Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19042/18.3T8LSB.1.E1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO
JUNTA MÉDICA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 11/27/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Relativamente à decisão da matéria de facto, o Supremo Tribunal de Justiça apenas sindica se o Tribunal da Relação deu por provado um facto sem produção do tipo de prova que a lei exige como indispensável para demonstrar a sua existência ou se incumpriu os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova. Verifica ainda se matéria de facto constituiu base suficiente para a decisão de direito.

II - Não havendo nos autos factos que apenas possam ser provados por determinado meio probatório, nem tendo sido desconsiderada a força probatória fixada por lei relativamente a qualquer meio de prova, inexiste fundamento para que o Supremo Tribunal de Justiça reaprecie a decisão sobre a matéria de facto constante do acórdão recorrido (artigo 674.º n.º 3, do Código de Processo Civil).

III - Sem prejuízo de se reconhecer os especiais conhecimentos dos membros que compõem a Junta Médica, encontrando-se este exame pericial sujeito à apreciação racional e criticamente fundamentada, de acordo com as regras da experiência comum e com base nos dados objectivos aplicáveis, pode ser atribuída pelo tribunal maior relevância a outros meios de prova, como é caso dos exames médicos juntos pelo sinistrado. Estando em causa meio de prova sujeito à livre apreciação, como fez o Tribunal da Relação relativamente ao parecer da junta médica, essa apreciação escapa ao controlo do Supremo Tribunal de Justiça.

IV - As lesões degenerativas que o sinistrado apresenta não estão necessariamente relacionadas com o traumatismo, podendo decorrer do processo natural de envelhecimento, de factores genéticos e mesmo do estilo de vida (obesidade, sedentarismo e más posturas). Contudo, podem tais lesões ser agravadas por eventos traumáticos, não só pelo acidente em si, mas também por alterações de postura compensatórias da dor e das limitações de movimentos decorrentes das suas sequelas.

V - Tanto o relatório da ressonância magnética como o relatório do exame de Ortopedia e Traumatologia, apontam no sentido de ter ocorrido o agravamento de doença pré-existente (de origem degenerativa) ainda que desconhecida na data do sinistro, admitindo ambos que esse agravamento decorre do acidente.

VI – Assim, considerando a factualidade provada e o disposto no art.º 11.º, n.º 2 da Lei 98/2009, de 04 de Setembro (LAT), que permite estender o nexo causal às sequelas decorrentes de agravamento de doença pré-existente, no caso vertente conclui-se pela existência do nexo causal entre a situação clínica actual do sinistrado e o acidente.

Decisão Texto Integral:
Proc. 19042/18.9T8LSB.1.E1.S1

Revista – 4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

1. Relatório

1.1. AA, veio, nos termos do disposto no artigo 145.º do Código de Processo do Trabalho, requerer a revisão da incapacidade anteriormente fixada, com fundamento no agravamento das lesões/sequelas de que é portador.

Foi proferida decisão final com o seguinte dispositivo:

«Em face do exposto julgo improcedente o presente incidente de revisão de incapacidade, mantendo inalterado o grau de incapacidade que afeta o Sinistrado AA e a pensão que lhe foi atribuída nestes autos, não condenando a Entidade Responsável no pagamento de qualquer quantia ao Sinistrado.”

Inconformado com esta decisão dela recorreu de apelação o sinistrado para a Relação, tendo sido proferido acórdão no qual se decidiu o seguinte:

“Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, declarando em conformidade que o incidente de revisão procede e, como tal, determina-se que o sinistrado está afetado de uma IPP de 29,445% com IPATH, desde a apresentação do pedido de revisão, condenando-se a seguradora responsável no pagamento ao sinistrado:

a) de uma pensão anual e vitalícia no valor de € 6.460, que atualizará anualmente, de forma automática e imediata, nos termos do artigo 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril;

b) do subsídio de elevada incapacidade permanente no valor de € 4.463,14;

c) de juros de mora sobre as mencionadas quantias, calculados à taxa legal em vigor e devidos desde a apresentação do pedido de revisão e até integral pagamento”.

1.2. Inconformada com esta decisão dela recorre agora a Ré CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, SA, concluindo nos seguintes termos:

I.OACÓRDÃO RECORRIDO ENTENDE NÃO EXISTIR QUALQUER ELEMENTO NOS AUTOS QUE IMPEÇA QUE SE ESTABELEÇA O NEXO CAUSAL ENTRE O ACIDENTE E AS SEQUELAS.

II.TODAVIA, NÃO SE ACEITA TAL CONCLUSÃO.

III. NÃO SÓ PORQUE O TRIBUNAL DA RELAÇÃO IGNORA, POR COMPLETO, O EXAME POR JUNTA MÉDICA, ENTENDENDO QUE “NÃO RELEVA ESTE MEIO DE PROVA”.

IV. MAS PORQUE SE BASEIA EM PARECERES SINGULARES, JUNTOS PELO SINISTRADO.

V. ORA, ENTENDE-SE QUE A REAPRECIAÇÃO DA PROVA FEITA PELO TRIBUNAL RECORRIDO E O RESPETIVO ENQUADRAMENTO JURÍDICO NÃO SE ENCONTRAM CORRETOS, POIS QUE DA PROVA CARREADA PARA OS AUTOS NÃO RESULTA QUE TENHA EXISTIDO UM AGRAVAMENTO DAS SEQUELAS E, MAIS AINDA, UMA IPATH.

VI. DEVERÁ, POR ISSO, SER REVOGADA A DECISÃO CONSTANTE DO ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE ÉVORA OBJETO DA PRESENTE REVISTA,DEVENDO,PELO CONTRÁRIO,SER CONFIRMADA A DECISÃO CONSTANTE DA DOUTA SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL DE 1.ª INSTÂNCIA, QUE CONCLUIU PELA INEXISTÊNCIA DE AGRAVAMENTO DAS LESÕES DECORRENTES DO ACIDENTE DE TRABALHO OBJETO DOS PRESENTES AUTOS.

1.3. Por terem sido apresentadas fora de prazo, ordenou-se a sua entrega ao Autor das contra-alegações apresentadas.

1.4. Remetidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça foi emitido parecer pelo Senhor Procurador Geral Adjunto no sentido do não provimento do recurso. Parecer esse a que nenhuma das partes respondeu.

1.5. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.

Cumpre apreciar e decidir

2. Objecto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.º s 3, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil - CPC). Deste modo, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem em saber,

- Se não ocorre o nexo causal entre o acidente e as sequelas apresentadas pelo Autor;

- Se o Tribunal da Relação deveria ter considerado o exame por junta médica, ao invés de se basear nos pareceres singulares, juntos pelo sinistrado

3. Factos provados

1. O Autor/sinistrado AA nasceu no dia ... de julho de 1964;

2. No dia 22 de fevereiro de 2018, pelas 9h00, em ..., Lisboa, ao indicar a um cliente onde iria instalar um ar condicionado, o Autor tropeçou e caiu num vão de escadas, do que resultou traumatismo da coluna e hemotórax direito;

3. Nessas circunstâncias, o Autor trabalhava como gerente da empresa “L...Lda.”, com sede na Rua ..., em ...;

4. Auferia a retribuição de 1000€ x 14 meses, ou seja, o total anual de 14.0000€;

5. A entidade empregadora tinha a responsabilidade civil emergente de acidentes laborais totalmente transferida para a seguradora Caravela - Companhia de Seguros S.A., pela apólice ...67;

6. Em consequência do evento referido em 2, o Autor ficou portador das sequelas descritas no relatório do GML de fls. 74 a 76v, tidas por consolidadas em 16 de agosto de 2018, data da alta clínica, a saber:

(…)

Tórax: Cicatriz infra-axilar direita de dreno torácico com 2cm, dolorosa à palpação. Dor à compressão lateral do tórax. Simetria na expansão torácica.

Ráquis: rigidez moderada da coluna lombar. Dor à palpação das apófises espinhosas na transição dorso-lombar. Dor lombar na flexão da anca com joelho em extensão. Sem défice de força muscular.

Reflexos presentes e simétricos. Contratura para vertebral direita. (…)

7. A que corresponde a incapacidade permanente parcial (IPP) de 16,05%;

8. Na sequência de acordo exarado nos atos e homologado judicialmente, na fase conciliatória do processo, em 28 de maio de 2019, a Ré seguradora pagou ao Autor o capital de remição de uma pensão anual de 1.572,90€, devida desde o dia imediato ao da alta, no valor global de 20.026,16€;

9. No dia a dia, enquanto técnico de refrigeração e climatização, o Autor desempenhava as seguintes funções:

i. Montagem de equipamentos de ar condicionado, designadamente carga e descarga dos equipamentos, unidade exterior (+- 40kg) e unidade interior (+-15kg), trabalho esse feito em equipa conjuntamente com pelo menos mais um trabalhador;

ii. Montagem e equipamentos de Bombas de calor, designadamente carga e descarga de equipamentos, unidade exterior (+- 50Kg) e unidade interior (+- 20Kg), trabalho esse feito em equipa conjuntamente com pelo menos mais um trabalhador;

iii. Montagem de equipamentos solar térmicos, designadamente carga e descarga de equipamentos, coletor solar (+-30kg) e depósito (+-100kg), trabalho esse feito em equipa conjuntamente com pelo menos mais um trabalhador;

iv. Montagem de equipamentos solar termodinâmicos, designadamente carga e descarga de equipamentos, painel solar (+-15kg) e bloco (+-25kg), trabalho esse feito em equipa conjuntamente com pelo menos mais um trabalhador;

v. Montagem de equipamentos de ventilação, designadamente carga e descarga de equipamentos (+-30Kg), trabalho esse feitoemequipa conjuntamente com pelomenos mais um trabalhador;

vi. Montagem de recuperadores de calor, designadamente carga e descarga de equipamento (+-200kg), trabalho esse feito em equipa conjuntamente com pelo menos mais um trabalhador;

vii. Montagem de equipamentos fotovoltaicos, designadamente carga e descarga de painéis (+-20kg cada painel).

10. Na montagem dos equipamentos o sinistrado tem que efetuar movimentos de pegar, levantar e carregar aos ombros os equipamentos, subir andaimes, escadas ou escadotes com cerca de 2 metros de altura, a fim de serem afixados em suportes próprios, trabalho esse feito em equipa conjuntamente com pelo menos mais um trabalhador;

11. Mais procedia à aplicação de suportes para instalação dos equipamentos, nos tetos e/ou nas paredes, utilizando para o efeito um berbequim, tendo para tanto que subir andaimes, escadas e escadotes, com cerca de 2 a 3 metros de altura, trabalho esse feito em equipa conjuntamente com pelo menos mais um trabalhador;

12. Procedia à abertura de roços no solo, nas paredes e tetos, com utilização de martelo de escopro, tendo por vezes que subir andaimes, escadas e escadotes, com cerca de 2 a 3 metros de altura, trabalho esse feito em equipa conjuntamente com pelo menos mais um trabalhador;

13. Efetuava soldadura da tubagemdecobre, coma utilizaçãodegrupode soldadura e maçarico, tendo para tanto por vezes que subir andaimes, escadas e escadotes, com cerca de 2 a 3 metros de altura;

14. Efetuava ligações mecânicas e elétricas, tando para tanto, por vezes, que subir andaimes, escadas e escadotes, com cerca de 2 a 3 metros de altura;

15. Efetuava ligações mecânicas e elétricas, tendo para tanto, por vezes, que subir andaimes, escadas e escadotes, com cerca de 2 a 3 metros de altura;

16. Efetuava a desidratação do circuito e vácuo, com utilização de botija de fluido frigorigéneo, bomba de vácuo e manómetros;

17. Procedia à limpeza dos espaços, com utilização de vassoura, pá e aspirador;

18. Desde setembro de 2021 o Autor passou a ter dores muito intensas na coluna, que irradiam para membros inferiores e superiores e que o incapacitam do desempenho das funções mencionadas em 8 a 16.

19. O Autor limita-se a ajudar os colegas de trabalho na limpeza dos espaços com utilização de vassoura, pá e aspirador; (…)”

20. A 7 de outubro de 2021, o sinistrado depois de se queixar do agravamento do seu estado de saúde à seguradora, realizou por ordem desta uma Ressonância Magnética;

21. A 14 de março de 2022, não aguentando as dores, o sinistrado consultou um Médico Especialista em Neurocirurgia, o qual, para além de lhe prescrever medicamentos para as dores, redigiu o relatório constante de fls. 91, do qual consta, além do mais, o seguinte:

«RM da coluna lombar de 7 de outubro de 2021 revela alterações degenerativas discovertebrais L3L4 com redução da altura discal e do hipersinal T2 e procidência discal difusa, coexistindo hérnia discal postero-mediana com discreta lateralização direita e migração inferior com possível compromisso radicular.

Alterações degenerativas disco-vertebrais L4L5 e procidência difusa de maior expressão focal na vertente postero-mediana Protusão difusa L5S1

Apesar das alterações observada em RM serem fundamentalmente degenerativas, não se pode excluir a possibilidade da exacerbação clínica (uma vez que não existiam queixas raquídeas prévias ao sinistro) ter correlação e nexo de causalidade com o acidente referido por agravamento de doença pré-existente. (…)

22. A 9 de abril de 2022, não aguentando as dores, o sinistrado consultou um Médico Especialista em Ortopedia e Traumatologia o qual, para além de lhe prescrever medicamentos para as dores, redigiu o relatório constante de fls. 91v, do qual consta, além do mais, o seguinte: (…)

Refere desde o acidente lombalgias recorrentes, com irradiação para os membros inferiores, que lhe condicionam a sua vida diária.

Fez exames complementares que revelaram hérnia discal postero-mediana L3-L4 com discreta lateralização direita e migração inferior com possível compromisso radicular. Alterações degenerativas disco-vertebrais L4-L5 e procidência discal postero-mediana. Protusão difusa L5-S1.

Entendemos que existe nexo causal com o acidente anterior, pelo agravamento de patologia pré-existente, devendo ser reaberto o processo para continuação dos cuidados médicos.

(…)

23. A 25 de maio de 2022 o sinistrado teve uma consulta com o Médico de Medicina do Trabalho onde foi feita uma análise do posto de trabalho, bem como uma identificação de fatores de risco profissional, tendo sido consignado na Ficha de Aptidão para o trabalho constante de fls. 92, o seguinte, além do mais que aqui se dá por reproduzido:Deve se reabrir o processo da sinistralidade por incapacidade adaptativa ao trabalho.

24. Mediante requerimento datado de 27 de maio de 2022, o Autor veio requer a revisão da sua situação alegando agravamento do seu estado clínico e IPATH;

25. - Atualmente o Autor apresenta as seguintes sequelas/alterações [descritas no auto de exame singular (fls. 95v) e no auto de junta médica (fls. 123)]:

Ráquis: contratura da musculatura paravertebral dorso-lombar bilateralmente, mais acentuada à esquerda; referência a dor à palpação dos processos espinhosos dorsolombares; limitação da extensão e inclinação laterais e rotações mais evidentes para a esquerda; ligeiro défice de força muscular grau 4+bilateral; Lasegue e Bragard aparentemente negativos.

Tórax: referência a dor á compressão laterolateral do tórax. (…)

o examinando referiu dores em todos os segmentos da coluna vertebral, principalmente a nível cervical e lombar; dor referida à mobilização da coluna lombar; refere parestesias das mãos e das coxas, exibindo tremor dos membros (principalmente dos membros superiores); Laségue e Bragard negativos bilateralmente.0(…) Revela compromisso ligeiro da raiz de S1 direita (Resultante de alteração pela Relação).

26. Devido às sequelas de que atualmente é portador, o sinistrado não pode executar tarefas que impliquem subir e descer escadotes/escadas/andaimes; não pode permanecer em pé mais de 30 minutos; não pode suportar carga manual com peso superior a 5 Kg; não pode fazer movimentos repetitivos com os membros superiores; não pode assumir posições incorretas sobre a coluna lombar (aditado pela Relação).

4. O Direito

4.1. De a Relação dever ter considerado o exame por junta médica ao invés de se ter baseado nos pareceres singulares, juntos pelo sinistrado

No presente incidente de revisão de incapacidade, o acórdão recorrido, revogando o despacho final da 1.ª Instância, considerou que o sinistrado está afectado de uma IPP de 29,445% com IPATH, desde a apresentação do pedido de revisão e condenou a Ré Seguradora no pagamento da pensão anual e vitalícia de acordo com a incapacidade agora fixada e do subsídio de elevada incapacidade.

Antes de mais importa assinalar que o Tribunal da Relação no seu acórdão reapreciou a matéria de facto, tendo alterado a redacção dos pontos 18 e 25 da matéria assente e aditado o ponto 26.

Insurge-se a Ré quanto a esta alteração, por considerar que o acórdão não poderia ter desconsiderado o parecer da junta médica. Resulta deste parecer que, os peritos que intervieram na junta médica entenderam, por unanimidade, que não existe agravamento do quadro sequelar decorrente do acidente e que o sinistrado mantém a IPP de 16,05% que lhe foi anteriormente atribuída.

Em sede de recurso de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, nos termos conjugados dos artigos 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 deste último preceito.

Com efeito, salvo nos casos excepcionais contemplados nestes preceitos, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido.

Ora, dispõe o n.º 3 do citado artigo 674.º que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Por seu lado, dispõe o n.º 2 do mencionado 682.º que “a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674.º”.

Deste modo, quanto à decisão da matéria de facto, o Supremo Tribunal de Justiça apenas sindica se o Tribunal da Relação deu por provado um facto sem produção do tipo de prova que a lei exige como indispensável para demonstrar a sua existência ou se incumpriu os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova. Verifica ainda se matéria de facto constituiu base suficiente para a decisão de direito.

Nesse sentido, vejam-se a título de exemplo os acórdãos do Supremo Tribunal de de 03.07.2024, proc. 105/19.4T8FIG.C2.S1, de 27.09.2023 proc. 3369/21.0T8STR.E1.S1, de 15.09.2021 proc. n.º 559/18.6T8VIS.C1.S1, de 24.03.2021 proc. 146/18.4T8FAR.E1.S1 e de 17.12.2019 proc. 603/17.4T8LSB.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.

Sustenta a Ré, como se viu, que o Tribunal da Relação não poderia ter desconsiderado o exame por junta médica e baseado a sua decisão em pareceres singulares, juntos pelo sinistrado.

Vejamos se lhe assiste razão.

O exame da junta médica é um exame pericial, sujeito nos termos dos artigos 389.º do Código Civil e 489.º do Código de Processo Civil à livre apreciação do Tribunal. Tal não significa a sua apreciação arbitrária, mas antes a ausência de critérios rígidos que determinem uma aplicação tarifada da prova ou o reconhecimento de um valor hierárquico superior.

Sem prejuízo de se reconhecer os especiais conhecimentos dos membros da Junta Médica, o exame pericial está sujeito a uma apreciação racional e criticamente fundamentada, de acordo com as regras da experiência comum e com base nos dados objectivos aplicáveis, podendo ser atribuída maior relevância a outros meios de prova.

Estando em causa meio de prova sujeito à livre apreciação, a apreciação que o Tribunal da Relação efectuou do parecer da junta médica escapa ao controlo do Supremo Tribunal de Justiça.

Conforme decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 08.06.2021, proferido no processo n.º 3004/16.8T8FAR.E1.S1, “a prova pericial está sujeita à livre apreciação pelas instâncias, sendo fixada livremente pelo Tribunal, nos termos dos artigos 389.º do Código Civil e 489.º do Código de Processo Civil, não existindo impedimento legal a que o Tribunal atribua maior força probatória a outros meios de prova e a que, perante motivos de ordem técnica ou probatória que apontem para a rejeição ou modificação do resultado da perícia média realizada nos autos, fixe um entendimento divergente daquela” (disponível em www.dgsi.pt). No mesmo sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.06.2023 (Proc. n.º 1136/17.4T8LRA.C2.S1), de 26.09.2018 (Proc. n.º 25552/16.0T8LSB.L1.S1), de 28.01.2015 (Proc. n.º 22956/10.5T2SNT.L1.S1) e de 14.07.2016 (Proc. n.º 605/11.4TTLRA.C1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt.

Deste modo, nada impedia que o Tribunal da Relação se socorresse de outros elementos probatórios desde que o fizesse de forma fundamentada. Ora, o Tribunal da Relação justificou a menor relevância dada ao parecer da junta médica, fundamentando a sua decisão nos restantes elementos probatórios: o relatório da ressonância magnética, os relatórios de médicos especialistas em neurocirurgia e em ortopedia-traumatologia, as fichas de aptidão para o trabalho, o exame médico singular realizado no Gabinete Médico-Legal e Forense, o parecer técnico elaborado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional e o depoimento da testemunha inquirida.

Não havendo nos autos factos que apenas possam ser provados por determinado meio probatório, nem tendo sido desconsiderada a força probatória fixada por lei de qualquer meio de prova, inexiste fundamento para que o Supremo Tribunal de Justiça reaprecie a decisão sobre a matéria de facto constante do acórdão recorrido (artigo 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).

Por outro lado, não foi alegado, nem se vislumbra a necessidade de ampliação da decisão sobre a matéria de facto nos termos do artigo 682.º, n.ºs 2 e 3 do mesmo diploma.

Improcede, assim, a presente questão.

4.2. Da não existência de nexo causal entre o acidente e as sequelas apresentadas pelo Autor

Nas suas alegações, a Ré vem ainda impugnar que tenha ocorrido um agravamento das sequelas resultantes do acidente, questionando a existência de nexo causal entre o acidente e as lesões actualmente apresentadas pelo Autor.

Estabelece o artigo 70.º, n.º 1 da LAT que “Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada”.

O incidente de revisão da incapacidade tem assim por objecto as situações em que, posteriormente à data posterior da fixação inicial da incapacidade, se verifica uma alteração real – melhoria, agravamento, recidiva, recaída - da situação clínica do sinistrado.

No caso sub judice apurou-se que na sequência do acidente de trabalho, o Autor ficou portador das sequelas descritas no relatório do GML de fls. 74 a 76v, tidas por consolidadas em 16 de Agosto de 2018, data da alta clínica, a saber:

(…)

Tórax: Cicatriz infra-axilar direita de dreno torácico com 2cm, dolorosa à palpação.

Dor à compressão lateral do tórax. Simetria na expansão torácica.

Ráquis: rigidez moderada da coluna lombar. Dor à palpação das apófises espinhosas na transição dorso-lombar. Dor lombar na flexão da anca com joelho em extensão. Sem défice de força muscular.

Reflexos presentes e simétricos. Contratura para vertebral direita.

Provou-se também que desde Setembro de 2021 o Autor passou a ter dores muito intensas na coluna, que irradiam para membros inferiores e superiores e que actualmente o Autor apresenta as seguintes sequelas/alterações:

Ráquis: contratura da musculatura para vertebral dorso-lombar bilateralmente, mais acentuada à esquerda; referência a dor à palpação dos processos espinhosos dorsolombares; limitação da extensão e inclinação laterais e rotações mais evidentes para a esquerda; ligeiro défice de força muscular grau 4+bilateral; Lasegue e Bragard aparentemente negativos.

Tórax: referência a dor à compressão laterolateral do tórax.

(…)

… o examinando referiu dores em todos os segmentos da coluna vertebral, principalmente a nível cervical e lombar; dor referida à mobilização da coluna lombar; refere parestesias das mãos e das coxas, exibindo tremor dos membros (principalmente dos membros superiores); Laségue e Bragard negativos bilateralmente.

(…)

… Revela compromisso ligeiro da raiz de S1 direita.

Da factualidade apurada resulta que as sequelas apresentadas pelo Autor, quer na data da alta, quer actualmente se situam ao nível do tórax e da coluna vertebral. Relativamente ao tórax, não há uma alteração significativa. Com efeito, as sequelas iniciais traduziam-se em “Dor à compressão lateral do tórax. Simetria na expansão torácica”. Actualmente, o Autor apresenta “Tórax: referência a dor à compressão laterolateral do tórax”.

Já ao nível da coluna vertebral, verifica-se que o Autor mantém a dor à palpação dos processos espinhosos dorso-lombares. Na data alta apresentava contratura para vertebral direita e actualmente apresenta contratura da musculatura para vertebral dorso-lombar bilateralmente, mais acentuada à esquerda.

Em termos de força muscular, na data da alta, o Autor não apresentava qualquer défice, sendo que actualmente portador de défice de grau 4+bilateral. Por outro lado, em termos de movimentos de flexão, extensão e inclinação, o Autor apresentava rigidez moderada da coluna lombar e dor lombar na flexão da anca com joelho em extensão. Presentemente o Autor apresenta limitação da extensão e inclinação laterais e rotações mais evidentes para a esquerda.

Por último, o Autor revela ainda compromisso ligeiro da raiz de S1 direita, que não apresentava na data da alta. O Autor apresenta queixas de parestesias das mãos e das coxas, exibindo tremor dos membros (principalmente dos membros superiores), que não foram reportadas nos autos principais.

Face ao exposto, é manifesto que a situação clínica do Autor ao nível da coluna vertebral se agravou, apresentando, além de dor e de parestesias dos membros, limitações ao nível dos movimentos e da força muscular, que não apresentava na data da alta.

Contudo, defende a Ré que inexiste agravamento das lesões decorrentes do acidente de trabalho. Por outras palavras, considera que não ficou provado o nexo causal entre o acidente e as sequelas que o Autor apresenta actualmente. Sustenta a sua posição no parecer da junta médica, que efectivamente afastava de modo expresso o agravamento do quadro sequelar.

O acórdão recorrido, após elencar as sequelas actuais que constam do ponto 25 dos factos assentes, considerou que “acresce que não há qualquer elemento nos autos que impeça que se estabeleça o nexo causal entre o acidente e as sequelas.

Desde logo, as lesões resultantes da queda no vão de escadas localizaram-se na coluna e no hematórax direito.

As sequelas inicialmente identificadas situam-se também, na coluna e no tórax, especialmente do lado direito.

Finalmente, as sequelas atuais incidem sobre as mesmas zonas do corpo.

Consideramos assim estabelecido o nexo causal entre as sequelas e o acidente de trabalho, que, aliás, foi reconhecido pelo perito do GML, na sequência dos relatórios médicos e exames complementares de diagnóstico anteriormente realizados”.

Contrariamente ao referido no acórdão recorrido, não basta referir que as sequelas actuais incidem sobre as mesmas zonas do corpo (coluna e tórax) onde estavam localizadas as sequelas anteriores. Aliás quanto ao tórax não resultou provado sequer o agravamento das lesões.

Por outro lado, a existência de uma lesão numa determinada zona da coluna não significa necessariamente que lesões ocorridas noutras zonas da coluna estejam relacionadas ou sejam uma decorrência da primeira lesão.

No caso vertente, resulta dos pontos 21 e 22 dos factos assentes (relatório da ressonância magnética e relatório do Médico Especialista em Ortopedia e Traumatologia) que o Autor apresenta alterações de origem degenerativa. As lesões degenerativas não estão necessariamente relacionadas com o traumatismo, podendo decorrer do processo natural de envelhecimento, de factores genéticos e mesmo do estilo de vida (obesidade, sedentarismo e más posturas). Contudo, podem ser agravadas por eventos traumáticos, não só pelo acidente em si, mas também por alterações de postura compensatórias da dor e das limitações de movimentos decorrentes das suas sequelas.

Essa possibilidade é admitida pelo médico que elaborou o relatório da ressonância magnética: “não se pode excluir a possibilidade da exacerbação clínica (uma vez que não existiam queixas raquídeas prévias ao sinistro) ter correlação e nexo de causalidade com o acidente referido por agravamento de doença pré-existente” – ponto 21 dos factos assentes. Já o relatório do Médico Especialista em Ortopedia e Traumatologia é mais assertivo referindo “Entendemos que existe nexo causal com o acidente anterior, pelo agravamento de patologia pré-existente”– ponto 22 dos factos assentes.

Ambos apontam no sentido de ter ocorrido o agravamento de doença pré-existente (de origem degenerativa) ainda que desconhecida na data do sinistro e admitem que esse agravamento decorre do acidente.

Ora, no artigo 11.º, n.º 2 da LAT prevê-se que “Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei”.

Atenta a referida factualidade e considerando que o artigo 11.º, n.º 2 permite estender o nexo causal às sequelas decorrentes de agravamento de doença pré-existente, entendemos que no caso vertente ficou provado o nexo causal entre a situação clínica actual e o acidente.

Assente a existência de um agravamento das sequelas resultantes do acidente de trabalho, importa aferir se esta justifica uma alteração da incapacidade anteriormente fixada, bem como a atribuição de uma IPATH.

O Tribunal da Relação considerou que “Compulsados os laudos periciais que constam dos autos, constatamos que tanto o perito do GML como a junta médica enquadraram as sequelas no capítulo I, 1.14 b) e 2.3 b) da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, atribuindo-lhe o mesmo grau de desvalorização.

No entanto, o perito do GML entendeu, ainda, que as referidas sequelas também devem ser enquadradas no capítulo III, 7, da TNI.

Ora, o capítulo III, 7, diz respeito às nevralgias e radiculalgias persistentes e segundo a localização e a impotência funcional, e podem conferir um coeficiente de desvalorização entre 0,10 e 020.

Pelo que conseguimos apurar a nevralgia é uma dor muito intensa que ocorre num ou mais nervos do corpo.

O Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse Seleções, Vol. 3, Capítulo Medicina, pág. 287, da editora “Seleções do Reader’s Digest”, 1981, define nevralgia como sendo uma dor, geralmente de origem mal determinada, com localização num nervo ou que se transmite ao longo de um nervo.

Relativamente à radiculalgia, o Dicionário on line da Porto Editora refere que é uma «dor surda e contínua, entrecortada de violentos paroxismos, devido a irritação ou inflamação das raízes dos nervos cranianos ou raquidianos» - cf. https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/radiculalgia.

Do exposto conclui-se que o capítulo III, 7, da TNI reconhece que o previsto quadro doloroso é uma sequela que diminui a capacidade geral de ganho do sinistrado.

Aliás, na TNI mostram-se previstas várias sequelas que correspondem a quadros dolorosos.

A título de exemplo:

Capítulo I: 2.2.b); 7.2.1. b); 8.2.3.; 8.5.1 a 8.5.5. (agravamento da incapacidade em face do quadro doloroso); 9.2.3 b); 15.2.3.;

Capítulo II: 1.4.6.; 1.5. a) e b);

Capítulo III: 1.2.2. nota 2;

Capítulo XII: 5.2.

Ora, retornando ao caso dos autos, se analisarmos as sequelas originais verificamos que o quadro doloroso ocorria essencialmente mediante palpação ou compressão, daí que não tenha sido atribuído nenhum coeficiente de desvalorização, pois não se considerou que existisse prejuízo funcional.

Todavia, ao analisarmos as atuais sequelas descritas, verificamos uma significativa alteração: dores em todos os segmentos da coluna vertebral principalmente a nível cervical e lombar; dor referida à mobilização da coluna lombar; parestesias das mãos e das coxas, com exibição de tremor dos membros (principalmente dos membros superiores).

E esta alteração/sequela (reconhecida pelo perito do GML e pela junta médica) por constituir um dano corporal que causa já prejuízo funcional deve ser enquadrada na TNI.

Acolhemos, assim, o enquadramento que o perito do GML fez da mesma no capítulo III, 7, da TNI.

Resumindo e concluindo, consideramos que o sinistrado está afetado de uma IPP de 29.445% (19,63% x 1,5).

A aplicação do fator de bonificação 1,5 decorre do disposto da instrução 5, alínea a) da TNI – cf. acórdão desta Secção Social de 16-03-2023 (Proc. n.º 5/19.8T8FAR.E1), publicado em www.dgsi.pt.

Concluindo, o sinistrado encontra-se afetado, desde a apresentação do incidente de revisão – cf. acórdão desta Secção Social de 02-03-2017 (Proc. n.º 809/09.0TTSTB.E1), acessível em www.dgsi.pt - de uma IPP de 29,445% com IPATH”.

Atentas as sequelas actuais e o seu nexo com o acidente, consideramos que efectivamente aquelas configuram um agravamento das lesões que originaram a reparação com reflexos na capacidade de ganho do sinistrado, que justificam a alteração da incapacidade fixada nos termos do artigo 70.º, n.º 1 da LAT. Face aos elementos dos autos, afigura-se-nos que bem andou o acórdão recorrido ao socorrer-se do enquadramento efectuado pelo perito do gabinete médico legal para fixar ao sinistrado uma IPP de 29,445 %.

Segundo Carlos Alegre, a IPATH é “uma incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua específica função, actividade ou profissão, mas que deixa uma capacidade residual para o exercício de outra actividade laboral compatível, permitindo-lhe alguma capacidade de ganho, todavia, uma capacidade de ganho, em princípio diminuta.” – in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, Almedina, 2.º Edição, pág. 96

Estamos perante situações em que o sinistrado, ficando afectado de incapacidade permanente parcial para o exercício da generalidade das profissões, fica afectado de uma incapacidade permanente total de executar aquelas funções habituais.

O trabalho habitual a considerar será aquele que o sinistrado levava a cabo à data do acidente. Conforme refere Paula Leal de Carvalho “O exercício de uma profissão/trabalho habitual é caracterizado pela exe­cução, e necessidade dessa execução, de um conjunto de tarefas que consti­tuem o núcleo essencial dessa atividade profissional, não se podendo deixar de concluir que o sinistrado fica afetado de IPATH se as sequelas do aci­dente lhe permitem, apenas, desempenhar função meramente residual ou acessória do trabalho habitual de tal modo que não permitiria que alguém mantivesse, apenas com essa(s) tarefa(s) residual (ais), essa profissão/traba­lho habitual” - in A incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e o fator de bonificação de 1,5 - Questões práticas, Prontuário de Direito do Trabalho, 1.º semestre de 2017.

Uma vez que o Autor, devido às sequelas decorrentes do acidente de trabalho, não consegue exercer o conjunto essencial das tarefas que caracterizam o seu posto de trabalho, encontra-se o mesmo afectado de uma IPATH.

O Autor trabalhava como técnico de refrigeração e climatização. No exercício desta actividade e em conjunto com, pelo menos, mais um trabalhador, o Autor montava equipamentos de ar condicionado, bombas de calor, equipamentos solar térmicos, equipamentos solar termodinâmicos, equipamentos de ventilação, recuperadores de calor e equipamentos fotovoltaicos. Estes equipamentos têm pesos que variam entre os 15 kg e os 200 kg. Na montagem dos equipamentos, o Autor tinha de efectuar movimentos de pegar, levantar e carregar aos ombros os equipamentos, subir andaimes, escadas ou escadotes com cerca de 2 metros de altura, a fim de serem afixados em suportes próprios.

Apurou-se também que o Autor procedia à aplicação de suportes para instalação dos equipamentos, nos tectos e/ou nas paredes, utilizando para o efeito um berbequim; procedia à abertura de roços no solo, nas paredes e tectos, com utilização de martelo de escopro; efectuava soldadura da tubagem de cobre, com a utilização de grupo de soldadura e maçarico e efectuava ligações mecânicas e eléctricas. Para o efeito, o Autor tinha de subir andaimes, escadas e escadotes, com cerca de 2 a 3 metros de altura.

Mais se apurou que efectuava a desidratação do circuito e vácuo, com utilização de botija de fluido frigorigéneo, bomba de vácuo e manómetros e que procedia à limpeza dos espaços, com utilização de vassoura, pá e aspirador.

Estas tarefas, com excepção da limpeza dos espaços que é meramente assessória, constituem o núcleo essencial da actividade desenvolvida pelo Autor, a qual é realizada essencialmente de pé e implica o manuseamento de equipamentos pesados e a subida e descida de andaimes, escadas ou escadotes. Correspondem também tais tarefas ao núcleo essencial da actividade de instalador de ar condicionado e de sistemas de refrigeração constante da Classificação Portuguesa das Profissões – 2010, do Instituto Nacional de Estatística, a que alude o Ministério Público no seu parecer.

Tendo ficado provado que devido às sequelas de que actualmente é portador, o sinistrado não pode executar tarefas que impliquem subir e descer escadotes/escadas/andaimes. Não pode permanecer em pé mais de 30 minutos; não pode suportar carga manual com peso superior a 5 Kg. Não pode fazer movimentos repetitivos com os membros superiores. Não pode assumir posições incorrectas sobre a coluna lombar. Limitando-se o Autor a ajudar os colegas de trabalho na limpeza dos espaços com utilização de vassoura, pá e aspirador, é manifesto que este não pode executar a maioria das tarefas que integram o núcleo essencial das suas funções.

Deste modo, mais não resta do que concluir que bem andou o acórdão da Relação ao reconhecer ao Autor a IPATH.

Improcede, por conseguinte, também a presente questão.

5. Decisão

Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela Ré.

Lisboa, STJ, 2024.11.27

Albertina Pereira (Relatora)

Mário Morgado (1.º Adjunto)

Júlio Gomes (2.º Adjunto)