Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | CRISTINA COELHO | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA REMUNERAÇÃO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE REVISTA REVISTA EXCECIONAL REJEIÇÃO DE RECURSO DECISÃO SINGULAR RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA CONTRADIÇÃO DE JULGADOS LEI ESPECIAL INCONSTITUCIONALIDADE PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS DIREITO AO RECURSO TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA PRINCÍPIO DA IGUALDADE PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 03/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA | ||
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Sumário : | I. O art. 14º do CIRE, prevendo um regime especial para os processos insolvenciais e conexos (PER e PEAP), afasta o regime comum previsto no CPC, apenas prevendo a possibilidade de recurso de revista (normal) em caso de invocação, e demonstração, de oposição do acórdão de que se recorre com outro de alguma das Relações ou do STJ, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme. II. O art. 14º, nº 1, do CIRE, na interpretação de que o mesmo exclui a aplicação do disposto nas alíneas a) e/ou b) do nº 1 do art. 672º do CPC, não padece de inconstitucionalidade, não violando os princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP), da igualdade (artigo 13.º da CRP) e da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2 da CRP). III. O acórdão da Formação do Supremo Tribunal de Justiça de 11.09.2024, proferido no P. nº 1545/09.2TYLSB-L.L1.S2, que decidiu admitir recurso de revista excecional no âmbito de processo de insolvência com fundamento na norma consagrada na al. a) do n.º 1 do art.º 672º do CPC, teve como fundamento o “ineditismo” da questão suscitada, situação que já não se verifica, na medida em que, posteriormente, foram proferidos vários acórdãos da 6ª secção do Supremo Tribunal de Justiça sobre a matéria em causa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6ª secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Nos autos de insolvência de AA, em 21.6.2024, foi proferido despacho, que fixou a remuneração variável do Sr. Administrador da insolvência no valor de €100.000,00, porquanto entendeu que o “limite previsto no art. 23.º, n.º 10 do Estatuto do Administrador Judicial é aplicável à remuneração variável total, compreendendo a majoração, nos processos em que a remuneração variável seja calculada sobre o resultado da liquidação da massa insolvente, funcionando como limite da mesma e não apenas da parcela achada com a operação de cálculo prevista na al. b) do n.º 4 e no n.º 6 do mesmo artigo”. Inconformado, o Sr. AI interpôs recurso de apelação. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 8.10.2024, julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida. Deste acórdão, o Sr. AI intentou recurso de revista excecional, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672º do CPC, concluindo pela admissibilidade da revista excecional nos seguintes termos, no que, ora, releva: “A – Da ADMISSIBILIDADE DA REVISTA I. Da RELEVÂNCIA JURÍDICA 1) A divergência subjacente ao recurso de apelação que deu origem ao acórdão recorrido prendia-se, entre o mais, mas à partida, com a resposta à seguinte questão: o limite previsto no artigo 23.º, n.º 10 do EAJ aplica-se apenas ao valor da remuneração variável calculado nos termos do art. 23.º, 4, b), do EAJ, sem ter em conta o valor da majoração, ou à soma do valor da remuneração variável calculado nos termos do art. 23.º, 4, b), do EAJ com o valor da majoração calculado nos termos do art. 23.º, 7, do EAJ? 2) Ora, a questão em causa constitui “questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, preenchendo a previsão de admissibilidade de revista excecional consagrada no artigo 672.º, n.º 1, al. a) do CPCivil. 3) Isto porque, tanto quanto se conhece, a questão enunciada não foi objeto de tratamento por parte deste Supremo Tribunal de Justiça; ineditismo que aconselha que o mesmo emita uma pronúncia liderante e clarificadora, apta a assegurar os valores da certeza e segurança jurídicas num domínio que contende com a delimitação de relevantes direitos de natureza económica (conforme melhor desenvolvido no seguinte capítulo). 4) Atento o exposto, deve o presente recurso de revista excecional ser admitido ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil. Sem prescindir, II. Da RELEVÂNCIA SOCIAL 5) A insolvência de uma pessoa coletiva contende com um conjunto de variados interesses e necessidade de sua tutela. 6) É patente, pois, a relevância social da matéria em causa, que envolve assuntos como postos de trabalho, o mercado interno e a afirmação da necessidade de também esta matéria contribuir para o exercício das liberdades fundamentais. 7) Como é bom de ver, entende-se que o sucesso de qualquer processo de insolvência/PER/PEAP depende - entre outros fatores, naturalmente – da garantia para o Administrador Judicial de uma adequada remuneração, que constitua incentivo à resolução eficiente dos processos, 8) O que, logicamente, contende com a imposição de limites à sua remuneração, designadamente variável. 9) Por todo o exposto, conclui-se que a matéria em causa, a da remuneração do administrador judicial, ou melhor, a da remuneração variável do administrador judicial, e assim as funções deste profissional, sempre assumiu na jurisprudência foros de discussão, tem sido objeto, em crescendo, de dedicação doutrinal e jurisprudencial, merece tratamento próprio no seio da União Europeia, sendo nuclear no seio de um qualquer processo de insolvência/PER/PEAP - com a macro importância destes processos em termos económicos, empresariais, laborais, sociais, familiares, fiscais, etc. - pelo que a sua relevância social é indiscutível; 10) Assim, estando, no caso sub judice, em causa a imposição de limites à remuneração do AJ, previstos no artigo 23.º, n.º 10 do EAJ, e uma vez que se trata de matéria de indiscutível relevância social, que contende com a eficácia na resolução de processos com impacto em múltiplas e variadíssimas vertentes de qualquer sociedade de Estado de Direito, deve o presente recurso de revista excecional ser admitido também ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil. …”. O tribunal recorrido admitiu o recurso de revista excecional. Por entender que o recurso de revista excecional não é admissível à luz do disposto no art. 14º, nº 1, do CIRE, a relatora proferiu despacho nos termos do disposto no art. 655º, nº 1, do CPC, tendo-se o Recorrente pronunciado no sentido da admissibilidade do recurso de revista excecional. Em 30.1.2025, a relatora proferiu despacho a julgar findo o recurso de revista excecional interposto pelo Recorrente, não conhecendo do seu objeto. O apelante/recorrente reclamou para conferência, pedindo que seja proferido acórdão em que se decida pela admissibilidade do recurso de revista excecional interposto pelo Reclamante e se conheça do respetivo objeto. Na reclamação, alega, em síntese: … 5. O artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa consagra, no seu número 1, o direito à proteção jurisdicional efetiva, dispondo que «A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos». 6. Tal direito inclui a prerrogativa de recorrer das decisões das instâncias inferiores e é reforçado pela necessidade de garantir que a justiça seja administrada de forma plena e sem obstáculos indevidos. 7. Embora o legislador disponha de competência para regulamentar os procedimentos e definir as condições de admissibilidade dos recursos, tal competência não pode conduzir a restrições desproporcionadas ao direito de recurso, como ocorre relativamente ao artigo 14.º, n.º 1 do CIRE, caso se entenda que este exclui a aplicação do disposto nas alíneas a) e/ou b) do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil. 8. Na interpretação que lhe confere a Egrégia Conselheira Relatora, a norma consagrada no artigo 14.º, n.º 1 do CIRE é ofensiva de um direito básico da parte processual, como é o direito ao recurso, com a inerente violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, que abrange o direito de recurso. 9. Outro aspeto relevante na análise da constitucionalidade do artigo 14.º, n.º 1 do CIRE prende-se com o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, que assegura a todos os cidadãos o direito a ser tratados de forma igual perante a lei. 10. A limitação dos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça decorrente do artigo 14.º, n.º 1 do CIRE cria uma situação de desigualdade de tratamento, uma vez que cidadãos em situações similares podem ter acesso a diferentes graus de jurisdição, dependendo da natureza do processo. 11. Caso se entenda que a norma consagrada no artigo 14.º, n.º 1 do CIRE exclui a aplicação do disposto nas alíneas a) e/ou b) do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil, padecerá aquela de inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP), da igualdade (artigo 13.º da CRP) e da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2 da CRP). 12. INCONSTITUCIONALIDADE que novamente aqui se argui e que impõe ao julgador que se abstenha de aplicar o artigo 14.º, n.º 1 do CIRE no sentido ora censurado. 13. Em face do exposto, embora não esteja em causa, no caso sub judice, a situação de oposição de julgados prevista no artigo 14.º, n.º 1 do CIRE, deve, ainda assim, ser admitido o recurso de revista ao abrigo do disposto nas alíneas a) e/ou b) do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil, cujos requisitos se acham verificados, conforme exposto nos artigos 6.º a 25.º da motivação de recurso de revista, que aqui se dão por integrados. 14. Note-se que, por acórdão de 11/09/2024 (pcs 1545/09.2TYLSB-L.L1.S2) – junto aos autos com o requerimento de 23/12/2024 (ref.ª ...22) -, já este Supremo Tribunal de Justiça decidiu admitir recurso de revista excecional no âmbito de processo de insolvência com fundamento na norma consagrada na al. a) do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil, num caso em que não fora invocada qualquer oposição de julgados. 15. Decisão que deve ser replicada no caso vertente, admitindo-se o recurso de revista interposto. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. * II. A fundamentação da decisão singular para não conhecer do objeto do recurso foi a seguinte: “… 2. Vejamos, começando por referir que a decisão do tribunal recorrido que admitiu o recurso não vincula este tribunal (art. 641º, nº 5, do CPC). 2.1. Dispõe o nº 1 do art. 14º do CIRE, na redação introduzida pelo DL nº 79/2017, de 30.06, que “No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.”. O Supremo Tribunal de Justiça, mais concretamente, esta 6ª secção (à qual se encontra deferida a competência para o conhecimento dos recursos em matéria de insolvência), tem vindo a entender que o regime restritivo previsto no art. 14º, nº 1, do CIRE, se aplica aos recursos de revista interpostos nos processos de insolvência, nos incidentes neles processados e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, jurisprudência que veio a ser seguida no Ac. do STJ nº 13/2013 1, publicado no DR nº 225, 1ª série de 21.11.2023, que fixou jurisprudência no referido sentido. No caso em apreço o despacho sobre que incidiu o acórdão recorrido foi proferido no processo (principal) de insolvência. Conforme resulta do preceito transcrito, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos mencionados processos apenas é de admitir quando seja invocada e demonstrada uma contradição entre o acórdão recorrido e outro das Relações ou do Supremo que tenha resolvido a questão essencial de direito de modo diverso, e sem que tal corresponda a jurisprudência uniformizada do Supremo (neste sentido, cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed. atualizada, 2022, pág. 673). Catarina Serra, em Lições de Direito da Insolvência, 2ª ed., 2021, pág. 97, explica que “A norma do art. 14º, nº 1, limita o direito ao recurso, estabelecendo a regra do duplo grau de jurisdição. O acesso ao terceiro grau de jurisdição não fica completamente vedado mas torna-se mais difícil do que nas situações comuns, o que se deverá, decerto, ao caráter urgente do processo e, mais precisamente, à necessidade de assegurar a rápida estabilização das decisões judiciais”. E na pág. 100, concretiza “Como se viu, a admissibilidade da revista nos casos regulados no art. 14º, nº 1, depende em exclusivo da existência de um conflito entre acórdãos. Uma vez interposta a revista com base neste fundamento específico, ele sobrepõe-se a quaisquer outros, tornando irrelevante a ocorrência prevista no art. 671º, nº 3, do CPC e, por isso, também inútil o instrumento de revista excecional. Quer dizer. Independentemente da dupla conforme, a revista é admissível quando aquele fundamento específico se verifique e inadmissível no caso contrário.”. Estabelecendo o art. l4º do CIRE um regime específico de admissibilidade do recurso de revista em matéria de insolvência, baseado na oposição de acórdãos, o mesmo afasta o regime geral da revista excecional, previsto no art. 672º do CPC. Como se escreveu no Ac. do STJ de 13.9.2023, P. 1998/22.3T8SNT.L1.S1 (Luís Espírito Santo), consultável em www.dgsi.pt, “Dir-se-á ainda que a revista excecional se encontra desde logo afastada pelo regime especialíssimo previsto no artigo 14º, nº 1, do CIRE. Esta disposição legal é totalmente clara e inequívoca ao estabelecer como regra geral, quanto aos processos de insolvência, que “não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação”. O que significa, sem a menor sombra de dúvida, que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação é, em princípio, definitiva e insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, cujo acesso se encontra dessa forma legalmente vedado. Este modelo consagrado pelo legislador nacional em matéria insolvencial, que se compreende atendendo à necessidade de consolidar com a maior brevidade possível a definitividade do decidido, não permitindo o arrastamento e incerteza dessas decisões, com prejuízo para a segurança e interesse dos diretamente envolvidos, revela o propósito deliberado de tornar fortemente restritivo o regime da admissibilidade de revista e, através dele, do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. Por isso mesmo, neste contexto especialíssimo, não faria qualquer sentido, nem reveste lógica, a admissibilidade da revista excecional. Ou seja, sendo a revista excecional uma modalidade da revista normal (e que tem a ver com a limitação em que consiste a dupla conforme nos termos gerais do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil) e encontrando-se vedada a possibilidade de interposição de revista normal (independentemente da constituição da dupla conforme) tal implica inevitavelmente que não seja permitida a interposição da revista excecional, o que, a aceitar-se, afrontaria claramente o equilíbrio deste regime. Na situação sub judice, a recorrente exerceu o seu direito ao recurso nos termos legalmente permitidos, isto é, para o Tribunal da Relação de Guimarães que conheceu o seu recurso de apelação. Tal aresto é, por todos os motivos indicados, definitivo.”. Neste sentido podem ver-se, além dos acórdãos elencados no acórdão referido (na parte em que reproduz a decisão singular do relator), os acórdãos da 6ª secção do STJ de 9.11.2022, P. nº 13509/20.0T8SNT-D.L1.S1 (Maria Olinda Garcia), de 28.06.2023, P. nº 232/21.8T8RMZ-C.E1.S1 (Maria Olinda Garcia), e de 19.12.2023, P. nº 12494/22.9T8SNT-D.L1.S1 (Barateiro Martins), todos publicados em dgsi.pt, e de 12.12.2023, P. 5656/22.0T8SNT.L1.S1 (Graça Amaral), e de 12.12.2023, P. nº 1458/15.9T8STR-J.E1.S1 (Amélia Alves Ribeiro), não publicados. O Recorrente não invocou, nem demonstrou, qualquer oposição de acórdãos, nos termos do art. 14º, nº 1, do CIRE (único fundamento admissível do recurso de revista no âmbito dos processos insolvenciais ou conexos), pelo que o recurso de revista excecional interposto pelo Recorrente do acórdão do Tribunal da Relação do Porto ao abrigo do disposto nas als. a) e b), do nº 1, do art. 672º, do CPC não é admissível, não podendo conhecer-se do mesmo. 2.2. Sustenta o Recorrente que tal interpretação padece de inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (art. 20º da CRP), da igualdade (art. 13º da CRP) e da proporcionalidade (art. 18º, nº 2, da CRP). Dispõe o nº 1 do art. 20º da CRP que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.”. O direito de acesso aos tribunais configura-se como o direito à proteção jurídica através dos tribunais mediante um processo equitativo, incluindo, na sua plenitude, o direito ao recurso. Contudo, e conforme o Tribunal Constitucional vem reafirmando, o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre o acesso a todos os graus de jurisdição, não consagrando a Constituição um direito geral de recurso de todas as decisões judiciais, salvo das de natureza criminal condenatória, conforme art. 32º, nº 1 da CRP – neste sentido, cfr., entre outros, os Acs. do Tribunal Constitucional nº 239/97, de 2.03, nº 72/99, de 3.02, e nº 431/02, de 22.10, ambos consultáveis em www.dgsi.pt. Exceto em matéria penal, o direito ao recurso não é um direito absoluto, irrestrito, podendo ser objeto de diversas restrições justificadas, vindo o Tribunal Constitucional a afirmar que a garantia constitucional tem, apenas, o alcance de uma proibição ao legislador de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso ou de a inviabilizar na prática, ou de vedar às partes uma completa perceção do conteúdo das sentenças judiciais e a possibilidade de reação contra determinados vícios da decisão (Acórdão do TC nº 485/00, de 22.11.2020). Nesta conformidade, a interpretação do art. 14º do CIRE, no sentido enunciado – condicionando a admissibilidade da revista às situações de oposição de acórdãos -, não é desconforme com a CRP, concretamente ao art. 20º, uma vez que representa uma opção legítima do legislador ordinário, inserida nos seus poderes de definir os termos de admissibilidade dos recursos em matéria cível, e que assume cabimento na natureza célere que se quis incutir ao processo de revitalização por forma a estabilizar o mais depressa possível as relações litigiosas nesse âmbito, não se afigurando, pois, desproporcionada (art. 18º, nº 2, da CRP). Neste sentido se pronunciaram os Acs. do STJ de 22.2.2022, P. nº 19874/21.5T8LSB-A.L1.S1 (Maria Olinda Garcia), de 17.9.2024, P. 62/23.2T8AMT.P1.S1 (Graça Amaral), e de 12.11.2024, P. 16969/23.4T8LSB-C.L1.S1 (Rosário Gonçalves), consultáveis em www.dgsi.pt. Tal como não viola o art. 13º da Constituição da República Portuguesa 2. O princípio da igualdade estatuído neste artigo não impõe que a lei seja aplicada de modo igual, generalizadamente, a todos os cidadãos, antes exigindo que a situações iguais se aplique tratamento semelhante, deste modo possibilitando que relativamente a casos diferentes sejam utilizadas regras diversas, desde que diferenciadamente justificadas. Este princípio não impede que o legislador ordinário estabeleça uma diversificação de procedimento, se o mesmo se mostra, de forma ponderada, conforme à razão. O Tribunal Constitucional vem entendendo que o princípio da igualdade não proíbe o legislador de fazer distinções, o que proíbe é o arbítrio, as diferenças de tratamento sem fundamento material bastante, sem justificação razoável, à luz de princípios constitucionais relevantes. Conforme se escreveu no Ac. do TC nº 462/2016, de 14.7, em www.dgsi.pt, “Como é sabido, o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, constitui um verdadeiro princípio estruturante da ordem jurídica constitucional, sendo mesmo uma exigência do princípio do Estado de Direito. Trata-se de um princípio que vincula diretamente todos os poderes públicos – particularmente o legislador –, que estão assim obrigados a tratar de modo igual situações de facto essencialmente iguais e de modo desigual situações intrinsecamente desiguais, na exata medida dessa desigualdade, desde que esse tratamento desigual tenha uma justificação razoável e objetivamente fundada.”. Ou no Ac. do TC n.º 437/2006, de 12.07.2006, em www.dgsi.pt, “(…) o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio ...”. Este Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido do art. 14º do CIRE, interpretado no sentido de a admissibilidade da revista estar condicionada às situações de oposição de acórdãos, não violar o princípio da igualdade previsto no art. 13º da CRP, conforme Acs. do STJ de 12.3.2019, P. 4957/17.4T8VNF.G1.S1 (Catarina Serra), e de 30.3.2023, P. 206/14.5T8OLH-AI.E1.S1 (Ricardo Costa), em www.dgsi.pt, entendimento que sufragamos, não se verificando a desigualdade de tratamento assinalada pelo Recorrente. Não procede, pois, a invocada inconstitucionalidade do art. 14º do CIRE, na interpretação indicada, conforme se entendeu no Ac. do STJ de 28.1.2024 3, P. nº 2091/23.7T8CBR.C2-A.S1 (Cristina Coelho), ainda não publicado, em cujo sumário se escreveu que “… 3. O art. 14º, nº 1, do CIRE, na interpretação de que o mesmo exclui a aplicação do disposto nas alíneas a) e/ou b) do nº 1 do art. 672º do CPC, não padece de inconstitucionalidade, não violando os princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP), da igualdade (artigo 13.º da CRP) e da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2 da CRP).”. 2.3. Por último, o Recorrente faz notar que “por acórdão de 11/09/2024 (pcs 1545/09.2TYLSB-L.L1.S2) - … -, já este Supremo Tribunal de Justiça decidiu admitir recurso de revista excecional no âmbito de processo de insolvência com fundamento na norma consagrada na al. a) do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil, num caso em que não fora invocada qualquer oposição de julgados”. Assim foi, efetivamente, mas importa atentar que a revista excecional foi admitida pela Formação (a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC), considerando que a questão enunciada (âmbito de aplicação do limite previsto no nº 10 do art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei nº 22/2013, de 26.02, alterada pela Lei nº 9/2022, de 11.01) “ainda que não denote complexidade atípica, não foi, tanto quanto julgamos, objeto de tratamento por parte do Supremo Tribunal de Justiça – ineditismo que aconselha, a nosso ver, que este Tribunal emita uma pronúncia liderante e clarificadora, apta a assegurar os valores da certeza e segurança jurídicas num domínio temático que contende com a delimitação de importantes direitos de natureza económica. Tudo visto, concluímos pela admissibilidade da revista excecional ao abrigo da alínea a) do nº 1 do art. 672º do Código de Processo Civil, resultando, assim, prejudicada, por inútil, a apreciação do fundamento decorrente da alínea b) do mesmo normativo, igualmente invocado para justificar a excecionalidade recursiva.” (sublinhado nosso). Ou seja, a Formação admitiu a revista excecional atendendo, apenas, ao ineditismo, no Supremo Tribunal de Justiça, da questão suscitada. Sucede que, após o referido acórdão foram já proferidos acórdãos pela 6ª secção do Supremo Tribunal de Justiça sobre a matéria em causa, nomeadamente, Acs. de 1.10.2024, P. nº 14878/16.2T8LSB-G.L1.S1 (Maria Olinda Garcia), de 17.12.2024, P. nº 380/12.5TYVNG-N.P1.S1 (Luís Espírito Santo), e de 14.1.2025, P. nº 1663/15.8T8PDL-Y.L1.S1 (Maria Olinda Garcia), em www.dgsi.pt. * Em face do que se deixa escrito, dúvidas não subsistem que o recurso de revista excecional interposto pelo Recorrente do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8.10.2024, com fundamento nas als. a) e b) do nº 1 do art. 672º, do CPC, não é admissível. …”. * III. Apreciada pelo coletivo a fundamentação constante do despacho singular, subscreve-se a mesma na íntegra. O Recorrente reclamou para a conferência sustentando que, caso se entenda que a norma consagrada no artigo 14.º, nº 1 do CIRE exclui a aplicação do disposto nas alíneas a) e/ou b) do nº 1 do art. 672º do CPC, padecerá aquela de inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP), da igualdade (artigo 13.º da CRP) e da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2 da CRP). Por outro lado sustenta que na decisão proferida no Acórdão de 11.09.2024 (P. nº 1545/09.2TYLSB-L.L1.S2), já o Supremo Tribunal de Justiça decidiu admitir recurso de revista excecional no âmbito de processo de insolvência com fundamento na norma consagrada na al. a) do n.º 1 do art.º 672º do CPC, num caso em que não fora invocada qualquer oposição de julgados, devendo tal decisão ser replicada no caso vertente, admitindo-se o recurso de revista interposto. O Reclamante limita-se a repristinar os argumentos invocados quando foi ouvido ao abrigo do disposto no art. 655º do CPC, que foram apreciados na decisão singular em termos que se subscrevem, nada de novo aduzindo que ponha em causa a fundamentação adiantada. * IV. Pelo exposto, acordam em conferência os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª secção) em indeferir a reclamação apresentada pelo Recorrente, mantendo-se o despacho singular que julgou findo o recurso de revista excecional interposto pelo Recorrente. Custas do incidente pelo reclamante - art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC. Notifique. * Lisboa, 2025.03.25 Cristina Coelho (Relatora) Maria Olinda Garcia Teresa Albuquerque SUMÁRIO (da responsabilidade da relatora): _____________________________________________ 1. Existe manifesto lapso de escrita, pretendendo a relatora referir-se ao Ac. do STJ nº 13/2023. 2. Que estatui que “1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”. 3. Ressalva-se que o acórdão referido na decisão singular não é de “28.1.2024”, como aí se escreveu por lapso, mas de “28.1.2025”. |