Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
15/14.1UGLSB.S2
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ARMÉNIO SOTTOMAYOR
Descritores: ATENTADO CONTRA O ESTADO DE DIREITO
ABERTURA DA INSTRUÇÃO
REJEIÇÃO
ADMISSIBILIDADE
PRINCÍPIO DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL
NULIDADE INSANÁVEL
DECISÃO SURPRESA
CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO
Data do Acordão: 02/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS NORMAS DO PROCESSO CIVIL - ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / NULIDADES - INSTRUÇÃO - RECURSOS.
Doutrina:
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 134-135.
- Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal” – Anotado,16.ª edição, 306, 629.
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.º edição, 777.
- Simas Santos e Leal Henriques, “Código de Processo Penal” – Anotado, II, 2000, 163.
- Souto de Moura, nas Jornadas de Direito Processual Penal, 118.
- Vinício Ribeiro, “Código de Processo Penal” – Notas e Comentários, 590.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 130.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 4.º,119.º, AL. D), 286.º, N.ºS 1 E 2, 287.º, N.ºS 1, AL. B), 3, E 4, 311.º, 420.º, N.º 1, AL. A).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 3.º, 12.º, N.º2, 20.º, 205.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 27/02/2002 - PROC. 3153/01; DE 22/10/2003 - PROC. 2608/03; DE 12-03-2009 - PROC. 3168/08; DE 13-01-2011 – PROC. 3/09.0YGLSB.S1; DE 11-12-2012 – PROC. 36/11.6YFLSB.S1.
Sumário :

I - Densificando o conceito de inadmissibilidade legal, o STJ tem vindo a entender que a instrução é legalmente inadmissível nos casos em que da simples análise do requerimento para a abertura de instrução, sem recurso a qualquer outro elemento externo, resultar que os factos narrados pelo assistente jamais podem levar à aplicação de uma pena ao arguido.
II - Assim, sempre que a instrução redundar, necessariamente, num despacho de não pronúncia, a sua realização constitui um acto processual inútil, violando o princípio da economia processual, entendido na dimensão de proibição da prática de actos inúteis, tal como se encontra estabelecido no art. 130.º, do CPC.
III - Embora o CPP não contenha norma equivalente, aquele preceito do processo civil pode ser aplicado no processo penal, conforme o art. 4.º, do CPP, na medida em que se harmoniza em absoluto com o processo penal, uma vez que é a proibição da prática de actos inúteis que subjaz à norma do art. 311.º, do CPP que permite ao juiz rejeitar a acusação manifestamente infundada e à norma do art. 420.º, n.º 1, al. a), do CPP, onde se prevê a rejeição do recurso quando for manifesta a sua improcedência.
IV - A nulidade insanável prevista na al. d) do art. 119.º do CPP apenas se verifica nos casos de não realização de instrução que tiver sido convenientemente requerida e em que inexista motivo de rejeição do respectivo requerimento.
V - A decisão de indeferimento do requerimento de abertura de instrução tomada no despacho recorrido, fundamentando-se em que os factos denunciados não constituem crime, não é caracterizável como “decisão surpresa” por corresponder a uma interpretação que vem sendo feita quer pelas Relações, quer pelo STJ, encontrando-se publicadas decisões tomadas por este último tribunal, quer nas bases de dados informáticas, quer na CJ.
VI - O despacho recorrido não ofende qualquer princípio constitucional, nomeadamente o do Estado de Direito, pois encontra-se devidamente fundamentado e não negou, em momento algum, o acesso ao direito, tendo sido permitido à assistente a interposição de recurso do despacho de indeferimento do requerimento de abertura de instrução, de modo a fazer examinar por uma secção do STJ a bondade de tal decisão.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. A Ordem dos Advogados, representada pela sua Bastonária, apresentou, na Procuradoria-Geral da República, denúncia criminal contra o Primeiro Ministro, Dr. ...., contra a Ministra de Estado e das Finanças, Dr.ª ...., contra a Ministra da Justiça, Dr.ª ... e contra todos os demais membros do Governo Português que estiveram presentes na reunião do Conselho de Ministros de 20 de Fevereiro de 2014, imputando-lhes a prática de um crime de atentado contra o Estado de direito, p. e p., pelo artigo 9º da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, com a redacção estabelecida pela Lei nº 108/2001, pela Lei nº 30/2008, de 10 de Julho, pela Lei nº 4/2011, de 16 de Fevereiro e pela Lei nº 4/2013, de 14 de Janeiro. 

A factualidade denunciada é susceptível de ser sintetizada da seguinte forma: o Conselho de Ministros, em sessões realizadas em 6 e em 20 de Fevereiro de 2014,  aprovou o diploma que estabelece o Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e que veio a ser publicado como Decreto-Lei nº 49/2014, de 27 de Março. Com tal diploma o Conselho de Ministros visou regulamentar a Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), de forma a permitir a sua entrada em vigor. Comparando a nova organização dos tribunais de 1ª instância com a que vigorou até 31 de Agosto de 2014, verifica-se que resultou daquele Decreto-Lei o encerramento de 20 tribunais e a transformação de outros 27 em secções de proximidade, que servindo de meros “postos de atendimento”, poderão, no futuro, vir a ser igualmente encerrados. Uma vez que a justiça pretendida e reclamada pelo cidadão não poderá ser feita localmente, com forçoso afastamento das populações dos tribunais, o que também sucede às populações cujos municípios onde residam disponham apenas de tribunais de determinada competência específica, foi, deste modo, coarctado às populações daqueles municípios, de forma parcial ou total, o direito de acesso ao direito e aos tribunais e o direito à tutela jurisdicional efectiva. Perante os imperativos constitucionais que enformam o Estado de direito democrático, a regulação operada pelos mencionados membros do Governo Português foi levada a efeito com flagrante desvio das funções que lhes estão confiadas, por lhes ser exigível que conheçam perfeitamente os direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição, impondo-se-lhes que os respeitem no processo legislativo, sem reservas ou subterfúgios. Ao legislarem pelo modo como o fizeram, os denunciados  restringiram ou dificultaram gravemente, a milhares de cidadãos, o acesso ao direito e aos tribunais, desprezando conscientemente o critério da proximidade do cidadão no acesso ao direito e à justiça, tentando subverter o Estado de direito constitucionalmente estabelecido e, concretamente, os direitos fundamentais previstos no nº 1 do art. 20º da Constituição.  Deste modo, agindo de forma voluntária e livre, actuaram com perfeita consciência de que estavam a destruir o sistema de justiça português, pilar estruturante do Estado de direito democrático.

No inquérito, entretanto instaurado, para além da notificação à Exma. Bastonária da Ordem dos Advogados, na qualidade de representante legal da Ordem, para, querendo, se pronunciar sobre a situação descrita na denúncia, à qual nada acrescentou, não foi praticada nenhuma diligência, O inquérito foi, de seguida, arquivado com fundamento no disposto no art. 277º nº 2 do Código de Processo Penal, depois de o Ministério Público afirmar no seu despacho de que não há indícios da prática do denunciado crime. Afirmação esta que se baseia-se na seguinte argumentação: “Materialmente, [os] factos permitem apenas depreender que os denunciados quiseram modificar a organização judiciária tal como estava estabelecida na lei anteriormente em vigor e que, para o efeito, foram tomadas, pelo Governo, medidas legislativas na área da justiça com vista à reforma do mapa judiciário. Não são conhecidos, nem são avançados, outros factos dos quais se possa inferir que os denunciados, ao actuarem como actuaram, levando a cabo as alterações legislativas para a reforma judiciária e decidindo o encerramento de tribunais e a transformação de outros em secções de proximidade, o tenham feito com o intuito de, desvirtuando as funções em que estão investidos, quisessem suprimir, restringir ou dificultar gravemente a garantia de efectivação do acesso ao direito e aos tribunais pelos cidadãos. Aliás, a Lei de Organização do Sistema Judiciário n° 62/2013, de 26.08, aprovada pela Assembleia da República, estabelecia já o quadro geral em que a regulamentação ao diploma deveria ser feita. Acresce ainda que, embora as alterações legislativas tenham modificado a anterior configuração do mapa judiciário, daqui não decorre que as mesmas são aptas a alterar a organização, conteúdo e expressão externa do Estado de direito constitucionalmente instituído nos termos exigidos pelo legislador penal para preenchimento do tipo. Na verdade, não alteram, na sua essência, no seu âmago, os direitos de acesso ao direito e à tutela jurisdicional.”

Notificada do arquivamento do inquérito, a assistente requereu a abertura de instrução, com vista à comprovação judicial do arquivamento decidido pelo Ministério Público, tendo dado cumprimento ao disposto na parte final do nº 2 do art. 287º, na remissão que faz para as als. b) e c) do art. 283º, ambos do Código de Processo Penal, ao  proceder, no referido requerimento, à narração dos factos imputados aos denunciados.

           Por despacho de 17 de Junho de 2015, a Ex.ma Senhora Conselheira a exercer funções de juiz de instrução criminal, tendo invocado o disposto no art. 4º do Código de Processo Penal e no art. 130º do Código de Processo Civil, rejeitou  o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente Ordem dos Advogados.

            Para tanto, depois de proceder à análise do requerimento de abertura de instrução na parte em que enuncia os factos veio a concluir não serem os mesmos integradores do tipo de crime de atentado contra o Estado de direito, previsto no art. 9º da Lei nº 34/87, de 16 de Julho. Para tanto, afirmou: “…revivendo a actuação dos denunciados, não se divisa sinal algum minimamente sério e credível de que, ao regulamentarem a dita Lei n.º 62/2013, de 26.08, nos termos que ficaram a constar do Decreto-Lei nº 49/2014, de 27/3, tivessem os mesmos, com flagrante desvio ou abuso das suas funções ou com grave violação dos seus inerentes deveres, ainda que por meio não violento ou ameaça de violência, tentado destruir, ocasionar a ruptura, aniquilar, alterar ou subverter o “Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo e organização política democrática, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes” (artigo 2.º da Constituição da República) … isto é que, pela dimensão, intensidade e nível do resultado advindo daquela sua exacta conduta, hajam indiciado o propósito de como que provocar um «“golpe de estado”, por meios não violentos».

Perante a inexistência de indícios, passou então a ponderar se há justificação para se proceder à requerida abertura de instrução, concluindo que “não se vislumbra utilidade alguma em proceder à requerida abertura de instrução e bem assim à realização das pretendidas diligências instrutórias. E isto porque, se as referidas diligências (como visto, consistentes na constituição como arguidos dos denunciados e na recolha dos depoimentos da Senhora Bastonária da Ordem dos Advogados e dos Presidentes de Câmara dos municípios em que se situavam os tribunais que “encerraram” ou que foram “transformados” em secções de proximidade), pelo patente alcance e óbvio resultado que proporcionariam [não mais do que enfatizar as já mencionadas consequências que, decorrentes da implementação do sistema de organização e funcionamento dos tribunais judiciais, aprovado pela Lei n.º 62/2013, de 29.06 (LOST), regulamentada nos termos do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27.03, foram exaustivamente assinaladas na denúncia e que, por constituírem matéria de conhecimento público e notório, não carecem de concretização adicional], não se representam, face à inconsistência intrínseca dos factos, de qualquer utilidade para fundar a pronúncia dos denunciados pelo imputado crime de atentado contra o Estado de direito, tal condicionalismo não pode deixar de determinar a prolação de uma decisão no sentido de não declarar a instrução.

                   Discordando desta decisão, a assistente Ordem dos Advogados interpôs recurso, tendo extraído da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1° - O presente recurso vem interposto do despacho que indeferiu a abertura da instrução requerida pela assistente, por «inadmissibilidade legal de instrução»;

2° - O MP arquivou o inquérito por entender que os factos denunciados não consubstanciavam qualquer crime, designadamente o crime de atentado contra o Estado de Direito p. e p. pelo art. 9.° da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e subsequentes alterações;

3° - Não concordando com esse entendimento, a assistente requereu a abertura da instrução visando a «comprovação judicial da decisão de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento» (art. 286.°, n.º 1, do CPP);

4.°- O despacho recorrido, sufragando a decisão do MP, entendendo que aqueles factos não consubstanciavam qualquer crime e para evitar a prática de actos inúteis - invocando o art. 130.° do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do art. 4.° do CPP - rejeitou a abertura
da instrução por «inadmissibilidade legal da instrução»;

5.° - O despacho recorrido invocou alguns acórdãos do STJ em defesa da sua tese, arestos esses que, todavia, tratam de questões que em nada se assemelham à dos presentes autos pois pressupõem requerimentos de abertura da instrução com graves deficiências formais processuais;

6.° - No requerimento de abertura da instrução da assistente estão cumpridos todos os formalismos legais, sendo que exclusivamente teve por finalidade sindicar, em fase de instrução, a decisão do MP, o que pretende seja decidido após, pelo menos, debate oral e contraditório (art. 289.º, n.º 1, do
CPP)

7.°_ Na versão factual da denúncia e do RAI, os factos imputados aos denunciados constituem crime de atentado contra o Estado de Direito, sendo que neste RAI se encontram elencados todos os elementos que integram o tipo legal de crime em causa;

8.° - Sucedendo que, perante os mesmos factos, são plausíveis soluções jurídicas diversas e antagónicas,

9.° - E porque o que se discute é justamente saber se os factos em causa consubstanciam ou não o crime mencionado,

10.° - Não pode o Tribunal recorrido, pretender antecipar a decisão instrutória, que só poderia ter proferido depois de declarada aberta a instrução e cumpridos todo os rituais processuais respectivos, nomeadamente o obrigatório debate instrutório, onde se cumpre o princípio do contraditório (art.
289.°, n.º 1, CPP);

11.0 - Não pode o Tribunal recorrido pretender integrar no conceito legal de «inadmissibilidade legal da instrução» (art. 287.°, n.º 3, parte final) a sua própria posição jurídica, coincidente com a anterior do MP, segundo a qual os factos não constituem crime, para assim rejeitar a abertura de instrução;

12.° - Isso porque o Código de Processo Penal não prevê em nenhuma das suas normas essa causa de inadmissibilidade da instrução;

13.° - Sendo que, saber se um facto consubstancia ou não crime, e quando tal se pretende ver transferido para a fase da instrução como seu cerne crucial, não pode constituir causa de inadmissibilidade legal de instrução;

14.° - Ao decidir como decidiu, conhecendo antecipadamente da questão fulcral suscitada no RAI, sem que o tivesse feito, como a lei impõe, na fase de instrução, o despacho recorrido como que «inventou» uma nova fase processual não prevista na lei: a fase do pós-inquérito ou da pré-instrução. E, pretextando que a sua perspectiva jurídica não merece discussão, antecipando a decisão instrutória que adoptaria se houvesse instrução, declarou a instrução um acto inútil. Precipitadamente. Porque lhe competia ouvir os intervenientes processuais, pelo menos, no debate instrutório, a ter lugar ... na instrução.   

15.0 - Estaria assim encontrada a forma de o JIC não declarar aberta a instrução: os factos não consubstanciam crime, logo rejeito a abertura de instrução. Ainda que esse seja o cerne da questão, isto é, a causa do requerimento da abertura da instrução. E, fazendo valer a sua perspectiva
jurídica como a única válida, bastaria declarar a instrução como «acto inútil»
para a rejeitar por inadmissibilidade «legal» - quando o certo é que se trata apenas de uma inadmissibilidade «judicial» ...

16.0 - O despacho recorrido violou assim, além do mais, o princípio do contraditório, já que não consentiu que, em fase da instrução, perante si, os intervenientes processuais pudessem discutir e esgrimir de viva voz a questão, quanto mais não fosse em debate instrutório (oral e contraditório- art.289.°, n.º 1, do CPP);

17.° - Não tendo declarado aberta a instrução, o despacho recorrido está ferido de nulidade insanável prevista no art. 119.°, al.d), do CPP, por falta de instrução que, no caso, porque requerida por quem tem legitimidade, em tempo e perante o juiz competente, é obrigatória por lei (arts. 286.°, n.º 1, 287.º, n.º 1 al. b), do CPP);

18.º - Em consequência, declarando a referida nulidade, deverá revogar- se o despacho recorrido e ordenar-se a prolação de outro que ordene a abertura da instrução com todas as consequências legais;

19.° - Acaso assim não se entenda, e perante a «decisão - surpresa» que constitui a tese do despacho recorrido, vai invocada a inconstitucionalidade da interpretação normativa conjugada dos arts. 286º n.º 1 e 287.°, n.º 1, al.b) e n.º 3, do CPP e art° 130° do CPCivil aqui aplicável «ex vi» art° 4° do CPP, segundo a qual integra o conceito de «inadmissibilidade legal da instrução» a conclusão prévia pelo JIC de que os factos pelos quais o MP não deduziu acusação no final do inquérito não consubstanciam a prática de qualquer crime, tal como ali considerara o MP, o que, por configurar acto inútil, legitima a rejeição da abertura da instrução por inadmissibilidade legal, não obstante posição contrária defendida no RAI pelo assistente; tudo por violação do princípio do Estado de Direito (art. 2º da CRP) e dos diversos subprincípios constitucionais daí decorrentes invocados na MOTIVAÇÃO (nomeadamente previstos nos arts. 3.°, 20.° e 205.°, da CRP) e do princípio da universalidade (art. 12.°, n.º 2, da CRP).

20.° - O despacho recorrido, pelos motivos expostos, violou o disposto nos artigos 286.°, n.º 1, e 287.°, n.º 1, al. b) e n.º 3, do CPP, e o art. 130° do CPCivil aplicável ao processo penal "ex vi" art° 4° do CPP, o que traduz nulidade insanável (art. 119.°, aI. d), CPP).

TERMOS EM QUE […] , deve revogar-se o despacho recorrido, declarando-se a nulidade insanável supra invocada, e, em consequência, ordenar-se a prolação de novo despacho em que se ordene a abertura de instrução, conforme no supra exposto, ou, assim não se entendendo, declarar-se a inconstitucionalidade que vai acima arguida, como é de JUSTIÇA.

           Em resposta, o Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso, tendo sintetizado o seu entendimento nas seguintes conclusões:
1. Perante o arquivamento do inquérito, tratando-se de crime público ou semipúblico, o assistente pode apresentar requerimento para abertura de instrução, que corresponderá à dedução de acusação.
2. Aberta a instrução, a decisão instrutória a proferir, tendo em conta o princípio da vinculação temática, só poderá recair sobre a factualidade constante desse requerimento, posto que são esses os factos que constituem o objecto do processo.
3. O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a firmar o entendimento no sentido de que cabe no conceito de inadmissibilidade legal da instrução a situação em que o juiz, apreciando o requerimento do assistente nos seus precisos termos, conclui, à partida, que, em face da factualidade dele constante, o denunciado não poderia vir a ser pronunciado, porque os factos narrados não constituem crime.
4. Ou seja, face à vinculação temática, o debate instrutório nenhuma utilidade teria.
5.O princípio da economia processual, previsto no artigo 137.0 do CPC, aplica-se ao processo penal (art, 4.° do CPP) e, em face dele, haverá que incluir no conceito de "inadmissibilidade legal", tanto os fundamentos específicos da inadmissão da instrução qua tale, como os fundamentos genéricos de inadmissão de actos processuais em geral.
6. A factualidade imputada aos denunciados no requerimento de abertura da instrução - a mesma que constava da denúncia - não contém, desde logo, factos que permitam, materialmente, configurar o elemento subjectivo do tipo legal de crime imputado.
7. O requerimento de abertura de instrução não descreve sequer factos de que se possa
concluir que, com as condutas imputadas, os referidos agentes tenham destruído, alterado ou subvertido (ou tentado destruir, alterar ou subverter) o Estado de direito constitucionalmente estabelecido.

8. Resultando da análise do requerimento de abertura de instrução, sem recurso a qualquer outro elemento externo, que os factos narrados não são crime, a instrução é legalmente inadmissível, não ocorrendo a apontada nulidade.
9. Tendo havido rejeição liminar do requerimento de abertura de instrução, não tendo esta fase sido declarada aberta, não há violação do princípio do contraditório tal como ele está configurado para o processo criminal, no art. 32.°, n° 5, da CRP.
10. O entendimento seguido pela decisão recorrida, de rejeição do requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal, não é inédita ou inovadora, tendo vindo a ser seguida, em inúmeras decisões, pelo Supremo Tribunal de Justiça.
11. Tal interpretação normativa dos preceitos poderia ter sido antecipada pela recorrente
não comportando uma imprevisibilidade que permita atribuir-lhe carácter "surpresa"

           

Após distribuição, foi dada vista ao Ministério Público, que remeteu para a sua resposta ao recurso.

O processo foi, posteriormente, a vistos e vem agora à conferência para decisão.

           2.  A questão a resolver no presente recurso consiste em saber se, arquivado o inquérito pelo Ministério Público e requerida a abertura de instrução pelo assistente, pode o juiz de instrução criminal rejeitar este requerimento por inadmissibilidade legal da instrução fundando-se na proibição da prática de actos inúteis, quando, através da análise daquele requerimento concluir que os factos descritos pelo assistente não constituem crime. 

         3.  O art. 287º do Código de Processo Penal estabelece no seu nº 4, que “o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz, ou por inadmissibilidade legal da instrução”.

Foi com fundamento em inadmissibilidade legal de instrução que o despacho recorrido indeferiu o requerimento de abertura de instrução.

A tal respeito, afirma-se no despacho recorrido:

Assim, como se dá conta, nomeadamente, no também já mencionado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.01.2011, tem-se entendido constituírem, entre outros, casos de inadmissibilidade legal de instrução: i) quando do requerimento de abertura de instrução, apresentado pelo assistente, na sequência da prolação de despacho de arquivamento pelo Ministério Público, não constem factos, o que, a admitir-se, libertaria o juiz de qualquer vinculação temática; ii) quando do requerimento de abertura de instrução resulte falta de tipicidade da conduta imputada ao agente, inimputabilidade deste, ausência de queixa, prescrição do procedimento, porque é o próprio procedimento que não pode prosseguir por falta de objecto, de pressupostos, de arguido, sendo inexistente o processo; iii) quando do requerimento de abertura de instrução, apresentado pelo assistente, não conste a narração dos factos, ou a indicação das disposições legais violadas e bem assim quando contenha factos que não constituem crime.

E isto, sob pena de a instrução vir a constituir um acto inútil e, como tal, proibido por lei, nos termos do artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo criminal, por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal, que, aliás, contém vários afloramentos desse princípio, como acontece nos artigos 311.º, número 2, alínea a), e 420.º, número 1, alínea a), que fulminam com a rejeição a acusação manifestamente infundada ou o recurso manifestamente improcedente.

Sendo certo que, nos termos do número 3 do artigo 311.º do Código de Processo Penal, a acusação considera-se manifestamente infundada quando dela não constem a identidade do arguido [alínea a)], a narração dos factos [alínea b)], a indicação das disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam [alínea c)] ou quando os factos não constituírem crime [alínea d)].

Em face disto e recorrendo à analogia, face às semelhanças que acabam por existir entre acusação e a instrução, pelo menos nesta dimensão, a jurisprudência, nomeadamente deste Supremo Tribunal, tem entendido que quando, pela simples apreciação do requerimento de abertura de instrução, e sem recurso a qualquer elemento externo, o juiz concluir que os factos narrados pelo assistente jamais poderão levar à pronúncia do arguido e bem assim à eventual aplicação de uma sanção, após o respectivo julgamento, terá de considerar-se que a fase instrutória é inútil e, como tal, legalmente inadmissível.

Daí que, como se afirmou no referido acórdão de 13.01.2011, “se o juiz de instrução, apreciando o requerimento do assistente nos seus precisos termos, concluir que de modo algum o arguido poderá ser pronunciado, uma vez que os factos que narra jamais constituirão crime, deve rejeitar o requerimento do assistente…”.

Insere-se o despacho recorrido na corrente deste Supremo Tribunal de Justiça, que, ao densificar o conceito de inadmissibilidade legal, tem vindo a entender que a instrução é legalmente inadmissível nos casos em que, da simples análise do requerimento para a abertura da instrução, sem recurso a qualquer outro elemento externo, resultar que os factos narrados pelo assistente jamais podem levar à aplicação de uma pena ao arguido. Tal pode suceder quando no requerimento apresentado pelo assistente faltarem elementos essenciais como são a descrição dos factos, nomeadamente do elemento subjectivo, ou se os factos narrados não forem integradores de qualquer tipo legal de crime. Quando tal acontece, a instrução passa a constituir um acto processual inútil, redundando esta fase processual, necessariamente, num despacho de não pronúncia. A inadmissibilidade legal resulta, assim, nesses casos, da violação do princípio da economia processual, entendido na dimensão de proibição da prática de actos inúteis, tal como se encontra estabelecido no art. 130.º do Código de Processo Civil. E embora o Código de Processo Penal não contenha norma equivalente, aquele preceito do processo civil pode ser aplicado no processo penal, conforme permite o art. 4.º do correspondente Código, na medida em que se harmoniza em absoluto com o processo penal. Com efeito, é a proibição da prática de actos inúteis que subjaz à norma do artigo 311.º, que permite ao juiz rejeitar a acusação manifestamente infundada, e, bem assim, à do artigo 420.º número 1 alínea a), onde se prevê a rejeição do recurso quando for manifesta a sua improcedência.

Deste modo se julgou nos acórdãos de 27/02/2002 - Proc. 3153/01; de 22/10/2003 - Proc. 2608/03; de 12-03-2009 - Proc. 3168/08; de 13-01-2011 – Proc. 3/09.0YGLSB.S1; de 11-12-2012 – Proc. 36/11.6YFLSB.S1.

Defende a assistente a tese de que haverá sempre que abrir a fase de instrução, na qual se realizará, pelo menos, o debate instrutório, após o que se seguirá o despacho de pronúncia ou não pronúncia.

Tratando do conceito de inadmissibilidade legal, Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, III, pág. 134-135), considera que nela cabem realidades diversas, o que lhe permite afirmar: “o requerimento do assistente tem de conformar uma verdadeira acusação e, por isso, o requerimento não é admissível se dele resultar falta de tipicidade da conduta ou a falta de inimputabilidade do arguido, porque é o próprio procedimento que não pode prosseguir por falta dos pressupostos do objecto, de arguido. Faltando no processo o objecto ou o arguido o processo é inexistente. Se, porém, em lugar de inexistência ocorrer apenas a nulidade da acusação, nos termos do art. 283º, já não será caso de inadmissibilidade legal da instrução, tanto que a nulidade da acusação não é de conhecimento oficioso, tendo de ser arguida”.

Maia Gonçalves (Código de Processo Penal Anotado, pág. 629) de igual modo refere, a respeito do nº 4 do art. 287º do Código de Processo Penal, que “a rejeição por inadmissibilidade legal da instrução inclui os casos em que aos factos não corresponde infracção criminal (falta de tipicidade), de haver obstáculo que impede o procedimento criminal e de haver obstáculo à abertura da instrução, v.g. ilegitimidade do requerente (caso do MP) ou inadmissibilidade legal da instrução (v.g. casos dos crimes particulares e de alguns processos especiais).”

Posição similar é adoptada por Vinício Ribeiro (Código de Processo Penal – Notas e Comentários, pág. 590) quando afirma que “o não descrever factos, ou descrever factos que não constituam crime, não pode deixar de conduzir à mesma solução, isto é, à inadmissibilidade legal do RAI do assistente por falta de requisitos legais”.

Contudo, Simas Santos e Leal Henriques (Código de Processo Penal – Anotado, II, 2000, pág. 163), para quem os casos de inadmissibilidade da instrução se limitam à que for requerida no âmbito dum processo especial ou por quem não tenha legitimidade para tal, defendem que “se do próprio requerimento para abertura da instrução resultar falta de tipicidade da conduta, ausência de queixa, prescrição do procedimento ou inimputabilidade do arguido, etc, somos a entender que, mesmo assim, a instrução não poderá nem deverá ser desde logo recusada por inadmissibilidade, servindo, todavia, para analisar também essas questões.”

A recorrente invoca, em socorro da sua posição, a nota 5 ao artigo 287º, a pág. 1002 do Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar et alii, onde se diz, invocando a opinião de Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, 4 ed. pág. 778), ser “admissível a instrução requerida pelo assistente contra despacho de arquivamento fundamentado na não punibilidade dos factos apurados no inquérito”. Do mesmo autor refere ainda a recorrente, a remessa que, na nota 12 ao art. 287º da 2ª ed. do Comentário, é feita para o acórdão da Relação de Lisboa de 15-11-2000, in CJ, XXV, 5, 143: “Não constituem fundamentos de indeferimento do requerimento de abertura da instrução … a pura inutilidade de todas as diligências requeridas e do debate instrutório”.

A invocação de Paulo Pinto de Albuquerque, feita na nota 5 do Código de Processo Penal Comentado, apenas abona a asserção constante do primeiro parágrafo dessa mesma nota, onde se afirma não ser possível requerer a instrução para discutir a qualificação jurídica dos factos constantes da acusação.

Quanto à que consta do terceiro parágrafo – é admissível a instrução requerida pelo assistente contra despacho de arquivamento fundamentado na não punibilidade dos factos apurados no inquérito – outra parece ser, salvo melhor entendimento, a opinião daquele autor. Com efeito, a pág. 777 do seu Comentário … 4ª ed., Paulo Pinto de Albuquerque, ao enunciar os casos de inadmissibilidade legal da instrução, considera, na al. j), como sendo uma dessas situações, o “requerimento do assistente que contém factos que não constituam crime (art. 311º, nº 3, alª c), por identidade de razão)”.

Por outro lado, o que se afirma no acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Novembro de 2000, que a recorrente chama à colação, é extrapolado para uma situação que o aresto não consente. Conforme o texto constante da CJ, XXV, 5, pág. 143, a mencionada decisão esclarece que “a questão objecto do recurso consiste em saber se, declarada aberta a instrução, é legítimo, posteriormente, com o fundamento de que as diligências requeridas em instrução se revelam inúteis, conduzindo à inadmissibilidade do procedimento criminal, por os factos já terem sido objecto de prévia investigação, ordenar, sem mais, o arquivamento dos autos.” No caso, não se tratava, portanto, de indeferimento do requerimento de abertura de instrução porque a fase de instrução já fora iniciada. E, assim sendo, a Relação decidiu, e bem, que, “admitido o requerimento de abertura de instrução, é vedado ao Mmo. JIC ordenar o arquivamento dos autos, … devendo realizar debate instrutório e, em seguida, emitir despacho de pronúncia ou não pronúncia.” Nenhuma identidade existe, pois, com a situação do presente recurso.

Por tudo quanto se deixa dito, nenhum reparo merece o despacho recorrido quanto à possibilidade de indeferimento do requerimento de abertura de instrução  fundada em que os factos denunciados não constituem crime.

4. Sendo o âmbito do recurso definido pelas conclusões da motivação, não faz parte do objecto do presente recurso apreciar a bondade da decisão quanto à tipicidade dos factos narrados no requerimento de abertura de instrução vista à luz do crime do art. 9º da Lei nº 34/87. 
 Diz a assistente na motivação: “o despacho recorrido acabou por - indevidamente - antecipar o que, nos termos da lei, deveria apenas ser dado a conhecer, eventualmente, na competente DECISÃO INSTRUTÓRIA, depois de realizado, pelo menos e obrigatoriamente, o competente DEBATE INSTRUTÓRIO ( artº 289°, nº 1, do CPP).
E se, como se diz no despacho recorrido, os factos assinalados na denúncia e no RAI constituem matéria de conhecimento público e notório, tornando, por isso, desnecessária a realização de qualquer diligência instrutória, esse facto, só por si, não pode conduzir à rejeição da abertura de instrução (art. 289°, nº 1, do CPP).
Na verdade, se a Assembleia da República (através da Lei n° 62/2013 de 26/08) não determinou o encerramento de qualquer Tribunal até então instalado em território português,
E se ao Governo competia exclusivamente regulamentar a mencionada lei - nos seus múltiplos aspectos - e não reformulá-Ia, ou alterá-Ia no seu cerne, não a desvirtuando nos respectivos princípios e bases gerais;
Se ao Governo competia, nomeadamente, proceder ao desdobramento de cada uma das 23 comarcas criadas pela Lei 62/2013, de 26/08,
Já não lhe competia encerrar Tribunais e muito menos 47 Tribunais em outros tantos municípios, despojando os milhares de habitantes aí residentes desses mesmos Tribunais e, as mais das vezes, tornando-lhes o respectivo acesso praticamente impossível ou muito dificultado.
… qualquer governante, minimamente avisado, sabe que, encerrando (sobretudo no interior do País) 47 tribunais, nunca tal poderá permitir uma resposta judicial "mais próxima das populações" e que, pelo contrário, terá por efeito o distanciamento e o cercear do acesso à justiça e à efectiva tutela jurisdicional.
De qualquer modo, não se pretende discutir nesta sede o que, por lei, só pode ser discutido em instrução.

Está, pois, excluída do âmbito do presente recurso, como expressamente resulta da  afirmação transcrita, a pronúncia acerca da tipicidade da conduta dos denunciados à luz do crime previsto no art. 9º da Lei nº 34/87, questão que, nem de forma cautelar, foi suscitada pela recorrente.

5.  Por não ter sido declarada aberta a instrução, invoca a assistente a  nulidade insanável prevista no art. 119º al. d) do Código de Processo Penal.

Sendo a instrução, na previsão do Código de Processo Penal, uma fase processual facultativa (art. 286º nº 2), a redacção do texto legal não foi feliz, conforme refere Maia Gonçalves (Código de Processo Penal – Anotado,16ª ed., pág. 306). Contudo, propõe Souto de Moura (Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 118) que ao texto legal seja dado o sentido seguinte: “… aquela al. d) do art. 119º, no que respeita à instrução, falará da respectiva obrigatoriedade supondo que ela foi convenientemente requerida e inexistindo motivo de rejeição do requerimento.” 

Assim, só em situações em que se verifiquem estes dois pressupostos é que existirá uma nulidade insanável por falta de realização da instrução.

No caso dos autos, porém, há motivo para o requerimento de abertura de instrução ter sido rejeitado, pelo que não ocorre a nulidade insuprível, que vem invocada.

Sem necessidade de mais longa explanação, não se reconhece a existência nos presentes autos da nulidade prevista na al. d) do art. 119º do Código de Processo Penal.


6. Finalmente, considerando estar perante uma decisão surpresa, invoca a recorrente a inconstitucionalidade da interpretação normativa conjugada dos arts. 286º nº 1 e 287º nº 1 al. b) e nº 3 do Código de Processo Penal e art. 130º do Código de Processo Civil, nos termos em que foi feita no despacho recorrido, o que seria violador do princípio do Estado de Direito (art. 2º da Constituição) e dos diversos subprincípios constitucionais, nomeadamente os previstos nos arts. 3º, 20º e 205º da Constituição e ainda do princípio da universalidade (art. 12º nº 2).
A decisão que foi tomada no despacho recorrido corresponde, como se disse já, a uma interpretação que vem sendo feita quer pelas Relações, quer pelo Supremo Tribunal de Justiça, encontrando-se publicadas decisões tomadas por este último Tribunal, quer nas bases de dados informáticas, como sucede com todos os acórdãos acima referidos, que foram, na sua maioria mencionados no despacho recorrido (acórdãos de 27/02/2002 - Proc. 3153/01; de 22/10/2003 - Proc. 2608/03; de 12-03-2009 - Proc. 3168/08; de 13-01-2011 – Proc. 3/09.0YGLSB.S1; de 11-12-2012 – Proc. 36/11.6YFLSB.S1.), quer na Colectânea de Jurisprudência, onde se mostra publicado o acórdão de 13-01-2011 - Proc. 3/09.0YGLSB.S1, a pág. 177 seg., do tomo 1, do ano XIX dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, aresto expressamente referido na fundamentação do despacho recorrido.

Por tudo isto, não se pode apelidar o despacho recorrido de “decisão surpresa”.

Acresce que, nem tal despacho, que se mostra devidamente fundamentado, nem o presente acórdão que o confirma, ofendem qualquer princípio constitucional, nomeadamente os enunciados pela recorrente. Não foi negado, em momento algum, o acesso ao direito, tendo sido conferida à assistente a possibilidade de interposição de recurso do despacho que indeferiu o requerimento de abertura de instrução, fazendo examinar por uma secção do Supremo Tribunal de Justiça a bondade daquela decisão, como sucede no presente acórdão. E se aqui não foi analisada a questão da tipicidade dos factos denunciados, foi apenas porque a assistente, como vimos, expressamente excluiu tal questão do âmbito do presente recurso.

Não existe, portanto, violação alguma de preceitos ou de princípios constitucionais.

DECISÃO

            Termos em que acordam no Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto pela assistente Ordem dos Advogados, em consequência do que confirmam a decisão que indeferiu o requerimento de abertura de instrução.

            Sem custas, por dela estar isenta a assistente (arts. 1º nº 1 e 5º nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 415/2015, de 9 de Setembro, e art. 4º nº 1 al. g) do Regulamento das Custas Processuais).   

                                                          Lisboa, 11 de Fevereiro de 2016

Arménio Sottomayor (Relator)

Souto de Moura