Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P1297
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: ROUBO
AGRAVANTES
ESPAÇO FECHADO
HABITAÇÃO
Nº do Documento: SJ200605310012973
Data do Acordão: 05/31/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário :
I - A qualificação ou agravação do roubo por via da ocorrência de qualquer uma das circunstâncias que qualifica o furto, ou seja, por via da verificação de qualquer um dos requisitos referidos nos n.ºs 1 e 2 do art. 204.° do CP é automática, com a ressalva prevista 33 no n.º 4 daquele artigo, isto é, salvo os casos em que a coisa subtraída seja de diminuto valor.
II - Mas é evidente que o funcionamento automático das circunstâncias não preclude a indispensabilidade de verificação de comportamento doloso do agente no que a elas concerne.
III - A circunstância de o arguido se haver introduzido ilegitimamente no prédio onde reside a ofendida, com intenção de furtar, qualifica o crime de roubo pelo mesmo perpetrado, uma vez que a área ou zona de entrada do prédio deve ser considerada como habitação, constituindo, em qualquer caso, um espaço fechado - arts. 210.°, n.º 2, al. b), e 204.°, n.º 1, al. f), do CP.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.
No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 662/04, da 3ª Vara Criminal do Porto, após a realização do contraditório foi proferido acórdão que condenou o arguido AA, com os sinais dos autos, como autor material de um crime de roubo, previsto e punível pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 20 meses de prisão (1).
Em cúmulo com a pena de 10 meses de prisão cominada ao arguido no processo n.º 1638/04, do 2º Juízo Criminal de Setúbal, pela prática de um crime de evasão previsto e punível pelo artigo 352º, do Código Penal, foi aplicada a pena conjunta de 2 anos de prisão.
Interpôs recurso o Ministério Público.
São do seguinte teor as conclusões extraídas da motivação apresentada:
1. O M.º P.º não se conforma com o douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo que integrou a conduta do arguido AA na prática, em autoria material, de um crime de roubo, p. p. pelo artigo 210º, n.º1, do Código Penal, e o condenou na pena de 20 meses de prisão.
2. Os factos provados no douto acórdão em apreço implicam a condenação do arguido pela prática de um crime de roubo agravado, p. p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, com referência ao artigo 204º, n.º1, alínea f), do mesmo diploma.
3. Da factualidade assente no douto acórdão, designadamente dos pontos 1, 2 e 3, dos factos provados, resulta que o arguido se introduziu ilegitimamente no prédio sito na Rua 000000, com o n.º de polícia 00, onde a ofendida BB, com 78 anos de idade, residia, pois, após a mesma ter transposto a porta da entrada, meteu um pé naquela porta, assim a impedindo de fechar e, depois, introduziu-se no seu interior com o fito de a seguir e conseguir a pensada abordagem.
4. Basta tal circunstância para que se considere de ilegítima a entrada do arguido em tal prédio, contra a vontade da ofendida, uma vez que, embora sendo o hall de entrada do prédio, não deixa de se considerar habitação, uma vez que constitui uma das partes comuns da mesma ou, se assim se não entender, sempre será considerado como um espaço fechado, onde o arguido se introduziu de forma ilegítima.
5. Tal circunstância qualifica o crime de roubo, uma vez que tal introdução, contra a vontade da ofendida, lhe potenciou o risco de ofensa dos bens jurídicos pessoais que o crime complexo de roubo visa proteger, bem como a margem de êxito e extensão de ofensa dos bens jurídicos patrimoniais, mercê do aumento de sentimento de confiança e audácia do agente e da diminuição das possibilidades de defesa da vítima.
6. Assim sendo, e por outro lado, o elevado grau de ilicitude da conduta do arguido e não menor grau de culpa na comissão dos factos, a circunstância de ter agido como dolo directo e intenso, as fortes exigências de prevenção especial, atento o passado criminal do arguido e, ainda, as maiores exigências de prevenção geral a assinalar neste tipo de ilícitos, impõe-se que ao arguido seja aplicada uma pena não inferior a 3 anos de prisão.
7. Ao decidir da forma plasmada no douto acórdão proferido, foram violadas as disposições legais contidas no artigo 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, n.º 1, alínea f), e 40º e 71º, do Código Penal.
O recurso foi admitido.
Na contra-motivação apresentada o arguido formulou as seguintes conclusões:
1. O arguido vem condenado numa pena única de 2 anos de prisão efectiva, pela prática de um crime de roubo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 210º do Código Penal.
2. Tal condenação resulta da análise, qualificação e enquadramento jurídicos dos factos dados como provados na audiência de discussão e julgamento.
3. Atento o teor dos referidos factos não é possível, de todo, abraçar a opinião adoptada pelo Ministério Público de que o crime em discussão foi praticado com a circunstância agravante prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 204º, ex vi alínea b) do n.º 2 do artigo 210º, todos do Código Penal.
4. Porquanto, a circunstância de o roubo em referência se ter consumado já no interior do prédio da ofendida é meramente ocasional e acessória, não relevando para a maior ou menor violação dos bens jurídicos afectados com o tipo de ilícito cometido – o património e a integridade física.
5. Logo, tal circunstância nunca poderá ser alvo de autónoma e dupla valoração pelo tribunal, em prejuízo do arguido.
6. Assim sendo, bem esteve o tribunal “a quo” ao proferir a decisão recorrida nos termos em que o fez.
Na vista que teve nos autos, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, após uma referência à validade e à regularidade da instância, promoveu a designação de dia para audiência.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.
Única questão suscitada no recurso é a da qualificação jurídica dos factos e, paralelamente, da pena cominada, entendendo o Ministério Público que os factos provados integram o crime de roubo agravado, previsto e punível no artigo 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, n.º 1, alínea f), do Código Penal, devendo o arguido ser condenado na pena de 3 anos de prisão.
O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 10 de Dezembro de 2004, cerca das 16 horas e 40 minutos, na Rua 0000, nesta cidade e comarca do Porto, o arguido, desesperado, porque há alguns dias evadido da prisão por alegadas pressões de um chefe dos guardas, sozinho no Porto, onde não conhecia ninguém, sem dinheiro e com fome, apercebendo-se de que a ofendida BB, então com 78 anos de idade, se dirigia para o prédio com o número de polícia 75, onde residia, decidiu apoderar-se da mala que a mesma trazia, com o fito de conseguir dinheiro ou outros objectos de valor que lhe permitissem satisfazer as sobreditas necessidades.
2. Na sequência de tal decisão, o arguido aproximou-se da ofendida e, após a mesma ter transporto a porta de entrada, meteu um pé naquela porta, assim a impedindo de fechar, e, depois, introduziu-se no seu interior com o fito de a seguir e conseguir a pensada abordagem.
3. Após, a ofendida dirigiu-se ao elevador e quando a mesma se aprestava para nele entrar, o arguido, com um forte puxão, conseguiu rebentar as alças da mala que a mesma transportava, assim a retirando àquela.
4. Mercê do inesperado acto do arguido e da força pelo mesmo utilizada, a ofendida sentiu-se apertada fortemente, o que lhe originou falta de ar, sentimento de pânico e lhe provocou a sua queda no solo e a perda momentânea de sentidos.
5. A referida mala, de valor não apurado, continha no seu interior um telemóvel da marca “nokia”, modelo “3310”, no valor de 50 euros, uns óculos no valor de 75 euros, um cartão multibanco da Caixa Geral de Depósitos, um passe social, um cartão da segurança social, uma carteira no valor de 10 euros, vários outros documentos pessoais, a quantia de 61 euros e 74 cêntimos e um cachecol no valor de 3 euros.
6. Após, o arguido pôs-se em fuga levando consigo a mala e respectivo conteúdo, do que se apoderou, tal como pretendia.
7. Pouco depois, e porque uma vizinha presenciou em parte a conduta do arguido e veio para a rua pedir socorro, o agente da PSP CC, alertado pelo alarido entretanto gerado na rua, após perseguição e indicações dadas por transeuntes, veio a localizar e a deter o arguido e a recuperar a mala e todos os mencionados objectos e quantia de que o mesmo se havia apropriado nas descritas circunstâncias.
8. Mercê da descrita actuação do arguido, e como consequência directa e necessária da mesma, sofreu a ofendida as lesões descritas e examinadas no auto de exame médico de fls.145 a 147 dos autos, aqui tidas como reproduzidas, designadamente ferida corto-contusa na orelha esquerda, as quais foram causa directa e necessária de 5 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.
9. Ao agir da forma descrita, com a única e concretizada intenção de se apropriar dos referidos bens e quantia, fazendo-os coisa sua, apesar de saber que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e sem o consentimento da ofendida, legítima dona dos mesmos, e que só por a ter surpreendido e usado da força, nos moldes atrás descritos, deixando-a em pânico e incapaz de se defender, logrou alcançar tal desiderato.
10. No sobredito contexto, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua descrita conduta era proibida e punida por lei.
11. No âmbito do processo n.º 000001.8 TASTB, que correu termos no 1º Juízo Criminal da comarca de Setúbal, foi o arguido condenado, por transitada decisão datada de 11/12/2002, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, pela prática, em 01/08/2001, de um furto de crime qualificado e, em cúmulo jurídico com a pena de 10 meses de prisão aplicada no âmbito do processo n.º 0000/01.2 PBSTS, da Vara de Competência Mista de Setúbal, pelo cometimento, em 07/04/2001, de um furto qualificado, na forma tentada, por transitada decisão datada de 09/04/2002, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, pena que cumpria aquando dos factos ora em apreço e que, iniciado o cumprimento em 21/10/2002, tinha o seu termo inicialmente previsto para 29/08/2005, mas que, após a evasão, veio a ser extinta, pelo cumprimento, apenas em 29/08/2005.
12. Para além das assinaladas condenações, o arguido sofreu as demais condenações referidas no certificado de registo criminal de fls.293 a 297 dos autos e aqui tido como integralmente reproduzido.
13. Por último, no âmbito do processo n.º 00000004.2 TASTB, do 2º Juízo Criminal da comarca de Setúbal. Por transitada decisão datada de 14/12/2005, foi o mesmo condenado, pela prática, em 28/11/2004, de um crime de evasão, p. p. pelo artigo 352º, do Código Penal, ne pena de 10 meses de prisão, ainda não cumprida.
14. Alguns aspectos da personalidade e “modus vivendi” do arguido mostram-se vertidos no relatório social para julgamento junto a fls.318 a 320 destes autos e aqui tido como reproduzido como parte integrante deste acórdão, salientando-se do mais que ali consta, que:
15. O mesmo nasceu nos Açores em agregado caracterizado pelo razoável enquadramento económico e habitacional, sendo que aos 11 anos sofreu acidental queimadura grave, na sequência do que, e face à necessidade de cuidados que a sua recuperação exigia e à existência de problemas judiciais com os filhos mais velhos, na esperança de que um novo contexto social fosse favorável a uma inversão no percurso dos mesmos, os pais decidiram mudar de residência.
16. Passou, pois, a viver em Setúbal onde ficou desocupado e se inseriu em grupos de pares com comportamentos tendencialmente marginais e teve os primeiros contactos com as drogas.
17. Durante cerca de 2 ano, até aos 16 anos, frequentou o Centro Jovem Tabor e, de modo irregular, um curso de formação profissional na área de serralharia mecânica, que não concluiu.
18. Desde então foi trabalhador indiferenciado por curtos períodos e sem regularidade e optou por sair de casa juntamente com um irmão, sem residência fixa, nem modo de vida definido.
19. Na sequência de comportamentos aditivos e da prática de crimes veio a ter sucessivos contactos com a justiça desde 1993, tendo estado preso praticamente desde então, com um ligeiro interregno entre 1998 e Fevereiro de 1999.
20. À data dos factos estava evadido da cadeia e, face à prolongada privação da liberdade, a relação com os familiares tem sido escassa, mas o pai e uma irmã manifestam apoio e disponibilidade para o receber.
21. Tem uma relação afectiva há alguns anos que foi formalizada por casamento realizado no ano transacto.
22. Tem tido bom comportamento prisional no EP onde se encontra e tem feito um esforço para abandonar os consumos.
23. O arguido consumia haxixe desde os 13 anos e, mais tarde, passou a consumir cocaína, mas sempre de forma esporádica.
24. O arguido confessou os apurados factos e denotou arrependimento.
Qualificação Jurídica dos Factos
Entende a Exm.ª Magistrada recorrente que a circunstância de o arguido se haver introduzido ilegitimamente no prédio onde reside a ofendida, com intenção de furtar, qualifica o crime de roubo pelo mesmo perpetrado, uma vez que a área ou zona de entrada do prédio deve ser considerada como habitação, constituindo, em qualquer caso, um espaço fechado – artigos 210º, n.º 2, alínea b) e 204º, n.º 1, alínea f), do Código Penal.
Contrapõe o arguido que a circunstância de o roubo se ter consumado já no interior do prédio onde reside a ofendida não qualifica o crime, visto que se trata de circunstância meramente ocasional e acessória, não relevando para a maior ou menor violação dos bens jurídicos afectados com o facto – património e integridade física.
Decidindo, começar-se-á por assinalar que a qualificação ou agravação do roubo por via da ocorrência de qualquer uma das circunstâncias que qualifica o furto, ou seja, por via da verificação de qualquer um dos requisitos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 204º do Código Penal, é automática, com a ressalva prevista no n.º 4 daquele artigo, isto é, salvo os casos em que a coisa subtraída seja de diminuto valor (2).
Com efeito, a letra da lei não deixa dúvidas quanto a esse automatismo (3 ), sendo certo que aquando da revisão operada em 1995 ao Código Penal, no seio da respectiva Comissão, a propósito da introdução de dois escalões para a qualificação do furto, Figueiredo Dias referiu que: «… com a introdução dos dois escalões, será muito difícil fugir ao funcionamento automático das circunstâncias» (4).
É evidente que o funcionamento automático das circunstâncias não preclude a indispensabilidade de verificação de comportamento doloso do agente no que a elas concerne.
Relativamente à concreta circunstância prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 204º, dir-se-á que nela se prevêem duas situações:
- A primeira prende-se com a actuação do agente que se introduz ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado e aí leva a cabo a apropriação ilegítima;
- A segunda reside na conduta do agente que se introduz legitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, aí permanece com intenção de furtar e realiza o furto previamente planeado (5).
No caso vertente, conquanto o arguido não se tenha introduzido ilegitimamente em habitação, visto que se limitou a penetrar na zona ou área de acesso ou entrada do prédio da ofendida, a verdade é que penetrou, de forma ilegítima, em espaço fechado, para o que seguiu a ofendida e colocou um pé na porta da entrada daquele prédio após aquela a haver transposto, tendo aí, por meio de violência, subtraído a mala que aquela consigo trazia.
Destarte e consabido que o arguido se introduziu na zona de entrada do prédio da ofendida com a intenção de se apoderar da mala que a mesma levava, o que veio a fazer de forma voluntária e consciente, dúvidas não restam de que, como defende o Ministério Público, aquele se constituiu na autoria material de um crime de roubo agravado, previsto e punível pelo artigo 210º, n.º 2, alínea b), do Código Penal
Medida da Pena
Entende a Exm.ª Magistrada recorrente que ao arguido deve ser aplicada uma pena de 3 anos de prisão.
A determinação da medida concreta da pena faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no artigo 71º, do Código Penal, tendo em vista as finalidades das respostas punitivas em sede de Direito Criminal, quais seja a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 41º, n.º 1, do Código Penal –, sem esquecer, obviamente, que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena – n.º 2 daquele artigo.
Efectivamente, a partir da revisão operada em 1995 ao Código Penal, a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995 (6).
Também este Supremo Tribunal se orienta em sentido concordante ao assumir que a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa (7), elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção geral de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2 da Constituição da República, consagra (8).
Ao crime perpetrado cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão.
O grau de ilicitude do facto é acentuado.
As necessidades de prevenção, geral e especial, são elevadas
No entanto, no caso vertente circunstâncias ocorrem que, de alguma forma, diminuem o grau de culpa do arguido.
Com efeito, o comportamento daquele surge em contexto especial, decorrente do facto de o mesmo se encontrar evadido, em local onde não conhecia ninguém, sem dinheiro e com fome.
Por outro lado, o arguido confessou os factos apurados e demonstrou arrependimento.
Tudo ponderado fixa-se a pena em 3 anos de prisão, pena que, obviamente, atentas as razões já invocadas em 1ª instância é insusceptível de suspensão na sua execução.
Há que proceder ao cúmulo jurídico desta pena com a pena de 10 meses de prisão cominada ao arguido no processo n.º 1638/04, do 2º Juízo Criminal de Setúbal, pela prática de um crime de evasão.
De acordo com o artigo 77º, n.º 2, do Código Penal, a pena conjunta, através da qual se pune o concurso de crimes, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos, o que equivale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura varia entre o mínimo de 3 anos de prisão e o máximo de 3 anos e 10 meses de prisão.
Por outro lado, segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas.
Primeira observação a fazer face ao regime legal da punição do concurso de crimes é a de que o nosso legislador penal não adoptou o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem o sistema da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e os singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), tendo mantido todas as opções possíveis em aberto, desde a absorção – aplicação da pena mais grave – ao cúmulo material, passando pela exasperação.
Segunda observação a fazer é a de que a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto.
Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente (9).
Como doutamente diz Figueiredo Dias (10), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.
Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.
Analisando os factos verifica-se que os crimes em concurso evidenciam uma relação directa, visto que é na sequência do crime de evasão e no contexto daí resultante que o arguido acaba por cometer o crime de roubo
Pese embora o recorrente já haja cometido vários crimes, a verdade é que, por ora, não se deve atribuir-lhe tendência criminosa, atento o denominador comum ocorrente aquando da maioria dos factos, qual seja a sua toxicodependência.
Tudo ponderado e tendo presente a gravidade dos crimes, fixa-se em 3 anos e 3 meses a pena conjunta.
Termos em que, no provimento do recurso, se acorda:
a) Condenar o arguido AA como autor material de um crime de roubo agravado, previsto e punível pelos artigos 210º, n.º 2, alínea b) e 204º, n.º 1, alínea f), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
b) Em cúmulo com a pena de 10 meses de prisão cominada no processo n.º 1638/04, do 2º Juízo da comarca de Setúbal, aplicar ao arguido a pena conjunta de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão.
Sem tributação


Lisboa, 31-05-2006

Oliveira Mendes (relator)
João Bernardo
Pires Salpico
Henriques Gaspar

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(1) - O arguido encontrava-se acusado, como reincidente, pela autoria material de um crime de roubo previsto e punível pelos artigos 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 204º, n.º 1, alínea f), 75º e 76º, do Código Penal
(2) - De acordo com o artigo 202º, alínea c), do Código Penal, é valor diminuto aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto.
(3) - É do seguinte teor o artigo 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b«1. Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. 2. A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se:a)b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 204º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo»
(4) - Acta n.º 29, relativa à reunião ocorrida no dia 14 de Maio de 1990 – Actas Projecto da Comissão de Revisão, 323.
(5) - Cf. Faria Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal, II, 66/67.
(6) - Vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111.
(7) - O mínimo da pena, como já ficou dito, é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, ou seja, nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados.
(8) - Cf. Figueiredo Dias, ibidem, 105/106.
(9) - Cf. o acórdão deste Supremo Tribunal de 06.02.22, proferido no recurso n.º 4309/05-3ª.
(10) - Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 290/292.