Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
267/09.9PGALM.L1-A.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
RECURSO DE DECISÃO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
ACORDÃO FUNDAMENTO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REJEIÇÃO DE RECURSO
TRÂNSITO EM JULGADO
Data do Acordão: 09/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL - FACTO / FORMAS DO CRIME - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS.
Doutrina:
- Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal (4ª edição), 1203.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 410.º, 412.º, N.º3, 434.º, 437.º A 448.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 22.º, 23.º, 77.º, 131.º, 132.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEAS A) E C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- DE 02.01.16, 05.02.02, 06.03.22, 10.01.13, 11.05.11 E 12.05.02, O PRIMEIRO PUBLICADO NA CJ (STJ), XIII, I, 189, OS RESTANTES PROFERIDOS NOS PROCESSOS N.ºS 3059/01, 467/06, 611/09.9YFLSB.S1, 77/10.0GTCSC.L1-A.S1 E 145/10.9GCVBRM.
- DE 09.02.26, PROFERIDO NO PROCESSO Nº 1595/07.
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ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 3/12
Sumário :
I - O recorrente qualificou e fez distribuir o recurso como de fixação ou uniformização de jurisprudência, fundamentando-se na circunstância de a decisão recorrida se encontrar em oposição com o decidido pelo STJ no AFJ n.º 3/2012.

II - A impugnação de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ não se processa através do recurso para fixação de jurisprudência, regulado nos arts. 437.º a 445.º e 448.º, do CPP, antes mediante o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, recurso regulado nos arts. 446.º a 448.º daquele diploma legal.

III - O critério de aferição da existência de decisão proferida contra jurisprudência fixada, conquanto a lei adjectiva penal o não enuncie expressamente, não pode deixar de ser o da oposição de julgados, critério aplicável ao recurso de fixação ou uniformização de jurisprudência, previsto no n.º 1 do art. 437.º do CPP.

IV - A oposição de julgados, como pressuposto do recurso de fixação de jurisprudência, implica que os acórdãos em confronto – recorrido e fundamento – se tenham pronunciado sobre a mesma questão de direito, com consagração de soluções divergentes, perante situações de facto idênticas, devendo a oposição reflectir-se expressamente nas decisões.

V - No AFJ n.º 3/2012 foi fixada a seguinte jurisprudência: “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”. Por sua vez, no acórdão recorrido, a decisão de rejeição do recurso interposto pelo recorrente, na parte correspondente à impugnação da matéria de facto, foi justificada por “o recorrente invocar erros de julgamento onde apenas se fazem referências ao depoimento quer de testemunhas quer declarações dos arguidos, sem indicação das passagens concretas reportadas à prova gravada e sem sequer terem sido transcritas quaisquer declarações em termos cabais (vd. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2012)”, ou seja, a decisão de rejeição do recurso na parte atinente à impugnação da matéria de facto foi sustentada no AFJ que o ora recorrente diz estar em oposição com aquela decisão.

VI - Deste modo, é forçoso concluir que a decisão recorrida não foi proferida contra a jurisprudência fixada no AFJ n.º 3/2012, pese embora o recorrente entenda o contrário, sob a alegação de que cumpriu o ónus imposto no n.º 3 do art. 412.º do CPP nos termos referidos naquele acórdão, alegação que, obviamente, não pode ser considerada, posto que o STJ não pode em recurso extraordinário, ir sindicar a decisão recorrida, em ordem a verificar se o recorrente, ao contrário do decidido, deu cumprimento ao ónus previsto no n.º 3 do art. 412.º do CPP, sindicação que só é admissível em recurso ordinário.
Decisão Texto Integral:

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA com os sinais dos autos, interpôs recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência, com o fundamento de que o acórdão proferido em 18 de Abril de 2013 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo supra referenciado, está em oposição com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 3/12, publicado no DR, I Série, de 18 de Abril de 2012.

São do seguinte teor as conclusões extraídas da motivação de recurso[1]:

1.            O Tribunal a quo entendeu não ser atendível a circunstância do arguido ter invocado erro de julgamento quanto à matéria de facto, por este não ter especificado por referência aos suportes técnicos de gravação, quais as partes das declarações das testemunhas e/ou arguidos em que sustentou a sua motivação e retensão recursiva.

2.            Para tanto, entendeu que houve por parte do arguido desobediência estrita dos requisitos formais previstos no n.° 3 e n.° 4 do art.º 412.° do CPP, por não ter indicado tais provas nos preditos suportes técnicos, que impunham decisão diversa da recorrida, e provas estas que deveriam ser renovadas nos moldes estabelecidos no art.º 364.° n.° 2 do CPP.

3.            Além disso, considerou que a falta de indicação dessas passagens concretas reportadas à prova gravada em audiência de discussão e julgamento, como inclusive considerou não terem sido transcritas quaisquer declarações em termos cabais no âmbito da sua motivação recursiva, ao contrário do que aconteceu.

4.            De facto, a contrario, o arguido recorrente fez referência directa às transcrições dos preditos depoimentos usados no próprio texto da sentença condenatória que aí idem consignou textualizados por ter sido o que foi dito em sede de audiência pelas testemunhas e/ou arguidos, aí idem perfeitamente identificados.

5.            Tal qual aconteceu, mormente, nos pontos IX e X da sua inicial motivação, onde o arguido textualizou o que disse no seu depoimento e transcreveu as declarações em termos cabais do que depôs, confirmando-se assim ter sido transcrita uma das passagens concretas da sua integral declaração, a contrario do que foi decidido pelo Tribunal a quo.

6.            Reforçou ainda nos pontos seguintes (XI a XIV) da sua anterior motivação, onde pormenorizou com descrição mais detalhada o que afirmou em audiência quando prestou o seu depoimento relativamente aos factos ocorridos e em causa para o recurso da respectiva matéria de facto que não foi atendida pelo Tribunal a quo.

7.            Tal qual assim procedeu quanto ao que foi declarado pelo outro arguido (Nelson Burga Oliveira) no que motivou textual e cabalmente nos pontos XXII a XXIV da sua motivação inicial, dando indicação das passagens concretas e textualizadas das preditas declarações daquele visado arguido.

8.            Ainda, relativamente ao depoimento da testemunha Gao Meifang foi o arguido, ora recorrente, pormenorizado quanto ao que explicitou nos pontos VII, XV e XXI da sua motivação inicial, ter sido o cabalmente declarado em depoimento por tal testemunha.

9.            E, inclusive no ponto 19 das suas conclusões do recurso inicial, foi firmada a única passagem concreta da gravação dos depoimentos prestados pelo ora recorrente, o outro arguido e a testemunha Gao Meifang, com referência expressa à gravação indicada nos momentos entre: (11:58:57 a 12:11:55) - com relação a "que a aresta partida de vidro ou cerâmica utilizada para ter produzido o golpe que veio a originar a perda do globo ocular do outro arguido, não foi usada e empunhada pelo ora recorrente ao contrário do decidido pelo tribunal a quo."

10.          Ainda assim, nem sequer o ora recorrente, foi alvo de merecer despacho do Tribunal a quo de aperfeiçoamento dessas suas motivações, tal qual se lhe impunha, face ao cumprimento do que é disposto no n.° 3 do art.º 417.° do C.P.P. e em consonância com a jurisprudência já fixada nesse sentido no sempre visado Acórdão  3/2012  de   18.4.2012  in  www.dgsi.pt,  para  cabal esclarecimento das passagens concretas reportadas á prova gravada que estavam em causa nos depoimentos textualizados na sua motivação do recurso inicial como supra exposto.

11.          É que, impõe a jurisprudência aí fixada no mesmo versado Acórdão do STJ que profere no sentido de que " Não é por tal omissão, referente apenas ao modo de especificação, que o recurso deixará de ser um efectivo recurso de facto, e esse desvio processual, quando o for não justificará, nunca, no actual contexto da lei vigente, o radical, imediato, definitivo e incontornável indeferimento da pretensão recursiva, sem a legalmente prevista formulação de convite ao aperfeiçoamento, ao cabível suprimento da deficiência formal."

12.          Acórdão esse que uniformizou jurisprudência no sentido de que "a norma do n.°4 do artigo 412° do CPP deve ser interpretada no sentido no sentido de as especificações constantes das alíneas b) e c) do n.° 3 deverem ter-se por satisfeitas quando o recorrente especifique as concretas provas que em seu entendimento imponham decisão diversa da recorrida e indique os depoimentos de que se pretende fazer valer e submeter a reexame, identificando quem os prestou e transcrevendo-os", tal qual aconteceu na motivação e conclusões do seu anterior recurso incial.

13.          E porque a tal não atendeu a decisão recorrida, é manifesto o conflito de jurisprudência entre o sempre visado Acórdão do STJ e o Acórdão recorrido na medida em que se encontram em oposição, impondo-se por isso a uniformização de jurisprudência sobre a matéria em causa, tal qual se reclama e requer.

14.          Uniformizada que seja tal jurisprudência, necessariamente deverá ser reapreciada pelo Tribunal a quo o recurso da matéria de facto (o que não se verificou) nem que seja mediante aperfeiçoamento da motivação do recorrente (cujo convite não foi formulado), sendo certo que se assim tivesse sido, a decisão ora recorrida seria com toda a probabilidade a contrario do que foi proferida, por ter conhecido do vício que a decisão condenatória enferma quanto da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a sustento da fundamentação da mesma.

Não foi apresentada resposta.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, na sequência da vista a que se refere o n.º 1 do artigo 440º do Código de Processo Penal[2], emitiu parecer no qual pugna pela rejeição do recurso, com o fundamento de que o acórdão recorrido não colide com a jurisprudência fixada pelo acórdão n.º 3/12.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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O recurso interposto por AA do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 18 de Abril de 2013, no âmbito do Processo nº 267/09.9PGALM.L1, recurso que o recorrente qualificou e fez distribuir como de fixação ou uniformização de jurisprudência, vem fundamentado na circunstância de a decisão recorrida se encontrar em oposição com o decidido por este Supremo Tribunal no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 3/12.

Certo é que a impugnação de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça não se processa através do recurso de fixação ou uniformização de jurisprudência, recurso regulado nos artigos 437º a 445º e 448º, antes mediante o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, recurso regulado nos artigos 446º a 448º daquele diploma legal.

Pese embora o recorrente haja impugnado incorrectamente a decisão recorrida vejamos se a mesma, como aquele alega, foi proferida contra a jurisprudência fixada por este Supremo Tribunal no acórdão n.º 3/12[3].

O critério de aferição da existência de decisão proferida contra jurisprudência fixada, conquanto a lei adjectiva penal o não enuncie expressamente, não pode deixar de ser o da oposição de julgados, critério aplicável ao recurso de fixação ou uniformização de jurisprudência[4], previsto no n.º 1 do artigo 437º, preceito que estabelece: «Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar».

Conforme jurisprudência constante e uniforme deste Supremo Tribunal, a oposição de julgados, como pressuposto do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, implica que os acórdãos em confronto – recorrido e fundamento – se tenham debruçado e pronunciado sobre a mesma questão de direito, com consagração de soluções divergentes, perante situações de facto idênticas, devendo a oposição reflectir-se expressamente nas decisões[5].

No acórdão n.º 3/12 foi fixada a seguinte jurisprudência:

«Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».

Do exame do acórdão recorrido verifica-se que a decisão de rejeição do recurso interposto pelo ora recorrente, na parte correspondente à impugnação da matéria de facto, foi justificada por (sic) o recorrente invocar erros de julgamento onde apenas se fazem referências ao depoimento quer de testemunhas quer declarações dos arguidos, sem indicação das passagens concretas reportadas à prova gravada e sem sequer terem sido transcritas quaisquer declarações em termos cabais (vd. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3 /2012, de 18.04.12…), ou seja, a decisão de rejeição do recurso na parte atinente à impugnação da matéria de facto foi sustentada no acórdão de fixação de jurisprudência que o ora recorrente diz estar em oposição com aquela decisão.

Deste modo é forçoso concluir que a decisão recorrida não foi proferida contra a jurisprudência fixada no acórdão n.º 3/12, pese embora o recorrente entenda o contrário, sob a alegação de que cumpriu o ónus imposto no n.º 3 do artigo 412º nos termos referidos naquele acórdão, alegação que, obviamente, não pode ser considerada, posto que este Supremo Tribunal não pode, agora, em recurso extraordinário, ir sindicar a decisão recorrida (transitada em julgado), em ordem a verificar se o recorrente, ao contrário do decidido, deu cumprimento ao ónus previsto no n.º 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, sindicação só admissível, evidentemente, em recurso ordinário.

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Termos em que se acorda rejeitar o recurso.

Custas pelo recorrente com 2 UC de taxa de justiça.

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Oliveira Mendes (Relator)

 Maia Costa

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[1] - O texto que a seguir se transcreve corresponde ipsis verbis ao do requerimento apresentado.
[2] - Serão deste diploma legal todos os demais preceitos a citar sem menção de referência.

[3] - Como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 09.02.26, proferido no Processo nº 1595/07: «Invocando o recorrente oposição entre a decisão recorrida e um acórdão uniformizador de jurisprudência, o recurso extraordinário que apresentou deve ser considerado da espécie “recurso por violação de jurisprudência fixada” e não um recurso para fixação de jurisprudência propriamente dito, conforme consta da petição de recurso.

[4] - Como estabelece o n.º 1 do artigo 446º do Código de Processo Penal:
«É admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do Trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo».
Neste sentido se pronuncia Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal (4ª edição), 1203, ao defender que: «Sendo o recurso previsto no artigo 446º um verdadeiro recurso extraordinário, são-lhe correspondentemente aplicáveis as disposições do recurso para uniformização da jurisprudência».

[5] - Entre muitos outros, os acórdãos de 02.01.16, 05.02.02, 06.03.22, 10.01.13, 11.05.11 e 12.05.02, o primeiro publicado na CJ (STJ), XIII, I, 189, os restantes proferidos nos Processos n.ºs 3059/01, 467/06, 611/09.9YFLSB.S1, 77/10.0GTCSC.L1-A.S1 e 145/10.9GCVBRM.