horário de trabalho – compreendido entre as 11h00m e as 16h00m – no percurso do respectivo giro entre Trancoso e Meda. 3. Para alcançar aquele desiderato, o arguido determinou-se a lançar para a berma das estradas por onde passava um cigarro aceso trespassado com fósforos, o que faria sem sair da viatura, circulando em marcha lenta, sabendo que a ignição ocorreria cerca de dez minutos depois, ocasião em que já estaria distante do local. Inquérito n.º 177/13.5 JAGRD: 4. No dia 21 de Agosto de 2013, pelas 11h50m, quando circulava no veículo ligeiro de mercadorias da marca Renault, modelo W, com a matrícula ...-OJ-..., na Estrada Municipal 600, no lugar da ..., o arguido atirou um cigarro aceso trespassado com fósforos para a berma da estrada, atingindo a mancha vegetal ali existente, composta por pinheiro bravo, carvalho, castanheiro, freixo, amieiro e nogueira, após o que abandonou o local. 5. Cerca de dez minutos depois, o aludido cigarro provocou uma chama sobre a vegetação, a qual causou um incêndio que se alastrou, do que resultou a combustão de duzentos hectares (200ha) de pinheiro bravo, cento e cinquenta hectares (150ha) de carvalho, vinte e seis hectares (26ha) de castanheiro, onze hectares (11ha) de freixo, oito hectares (8ha) de amieiro, um hectare (1ha) de nogueira, sete hectares (7ha) de cerejeira, três hectares (3ha) de salgueiro, um hectare (1ha) de amendoeira e cinco hectares (5ha) videira, no total de mil trezentos e seis hectares (1306ha), com o valor global de € 212.058,00. 6. O incêndio consumiu ainda seis residências (cinco das quais desabitadas), cinquenta e três casas de arrumos/armazéns e vários veículos, máquinas agrícolas e animais de exploração agrícola. 7. Ao local do incêndio acorreram as Corporações de Bombeiros de ... e de .... 8. Sucede que uma das casas de habitação consumidas pelo incêndio, propriedade de CC, continha no seu interior uma botija de gás, a qual, ao ser consumida pelas chamas, explodiu. 9. O impacto da explosão atingiu BB, DD e EE, bombeiros da Corporação de Bombeiros de ..., que se encontravam no local a combater as chamas. 10. E causou, de forma directa e necessária, a BB: - Escoriações por todo o corpo; - Queimaduras de segundo e terceiro graus em cerca de cinco por cento da superfície corporal, com atingimento da face lateral da coxa esquerda, da face volar do antebraço esquerdo, do bordo cubital do quinto dedo da mão esquerda e da parede abdominal; - Feridas inciso-contusas no ombro direito; e, - Hematoma na face externa direita do pescoço. 11. BB foi de imediato conduzido para o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E., onde foi admitido no Serviço de Urgência; 12. Em 29 de Agosto de 2013 BB foi submetido a escarectomia tangencial; 13. Em 2 de Setembro de 2013 BB foi submetido a cobertura com enxertos cutâneos; 14. Em 6 de Setembro de 2013 BB teve alta e foi orientado para a consulta externa; 15. A última consulta ocorreu em 17 de Outubro de 2014, data em que foi dada alta clínica a BB; 16. Actualmente, BB apresenta as seguintes sequelas: - Cicatriz com 6x4 centímetros no membro superior esquerdo; - Cicatriz de remoção de pele para enxertia com 20x15 centímetros no membro inferior direito – coxa; - Cicatriz com 13x10 centímetros no membro inferior esquerdo – coxa; - Cicatriz com 6x5 centímetros no membro inferior esquerdo – joelho; - Cicatriz com 9x7 centímetros no membro inferior esquerdo – perna. 17. A data da consolidação médico-legal das lesões BB é fixável em 17/10/2014; as lesões terão resultado de traumatismo de natureza contundente e determinado 442 dias para a consolidação médico-legal com afectação da capacidade de trabalho geral (422 dias) e com afectação da capacidade de trabalho profissional (422 dias). 18. A factualidade acima descrita causou, de forma directa e necessária, a EE: - Escoriação na anca direita; - Edema na região cervical à direita; - Contusão da nádega; - Hipoacusia momentânea; - Cefaleias. 19. A factualidade acima descrita causou, de forma directa e necessária a DD queimadura no membro superior esquerdo; 20. O incêndio ocorrido em 21 de Agosto de 2013 atingiu o terreno propriedade de FF, consumindo soito e pinheiros com o valor global de € 7.000,00 e os armazéns existentes junto à respectiva residência, cuja reconstrução ascendeu a € 2.200,00; 21. O incêndio atingiu também dois terrenos propriedade de GG, consumindo duzentos vasos de flores, com o valor global de € 1.000,00, e dois hectares (2ha) de pinheiro bravo, com o valor total de € 1.620,00; 22. O incêndio atingiu igualmente o terreno propriedade de HH, consumindo a vinha, o olival, os castanheiros e o pinhal aí existentes. 23. O incêndio consumiu várias infra-estruturas da Câmara Municipal de ..., no valor total de € 2.062,00. 24. O incêndio consumiu do mesmo modo várias infra-estruturas da rede de telecomunicações MEO, nomeadamente cabos, mordentes, grampos e abraçadeiras, com o valor global de € 19.342,80, cuja reparação ascendeu a € 11.610,05. 25. Tal incêndio consumiu ainda redes eléctricas exploradas pela EDP Distribuição – Energia, S.A., cuja reparação ascendeu a € 8.692,92. 26. Para a extinção do incêndio em crise, a Autoridade Nacional de Protecção Civil despendeu a quantia global de € 155.067,52, sendo: - € 79.752,35 em meios aéreos; - € 52.250,00 em recursos humanos; - € 3.002,97 com o consumo de combustível; - € 15.987,00 por danos sofridos; e, - € 4.075,20 em alimentação do pessoal. 27. Para reconstruir a sua residência, após a mesma ter sido atingida pela explosão, CC despendeu da quantia global de € 23.000,00. Inquérito n.º 60/16.2 GAPNH: 28. No dia 3 de Agosto de 2016, pelas 15h56m, quando circulava no veículo ligeiro de mercadorias da marca Renault, modelo W, com a matrícula ...-OJ-..., na Estrada Nacional n.º 102, na localidade de ..., União de Freguesias de Torres e ..., concelho de ..., o arguido atirou um cigarro aceso trespassado com fósforos, para a berma da estrada, atingindo a mancha vegetal ali existente, composta por carvalho, mato e oliveiras, após o que abandonou o local; 29. Cerca de dez minutos depois, o aludido cigarro provocou uma chama sobre a vegetação, a qual causou um incêndio que se alastrou, do que resultou a combustão de um hectare e meio (1,5ha) de carvalho, dois hectares (2ha) de mato e meio hectare (0,5ha) de oliveira, no total de quatro (4) hectares; 30. O incêndio atingiu o terreno propriedade de II, consumindo dez oliveiras, com o valor global de € 1.000,00; 31. O incêndio atingiu também o terreno propriedade de JJ, consumindo quarenta oliveiras, com o valor global de € 2.500,00; 32. O incêndio atingiu igualmente o terreno propriedade de LL, consumindo um número não determinado de castanheiros. Inquérito n.º 170/16.6 JAGRD: 33. No dia 11 de Agosto de 2016, pelas 11h31m, quando circulava no veículo ligeiro de mercadorias da marca Renault, modelo W, com a matrícula ...-OJ-..., na Estrada Nacional n.º ..., quilómetro 111, freguesia de ..., concelho de ..., o arguido atirou um cigarro aceso trespassado com fósforos para a berma da estrada, atingindo a mancha vegetal ali existente, composta por pasto e oliveiras, após o que abandonou o local; 34. Cerca de dez minutos depois, o aludido cigarro provocou uma chama sobre a vegetação, a qual causou um incêndio que se alastrou, do que resultou a combustão de um hectare (1ha) de vegetação e de pasto e de duas (2) oliveiras; 35. O incêndio atingiu o terreno propriedade de MM, consumindo quinze oliveiras, com o valor global de € 600,00. Inquérito n.º 172/16.2 JAGRD: 40. No dia 12 de Agosto de 2016, pelas 13h56m, quando circulava no veículo ligeiro de mercadorias da marca Renault, modelo W, com a matrícula ...-OJ-..., na estrada de terra batida que dá acesso ao Itinerário Principal n.º 2 (IP2), no local de ..., concelho de ..., o arguido atirou um cigarro aceso trespassado com fósforos para a berma da estrada, atingindo a mancha vegetal ali existente, composta por pasto e castanheiros, após o que abandonou o local. 41. Cerca de dez minutos depois, o aludido cigarro provocou uma chama sobre a vegetação, a qual causou um incêndio que se alastrou, do que resultou a combustão de mil metros quadrados (0,1ha) de pasto e mil metros quadrados (0,1ha) de castanheiros, no total de dois mil metros quadrados (0,2ha). 42. O incêndio atingiu o terreno propriedade de NN, consumindo castanheiros e carvalhos com o valor global de € 700,00. 43. Atenta a propagação do incêndio, resultante da continuidade horizontal dos combustíveis e da direcção do vento, estiveram em risco de ser consumidos pelas chamas o povoamento de pinheiro bravo, as instalações da sociedade ..., e várias casas de habitação situadas no norte da .... Inquérito n.º 75/16.0 GAPNH: 44. No dia 18 de Agosto de 2016, pelas 15h02m, quando circulava no veículo ligeiro de mercadorias da marca Renault, modelo W, com a matrícula ...-OJ-..., na Estrada Nacional n.º ..., o arguido atirou um cigarro aceso trespassado com fósforos para a berma da estrada, atingindo a mancha vegetal ali existente, composta por vegetação, pinheiro e mato, após o que abandonou o local. 45. Cerca de dez minutos depois, o aludido cigarro provocou uma chama sobre a vegetação, a qual causou um incêndio que se alastrou, do que resultou a combustão de meio hectare (0,5ha) de pinheiro e mato. 46. Atenta a propagação do incêndio, resultante da continuidade horizontal dos combustíveis e da direcção do vento, estiveram em risco de ser consumidas pelas chamas várias casas de habitação situadas na localidade de ..., a cerca setecentos metros do local da deflagração. 47. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito de provocar incêndios nos sobreditos locais, bem sabendo que os fogos que ateava propagar-se-iam rapidamente, atento o tempo seco, as temperaturas elevadas e os locais escolhidos para a ignição, compostos, além do mais, por mato e vegetação rasteira. 48. O arguido actuou sempre ciente das possíveis consequências da sua conduta para a vida e a integridade física de terceiros e para bens patrimoniais alheios de elevado valor. 49. Assim, sabia o arguido que os fogos por si ateados poderiam consumir prédios rústicos, edifícios, armazéns e infra-estruturas pertencentes a particulares ou a entidades públicas, ou destinados ao uso e utilidade públicos e que tal importaria a destruição das árvores, plantações, edificações e animais aí existentes e a consequente criação de um prejuízo para os respectivos proprietários, o qual poderia ultrapassar as quantias de € 5.100,00 e € 20.400,00, como se veio a verificar. 50. Sabia ainda o arguido que os fogos por si ateados poderiam causar lesões aos habitantes e aos bombeiros que acorreram aos locais para combater os incêndios, como se veio a verificar, ciente que estes últimos deslocavam-se àqueles locais no exercício de um serviço público. 51. Para atear os incêndios o arguido usou cigarros que trespassou com fósforos, conhecedor das características e do modo de actuar destes. 52. O arguido sabia ainda que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 53. O arguido AA não tem antecedentes criminais. Do relatório social: 54. AA nasceu na aldeia de ... num agregado familiar formado pelos pais e mais cinco irmãos. Viviam em casa própria. Os pais dedicavam-se à agricultura e criação de gado, actividades de que subsistia a família, com algumas limitações mas sem passar necessidades. 55. A dinâmica familiar seria equilibrada, existindo laços de afecto e respeito entre os vários elementos e preocupação dos pais em transmitir valores morais e regras básicas aos descendentes, papel assumido principalmente pela mãe, que tinha os estudos básicos. 56. O arguido frequentou a escola em idade própria, mas no seu percurso registava dificuldades de aprendizagem pelo que apenas concluiu o 4.º ano aos 12 anos. 57. No período seguinte, além de ajudar os pais nas tarefas agrícolas e com as ovelhas, trabalhou com os irmãos na recolha de resina e posteriormente na construção civil. Sempre contribuiu para o orçamento familiar. 58. Aos 20 anos foi viver para Lisboa com um irmão que laborava nos CTT, onde conseguiu ingressar algum tempo depois. Vinha regularmente visitar a família. Passados quatro anos conseguiu transferência para Trancoso, onde tem trabalhado como carteiro até ao presente. 59. Casou aos 26 anos com ..., a quem conhecera na ... poucos anos antes e de quem tem dois filhos com 23 e 14 anos respetivamente. Ambos integrados laboralmente, sempre tiveram uma relação coesa e um estilo de vida organizado. 60. Nos seus tempos livres o arguido convivia com a família e com colegas e amigos e dedicava-se ao cultivo de terrenos na sua aldeia de origem, para onde era hábito deslocar-se após o trabalho e aos fins-de-semana. 61. À data dos factos em apreço no presente processo, AA residia em ..., com a mulher e filhos, em casa própria, um apartamento T3 com adequadas condições de habitabilidade, já totalmente paga ao banco. 62. O casal mantém uma relação estável e equilibrada, existindo sólidos laços afetivos entre ambos e com os filhos, sendo o arguido considerado um bom marido e um bom pai, presente e colaborante nas tarefas parentais. O filho mais velho, 23 anos, está concluir o mestrado de ... e o mais novo, 14 anos, frequenta o 9.º ano em ... 63. O casal mantém relações próximas e convívio regular com as respetivas famílias de origem, no caso do arguido, irmãos, cunhados e sobrinhos uma vez que ambos progenitores já faleceram, a mãe há 20 e o pai há 14 anos. 64. A nível profissional AA mantinha a atividade de carteiro nos CTT de ..., distribuindo a correspondência por todo o concelho. Segundo o seu superior hierárquico sempre foi um funcionário assíduo e cumpridor, que desempenhou as suas funções de forma responsável. Na relação com os colegas é descrito como um indivíduo prestável, correto e bem-disposto, mantendo relações de amizade e convívio social fora do local de trabalho. 65. A situação económica do arguido era equilibrada, assente no salário como carteiro na ordem dos e 950,00 líquidos, segundo refere. A esposa trabalha há vários anos num supermercado de ..., onde refere auferir cerca de € 560,00 mensais. Mencionam como principal despesa a mensalidade que enviam ao filho mais velho, na ordem dos € 125,00. 66. Socialmente é um indivíduo muito conhecido (pela profissão que desempenha) e bem integrado, quer em ..., quer na sua aldeia de origem, onde se desloca com frequência porque tem ali terrenos agrícolas e alguns animais para consumo doméstico. 67. As fontes comunitárias contactadas referenciam-no positivamente, como um indivíduo trabalhador, idóneo, com forte vinculação familiar, algo reservado mas com uma integração social correta e participativa. 68. Não lhe são conhecidos hábitos de consumo de bebidas alcoólicas, além do considerado normal em convívio social ou à refeição, de forma moderada. Não nos foram reportados pelas diversas fontes contactadas, indicadores de alguma perturbação comportamental por parte do arguido. 69. Nas primeiras horas de reclusão, quando foi sujeito à medida de coação de prisão preventiva, o arguido mostrava-se descompensado tendo efetuado uma tentativa de suicídio; foi observado nos serviços clínicos e iniciou de imediato apoio psicológico; apesar de algo deprimido numa primeira fase não voltou a manifestar essa ideação e estabilizou, sendo relevante o apoio que a família lhe tem prestado desde o início, muito valorizado pelo arguido. 70. No estabelecimento prisional AA tem mantido bom comportamento e capacidade para cumprir as regras. Não se encontra ocupado. Não voltou a solicitar apoio psicológico. 71. Recebe visitas frequentes da família que se mostra solidária no apoio ao arguido e preocupada com alguns problemas de saúde (tensão alta e um hidrocelo que necessita cirurgia urgente). 72. AA apresenta um percurso de vida normativo, caracterizado por um enquadramento familiar (de origem e constituído) funcional e organizado, um trajeto laboral desenvolvido de forma regular e responsável e uma imagem e inserção social favoráveis. 2. Como já se disse em 1.3. e como é por demais sabido, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objeto, sendo que no caso não se vislumbram quaisquer questões de que cumpra conhecer oficiosamente ( arts. 434º e 410º, nº 2 e 3 do C.P.P.). Ora, das respetivas conclusões resulta que a discordância do arguido respeita à medida das penas parcelares aplicadas aos cinco crimes de incêndio, ao crime de ofensa à integridade física qualificada, de que é ofendido o assistente BB e ainda à medida da pena única que resultou do concurso de crimes. Mais defende que deve beneficiar da atenuação especial do art. 73º do C.P. já que confessou os factos de forma quase integral e sem reservas e, por isso, a pena única deve ser fixada nos 6 anos e 6 meses de prisão. Por sua vez, o Sr. Procurador-Geral Adjunto neste STJ, no seu parecer, defende que “tendo sido confirmadas as condenações, embora com agravamento das penas supra referidas, todas elas inferiores a 8 anos de prisão, é inadmissível recurso que as vise, bem como questões delas instrumentais, nomeadamente a pretendida atenuação especial, com incidência exclusiva na moldura penal relativa a cada um dos crimes em causa. Deve, pois, o recurso ser rejeitado neste segmento, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), 414.º, n.º 2, e 400.º, n.º 1, alínea f), todos do Cód. Proc. Penal restando para apreciação, apenas, a pena única”. Concluindo, depois, pela improcedência do recurso do arguido com manutenção da pena única de 9 anos e 6 meses de prisão. 2.1. Assim, importa desde já conhecer destas questões prévias. No seu recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o arguido nunca defendeu a aplicação da atenuação especial do art.73º do C.P. e, por isso, o Ac. ora recorrido não se debruçou sobre esta questão. Como assim, não tendo o recorrente suscitado no recurso interposto para a Relação a aplicabilidade da atenuação especial das penas, a formulação agora de tal questão perante este STJ constitui a formulação de uma questão nova que não pode ser apreciada. Por isso, tendo sido tal questão suscitada apenas em sede de recurso, estamos perante uma questão nova. Ora, visando os recursos ordinários o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu e sendo eles meios de impugnação e de correção de decisões judiciais e não meios para obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido. Assim, nesta parte, o recurso é rejeitado por inadmissibilidade legal nos termos dos arts. 420º, nº 1- b) e 414º, nº 2, ambos do C.P.P..[2] Por outro lado, como determina o art. 400º, nº 1 do CPP não é admissível recurso: e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos ; f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. O Tribunal da Relação de Coimbra agravou as penas parcelares nos seguintes termos: - as três penas de 2 anos de prisão, cada, pelos crimes de incêndio florestal do artigo 274.º, n.º 1, do Código Penal, para 3 anos de prisão; - a pena de 4 anos de prisão, pelo crime de incêndio florestal (de 21 de Agosto de 2013) do artigo 274.º, n.º s 1 e 2, alínea a), do Código Penal, para 6 anos de prisão; - a pena de 3 anos e 3 meses de prisão, pelo crime de incêndio florestal (de 3 de Agosto de 2016) do artigo 274.º, n.º s 1 e 2, alínea a), do Código Penal, para 4 anos de prisão; - a pena de 1 ano e 3 meses de prisão, pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelos artsº. 143.º, n.º 1 e 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l) do Código Penal de que foi vítima Ricardo Costa, para 2 anos e 6 meses de prisão; Todas as restantes penas em que o arguido havia sido condenado na 1ª instância foram confirmadas : - 1 (um) crime de dano, p.p. pelo art.º 212.º, n.º 1, do Código Penal, na pena parcelar de 9 meses de prisão; 3 (três) crimes de dano qualificado, p.p. pelo art.º 213.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, na pena parcelar de 1 ano e 6 meses de prisão a cada um dos crimes; de 1 (um) crime de dano qualificado, p.p. pelo art.º 213.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, na pena parcelar de 2 anos e 3 meses de prisão; e de 2 (dois) crimes de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelos artsº. 143.º, n.º 1 e 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l) do Código Penal, na pena parcelar de 1 ano e 3 meses de prisão para cada um dos crimes. 2.2. Significa isto, que houve confirmação da decisão da 1ª instância no que respeita a estas penas de prisão e, por isso, das mesmas não é admissível recurso para este STJ nos termos da alínea f) do art. 400º, nº 1 do CPP (verifica-se aqui a chamada dupla conforme ). E, com exceção da pena de 4 anos de prisão, pelo crime de incêndio florestal (de 21 de Agosto de 2013) do artigo 274.º, n.º s 1 e 2, alínea a), do Código Penal que foi agravada para 6 anos de prisão, todas as restantes penas foram agravadas em penas de prisão inferiores a 5 anos. Pelo que em relação às mesmas também não é admissível recurso para este STJ por força do disposto no art. 400º, nº 1 alínea e) do CPP. Assim sendo, é rejeitado o recurso, nesta parte, nos termos dos arts. 400º, nº 1 als. e) e f), 414º, nº 2 e 420º, nº 1, b), todos do CPP. Cumpre conhecer, pois, da bondade da pena parcelar de 6 anos de prisão pelo crime de incêndio florestal (de 21 de Agosto de 2013) do artigo 274.º, n.º s 1 e 2, alínea a), do Código Penal bem como, obviamente, da pena única de 9 anos e 6 meses. 2.3. Como é sabido, para a medida concreta da pena há que ter em conta os critérios gerais estabelecidos nos art. 40º e 71º, nº 1 do C.P.. Com a imposição da pena procura-se alcançar uma tanto quanto possível eficaz proteção dos bens jurídicos bem como a reintegração do agente na sociedade. Sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa ( art. 40º, nº 2 do C.P.). A necessidade de proteção de bens jurídicos traduz-se “na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma infringida” (cfr. o Professor Jorge de Figueiredo Dias, in Consequências Jurídicas do Crime, 1993, página 228). Trata-se da chamada prevenção geral positiva ou de integração e que decorre do princípio político-criminal básico da necessidade da pena consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Está hoje ultrapassada a visão retribucionista da pena, segundo a qual esta varia apenas em função da culpa do agente. Ela estabelece antes, o limite máximo da pena a aplicar (O núcleo duro de toda a repressão penal nem sempre foi encarado, como se sabe, da mesma maneira. Kant teorizou a conceção que já vinha de séculos em matéria de retribuição. A pena, enquanto sofrimento infligido, é um postulado da razão prática, uma exigência ética primária. No fundo, está aqui em causa um desejo de igualdade (ou a ilusão de que se consegue essa igualdade), na medida em que o mal da pena equilibraria o mal do crime, tal como as vantagens do prémio que se receba compensam o bem que se tenha feito a outrem. Hegel envereda por uma retribuição situada exclusivamente ao nível lógico, traduzida em termos dialécticos numa tese (ordem jurídica), oposta a uma antítese (crime que viola essa ordem jurídica), a que se segue uma síntese (pena que “repõe”, supostamente, a ordem jurídica violada). Com o iluminismo e os seus ideais humanitários (Fenerbach, Beccaria) elege-se a intimidação de potenciais delinquentes como fim fundamental da pena. Mas o positivismo de novecentos desloca para o próprio delinquente a reação ao crime por ele cometido. A prevenção especial aproxima-se então de uma medicina social e a pena de uma forma de tratamento, o que levaria no limite, ao desaparecimento do próprio direito penal tal como o continuamos a conhecer, assente na culpa, e portanto com uma inegável dimensão ética. Muito mais recentemente, surgiram posições ecléticas que pretenderam conciliar a retribuição da culpa com a prevenção especial e a prevenção geral intimidatória, e teorias a que se chamou “diacrónicas”, que assinalam à ameaça corporizada na lei penal o momento geral-preventivo por excelência, à condenação concreta de um certo agente a altura da ponderação sobre retribuição da culpa, e ao tempo de cumprimento da pena a oportunidade de se implementarem os propósitos de prevenção especial. Foi só nos anos setenta do século passado que, pelo menos entre nós, começou a falar-se de prevenção geral positiva como finalidade da pena. E no entanto, é esse o fim primeiro que se assinala hoje às penas – A Jurisprudência do STJ sobre a fundamentação e critérios da escolha da medida da pena – Estudo do Conselheiro Souto de Moura, de 26.4.2010. Veja-se, ainda, Germano Marques da Silva – Direito Penal Português, III, págs. 43 e segs. e Anabela Miranda Rodrigues-A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, págs. 163 e segs.). Considerações de prevenção geral, devem determinar o seu limite mínimo; senão, a pena seria considerada laxista pela comunidade social, e serviria como foco impulsionador de outras condutas desviantes. Dentro destes parâmetros, são as exigências de prevenção especial ou, dito de outra forma, a necessidade de reinserção social do agente que há-de determinar a medida da pena a aplicar (neste sentido, F. Dias, "Direito Penal Português", Ed. Notícias, 1993, págs. 214 e segs.; Robalo Cordeiro, "Escolha e Medida da Pena", em "Jornadas de Direito Criminal", págs. 235 e segs.; Anabela M. Rodrigues, "Rev. Port. Ciência Criminal", Ano1, nº 2, págs. 248 e segs.). Na linguagem de Figueiredo Dias, op. cit., pág. 227, “As finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa.” Como refere na mesma obra, pág. 230 “A culpa traduz-se numa incondicional proibição de excesso: a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas”. Ou ainda, a págs. 231, “Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração (…) podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.”[3] “ E se a finalidade da pena é a proteção de bens jurídicos e, sempre que possível, a reintegração do agente na sociedade, e se a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa, então a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, sem ultrapassar a medida da culpa, atuando os pontos de vista de prevenção especial de socialização entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de tutela de tais bens. Este conteúdo reconduz-se à teoria da “ moldura da prevenção “ defendida por Figueiredo Dias e Anabela Rodrigues” – Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, pág. 45. E, assim, para a escolha e medida da pena há que ter em conta o art.º 71º C.P.. No nº 1 diz-se que “ A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção “. E o nº 2, depois de estabelecer que o tribunal atenderá, na determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, enumera, de forma exemplificativa, alguns dos mais importantes fatores de medida da pena de carácter geral, isto é, que podem ser tomados em consideração relativamente a qualquer disposição da Parte Especial do C.P.. Importa tomar em consideração as seguintes circunstâncias: O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; A intensidade do seu dolo – na forma direta; Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, As condições pessoais do agente e a sua situação económica; A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Por sua vez o nº 3 dispõe que “ Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”. 2.4. No caso, está em causa , um crime de incêndio florestal, p.p.pelo art.º 274.º, n.ºs 1 e 2, al. a), praticado pelo arguido em 21 de Agosto de 2013 e ao qual corresponde, em abstrato, uma pena de prisão de 3 a 12 anos. A matéria de facto referente a este incêndio é a descrita nos pontos 4 a 27 ( matéria de facto fixada – inquérito n.º 177/13.5 JAGRD ). O grau de ilicitude é enorme e que se revela, desde logo, no modo de execução do mesmo ( o arguido atirou um cigarro aceso trespassado com fósforos para a berma da estrada, atingindo a mancha vegetal ali existente, composta por pinheiro bravo, carvalho, castanheiro, freixo, amieiro e nogueira, após o que abandonou o local ). É também enorme o grau de intensidade do dolo direto bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente ( O arguido utilizava a carrinha em que fazia o giro de carteiro, para com tal engenho provocar o fogo com tempo retardado ). As consequências deste foram gravíssimas ( cfr. aqueles pontos da matéria de facto ). O arguido não soube explicar os motivos que o levaram a cometer tais factos referindo apenas que lhe “dava vontade” ( motivação probatória constante do Ac. recorrido ). O arguido não tem antecedentes criminais, mas esta circunstância tem pouco valor atenuativo já que isso é o que se espera de qualquer cidadão. E a confissão foi no seguimento da investigação criminal que, a pouco e pouco, chegou até ele. Assim sendo, a fundamentação do Ac. recorrido é inatacável – “ O modelo de prevenção - porque de proteção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. O conceito de prevenção significa proteção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada . A medida da prevenção, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (proteção ótima e proteção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de proteção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades. Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art.º 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. No crime de incêndio, como crime de perigo, as exigências de prevenção geral são determinantes na fixação da medida concreta da pena, para aquietação da comunidade e afirmação de valores essenciais afetados por comportamentos que, antes e para além de causarem efetivos danos, são aptos a colocar em perigo bens jurídicos essenciais, tanto pessoais como patrimoniais de elevado valor. As exigências de prevenção especial de socialização, que convivem mas não se sobrepõem à prevenção geral, são, no caso, relevantes, quando considerado o percurso pessoal do recorrente e a rebeldia que manifesta pela ofensa a valores comunitários com tutela penal, revelada pela existência de uma primeira atuação em 2013 e outras reiteradas em 2016, todas de igual natureza. A culpa é, por seu lado, acentuada. O recorrente atuou aproveitando as facilidades que o exercício normal da sua profissão lhe propiciava, deflagrando sucessivos incêndios e fazendo-o de forma a tornar mais difícil a deteção de ter sido ele o seu agente contínuo. Não concorrem, por outro lado, circunstâncias do elenco do art.º 71.º do Código Penal que possam ser de valorar favoravelmente… As exigências de prevenção geral positiva ou de integração são muito elevadas, desde logo dada a incidência deste tipo de criminalidade na sociedade portuguesa “. Como assim, considerando tudo o exposto e por ser proporcional e adequada é de manter a pena parcelar de 6 anos de prisão em que o arguido foi condenado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, pela prática do crime de incêndio florestal (de 21 de Agosto de 2013) do artigo 274.º, n.º s 1 e 2, alínea a), do Código Penal. 2.5. Debrucemo-nos agora sobre a pena única de 9 anos e 6 meses de prisão em que o arguido foi condenado pelo Tribunal da Relação de Coimbra. Como é sabido, quando ocorre um concurso de crimes (art 77º, nº 1), isto é, quando o agente tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Haverá ainda que especificadamente atender, de acordo com o citado art. 77º, nº 1, de forma conjunta e conjugada, aos factos e à personalidade do agente partindo de uma moldura abstrata que terá como limite mínimo a mais elevadas das penas parcelares dos crimes que integram o concurso e como limite máximo a soma dessas penas parcelares não podendo ultrapassar os 25 anos tratando-se de pena de prisão, de acordo com o disposto no nº 2 do sobredito art. 77º. O que, no caso em apreço, se traduz numa pena única que tem como limite mínimo 6 anos de prisão e como limite máximo 31 anos e 6 meses, máximo este reduzido a 25 anos. Como se expendeu, por exemplo, no Ac. deste STJ – Proc. 115/10.7JAPRT.S1 da 5ª Secção – “ Está ainda completamente sedimentado o entendimento da jurisprudência, seguindo, aliás, o ensinamento da doutrina[4] segundo o qual tomando os factos no seu conjunto se ponderará a «gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique». Para definir os contornos tanto quanto possíveis precisos e unitários da personalidade do agente haverá que verificar se do conjunto dos factos praticados decorre uma tendência para o crime ou se a situação concreta é antes de pluriocasionalidade não recondutível a uma carreira criminosa. É também usual citar o ensinamento de Cristina Libano Monteiro[5] quando afirma que o «Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todos esses bocados de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Uma conclusão é possível, crê-se, retirar deste ensinamento. A de que se reitera a necessidade de, como critério específico se proceder também à especifica operação de olhar para o conjunto dos factos e daí retirar uma ilicitude global que leve à superação da possível fragmentaridade da análise das diversas situações. Uma avaliação fragmentada redunda num conhecimento parcelar de todo o comportamento do agente e num conhecimento disperso da sua personalidade e o que o conhecimento no âmbito da punição do concurso de crimes proporciona é precisamente a correção dessas disfunções”. Por outro lado, a gravidade dos vários crimes cometidos, a frequência com que eles acontecem na comunidade e o próprio impacto que têm na mesma, deverão ser tidos em conta.[6] E também deverão continuar a ser levados em conta os pressupostos ínsitos nos arts. 40º e 71º do C.P..[7] No caso concreto, não se tratou de uma pluriocasionalidade pura . O arguido cometeu o primeiro crime de incêndio em 21 de Agosto de 2013 e só passados três anos cometeu os outros quatro crimes de incêndio ( em 3, 11, 12 e 18 de Agosto de 2016 ). Revela, pois, uma propensão para a prática deste tipo de crime. Aliás, como consta do Ac. recorrido o mesmo não soube explicar os motivos que o levaram à prática destes atos tão graves. Apenas disse que “ lhe dava vontade “. Os crimes de incêndio têm sido um autêntico flagelo no nosso país com as consequências gravíssimas que de todos são conhecidas. O impacto tem sido enorme e as populações atingidas clamam por justiça. No caso concreto, o arguido ao praticar tais crimes causou gravíssimas consequências materiais e humanas. Assim, a prevenção especial positiva ( na ótica da ressocialização do arguido ) é premente sendo que a prevenção geral positiva ou de integração é muitíssimo elevada ( no sentido de incentivar a convicção dos cidadãos de que as normas penais são válidas e eficazes ). Com já se disse aquando da pena parcelar, a ilicitude é muito alta e o dolo direto é muito intenso. Como consta do relatório social o arguido recebe visitas frequentes da família que se mostra solidária. AA, o arguido, tem 56 anos e apresenta um percurso de vida normativo, caracterizado por um enquadramento familiar funcional e organizado, um trajeto laboral desenvolvido de forma regular e responsável e uma imagem e inserção social favoráveis. 2.6. Tendo em conta que a pena única aqui aplicável se situa entre um mínimo de 6 anos de prisão e um máximo de 25 anos de prisão e considerando tudo o exposto, consideramos que a pena de 9 anos e 6 meses de prisão aplicada pelo Tribunal da Relação de Coimbra é adequada por proporcional.[8]
III. DECISÃO 1. Rejeita-se o recurso do arguido no que respeita à requerida atenuação especial das penas, nos termos dos arts. 420º, nº 1 e 414º, nº 2, ambos do CPP. 2. Rejeita-se o recurso do arguido no que respeita a todas as penas parcelares, nos termos dos arts. 400º, nº 1, alíneas e) e f) do CPP., com exceção da pena parcelar de 6 anos de prisão pelo crime de incêndio florestal (de 21 de Agosto de 2013) do artigo 274.º, n.º s 1 e 2, alínea a), do Código Penal, que se mantém. 3. Declara-se improcedente o recurso do arguido quanto à pena única de 9 anos e 6 meses de prisão, confirmando-se o Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra. Custas pelo arguido, com a taxa de justiça de 5 UC (sem prejuízo de eventual concessão de apoio judiciário e/ou de legal isenção) – cfr. art.ºs 513.º e 514º do CPP e art 8.º, n.º 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.
Lisboa, 3 de Maio de 2018 Visto e revisto pelo 1ª signatário Baltazar Pinto Souto de Moura
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