Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | ASSÉDIO RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO DOCUMENTO IDÓNEO | ||
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Data do Acordão: | 12/15/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA DA RÉ. CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA DO AUTOR. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : |
I- Sendo o assédio um processo continuado mais ou menos longo deve ser analisado no seu conjunto e sem segmentá-lo nos momentos que o integram já que o real sentido e gravidade dos mesmos só pode ser apreendido com essa visão de conjunto. II- Constitui assédio, proibido por lei, a conduta do empregador que introduz alterações funcionais de que o trabalhador com funções de direção só tem conhecimento por terceiros estranhos à empresa, mantém-lhe uma carga excessiva de trabalho, não o convida, sem qualquer justificação, para um almoço da direção, afirma, numa reunião de direção, com intenção comprovada de humilhar o trabalhador e de o afetar na sua dignidade que o trabalhador age de má fé e tem um grande ego, entre outros comportamentos. III- A indemnização prevista no n.º 1 do artigo 396.º tem em conta tanto os danos patrimoniais, como os não patrimoniais. IV- O trabalho suplementar realizado há mais de cinco anos tem de ser provado por documento idóneo, entendendo-se como tal o documento que só por si e sem necessidade de qualquer outra prova faça a demonstração da prestação do trabalho desta natureza. V- O acordo de isenção de horário de trabalho tem necessariamente forma escrita. VI- Não age em abuso de direito o trabalhador que invoca a realização de trabalho suplementar quando não existe acordo escrito de isenção de horário de trabalho. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 252/19.2T8OAZ.P1.S1
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,
Relatório
AA intentou ação declarativa comum emergente de contrato de trabalho contra a ... – ..., SA. Alegou, em síntese, que resolveu o contrato de trabalho com a Ré com justa causa, na sequência de vários episódios de assédio moral, concluindo pelo pedido de condenação da Ré no pagamento das seguintes quantias: - € 401.269,74 a título de indemnização de antiguidade; - € 25.000 a título de compensação por danos não patrimoniais; - € 135.873,55 a título de retribuição por trabalho suplementar; - € 33.968,39 a título de descanso compensatório; e - Os juros de mora desde a data de vencimento destas importâncias. A Ré contestou defendendo-se por caducidade e impugnando a existência de justa causa para a resolução. Requereu a condenação do Autor como litigante de má fé em multa e indemnização e deduziu reconvenção pedindo a condenação do Autor no pagamento da quantia de € 18.360 acrescida de juros de mora desde a notificação do Autor até integral cumprimento, com fundamento na denúncia contratual sem aviso prévio. O Autor apresentou articulado de resposta. Frustrou-se a conciliação das partes. Foi realizada a audiência final.
Por Sentença de 20.01.2020, foi decidido o seguinte: “III – Decisão. Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação e, em consequência, condeno a ré a pagar ao autor a quantia de 70.225,41€, acrescida de juros de mora vencidos até ao dia de hoje no montante de 13.852,02€, num total de 84.077,44€ e de juros vincendos, à taxa legal, desde o dia de amanhã até integral pagamento. No mais, julgo improcedente a ação e, em consequência, absolvo a ré dos pedidos formulados. Julgo procedente a reconvenção e, em consequência, condeno o autor a pagar à ré a quantia de 18.360€ acrescida de juros de mora vencidos até ao dia de hoje no montante de 631,79€, num total de 18.991,79€ e de juros vincendos, à taxa legal, desde o dia de amanhã até integral pagamento. Julgo improcedente o pedido de condenação do autor como litigante de má-fé. Liquido as quantias devidas, fazendo a compensação entre os créditos do autor sobre a ré e da ré sobre o autor, nos termos atrás referidos, substituindo as condenações anteriores pela condenação da ré no pagamento ao autor da quantia de 65.085,66€ acrescida dos juros vincendos até ao integral pagamento, o que à taxa atual de 4% importa um montante de juros diários no valor de 7,1327507€. Mais condeno o autor e a ré nas custas da ação, na proporção do decaimento, fixando o decaimento do autor em 88,22% [considerando apenas o vencimento de capital de € 70.225,41 que era o que estava incluído no valor da causa] e o da ré em 11,88% e o autor nas custas do pedido reconvencional.”. A Ré interpôs recurso de apelação e o Autor interpôs recurso subordinado.
Por Acórdão de 20.09.2021, o Tribunal da relação do Porto decidiu o seguinte: “IV. Decisão Em face do exposto, acorda-se em: A. Quanto ao recurso principal, interposto pela Ré, M..., SA, julgá-lo parcialmente procedente, em consequência do que se decide: A.1. Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a “quantia de 70.225,41€, acrescida de juros de mora vencidos até ao dia de hoje no montante de 13.852,02€, num total de 84.077,44€ e de juros vincendos, à taxa legal, desde o dia de amanhã até integral pagamento”, a qual é substituída pelo presente acórdão em que se decide condenar a Ré M..., SA, a pagar ao Autor, AA: a.1.1. A quantia de €45.932,99, a título de trabalho suplementar referente ao período de 17.01.2014 a 30.11.2016, bem como a pagar, sobre essa quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações em dívida até efetivo e integral pagamento; a.1.2. A quantia de €11.483,22, a título de retribuição por descansos compensatórios correspondentes ao trabalho suplementar prestado no período de 17.01.2014 a 30.11.2016 (referido em a.1.1.), bem como a pagar, sobre essa quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. a.2. No mais impugnado no recurso [principal] interposto pela Ré, julgá-lo improcedente. B. Quanto ao recurso subordinado, interposto pelo Autor, julgá-lo parcialmente procedente, em consequência do que se decide: B.1. Revogar a sentença recorrida na parte em que: i) julgou improcedente a resolução do contrato de trabalho com justa causa; ii) em que absolveu a Ré do pedido de pagamento da indemnização por essa resolução, do pedido de indemnização por danos não patrimoniais, do pedido de pagamento da retribuição por trabalho suplementar e descansos compensatórios referentes ao período de 01.12.2016 a 28.09.2018; iii) julgou procedente o pedido reconvencional e operou a compensação do crédito da Ré a título de indemnização por falta de aviso prévio e o crédito do A. pelo trabalho suplementar e descansos compensatórios (referentes ao período de 03.01.2011 a 30.11.2016), B.2. Sendo, em consequência, a sentença recorrida, em tais partes, substituída pelo presente acórdão em que se decide: b.2.1. Julgar procedente a justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo Autor; b.2.2. Condenar a Ré, M..., SA, a pagar ao A., AA, a quantia de €187.884,00, a título de indemnização por resolução do contrato de trabalho com justa causa [nela já incluída a indemnização pelos danos não patrimoniais provenientes da justa causa de resolução do contrato de trabalho], bem como a pagar, sobre essa quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data do trânsito em julgado do presente acórdão até efetivo e integral pagamento; b.2.3. Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de €2.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais a que se reporta o ponto III.12.2. do presente acórdão, bem como a pagar, sobre essa quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data do trânsito em julgado do presente acórdão até efectivo e integral pagamento; b.2.4. Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia global de €27.660,38, a título de trabalho suplementar prestado desde 01.12.2016 a 28.09.2018, bem como a pagar, sobre essa quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações em dívida até integral e efectivo pagamento; b.2.5. Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia global de €226.56 a título de retribuição por descansos compensatórios não gozados referentes ao trabalho suplementar prestado no período de 01.12.2016 a 28.09.2018, bem como a pagar, sobre esta quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral. b.3. No mais impugnado no recurso [subordinado] interposto pelo A., julgá-lo improcedente. Custas em 1ª instância pelo A. e Ré, na proporção do decaimento. Custas do recurso principal, interposto pela Ré, por esta e pelo A., na proporção do decaimento. Custas do recurso subordinado, interposto pelo A., por este e pela Ré, na proporção do decaimento.”.
A Ré e o Autor interpuseram recurso de revista.
No seu recurso a Ré apresentou as seguintes Conclusões: 1. A recorrente discorda totalmente das decisões contidas no acórdão da Relação do Porto, que foram discriminadas no requerimento de interposição de recurso, e através do presente recurso de revista pretende obter a total revogação do acórdão recorrido e, consequentemente, a sua absolvição de todos os pedidos que o A. formulou na ação, bem como a procedência do pedido reconvencional que formulou contra o A.. 2. O A. fundamentou a resolução do seu contrato de trabalho na alegação de que era vítima de mobbing, ou assédio laboral, protagonizado por um dos administradores da R., e justificou tal acusação na alegação de 11 episódios, que alegadamente concretizavam a atuação ilícita e continuada a que a R. o teria sujeitado, e que alegadamente tinha determinado a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho. 3. Muito embora concordemos com a conclusão a que o Tribunal da Relação chegou na página 325, do acórdão recorrido, de que não existe aqui uma situação continuada que possa ser qualificada como assédio laboral, já discordamos do teor do acórdão quando refere que os episódios 1º, 5º, 10º e 11º, quando individualmente considerados, serem suscetíveis de, em abstrato, ter uma natureza assediante. (Cfr. pg. 324 do acórdão recorrido) 4. Ao contrário daquilo que é referido no acórdão recorrido, nas pág. 294 a 296, o “episódio 1” não configura qualquer situação de assédio laboral, porque não há qualquer base factual para chegar a essa conclusão. 5. E afirmamos isto, em primeiro lugar, porque a prova da matéria de facto constante do Facto 29 (versão alterada) assenta num erro notório de julgamento, que o STJ deve retificar. 6. E, conforme consta do texto do acórdão recorrido (cfr. pág. 162), aquilo que terá sido testemunhado pelo Dr. BB foi o seguinte: “vocês têm a mania que são doutores, deviam ouvir muito mais as pessoas”. 7. Com base nesta expressão não é possível concluir, sem mais, que o Sr. Administrador CC tenha dito que “o A. tinha a mania que era doutor”. 8. Estas expressões não são iguais, nem têm o mesmo sentido. 9. O Tribunal da Relação ao transformar a expressão testemunhada, pelo Dr. BB, de que “vocês têm a mania que são doutores, deviam ouvir muito mais as pessoas”, no facto provado com o nº29 (“e que o A. tinha mania que era doutor”) cometeu um erro de julgamento, sindicável pelo STJ, na medida em que representa um erro notório de apreciação da prova, detetável no próprio exame crítico da prova. 10. Retificando-se a matéria do facto nº20 em função daquilo que disse a testemunha, não é possível concluir, “pelos padrões da normalidade das reações e de sensibilidade do homem médio”, que o A. tenha ficado ofendido pelo facto de o administrador da R. lhe ter dito “vocês têm a mania que são doutores, deviam ouvir muito mais as pessoas”. 11. A isto acresce que, na ponderação que é feita nas páginas 294, 295 e 296, do acórdão recorrido, não foi tido em conta que não foi provado o facto em que assentava a acusação de assédio, na versão do A.. 12. O A. baseia a acusação de assédio, envolvendo o administrador da R. no episódio 1, no facto que foi alegado no artigo 43º da petição inicial: “A postura adotada pelo Eng. DD na reunião de 16.10.2016, que nunca tinha tido para com o A., foi induzida pelo Administrador e pela sua forma de pensar a pessoa do A..” 13. Ora, tal como foi muito bem observado na sentença da 1ª instância, citada a fls. 162 do acórdão recorrido, “Não existe qualquer elemento que aponte no sentido de que o Administrador CC influenciou de qualquer forma a conduta da testemunha DD, resultando claramente do depoimento deste que não teve.” 14. Em conclusão, não é possível concluir que o “episódio 1” consubstancie qualquer atuação assediante por parte do administrador da R. em relação ao A. 15. Em relação ao 5º episódio, os Senhores Desembargadores, nas considerações que foram efetuadas na pág. 306, do acórdão recorrido, não tiveram presente aquilo que referiram na página 182, do acórdão recorrido, designadamente que não há qualquer prova no sentido de afirmar que tenha havido qualquer tipo de intenção de humilhar o A.: “A prova feita é insuficiente no sentido de que as afirmações feitas tenham tido como intuito ou assentado numa vontade deliberada de humilhar, intimidar, perturbar, ofender e/ou afetar a dignidade do A., explicando-se por uma vontade de afirmação e manifestação, ainda que excessiva nos termos utilizados, de poder por parte do administrador. Não se nos afigura também que haja sido feita prova suficiente, nem a natureza das afirmações levam só por si a essa conclusão, de que o A. se haja sentido intimidado.” 16. Ora, se o A. identificava o assédio nesta intenção ofensiva e intimidatória (Cfr. artigos 15º e 98 da petição inicial) e não havendo qualquer prova de um comportamento intencional por parte da R., não faz qualquer sentido que Tribunal vá mais longe do que aquilo que o A. foi na identificação do alegado comportamento assediante da R. 17. Por fim, ao contrário daquilo que é afirmado na página 326, do acórdão recorrido, este episódio 5º episódio não marca qualquer tipo de “tom”. E isto porque se trata de um episódio isolado e perfeitamente explicado, na sua origem e fim, sem qualquer efeito no desenvolvimento posterior da relação laboral. 18. Em relação à matéria do 10º episódio, se o Tribunal da Relação concluiu que o comportamento da R. não é intencional, nem ilícito, nem discriminatório, então, ao contrário daquilo que é concluído, a pg. 317, no acórdão recorrido, o 10º episódio nunca poderá ser qualificado como um ato de assédio laboral. 19. Na análise do 11º episódio defenderemos que não existe qualquer assédio laboral, nem existe justa causa de resolução do contrato de trabalho. 20. A pgs. 322, 323 e 324, o Tribunal da Relação do Porto considerou que as seguintes expressões são violadoras dos deveres de respeito e urbanidade e que, por isso, isoladamente e em abstrato, são suscetíveis de integrar a figura do mobbing e de consubstanciar violação culposa das garantias legais do trabalhador e constituir justa causa de despedimento: - Nunca antes o administrador da R. teve essa intenção em relação ao A., tal como o demonstram a factualidade provada a propósito dos episódios 1 a 10. - O administrador da R. reforçou a necessidade de serem feitas mudanças 25. Durante a discussão, foram chamadas à colação situações passadas, protagonizadas pelo A., porque elas tinham o mesmo cunho negativo e egocêntrico que estava a ser manifestado pelo A. naquela reunião. Estamos a falar da alteração da assinatura (episódio 9, pág. 313 a 316) e contestação da necessidade de a direção de compras reportar à direção financeira (episódio 3, pág. 299 a 301). 26. Concretamente, num passado recente, o A. tinha alterado unilateralmente o título da sua posição hierárquica, atribuindo a si próprio uma importância que a administração nunca lhe conferiu (episódio 9). E foi capaz de contestar um modelo de organização de impunha ao departamento de compras o cumprimento das disponibilidades orçamentais da empresa, isto é, que não gastasse mais do que o dinheiro que havia disponível (episódio 3). 27. A confrontação do A. com 2 episódios de atuação lícita por parte da R. não pode ser considerada desrespeitosa, uma vez que o seu conteúdo nada tem de falso ou de ofensivo. 28. O Tribunal da Relação do Porto não teve em conta que o A. e o administrador da R. têm uma relação muito próxima há mais de 20 anos, são amigos e confiavam um no outro (Facto 193), tratam-se por tu (Facto 189), passam férias juntos (Facto 189), o A. era convidado para as festas de aniversário do administrador da R. (Facto 190), tinham entre si uma linguagem livre (Facto 191), o A. era o “braço direito” do administrador da R. (Facto 6, Facto 185, Facto 188), tinham inúmeras reuniões, mesmo durante o período referido neste processo (Facto 187, Facto 198), os dois têm a personalidades fortes e lutam pelas suas convicções (Facto 194, Facto 195), discutem quando é necessário, mas isso nunca criou obstáculos inultrapassáveis entre os dois (Facto 196) e os eventuais desentendimentos acabavam sempre com um almoço (Facto 197), o A. sempre conheceu caráter frontal e sem ressentimentos do administrador da R. (Facto 215, Facto 216 e Facto 217). 29. Vale aqui a observação atenta, constante da sentença da 1ª instância, reconhecendo que as palavras podem ser desagradáveis para o A., mas que devem ser enquadradas “nesta relação longa e próxima, com o esbatimento de alguns limites e num contexto de intensa pressão empresarial, sem a presença de qualquer objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável que confira sustentação a uma afirmação de assédio moral no trabalho (…)”. 30. Perante todas as evidências constantes das conclusões 23 a 29, não pode, por falta de fundamento, o Tribunal da Relação do Porto, recorrer à prova por presunção, alterar a matéria de facto, atribuindo intenções a quem nunca as teve e, com base nisso, retirar consequências nefastas para a R. 31. O facto 159-A, deve ser anulado por manifesto erro de julgamento, uma vez que a consideração da totalidade da base factual existente não permite a ilação que o Tribunal retirou, o que consubstancia uma patente violação do disposto no art. 349º do Código Civil, que se invoca para todos os efeitos legais. 32. A propósito na inexistência de assédio, é justo destacar aqui as observações pertinentes efetuadas na sentença da 1ª instância, uma vez que resumem a posição da R.: “É uma discussão, em que o administrador, atenta a sua posição funcional, assume uma preponderância, com repreensão do autor perante um conjunto de pessoas, mas que não revela, para além do calor do momento, qualquer finalidade ilícita ou eticamente reprovável, ou seja, não existe subjacente às situações e para além do calor do momento, associado a estes episódios, um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, não se podendo minimamente apoiar a tese de que a ré, mais precisamente o administrador CC, pretendia de qualquer forma afastar o autor ou não contava com ele para o futuro da organização.” “Mas, não podemos deixar de ter em conta que se tratou de uma discussão [não foi só o administrador a falar], num contexto de algum confronto por parte do autor, conhecedor do temperamento do administrador, da forma como reage imediata e frontalmente e, por isso, não podemos, em nosso entendimento, considerar que estes episódios, ainda que em conjunto, assumem a gravidade para integrar o conceito de assédio moral no trabalho.” 33. Uma discussão totalmente imprevista, entre 2 pessoas que são muito próximas, na qual são ditas palavras que têm que ver com o contexto em que surgiu essa mesma discussão, palavras essas que em si mesmas nada têm de ofensivo ou injurioso (não foram proferidos quaisquer palavrões! ninguém foi insultado!), não pode ser considerada um ato de assédio – tal qual o assédio laboral está definido nas páginas 278 a 284 do acórdão recorrido – designadamente porque com elas nunca se pretendeu afastar ninguém da empresa. 34. A propósito da existência de justa causa de despedimento, subscrevemos inteiramente este excerto do acórdão recorrido: “Como se tem entendido, para que ocorra justa causa para resolução do contrato de trabalho, seja a subjetiva, seja a objetiva, não basta a verificação da existência de alguma das situações previstas (a título exemplificativo) no nº 2 do art. 394º ou no nº 3 do mesmo. Embora com as devidas adaptações, a justa causa para a resolução deverá, grosso modo, reconduzir-se à impossibilidade/inexigibilidade de o trabalhador manter a relação laboral e ser apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, preceito que dispõe que «Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e o seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.» . Para o preenchimento valorativo da cláusula geral da resolução pelo trabalhador ínsita no nº 1 do art. 394º do Código do Trabalho, não basta, pois, a verificação material de qualquer dos comportamentos descritos no nº 2 ou no nº 3, sendo ainda necessário que desse comportamento resultem efeitos suficientemente graves, em si ou nas suas consequências, que tornem inexigível ao trabalhador a continuação da sua atividade em benefício do empregador.” – pg. 275 do acórdão recorrido. 35. Acrescentamos, que não é o Tribunal quem procede à resolução do contrato de trabalho. Quem resolve o contrato de trabalho é o trabalhador. E o Tribunal não pode substituir-se ao A. na avaliação que este fez, porque só o A., enquanto trabalhador da R., é que sabe o que o levou a decidir resolver o contrato nos precisos termos em que o fez. 36. Antes de prosseguir, há que verificar a questão de caducidade da factualidade invocada pelo A. para efeito da invocada justa causa para a resolução do contrato de trabalho. 37. Dispõe o art.º 394.º e seguintes do Código do Trabalho que o trabalhador, se pretender invocar determinados factos para neles fundamentar a resolução do contrato de trabalho tem de o fazer, por comunicação escrita no prazo de 30 dias a contar do conhecimento dos factos. 38. Ora, tendo o A. resolvido o contrato de trabalho por carta registada c/AR em 23.11.2018 e estando a justa causa invocada ao longo de onze episódios, com datas muito deferentes (episódio 1 – Setembro de 2016; episódio 2 – 10.06.2017; episódio 3 – meados de 2017; episódio 4 – 26.09.2017; episódio 5 – 20.12.2017; episódio 6 – 09.02.2018; episódio 7 – Abril de 2018; episódio 8 – 22.06.2018; episódio 9 – 25.09.2018; episódio 10 – 11.07.2018; episódio 11 – 25.10.2018) é forçoso concluir que, à exceção do episódio 11, em relação aos factos que integram os demais episódios caducou a sua relevância para o efeito referido, por manifesta ultrapassagem do prazo de 30 dias previsto no art. 395º/1 do Código do Trabalho. 39. Por outras palavras, os episódios 1 a 10 estão naturalmente excluídos, por caducidade, para efeitos da apreciação da justa causa. 40. E o Tribunal da Relação do Porto considerou que existia justa causa de despedimento apenas com base no referido episódio 11. 41. Mas, o A. fundamentou a resolução do seu contrato de trabalho na alegação de que era vítima de mobbing, ou assédio laboral, protagonizado por um dos administradores da R., e justificou tal acusação na alegação de 11 episódios, que alegadamente concretizavam a atuação ilícita e continuada a que a R. o teria sujeitado, e que alegadamente tinha determinado a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho. 42. O A. não provou a situação de facto, composta por 11 episódios, que justificou a cessação do seu contrato de trabalho por alegada prática de assédio laboral. Por esta razão, deverá ser declarada a improcedência da justa causa invocada por falta de prova da mesma. 43. Designadamente, não ficou provado que o A. fosse vítima de assédio laboral por parte da R., ao longo dos 11 episódios, nem ficou provado que o administrador da R. tenha agido com a intenção de ofender o A. no 11º episódio (Cfr. erro de julgamento do Facto 159-A) 44. Sem conceder, mesmo que se entenda que o administrador da R. agiu com a intenção de ofender o A., o que só por mera hipótese de raciocínio se coloca, continua a não existir fundamento da a resolução do contrato de trabalho do A.. E isto porque não ficou demonstrado que o A. estivesse impossibilitado de continuar a trabalhar para a R., tal como impõe a remissão que o art. 394º/4 do CT para o art. 351º/3 do CT. 45. Na versão do A., o facto 159-A está integrado no “episódio 11”. Ora, a ponderação isolada do “episódio 11” é insuficiente para se considerar verificada a justa causa da resolução do contrato de trabalho, porque o A. não considerou que o episódio 11, individualmente considerado, fosse suficiente para justificar a resolução do contrato de trabalho. 46. Efetivamente, o A. não julgou que qualquer um dos onze episódios, individualmente considerado, tivesse a virtualidade de conferir justa causa à resolução do contrato, mas apenas decidiu resolver o contrato por consideração conjunta dos onze episódios. 47. E, como decorre das palavras do A., o 11º episódio só atinge relevo decisivo, em termos de cessação do contrato de trabalho, porque existiram os anteriores, através dos quais foi alegadamente acumulando um lastro de descontentamento e humilhação, o que fez com que atingisse um ponto de rotura no dia 25.10.2018. 48. Isto é, para o próprio A., se os outros 10 episódios não tivessem existido, tal qual o A. os descreveu, o 11º episódio não teria a virtualidade para só por si determinar a resolução do contrato de trabalho. 49. Se o A. não considerou que o episódio 11, individualmente considerado, fosse suficiente para justificar a resolução do contrato de trabalho, é porque a matéria do 11º episódio não o impediria de continuar a trabalhar na R.. 50. Para além disto, ainda no domínio da remissão que o art. 394º/4 do C.T. faz para o art. 351/3 do CT, existem muitos outros factos que demonstram que nada impedia o A. de continuar a trabalhar na R.. Concretamente: A nível profissional, o A. era um executivo de topo, praticamente o nº2 da empresa, com relevo nacional e internacional; Era um dos diretores melhores colocados para o cargo de CEO; Auferia um salário principesco; A nível pessoal, para além de amigo pessoal e pessoa de total confiança, o A. era o braço direito do administrador da R. O A. conhecia perfeitamente o administrador da R. há mais de 20 anos e sabe que ele é uma pessoa frontal, direta e que não guarda ressentimentos, pelo que qualquer situação que existisse seria facilmente ultrapassada. 51. Face a tudo o que acaba de ser exposto, não temos qualquer dúvida em afirmar que o A. só fez cessar o seu contrato de trabalho, e deixou de trabalhar para a R., porque tinha decidido estabelecer-se por conta própria. Note-se que o momento escolhido para resolver o contrato de trabalho, com invocação de assédio laboral, ocorre cerca de um mês e meio antes de ter adquirido uma empresa e registado a sua situação de gerente dessa mesma empresa [cfr. Factos 218 e 219], dando inicio à sua atividade profissional como empresário. 52. Atento o exposto nas conclusões 38 a 51, a resolução do contrato de trabalho do A. deve ser declarada ilícita, sem justa causa, por violadora do disposto no artigo 394º/1/2/4, do Código do Trabalho. 53. Consequentemente, nos termos conjugados dos artigos 399.º, e 401, do Código do Trabalho, deverá ser considerada como uma denúncia sem cumprimento do prazo de pré-aviso, conferindo à R. o direito à indemnização correspondente a dois meses de salário, ou seja, ao valor de € 18.360 acrescida de juros de mora desde a notificação do autor até integral cumprimento. 54. O Acórdão recorrido deverá ser revogado na parte em que julgou procedente a justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo Autor e condenou a R. a pagar ao A. a quantia de €187.884,00, a título de indemnização por resolução do contrato de trabalho com justa causa, bem como a quantia de €2.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais. 55. O artigo 226º/1 do CT estabelece que: “Considera-se trabalho suplementar o prestado fora do horário de trabalho.” 56. E o art. 200º/1 do CT define o horário de trabalho como “a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal.” 57. Da leitura conjunta destas duas normas legais resulta que, para se averiguar a existência de trabalho suplementar, é necessário apurar previamente qual o horário de trabalho que o trabalhador estava obrigado a cumprir. 58. Consciente desta exigência legal, o A. alegou no artigo 215º, da petição inicial, o seguinte: “O horário de trabalho do A. era seguinte: de 2ª a 6ª feira, das 8 às 17h, com intervalo para almoço das 12h30 às 13h30. Dia de semanal obrigatório ao domingo e dia de descanso semanal complementar ao sábado.” 59. Aquilo que está provado é algo bem diferente daquilo que foi alegado pelo A.: “O horário de trabalho em vigor na ré, para funções não industriais, era o seguinte: de 2ª a 6ª feira, das 8 às 17h, com intervalo para almoço das 12h30 às 13h30, com dia semanal obrigatório ao domingo e dia de descanso semanal complementar ao sábado.” – Facto 220. 60. Não foi provado que o horário de trabalho dado como provado no Facto 220 era o horário do A.. Por outras palavras, não foi provado que o A. estava obrigado a cumprir este horário de trabalho. 61. E do elenco dos factos provados também não se pode retirar a conclusão de que este era o horário de trabalho do A., isto é, que o A. estivesse obrigado a cumprir este horário de trabalho referido no Facto 220. 62. Aliás, os factos provados revelam que o A. não reconhecia este horário como sendo o seu horário de trabalho: Facto 2, Facto 4, Facto 6, Facto 9, Facto 10, Facto 11, Facto 12, Facto 238, Facto 234, Facto 235, Facto 236, Facto 240. 63. Tal como resulta das regras da experiência, estes factos não evidenciam que o A. considerasse que o horário existente para as “funções não industriais” fosse o seu horário de trabalho. 64. Desde logo, o A. não era um trabalhador comum, não era um humilde funcionário administrativo que estava obrigado a cumprir o “horáriozinho”, das 08h00 às 17h00. 65. O A. era quem mandava nos trabalhadores comuns, exercessem eles “funções industriais”, ou “funções não industriais”. 66. Não tendo sido provado o horário de trabalho do A., não é possível concluir que o A. tivesse realizado trabalho suplementar, isto é, trabalho “prestado fora o horário de trabalho”, nem que tenha qualquer crédito a título de retribuição por descanso compensatório, uma vez que o direito ao descanso compensatório está dependente da existência de trabalho suplementar. 67. Ao condenar a R. no pagamento da remuneração de trabalho suplementar, no pagamento dos descansos compensatórios, e juros, o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 226/1 do Código do Trabalho, o disposto no artigo 200/1 do Código do Trabalho e o disposto no artigo 229 do Código do Trabalho. 68. Aquilo que decorre dos factos provados é que o sistema horário de trabalho acordado tacitamente entre o A. e a R., e os demais diretores, é o da isenção total, de facto, no sentido da não sujeição aos limites máximos do período normal de trabalho. 69. A R. tem acordado tacitamente com os seus diretores, entre eles o A., um valor salarial suficientemente alto que inclui a remuneração de todo o tempo despendido pelos diretores, entre eles o A., no exercício das suas funções, designadamente a retribuição legal pela isenção do horário de trabalho, o que entronca na possibilidade prevista na cláusula 59ª/1 do CCTV (celebrado entre a AIMMAP e o SINDEL, publicado no BTE nº20 de 29.05.2019) e respetiva Portaria de Extensão (sendo a última delas a Portaria 249/2020, de 23-10, publicada no D.R., 1ª série de 23.10.2020). 70. E se o acordo é tácito e não está reduzido a escrito, é apenas porque o A. não teve o cuidado de o reduzir a escrito. 71. A realidade da “isenção de facto” é abordada doutrinariamente pelo professor António Menezes Cordeiro, na sua obra “Isenção de Horário – subsídios para a dogmática atual do direito de duração do trabalho”. 72. É defendido pelo ilustre académico que “o trabalhador age fora dos horários rígidos porque o quer fazer; o empregador aceita o trabalho assim prestado porque lhe convém e está de acordo. No fundo, “a isenção de facto” repousa na vontade tácita de ambas as partes. 73. No presente caso concreto, a comprovar esta situação de isenção de facto, somos confrontados com a evidência de, durante 24 anos, enquanto foi diretor de recursos humanos, o A. não teve hora de entrada, nem de saída, geriu o seu tempo como bem entendia e foi retribuído em conformidade. (Facto 236) 74. Sem conceder, se se entender que o A. tem direito a reclamar a prestação de trabalho suplementar, devido à falta de forma do acordo tácito de isenção de horário, então, neste caso, o exercício de tal direito deverá ser considerado ilícito e ilegítimo, por abuso de direito, por representar uma violação do princípio da boa-fé, por parte do A., consubstanciada num “venire contra factum proprium”, na medida em que o A. pretende tirar benefício de uma omissão formal que ele próprio criou, 75. Efetivamente, entre 1994 e 2018, durante 24 anos, enquanto foi diretor de recursos humanos da R., o A. nunca reconheceu qualquer horário de trabalho como sendo o seu, “não registou qualquer tempo de trabalho suplementar que considerava que tivesse feito, nem reclamou o pagamento de qualquer tempo de trabalho suplementar que considerasse ter feito”. (Facto 240) 76. É que o A., nada tendo feito no sentido dessa reclamação, foi beneficiando de sucessivos aumentos do seu salário base, que pressupunham o regime da isenção de facto, e que nunca teriam existido se o A. entendesse que tinha direito a receber remuneração por trabalho suplementar. 77. Efetivamente, se era esse o regime que o A. achava que lhe era aplicável, então, deveria ter sido intelectualmente honesto e coerente para com a R., ao longo dos anos, deveria ter cumprido um horário de trabalho, deveria ter registado o trabalho suplementar, deveria ter reclamado o valor da remuneração desse trabalho e deveria ter-se sujeitado à atualização salarial própria de quem está neste regime de horário fixo, isto é, deveria ter-se sujeitado a um valor salarial substancialmente inferior àquele que recebia. 78. Mas não, aquilo que verificamos é que o A. foi e está a ser intelectualmente desonesto. Trabalhou 24 anos sem horário de trabalho, beneficiou de um regime de total ausência de fiscalização do seu tempo de trabalho, beneficiou de valores salariais próprios de um regime de isenção de facto e, no final, veio reclamar o trabalho suplementar como estivesse sujeito ao cumprimento de um horário de trabalho e não ganhasse um salário que abarcava a disponibilidade própria do seu cargo. 79. Como se não bastasse, prolonga a sua má-fé, beneficiando de um vício formal emergente de não ter formalizado o seu acordo de isenção de horário de trabalho, vicio esse que só existiu porque ele, enquanto diretor de recursos humanos e responsável pela matéria, nunca teve a iniciativa de elaborar o documento em questão. 80. O comportamento do A. é violador do princípio da boa-fé e constitui abuso de direito. 81. Em conclusão, deverá ser reconhecido que o comportamento do A. é violador do princípio da boa-fé e constitui um abuso de direito. Consequentemente, também por esta via, deverá a R. ser absolvida do pagamento de qualquer quantia ao A., a título de remuneração de trabalho suplementar, bem como de remuneração de descanso compensatório. 82. O acórdão recorrido, ao não reconhecer a situação de abuso de direito violou o disposto no art. 334 do Código Civil e o disposto no art. 762/2 do Código Civil. 83. Em consequência da procedência das conclusões 60 a 72 e 78 a 87 deverá o acórdão recorrido ser revogado na parte em que condenou a R. a pagar ao A.: A. No âmbito do recurso principal: a.1.1. A quantia de €45.932,99, a título de trabalho suplementar referente ao período de 17.01.2014 a 30.11.2016, bem como a pagar, sobre essa quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações em dívida até efectivo e integral pagamento; a.1.2. A quantia de €11.483,22, a título de retribuição por descansos compensatórios correspondentes ao trabalho suplementar prestado no período de 17.01.2014 a 30.11.2016 (referido em a.1.1.), bem como a pagar, sobre essa quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento. B. No âmbito do recurso subordinado: b.2.4. A quantia global de €27.660,38, a título de trabalho suplementar prestado desde 01.12.2016 a 28.09.2018, bem como a pagar, sobre essa quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações em dívida até integral e efectivo pagamento; b.2.5. A quantia global de €226.56 a título de retribuição por descansos compensatórios não gozados referentes ao trabalho suplementar prestado no período de 01.12.2016 a 28.09.2018, bem como a pagar, sobre esta quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. E concluía pedindo que fosse revogado o Acórdão recorrido, absolvendo-se a R. de todos os pedidos formulados pelo A., e condenando-se o A. no pedido reconvencional formulado pela R. Por seu turno o Autor interpôs recurso de revista. Nas suas próprias palavras “o recurso vem interposto do acórdão da Relação do Porto: i) na parte em que revogou a decisão de 1ª instância relativa ao trabalho suplementar e descansos compensatórios vencidos para além dos 5 anos anteriores à data da propositura da ação (de 3.1.2011 a 16.1.2014), ii) e na parte relativa ao valor da indemnização que fixou pela resolução do contrato de trabalho com justa causa e pelos danos não patrimoniais sofridos”. A Ré contra-alegou ao recurso do Autor. O recurso do Autor, por seu turno, apresenta as seguintes Conclusões: “Trabalho suplementar e descansos compensatórios vencidos para além dos 5 anos anteriores à ação (3.1.2011 a 16.1.2014): 1. O acórdão recorrido seguiu a tese corrente do que se considera o documento idóneo necessário à prova do trabalho suplementar para além dos 5 anos anteriores à propositura da ação e assim decidiu que, quanto ao facto nº 222, no que se reporta ao período desde 3.1.2011 até 16.1.2014, deveria ter-se como não provado, por idênticas razões de direito probatório material militarem no sentido de se exigir esse documento para prova do requisito do nº 2 do artigo 268.º do CT («cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador») - pg. 147 do acórdão. 2. Não se concorda com esta decisão nem com esta argumentação: Uma coisa é exigir o registo do trabalho em documento idóneo, outra é exigir que desse documento resulte o requisito do nº 2 do artº 268º do CT. 3. Segundo a tese adotada pelo acórdão recorrido, o documento, que foi considerado prova idónea do trabalho suplementar dentro dos 5 anos anteriores à propositura da ação, quer para a Relação, quer para a 1ª instância, deixou de o ser, para além desses 5 anos, apesar de ser exatamente o mesmo: O documento tornou-se inidóneo a essa prova pelo mero fator tempo, porque segundo a Relação dele não resulta, para o período considerado, o conhecimento e a prévia determinação ou não oposição previsível da empregadora - ou, mais rigorosamente, o requisito do nº 2 do artº 268º do CT. 4. Não deixa de fazer espécie que sendo o mesmo documento de registo do trabalho, oriundo da empregadora, comprovadamente, possa por essas mesmas razões ser utilizável num determinado período de tempo e deixe de o poder ser pelo simples facto de esse período ser ultrapassado, sem qualquer consideração adicional que não seja essa, a do tempo! É desrazoável, desproporcional e iníquo e, portanto, inaceitável. 5. Os registos do tempo de trabalho do A. foram juntos pela R. com a contestação (docs. 6 a 10, relativos respetivamente aos anos de 2011, 2012, 2013, 2016, 2017 e 2018) em 16.4.2019 (relativos aos anos de 2014 e 2015), sendo documentos idóneos de prova do trabalho fora e para além do horário, envolvendo o conhecimento da empregadora, concomitante, sendo registos seus e da sua proveniência, permitindo conhecer os tempos de trabalho e provar de forma segura o trabalho prestado - o que ficou demonstrado e aceite pela Relação, confirmando o juízo de 1ª instância, em dupla conforme nesse segmento e portanto de forma definitiva. 6. A questão suscitada no acórdão recorrido relativa ao nº 222 dos factos provados tem a ver apenas com o conhecimento e o consentimento ou ordem da R. nas horas suplementares (ou mais rigorosamente com o requisito do nº 2 do artº 268º do CT) e não com a efetiva prestação desse trabalho, que resulta dos registos. 7. A não adoção da forma de registo do trabalho suplementar prevista na Portaria 712/2006 não impediu que os registos apresentados fossem considerados documentos idóneos para o efeito, pois permitem conhecer e provar o trabalho prestado. 8. Mas a verdade é que mesmo que tivesse sido adotada a forma regulamentar do registo, o requisito do nº 2 do artº 268º do CT não ficava provado documentalmente ou podia ser posto em causa por prova testemunhal da empregadora, que não ficava impedida de o contrariar, nomeadamente por não ter conhecimento da prestação desse trabalho nem o ter determinado! 9. Tal registo nem sequer é assinado pela empregadora e o trabalho suplementar pode nem ser comunicado à ACT, gerando mera contraordenação - artº 231º, nºs 7 e 9, do CT! 10. Tudo inculca, portanto, que esse requisito (do nº 2 do artº 268º do CT) não está abrangido pela exigência do documento idóneo e que por razões de igualdade o A. deve poder também prová-lo (esse requisito) por testemunhas, como constava do facto provado 222! 11. Daí que a mera distinção operada pelo acórdão recorrido com base no mero fator tempo não seja in casu de acolher, posto que os documentos foram considerados idóneos para todo o período que consideram, sendo inexplicável que deixem de o ser apenas porque passam os 5 anos. 12. O facto de o documento (registo do trabalho suplementar) ter de ser visado pelo trabalhador e de essa omissão não ter sido reclamada pelo recorrente, não acrescenta nada à questão, pois também não era o viso do trabalhador que ia provar a ordem prévia e expressa da empregadora ou a sua previsível não oposição à prestação do trabalho. 13. A exigência de prova desse requisito do nº 2 do artº 268º do CT, concretamente da prévia e expressa determinação da empregadora ou da sua previsível não oposição por documento, quando essa circunstância não resulta sequer do impresso oficial regulamentar ou pode ser posta em causa pelo empregador por outro meio probatório, é o mesmo que impor uma prova ilegal e ou impossível ao trabalhador ou no mínimo diabólica e portanto desrazoável e desproporcional, em violação do direito a um processo justo e das garantias constitucionais dos artigos 18º, nº 2, e 20º, nº 1, da CRP. 14. Conclui-se pois que as razões da inadmissibilidade da prova testemunhal e da exigência de um documento idóneo para prova do trabalho suplementar vencido há mais de 5 anos (artº 337º, nº 2, do CT) não colhem para efeitos do requisito do nº 2 do artº 268º do CT, que, portanto, não é abrangido nesse ónus probatório e nessa exigência ad probationem. 15. A decisão recorrida violou, portanto, com o devido respeito, a norma do artº 337º, nº 2, do CT, conjugada com o artº 268º, nº 2, do CT. 16. Como tal, o facto provado 222 não devia ter sido alterado pela Relação (pg. 148 do acórdão) e devia ter sido mantida a redação que vinha da 1ª instância, incluindo, portanto, o período de 3.1.2011 a 16.1.2014. b) Valor das indemnizações: 17. A fixação do valor da indemnização por resolução com justa causa do contrato de trabalho, incluindo danos não patrimoniais, em 20 dias por ano e proporcional à fração (ponto 12.1 do acórdão - pg. 329), e o valor da indemnização por danos não patrimoniais relativamente ao episódio autónomo (ponto 12.2 do acórdão - pg. 330), não são corretos ou aceitáveis nem equitativos, constituindo uma violação do artº 396º, nº 1, do CT (indemnização por resolução), e do artº 496º do CC (danos não patrimoniais), respetivamente. 18. Quanto à indemnização por resolução ou indemnização de antiguidade, num caso deste género, em que o A. foi vilipendiado e ofendido pela empregadora, dolosamente, sem qualquer atenuante ou justificação comportamental que não a de abuso de poder e prepotência humilhatória, num quadro de indignidades sucessivas e com graves danos na saúde, no bem-estar e na personalidade moral do trabalhador, no mínimo a indemnização de antiguidade deveria ser de 30 dias por cada ano e proporcional à fração, na mediana do intervalo previsto na lei - o que corresponde a € 267.513,16 (29 anos, 1 mês e 21 dias, a € 9.180,00 - remuneração atendível, facto nº 232). 19. O facto de o salário ser alto não deve funcionar em prejuízo do A., pois o critério do número de dias é que deve ser utilizado, face à ilicitude e culpa demonstrados e à elevada antiguidade do trabalhador (artº 396º, nº 1, do CT). 20. O A. exercia um cargo superior, braço direito da Administração e, portanto, de confiança, o que mais agrava o comportamento da empregadora. 21. Não é pelo facto de ganhar mais que a indemnização deve ser atenuada em benefício do infrator, nem é aceitável pensar que pelo facto de ganhar mais as ofensas se tornam admissíveis ou menos graves ou devem ser apreciadas de forma benevolente, sendo uma conceção errada reduzir o número de dias ou o critério legal quanto maior for o salário, numa nivelação artificiosa e descabida, que as partes não quiseram ou previram, pois que os salários mais altos resultam da autonomia privada e da liberdade contratual das partes (artº 405º do CC). 22. E tanto mais que a R. é ela própria uma grande empresa, de um poderoso grupo industrial (...), e, portanto, com elevada capacidade económico-financeira, sendo absolutamente desajustada a contemplação. 23. A inclusão dos danos não patrimoniais no critério encontrado dos 20 dias é errada, à face da lei (artigos 396º, nº 1, do CT, e artº 496º do CC), e torna ainda mais iníquo e diminuto o valor encontrado! 24. Os danos não patrimoniais não são confundíveis com a antiguidade, pelo que as indemnizações correspondentes devem ser aferidas autonomamente e segundo os critérios próprios que lhes são aplicáveis (respetivamente o artº 496º do CC e o artº 396º, nº 1, do CT), pois são compensações de danos diferentes - e por analogia com o lugar paralelo com o despedimento ilícito [artigos 389º, nº 1, al. a), e 391º, do CT]. 25. Portanto, ao valor da indemnização de antiguidade, de 30 dias por cada ano e proporcional à fração, deveria acrescer uma indemnização por danos não patrimoniais, incluindo os integrantes da justa causa de resolução e os do episódio autonomizado pela Relação, que no caso não pode deixar de ser fixada em menos de € 15.000, atento o quadro dado como provado (que não correspondeu integralmente ao alegado na p.i., por que pedia € 25.000). E concluía pedindo que fosse alterado o Acórdão recorrido, condenando-se a Ré no pagamento ao A. do trabalho suplementar e descansos compensatórios vencidos além dos 5 anos anteriores à data da propositura da ação (de 03.01.2011 a 16.01.2014), alterando-se o facto provado 222 (para a redação fixada na 1.ª instância) e nos valores das indemnizações de antiguidade por resolução com justa causa de € 267.513,16 e por danos não patrimoniais de € 15.000. Nas suas contra-alegações ao recurso da Ré, o Autor veio, ainda, pedir a ampliação do objeto de recurso à questão da existência de assédio laboral (Conclusões 35.ª a 83.ª). Por despacho de 10.12.2021, o Tribunal da Relação admitiu o recurso interposto pelo Autor e rejeitou parcialmente o recurso interposto pela Ré com fundamento na existência de dupla conforme parcial, admitindo no demais o recurso com efeito devolutivo (embora a Ré tivesse requerido a atribuição de efeito suspensivo). Contudo, em sede de Reclamação deduzida contra o despacho de não admissão parcial (252/19.2T8OAZ.P1-A.S1), foi considerado, por despacho de 02.02.2022 do conselheiro relator, que não existe dupla conforme, tendo sido considerada procedente a Reclamação da Ré. O Autor reclamou do despacho para a Conferência, a qual decidiu manter o despacho reclamado em decisão de 01.03.2022.
Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n,º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da procedência do recurso da Ré.
O Autor respondeu ao Parecer.
Fundamentação
De Facto
1. O autor foi admitido no Grupo ..., na S..., SA, em 2.10.1989, como escriturário de 3ª, para sob a autoridade e direção da empregadora, desempenhar funções de técnico de compras e de recursos humanos. 12. Em 2017 e até outubro de 2018, o autor esteve a desempenhar funções de diretor de aprovisionamentos e de recursos humanos na Divisão de Moldes do Grupo .... 13. De há cerca de três anos para cá o Sr. CC, filho do fundador do Grupo, o Sr. ... EE, tem vindo a assumir o comando e a gestão da Administração do Grupo, por cedência do Sr. ..., que mantém uma presença regular nas empresas. 14. Em determinadas situações, na sequência de episódios a seguir descritos, o autor sentiu-se triste, ansioso e deprimido, tendo recorrido a auxílio médico. 15. Em setembro de 2016 a Administração do Grupo ... decidiu avançar com um trabalho de ..., com intuito de ajustar sinergias e comunicação entre as duas divisões do Grupo (a Divisão de Moldes e a Divisão de Plásticos). 16. Para o efeito o Sr. Administrador Sr. CC, solicitou ao autor, ao Dr. BB (D... da divisão de Plásticos) e ao Eng. DD (CEO da divisão de plásticos), que estudassem em conjunto e apresentassem uma ideia para o evento. 17. Os três designados combinaram refletir sobre o assunto e reunir-se no dia 16.9.2016 para trocarem ideias e assentarem definitivamente a proposta a apresentar à Administração. 18. O autor convidou para reflexão e partilha prévia de opiniões os colegas Sr. FF (Diretor Comercial), o Eng. GG (D...), o Eng. HH (A...), o Sr. II (D.../Aprovisionamento) e o Sr. JJ (D.../Aprovisionamento). 19. Da auscultação das várias opiniões, surgiu a ideia de se construir um projeto contínuo e progressivo, com debate, comunicação entre elementos das duas divisões de moldes e plásticos, que fosse anualmente culminado com um evento outdoor de ..., o que tudo o autor integrou num projeto, em nome da Divisão de Moldes. 20. A Divisão de Plásticos resumiu a sua informação a uns tópicos de um email. 21. No dia 16.10.2016 o autor e o Eng. GG, a quem o A. tinha solicitado que o acompanhasse, estiveram presentes no gabinete do Eng. DD. 22. Na mesma reunião encontrava-se o Dr. BB. 23. O Eng. DD solicitou ao autor que apresentasse a sua ideia, o que fez. 24. Quando o GG começou a falar, o Eng. DD que se encontrava de frente para o autor, virou a sua cadeira totalmente para a direita da sua secretária, virou-se de lado (dando as costas ao autor) e ficou de frente com o GG. 25. A reunião acabou de forma inconclusiva. 26. Nos dias subsequentes o Sr. Administrador CC foi informado do insucesso da reunião e falou com o Dr. BB e o Eng. GG sobre o sucedido. 27. O Sr. Administrador CC não solicitou ao autor que lhe contasse a sua versão dos factos. 28. Uns dias mais tarde o Sr. Administrador CC chamou ao seu gabinete o autor e o Dr. BB e informou-os de que o objetivo era estruturar e preparar o .... 29. Quando o autor tentou explicar-se, o Sr. Administrador CC disse-lhe, em tom de voz alto, que não queria ouvir mais nada acerca daquilo que estava para trás, que apenas estava preocupado com o futuro e que o A. tinha a mania que era doutor (alterado pelo Tribunal da Relação). 29-A. O A. não gostou e sentiu-se ofendido com a afirmação do mencionado administrador de que tinha, o A., a “mania de que era doutor” (aditado pelo Tribunal da Relação). 30. O Administrador CC nada teve que ver com o desentendimento entre o autor e o Eng. DD. 37. No dia 19.6.2017, na ausência do Sr. Administrador CC, o autor enviou um email para o Sr. Administrador CC e para o Sr. ... EE, solicitando um substituto para o Dr. KK. 45-A. O A., com o referido nos nºs 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44 e 45 dos factos provados, sentiu-se desgastado e frustrado (aditado pelo Tribunal da Relação). 46. No dia 26.9.2017 o autor foi convocado pelo Professor Dr. LL, consultor da empresa A..., entretanto avençado do Grupo ..., para tratar da apresentação preliminar do ajustamento organizacional da Divisão de Moldes. 47. A reunião tinha por objetivo criar uma equipa de trabalho para iniciar uma troca de ideias quanto a um novo modelo de organização da Divisão de Moldes. 48. Depois desta foram realizadas várias reuniões de trabalho sobre o assunto, entre o Prof. Dr. LL, o autor, o Dr. MM e a Dra. NN. 49. No dia 30.10.2017, encontravam-se o autor e o Dr. MM fora da empresa (em auditoria de acompanhamento das empresas do B... e ...), quando receberam a versão final da proposta do modelo futuro da organização, enviada pelo Prof. Dr. LL, para validação. 53. O autor ficou a saber pela resposta do Prof. Dr. LL, que o departamento de compras do qual ele autor era diretor, passava para a alçada do D..., em data a definir. 54. Esta hipótese ou alteração não tinha sido colocada anteriormente em momento algum nem consequentemente tinha sido discutida ou falada pela Administração com o autor. 55. Ficou a saber dela por terceiros, externos ao Grupo. 56. Esta alteração, caso o autor se mantivesse como diretor de compras no momento em que entrasse em vigor, implicava uma necessidade de reporte a um diretor a quem nunca tinha reportado e que se encontrava ao mesmo nível do autor e deixar de reportar diretamente à Administração. 57. A ré entendeu que era mais racional subordinar a atividade do departamento de compras aos orçamentos aprovados pelo diretor financeiro (alterado pelo Tribunal da Relação). 58. Por força desta reorganização, o autor, enquanto diretor de compras, ficaria com a liberdade de fazer as escolhas de preço e de comprar os materiais que achasse melhor, desde que se integrassem no orçamento que estava definido para o seu departamento. 59. A Direção Financeira da ré só interviria para resolver qualquer situação que implicasse valores mais elevados do que aqueles que estavam orçamentados. 60. Este modelo de organização financeira da empresa é adotado por outras empresas, a sua adoção pela ré visava aquilo que a administração entendia que tinha mais racionalidade financeira e não se dirigiu ao autor. 60-A. O A. ficou desagradado com a subordinação, nos termos referidos nos nºs 57 a 60 dos factos provados, da atividade do departamento de compras aos orçamentos aprovados pelo diretor financeiro (aditado pelo Tribunal da Relação). 61. No dia 13.11.2017, encontrando-se o autor fora da empresa, recebeu da parte do colega Eng. GG, um email, em que reportava um plano protocolar de cooperação entre o Grupo ... e a Escola Secundária ..., de ..., da iniciativa da 64. O departamento de recursos humanos era quem até então realizava reuniões periódicas de protocolos e estágios com esta e outras escolas e universidades. 65. Em algumas situações, esses assuntos passavam pelo autor, como responsável. 66. A decisão da administração encarregar o Eng. GG da coordenação do protocolo de cooperação entre o Grupo ... e a Escola Secundária ..., de ... causou incómodo entre os diretores de recursos humanos da divisão demolde do grupo, incluindo no autor. 73. No dia 21.12.2017, realizou-se na sala grande da QQ, pelas 10h, a reunião de direção para acompanhamento do mês de novembro 2017 e apresentação do orçamento para 2018. 74. Para além do Sr. ... EE e do Sr. Administrador CC, estavam presentes os dois consultores Prof. Dr. LL e Dra. SS e todos os diretores: Sr. FF (Diretor Comercial), Eng. GG (D...), Eng. HH (A...), Dr. MM (Diretor Financeiro), Dra. NN (D...), Dra. TT (D...), Dr. UU (Diretor Financeiro), Sr. II (D.../Aprovisionamento), Sr. JJ (D.../Aprovisionamento) e o autor (D.../Aprovisionamento). 75. Perto do final da reunião, quando o Sr. ... EE já se tinha retirado, o Sr. Administrador CC iniciou um discurso dizendo que todos tinham de se mexer mais, tomar ações e reformas para assegurar o cumprimento do orçamento ...18 ou se possível melhorá-lo. 76. Disse que alguns tinham que perder a mania, que alguns se melindravam por não serem chamados para protocolos de formação, que as cabeças e as cadeiras giravam quantas vezes tivessem que girar e que ninguém se devia sentir confortável ou com a mania que detém 76-A. O Administrador CC, com as afirmações de que: “alguns tinham de perder a mania” e que “alguns tinham a mania que eram donos da empresa” reportava-se, pelo menos, ao A.; “alguns se melindravam por não serem chamados para protocolos de formação” reportava-se ao A., a II e a JJ; “as cabeças e as cadeiras giravam quantas vezes tivessem que girar e que ninguém se devia sentir confortável” reportava-se aos diretores presentes na reunião, A. incluído; e que ninguém devia ter “ a mania que detém poder de veto, quando dentro da ..., as únicas pessoas que tem esse poder de veto era ele e o pai” reportava-se ao A (aditado pelo Tribunal da Relação). 89. Em nenhum momento os RH foram envolvidos e a Dra. WW e a Dra. XX chegaram a usar os serviços de colaboradores do departamento de RH da Divisão de Moldes sem dar qualquer satisfação prévia aos diretores de RH, nomeadamente ao autor. 90. As consultoras passaram a comunicar diretamente com a Administração, a mantê-la a par das suas conclusões, sem as partilharem com o autor ou qualquer outro elemento do Grupo .... 91. O administrador CC chamou a si a coordenação do novo ... com a S... porque estava muito interessado nesta matéria e quis garantir que o trabalho da S... fosse realizado com total independência e sem qualquer interferência dos trabalhadores da ré, entre eles os seus diretores. 100. No dia 29.6.2018, pelas 12h11, o Sr. Administrador CC chamou o autor ao seu gabinete, onde se encontrava o Sr. YY. 102-A. O Sr. Administrador CC disse que a missão do Sr. YY era solucionar o problema dos aumentos sucessivos nas matérias-primas que na altura se vinham a verificar, já que a equipa atual não o estava a conseguir (aditado pelo Tribunal da Relação). 114. O Sr. Administrador AA não tinha conhecimento da necessidade desta contratação, tendo o autor explicado que era um pedido do colega GG. 140-A. DD, Diretor Financeiro, BB, D..., MM, Diretor Financeiro, NN, D..., FF, D..., GG, D..., e II, Diretor de Recursos Humanos, foram convocados para o almoço (aditado para o Tribunal da Relação) 140-B. O A., perante, pelo menos, o convite formulado aos diretores referidos no nº 140-A, a não divulgação dos critérios de seleção dos diretores convidados e não lhe ter sido apresentada qualquer justificação, sentiu-se, ao não ter sido convidado, excluído e desprezado pela Ré, seja na sua pessoa, seja na sua função, humilhado, vexado e afetado na sua dignidade 141. No dia 25.10.2018, pelas 11h, reuniram-se na sala grande da IMA o Sr. ... EE, o Sr. Administrador CC, o Prof. Dr. BBB (A...), a Dra. SS (A...), as Dra. WW e XX (S...), o Dr. CCC (...), o Sr. FF (Diretor Comercial), o Eng. GG (D...), o Eng. HH (A...), o Eng. DDD (D...), o Dr. MM (Diretor Financeiro), a Dra. TT (D...), o Dr. UU (Diretor Financeiro), o Sr. II (D...), o Sr. JJ (A...) e o autor (D...). 142. Tendo chegado quando todos os diretores já se encontravam sentados nas suas habituais posições das reuniões de acompanhamento mensal, o Sr. Administrador CC dirigiu-se ao autor, ao Sr. II e ao Sr. JJ e pediu-lhes que se fossem sentar na outra ponta da mesa, mesmo junto ao ecrã de projeção, para que ele, o Sr. ... EE e o Prof. Dr. LL pudessem ocupar os seus lugares, porque já tinham visto a apresentação. 143. A ordem foi cumprida e respeitada. 144. O Sr. Administrador CC fez a introdução da reunião, informou que a mesma tinha por objetivo apresentar as conclusões retiradas pela S... durante todo o projeto de ..., que depois poderiam colocar as questões e que no final ele teria uma comunicação a fazer aos presentes. 145. Tendo começado o Dr. CCC da ... a apresentar o primeiro slide, o autor, como era seu hábito, começou a tirar apontamentos no seu computador. 146. Como o autor estavam alguns colegas também a tirar apontamentos, fosse nos computadores, fosse nos cadernos. 154. Quando se preparava para começar a dar a sua opinião, o Sr. Administrador CC interrompeu o autor em tom alto, perguntou-lhe se alguém lhe tinha pedido para fazer uma avaliação, acrescentou que aquele não era o momento para fazer qualquer avaliação do trabalho dos outros e disse-lhe que tinha estado a ocupar o seu tempo profissional com aquilo e dizendo que não permitia que lesse o estudo que tinha preparado. 158-A. O Sr. Administrador CC, virado para todos os presentes, disse também que o diagnóstico feito no trabalho a que se reporta o nº 144 podia comprometer os diretores (aditado pelo Tribunal da Relação) 159-A. Ao referir, conforme nº 157 dos factos provados, que o Autor “até já tinha alterado a assinatura do email, não fosse ele, Sr. CC a intervir” e, bem assim, ao dizer o que consta do nº 159 dos mesmos, o administrador Sr. CC pretendeu humilhar o Autor e afetá-lo na sua dignidade (aditado pelo Tribunal da Relação) 161-A. O A., com o referido nos nºs 154, 156, 157, 158, 158-A e 159 dos factos provados, sentiu-se ofendido, humilhado, injustiçado, angustiado, ansioso, triste, revoltado e afetado na sua dignidade (aditado pelo Tribunal da Relação). 171. A dimensão e internacionalização do Grupo ... criaram dificuldades organizativas. 172. O grupo empresarial começou por ser uma iniciativa do atual Administrador e líder do grupo EE que, imbuído de espírito visionário, partiu da sua condição de operário de bancada até chegar ao atual Grupo .... 173. É um industrial que se fez por si próprio e que ergueu um Grupo empresarial que disputa a liderança mundial na área dos ... para a indústria automóvel. 201. Dos 29 Diretores da Divisão de Moldes o autor era o 4.º mais bem pago: em 2014 foi aumentado o seu vencimento mensal de 6.250,00€ para 8.000,00€ e, hoje, o seu vencimento mensal é de 9.180,00€. 202. Os 4 Diretores melhor remunerados eram os seguintes, reportando-nos a 31.12.2018: 218. O autor concretizou a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa em 23 de Novembro de 2018 e em 17 de Janeiro de 2019 o autor foi inscrito no registo comercial como gerente único da Sociedade por Q..., Lda, com sede na Zona Industrial ..., Lote n.º ..., concelho ..., cujo objeto é a Indústria transformadora de arames e chapa e comércio dos mesmos, bem como de tampas, canais e grelhas em ferro fundido, canais em polímero, em plástico, em ... ou em qualquer outro tipo de matéria prima (alterado pelo Tribunal da Relação). 219. O autor [e a sua esposa] compraram esta empresa por valores relevantes. 220. O horário de trabalho em vigor na ré, para funções não industriais, era seguinte: de 2ª a 6ª feira, das 8 às 17h, com intervalo para almoço das 12h30 às 13h30, com dia de semanal obrigatório ao domingo e dia de descanso semanal complementar ao sábado. 221. O autor prestou horas de trabalho fora deste horário de trabalho. 222. Pelo menos após 17.01.2014, tais horas de trabalho foram prestadas com o conhecimento e consentimento da ré e sem a sua oposição, em seu benefício e do seu negócio e de forma necessária para cumprimento e satisfação das responsabilidades de que o autor fora incumbido (alterado pelo Tribunal da Relação). 223. Os períodos de trabalho prestado pelo autor e registados no ponto da ré (como trabalho efetivamente prestado) foram os seguintes: 224 a 231. (estes pontos da matéria de facto com uma listagem que se estende por várias páginas e relativa a trabalho prestado pelo autor de 2011 a 2018 são aqui dados como integralmente reproduzidos). 232. O autor auferiu mensalmente as seguintes quantias: • 9.180€ a partir de abril de 2018. (alterado pelo Tribunal da Relação) 233. A prática entre os diretores da ré era a de que trabalhavam o tempo necessário para a execução das suas tarefas, não respeitando o horário de trabalho e todos os diretores ouvidos em audiência se consideraram compensados pelo trabalho efetuado para além das 17 horas com o valor da sua retribuição. 234. O autor geria o seu tempo de trabalho como entendia, isto é, trabalhava as horas que eram necessárias para desempenhar as suas tarefas de direção. 235. Sempre que se ausentava, ou faltava, este tempo era contabilizado como tempo de trabalho e integralmente pago. 236. A ré não fiscalizava o tempo de trabalho efetivamente prestado pelo autor, uma vez que só lhe interessava a verificação do cumprimento dos objetivos de trabalho que tinha atribuído ao autor. 237. O autor era diretor de recursos humanos e tinha conhecimento da obrigação no sentido de que um acordo de isenção do horário de trabalho tem que ser reduzido a escrito. 238. O autor era um dos diretores de topo em quem os administradores da ré confiavam e delegavam o poder de implementação e de fiscalização do cumprimento das normas de direito do trabalho no funcionamento das suas empresas. 239. O autor não alertou os administradores da ré acerca da necessidade de reduzir a escrito os termos do acordo de isenção do horário de trabalho, nem elaborou qualquer documento que contivesse o conteúdo de tal acordo. 240. Durante todo o tempo em que o contrato de trabalho esteve vigente, para além dos registos de ponto efetuados, o autor não registou qualquer tempo de trabalho suplementar que considerava que tivesse feito, nem reclamou o pagamento de qualquer tempo de trabalho suplementar que considerasse ter feito. 241. Normalmente, o autor não registava o tempo que despendia no intervalo de almoço, não registava a hora a que saía para almoçar, nem a hora em que regressava do intervalo de almoço. 242. Nos dias em que não existe um registo no relógio de ponto, normalmente e considerando uma média, o autor utilizava diariamente, no máximo, duas horas no intervalo de almoço. 243. O autor tomou conhecimento dos factos que invoca como justa causa nas datas em que o autor refere terem ocorrido. 244. Sobre esses factos o autor não contactou com qualquer dos Administradores nem reclamou junto deles, não tendo tomado qualquer iniciativa antes do e-mail que remeteu à Administração a 31 de outubro de 2018. 245. O administrador CC tem uma forma de gestão mais autoritária do que a do administrador EE, levando por vezes e pelo menos a algumas situações de desagrado por parte dos diretores (aditado pelo Tribunal da Relação) 246. Para além do referido no nº 80-A dos factos provados, o referido nos nºs 116 a 120, 140º-B, 154, 156, 157, 158, 158-A, 159, 159-A, 161 e 161-A dos factos provados agravou a depressão e ansiedade de que o A. Padecia (aditado pelo Tribunal da Relação) 247. Até .../.../2017, data do falecimento do Dr. KK, o A. era uma pessoa alegre e saudável, não apresentando problemas do foro emocional e/ou psíquico (aditado pelo Tribunal da Relação). 248. Pelo menos a partir do relatado nos nºs 154 a 159-A dos factos provados o A. passou a encarar o trabalho como um sacrifício e sofrimento (aditado pelo Tribunal da Relação). 249. Para além de, conforme referido no nº 45-A, o A. se ter sentido frustrado, desde 21.12.2017 até à sua saída da Ré e por virtude, pelo menos, do referido nos referido nos nºs 76 a 80-A, 116 a 120, 140-B, 154, 156, 157, 158, 158-A, 159, 159-A, 161 e 161-A, existiram fases que, com maior ou menor intensidade, se mostraram penosas para o A (aditado pelo Tribunal da Relação).
De Direito
As questões a resolver no presente recurso são as seguintes: - Impugnação da decisão do Tribunal da Relação em matéria de facto, mais precisamente no que se refere aos factos 29 e 159-A; - Existência, ou não, de justa causa para o trabalhador resolver o contrato. Conexa com esta questão está a de saber se houve, ou não, um assédio laboral de que o trabalhador tenha sido vítima; - Caso a resposta seja negativa e não exista justa causa, a indemnização a que o empregador terá direito por força da aplicação dos artigos 399.º e 401.º do CT; - Caso exista justa causa de resolução do contrato trabalhador por violação culposa dos seus direitos (n.º 2 do artigo 394.º) qual o valor da indemnização a que terá direito pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos. -Se o trabalhador prestou trabalho suplementar e se tem direito ao pagamento pelo mesmo e pelos descansos compensatórios de que não fruiu e, em caso afirmativo, em que medida. No seu recurso a Ré veio invocar o que designou por um erro notório na apreciação da prova pelo Tribunal da Relação ao dar como provado o facto n.º 29 (Conclusão n.º 9). Também o aditamento do facto 159-A seria um erro de julgamento (Conclusões números 22 e 31) e uma utilização indevida das presunções judiciais (Conclusão n.º 30). Quanto ao primeiro alegado erro de apreciação da prova não cabe nos poderes deste Supremo Tribunal de Justiça sindicá-lo, como resulta do n.º 4 do artigo 662.º do CPC e o Autor, aliás, sublinha nas suas contra-alegações. E não só o Tribunal da Relação pode lançar mão de presunções judiciais ou de naturais. Alicerçadas em regras de experiência, como “ao Supremo não compete sindicar a substância de tais juízos probatórios, mas apenas verificar se a Relação se moveu com respeito pelos pressupostos que condicionam o exercício de tal atividade” (Acórdão do STJ de 29/04/2010, proferido no processo n.º 792/02.2YRPRT.S1, Conselheiro Lopes do Rego) e não vemos que tenha sido violado qualquer desses pressupostos ao afirmar a Relação que quem afirma numa reunião de diretores que um deles age de má fé e com um grande ego pretende humilhar e afetar a dignidade do alvejado.
Passemos, agora, à análise da existência de justa causa para resolver o contrato de trabalho. O presente caso refere-se a um trabalhador que exercia funções de direção e mesmo de alta direção. Trata-se de cargos de confiança, sendo que o desempenho de tais funções está frequentemente associado a tensão, conflito e competição. O empregador tem, no exercício dos seus poderes de direção e de organização da empresa, a liberdade de, a qualquer momento proceder a restruturações com novas distribuições de funções, criação de novos cargos e supressão de outros, introdução de novos níveis de chefia, centralização ou descentralização, bem como, em geral, de alterar o seu estilo de gestão que pode ser mais ou menos assertivo da sua autoridade. No entanto, tais transformações, em si mesmas lícitas, devem ocorrer com respeitos dos direitos dos trabalhadores e da sua dignidade e sem que, designadamente, se traduzam em situações de assédio. Com efeito, a proibição do assédio (artigo 29.º n.º 1 do CT) abrange também, evidentemente, os trabalhadores que exercem cargos de direção. A nossa lei define o assédio como “o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador” (n.º 2 do artigo 29.º do CT). Sublinhe-se que resulta da noção legal e da disjuntiva (“com o objetivo ou o efeito”) que o assédio pode bastar-se com a criação da situação referida, mesmo sem que haja ou tenha sido provada a intenção assediante, como poderá suceder em certas situações designadas, por vezes, de assédio organizacional. Mas no caso vertente não há necessidade de discutir a questão porquanto da matéria de facto dada como provada nas instâncias consta em alguns episódios como provada a intenção de humilhar o trabalhador (facto n.º 159-A). Falamos em alguns episódios, porquanto o Acórdão recorrido se refere a episódios (onze no total…), mas o interesse da figura do assédio é o de permitir uma visão de conjunto e não fragmentada. O assédio é um procedimento normalmente continuado no tempo – ainda que a lei não exija uma duração mínima – cujo sentido só se apreende na totalidade com uma visão integrada do que sucedeu. Certas condutas isoladas podem não parecer graves ou até carecer de relevância, mas ganham um outro significado com uma visão que as trata como um conjunto, um todo em que as várias partes componentes se completam e potenciam o seu sentido. E daí não irmos proceder a uma análise segmento a segmento da conduta do empregador no caso dos autos. Verifica-se, da matéria dada como provada, que o trabalhador soube, por vezes, por terceiros de modificações organizacionais da empresa que o afetavam diretamente, mas das quais não houve sequer o cuidado de o informar previamente (facto 55). Um outro trabalhador é contratado para o desempenho de uma função que constituía o essencial da sua atividade (factos 101 a 103). Na sequência da morte súbita de um colaborador próximo passa a ter um significativo acréscimo de trabalho, mas apesar das suas queixas mantêm-lhe essa carga acrescida de trabalho (facto 40). A pedido de outro diretor, pedido este com caráter de urgência, toma medidas para contratar um técnico e propõe um nome sabendo da existência de uma política da empresa de não contratar, em princípio, trabalhadores de fornecedores, tendo o cuidado de informar a administração dessa circunstância (facto 113), mas já em férias é instado a explicar-se. Convocam-se almoços de direção para os quais sem qualquer explicação não é convidado (facto 140). Em reuniões com os seus pares é publicamente acusado de “má fé” e de ego muito elevado (factos 157 e 159). E na matéria de facto dada como provada consta inequivocamente que algumas das afirmações feitas por um dos diretores executivos tiveram o propósito de humilhar o Autor (facto 159-A). Tais condutas ultrapassam em muito a frontalidade, traduzindo-se em violações graves do dever de respeito e urbanidade que também o empregador deve ter para com os trabalhadores (artigo 127.º, n.º 1, alínea a) do CT) e da boa fé que deve presidir à execução do contrato de trabalho (artigo 126.º n.º 1 do CT) e repercutiram-se em graves danos à saúde do trabalhador, também eles comprovados. Sublinhe-se que sendo o assédio um facto continuado que se pode prolongar por muitos meses (ou até anos) a caducidade só se deve contar a partir do último facto que o integra. Por outro lado, o assédio não é afastado porque outrora assediante e vítima foram amigos. Alguns dirão que os amigos nos merecem ainda mais respeito, mas, seja como forma, a amizade passada não é justificação, nem desculpa para a violação da dignidade alheia. Há, por conseguinte, que concluir pela existência de justa causa para a resolução do contrato pelo trabalhador tendo-se verificado a violação culposa dos seus direitos e não lhe sendo exigível a continuação da relação laboral, até pelo prejuízo que tal relação laboral estava a causar ao trabalhador em termos de saúde. Quanto à indemnização a que o trabalhador tem direito, o Acórdão recorrido que não considerou provada a existência de um assédio, fixou “a indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, incluindo, pois, a ponderação dos danos não patrimoniais provenientes da justa causa, em 20 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade” perfazendo o valor total de €187.884,00, mas atribuiu ao Autor, igualmente, uma compensação por danos morais de € 2000,00 pelo “episódio” referido no facto 76-A que considerou que não integrava a justa causa de resolução do contrato. Quanto ao montante de 20 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, o Tribunal chegou a este valor porque atendeu, por um lado, ao valor muito elevado da retribuição base do trabalhador e, por outro, ao grau de licitude da conduta do empregador. Relativamente ao valor da retribuição base afirmou o Acórdão recorrido que “o critério do valor da retribuição aponta no sentido inverso ao da sua grandeza, pelo que, no caso, o elevado valor da retribuição do A. aponta no sentido da fixação da indemnização por valor próximo do seu limite mínimo” e quanto á ilicitude entendeu que “consideramos situar-se acima do limite mínimo, mas inferior ao valor médio”. Quanto a este último aspeto atendeu a que não se estaria perante um assédio, parte significativa dos comportamentos do empregador aduzidos pelo trabalhador seriam lícitos e o próprio trabalhador teria contribuído para a situação “ao não acatar, de imediato, a ordem de não tirar apontamentos, de não fazer a apresentação do trabalho que tinha preparado e ao dizer que não “alinhava pelos carris” do administrador CC”. A posição atrás assumida de que se tratou efetivamente de um assédio continuado implica divergência relativamente a esta decisão do Acórdão recorrido. Com efeito e muito embora concordemos que a retribuição elevada é, por opção do legislador, e por muito que o Autor, no seu recurso, demonstre a sua insatisfação com essa opção, um critério para a fixação do valor, o grau de ilicitude já se afigura mais elevado, justificando-se, da conjugação dos dois fatores, a fixação da indemnização no valor médio de 30 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade (sem esquecer o n.º 2 do artigo 396.º). Acresce que também assim se terá em conta na justa medida o dano não patrimonial sofrido pelo Autor. Com efeito, e embora na lei portuguesa normalmente se distinga a indemnização pelos danos não patrimoniais e a compensação pelos danos morais, nesta norma – referimo-nos ao artigo 396.º – o legislador parece ter seguido caminho diferente, como resulta do n.º 3 do referido preceito que refere que “o valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado”. Resulta daqui que a indemnização prevista no n-º 1 tem em conta tanto os danos patrimoniais, como os não patrimoniais – e nesse sentido já se pronunciou esta Secção do Supremo Tribunal de Justiça mormente nos seus Acórdãos de 08/10/2014, proferido no processo n.º 1113/12 (Relator Conselheiro Pinto Hespanhol) e de 26/05/2015, processo n.º 2717/13 (Relator Conselheiro Mário Belo Morgado). A indemnização a que o trabalhador terá direito será assim no valor de € 267.513,16, abrangendo todos os danos patrimoniais e não patrimoniais. Revoga-se a condenação autónoma no pagamento de € 2000,00 porquanto o facto 76-A carece de autonomia, integrando-se no comportamento assediante. Uma vez que há justa causa para a resolução imediata pelo Autor do seu contrato de trabalho fica prejudicado o conhecimento da questão suscitada pela Ré de pagamento de uma indemnização pelo trabalhador por incumprimento do aviso prévio. Relativamente ao trabalho suplementar o Acórdão recorrido atendeu ao disposto no n.º 2 do artigo 337.º segundo o qual “o crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo”. Quanto ao conceito de documento idóneo a jurisprudência desta secção tem decidido que “o “documento idóneo”, para prova do trabalho suplementar, realizado há mais de cinco anos, terá de consistir num documento escrito, emanado da própria entidade empregadora e que, por si só, tenha força probatória bastante para demonstrar a existência dos factos constitutivos do crédito, sem necessidade de recurso a outros meios de prova, designadamente a prova testemunhal” e “se o documento oferecido como prova do trabalho suplementar, realizado há mais de cinco anos, por si só, não faz a demonstração da prestação do trabalho desta natureza, por ser necessário complementá-la com outros meios de prova, tal documento não poderá ser havido como “documento idóneo”” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/11/2011, proferido no processo n.º 2026/07.4TTPRT.P1.S1, Relator Conselheiro Pereira Rodrigues). Destarte e como o documento apresentado pelo Autor não dispensava a produção de prova adicional não foi considerado documento idóneo – e daí a alteração ao facto n.º 222 efetuada pelo Tribunal da Relação por faltar o pressuposto básico para conhecer da remuneração de trabalho suplementar prestados há mais de cinco anos antes da propositura da ação. Não pode, pois, proceder o pedido do Autor quanto ao reconhecimento e pagamento do trabalho suplementar prestados há mais de cinco anos sobre a propositura da ação. Analisando agora a argumentação do empregador relativamente a esta matéria dir-se-á, em primeiro lugar que a lei apenas admite acordos escritos de isenção de horário de trabalho e que, ainda que a prática referida de os diretores trabalharem sem respeitar o horário de trabalho e para além deste (facto 233) pudesse ser considerada um uso seria um uso contra legem. A lei exige forma escrita (artigo 218.º, n.º 1 do CT) não só por facilidades de prova, mas para garantir a necessária ponderação ao assinar o acordo e porque no direito do trabalho, frequentemente, pretensos acordos tácitos são, na realidade, situações toleradas, mas não verdadeiramente consentidas, pelo trabalhador. O trabalhador era um quadro superior, mas não era o empregador e não lhe cabia a ele introduzir na empresa os acordos escritos de isenção de horário de trabalho. Não havendo acordo escrito de isenção o Autor tinha como qualquer trabalhador um horário que só poderia ser (e nenhum outro foi invocado) o que consta do facto 220. E um horário não deixa de ser um horário por o empregador não fiscalizar o seu cumprimento e só se interessar na realização de objetivos. E também não ocorre qualquer abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium: o trabalhador que quer conservar o seu posto de trabalho não reage e não lhe é exigível que reaja enquanto o contrato está em vigor. Assim improcede o recurso da Ré também na matéria da condenação no pagamento do trabalho suplementar e descanso compensatório não gozado.
Decisão: Negada a revista da Ré. Concedida parcialmente a revista do Autor, reconhecendo-se a existência de um assédio de que o Autor foi vítima e a justa causa para resolução imediata do seu contrato de trabalho, fixando-se a indemnização no montante de 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade e o proporcional na fração de ano, perfazendo € 267.513,16, e a pagar, sobre essa quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data do trânsito em julgado do presente Acórdão até efetivo e integral pagamento. Essa indemnização cobre todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, revogando-se a condenação da Ré a pagar € 2.000,00 de danos não patrimoniais por força do do ponto III.12.2 do Acórdão recorrido. No mais, mantém-se a decisão do Acórdão recorrido, mormente quando condenou a Ré a pagar: - A quantia de €45.932,99, a título de trabalho suplementar referente ao período de 17.01.2014 a 30.11.2016, bem como a pagar, sobre essa quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações em dívida até efetivo e integral pagamento; - A quantia de €11.483,22, a título de retribuição por descansos compensatórios correspondentes ao trabalho suplementar prestado no período de 17.01.2014 a 30.11.2016 (referido em a.1.1.), bem como a pagar, sobre essa quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento - A quantia global de €27.660,38, a título de trabalho suplementar prestado desde 01.12.2016 a 28.09.2018, bem como a pagar, sobre essa quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações em dívida até integral e efetivo pagamento; - A quantia de €226,56 a título de retribuição por descansos compensatórios não gozados referentes ao trabalho suplementar prestado no período de 01.12.2016 a 28.09.2018, bem como a pagar, sobre esta quantia, juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Custas do recurso de revista na proporção do decaimento
Lisboa, 15 de dezembro de 2022
Júlio Gomes (Relator) Francisco Marcolino Ramalho Pinto
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