Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | HENRIQUE ANTUNES | ||
Descritores: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA NACIONALIDADE UNIÃO DE FACTO NULIDADE DE ACÓRDÃO EXCESSO DE PRONÚNCIA PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO TEMÁTICA OBJETO DO LITÍGIO PEDIDO CAUSA DE PEDIR OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO CASO JULGADO | ||
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Data do Acordão: | 09/16/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA E ANULADO O ACORDÃO RECORRIDO | ||
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Sumário : | I - O acórdão que, em violação da sua vinculação temática ao objeto do processo, tal como é definido pela causa de pedir e pelo pedido, conhece de uma questão de que não era lícito conhecer, é substancialmente nulo por excesso de pronúncia. II - A decisão é substancialmente nula, por contradição intrínseca, quando seus fundamentos estiverem em colisão com a parte decisória, desvalor que também se verifica, por interpretação extensiva do preceito regulador desta causa de nulidade, quando a decisão contenha fundamentos contraditórios ou partes decisórias contraditórias. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório. AA, cidadão luso-português, e BB, cidadã brasileira, propuseram, conjuntamente, acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira, com processo especial, pedindo se reveja e confirme, para produzir efeitos em Portugal, a sentença proferida pela 6.ª Vara de Família de Brasília que homologou e reconheceu juridicamente a união, desde 13 de Setembro de 1997, dos requerentes. O Sr. Juiz Desembargador Relator, por decisão singular proferida no dia 18 de Fevereiro de 2025, depois de observar, designadamente, que a decisão estrangeira não se mostra contrária aos princípios da ordem pública internacional do Estado Português, mas que os requerentes pretendem, recorrendo a este processo especial, que se reconheça a situação de união de facto entre ambos, decidiu rever a decisão estrangeira, ressalvando-se, no entanto, que a mesma não implica o reconhecimento da convivência em união de facto nem tem reflexos para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa dos requerentes. Os requerentes reclamaram desta decisão para a conferência, pedindo que do seu dispositivo fosse excluída a reserva, ressalvando-se, no entanto, que a mesma não implica o reconhecimento da convivência em união de facto nem tem reflexos para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa dos requerentes, bem como os seus correlatos trechos na fundamentação. Fundamentaram a reclamação no facto de a decisão reclamada ter incorrido em contradição ao confirmar os efeitos da sentença estrangeira, mas ressalvar que a mesma não implica o reconhecimento da convivência em união de facto e ser nula, por excesso de pronúncia, ao conhecer de questão para a qual não possui competência, impedido a priori que a requerente apresente eventual pedido tendente à aquisição da nacionalidade portuguesa. Porém, a conferência, por acórdão proferido no dia 20 de Março de 2025, com fundamento em que a decisão reclamada não está em oposição com os respectivos fundamentos, não apresentando qualquer erro lógico e que a ressalva aposta na decisão reclamada e a respectiva fundamentação jurídica constituem apenas o corolário da apreciação jurídica da causa, que cumpre oficiosamente ao Tribunal, julgou improcedente a arguida nulidade da decisão singular proferida e confirmou a decisão reclamada. Os requerentes interpuseram desta acórdão recurso ordinário de revista, pedindo a sua revogação e a exclusão do dispositivo da decisão singular do trecho: “ressalvando-se, no entanto, que a mesma não implica o reconhecimento da convivência em união de facto nem tem reflexos para efeitos de aquisição de nacionalidade portuguesa pelos requerentes.”, bem como sejam expurgados os seus correlatos trechos na fundamentação. Os fundamentos da revista, expostos nas conclusões, são os seguintes: 30. Os Recorrentes residem no Brasil, são unidos de facto desde 13 de setembro do ano de 1977 (há aproximadamente 47 anos), possuem em comum dois filhos e seis netos (cfe. documento 02, pág. 2, junto à p.i.) e mantêm uma união estável, pública, contínua e duradoura, razão pela qual, apresentaram perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Brasil, local de sua residência, acção de Revisão para confirmação de Sentença estrangeira de União de Facto, tendo obtido sentença procedente (documentos 02 e 03, juntos à p.i.). 31. Ato contínuo, os Recorrentes submeteram previamente a referida sentença ao procedimento do artigo 978º do CPC, eis que necessário para que tivesse eficácia perante a ordem jurídica portuguesa. 32. Ao julgar o pedido de revisão e confirmação da sentença estrangeira de reconhecimento da união de facto, o Douto Juiz Relator proferiu decisão singular – posteriormente confirmada por acórdão – que trouxe em seu Dispositivo duas ressalvas: i) pese embora tenha confirmado a sentença estrangeira, não reconheceu o principal elemento da união de facto, o convívio dos Recorrentes; ii) restringiu os efeitos da revisão da sentença estrangeira que reconheceu a união de facto dos Recorrentes, condicionando eventual pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa a instauração de uma (nova) acção judicial que tenha por objecto o reconhecimento da referida união de facto. 33. Considerando as ressalvas feitas no Dispositivo da decisão singular, os Recorrentes reclamaram para a conferência, sem, contudo, obterem êxito, razão pela qual manejam o presente Recurso de Revista sob os seguintes fundamentos: a) que a respeitável decisão singular incorreu em contradição ao confirmar, por um lado, os efeitos da sentença estrangeira, mas, por outro, ressalvar que a “mesma não implica o reconhecimento da convivência em união de facto”, negando que um dos principais elementos que caracterizam a união de facto (senão o principal) é justamente p convívio dos Recorrentes ao longo de quase 5 (cinco) décadas; b) que, na forma do artigo 615, n.º1, alínea d), 2ª parte, do CPC, a respeitável decisão singular é nula, pois incorreu em excesso de pronúncia ao conhecer de questão da qual não possui competência, impedindo, a priori, que a 2ª Recorrente apresente eventual pedido tendente à aquisição da nacionalidade portuguesa; c) que a decisão singular criticada é contraditória pois a “acção judicial” referida no artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade já foi instaurada, julgada e deferida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Brasil (documentos 02 e 03, juntos à p.i.), que é o tribunal cível do local de residência dos Recorrentes; d) que, da mesma forma que os Recorrentes não podem apresentar um pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa perante o Tribunal da Relação de Lisboa, aquela Augusta Corte Judicial também não está autorizada a se pronunciar sobre questões ou requisitos que permeiam os procedimentos administrativos afetos a eventual pedido tendente à aquisição da nacionalidade portuguesa; e) que a ordem jurídica portuguesa não atribui competência ao Tribunal da Relação de Lisboa para análise prévia dos requisitos para um pedido de nacionalidade e, caso assim o faça, está, a priori, impedindo eventual pedido de aquisição à nacionalidade portuguesa da 2ª Recorrente ao mesmo tempo que está a usurpar competência afeta a outro órgão da Administração Pública, o Instituto dos Registos e do Notariado - IRN, I.P.; f) que o excesso de pronúncia contido na decisão singular alterou de forma ilegal o alcance do artigo 984º do CPC e permitiu que a decisão singular sub judice avocasse para o Tribunal da Relação de Lisboa a competência de exercer o controlo prévio a um eventual pedido tendente a obtenção da nacionalidade portuguesa, o que de modo algum está previsto entre os requisitos do artigo 980º do CPC; e g) que tal avocação representa usurpação da competência do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), I.P, havendo, portanto, nulidade a macular tanto o acórdão como a decisão singular criticada por usurpar de modo direto e ilegal a competência de outro órgão da Administração Pública do Estado Português. O Ministério Público, na resposta, concluiu pela improcedência do recurso. O Sr. Juiz Desembargador Relator, sem que tivesse levado o processo à conferência para se apreciar a questão da nulidade do acórdão arguida pelos recorrentes na revista, admitiu-a. 2. Delimitação do âmbito objectivo do recurso, individualização da questão concreta controversa que deve ser resolvida e determinação da espécie da revista. Como o âmbito objetivo da revista é delimitado, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados nas instâncias, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação, é uma só a questão concreta controversa, puramente procedimental, que importa resolver: a de saber se o acórdão impugnado se encontra ferido com o desvalor, de substância ou de conteúdo, da nulidade por um excesso de pronúncia e por contradição intrínseca (art.ºs 635.º n.º 4, 639.º, n.º 1, e 608.º, n.º 2, ex-vi art.º 663.º, n.º 2, do CPC). Realmente, dado que a decisão singular, no segmento que concluiu pela revisão e pela confirmação da decisão estrangeira, não foi objecto de impugnação na reclamação para a conferência, o reconhecimento daquela decisão constitui res judicata, pelo que o único problema colocado à atenção deste Tribunal Supremo é o da invalidade substancial do acórdão, sendo certo que é este – e não a decisão singular do relator impugnada horizontalmente por via da reclamação para a conferência - que constitui o objecto da revista (art.ºs 628.º, 635.º, n.º 4, 671.º, n.º 1, e 674.º, n.º 1, c), do CPC). A resolução deste problema vincula, naturalmente, a que se examinem as duas causas apontadas de nulidade substancial ou de conteúdo do acórdão contestado. 3. Fundamentos. 3.1. Fundamentos de facto. A instância de que provém o recurso julgou provado o facto seguinte: 1. Por decisão de 13/9/2022, da 6ª Vara de Família de Brasília, Distrito Federal, Brasil, transitada em julgado, foi reconhecida a união estável entre os requerentes, desde 13/9/1977. 3. Fundamentos de direito. A revista é de conceder. E é de conceder porque o acórdão impugnado é realmente nulo por um vício de limites e por um vício lógico: o excesso de pronúncia e a contradição intrínseca. O objecto do processo, i.e., a matéria o assunto que tribunal é chamado a decidir, é constituído por dois elementos: o pedido e a causa de pedir. O primeiro destes elementos objectivos da instância é constituído pela forma de tutela jurisdicional requerida para o direito ou para o interesse legalmente protegido, o efeito jurídico que a parte pretende obter com a acção; o segundo – a causa petendi – é constituído pelos factos necessários para individualizar aquele direito ou este interesse1 (art.ºs 5.º, n.º 1, e 532.º, n.º 1, d), do CPC). Os factos integrantes da causa de pedir são apenas os factos essenciais de que emerge a situação jurídica alegada pela parte: dado que a qualificação jurídica dos factos pertence ao tribunal, a causa de pedir é o facto concreto e não a categoria legal em que se enquadra o facto alegado, é o acto ou facto jurídico concreto do qual o autor faz derivar o direito a tutelar – e não a valoração jurídica que lhe atribui2. O objecto do processo condiciona o objecto da decisão, ou seja, aquilo que é pedido e alegado pela parte é aquilo que pode ser apreciado e decidido pelo tribunal, ponto que é dominado por esta regra: o tribunal deve apreciar tudo o que é pedido pela parte – mas não pode apreciar mais do que aquilo que foi pedido. Dito doutro modo: a relevância intraprocessual da causa de pedir e do pedido, nos processos dominados pelo princípio da disponibilidade objectiva, concretiza-se nesta regra: a causa de pedir e o pedido fixam os limites de cognição do tribunal (art.ºs 5.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, d), do CPC). Ao juiz ou juízes é, deste modo, proibido que se ocupem de questões que as partes não tenham suscitado, a menos que a lei lhes permita ou lhes imponha o conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, do CPC). Por isso que a decisão – o despacho, a sentença ou acórdão - é nula quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, portanto, quando esteja viciada por excesso de pronúncia (art.º 615.º. n.º 1, d), 2ª parte, do CPC). Por força deste corolário do princípio da disponibilidade objectiva, verifica-se um tal excesso, por exemplo, sempre que o juiz ou juízes utilizam, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou absolvem ou condenam num pedido não formulado. A decisão é, pois, nula quando condene em quantidade superior – num mais – ou em objecto diverso do pedido – num aliud. Este excesso de pronúncia pode, pois, ser parcial ou qualitativo, consoante o tribunal conheça de um pedido quantitativamente ou qualitativamente distinto do que foi formulado pelo autor (art.ºs 609.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, c), do CPC). A decisão é igualmente nula quando se encontra ferida de contradição intrínseca, i.e., quando os seus fundamentos estiverem em oposição com a parte decisória, quando os fundamentos invocados pelo tribunal conduzirem, logicamente, a uma conclusão oposta ou, pelo menos, diferente daquela que consta do seu dispositivo (art.º 615.º c), 1.ª parte, do CPC). Esta nulidade substancial está para a decisão do tribunal como a contradição entre o pedido e causa de pedir está para a ineptidão da petição inicial (art.º 186.º. n.º 2, b), do CPC). Por interpretação extensiva do preceito regulador desta causa de nulidade, este desvalor também se verifica quando a decisão contenha fundamentos contraditórios ou partes decisórias contraditórias3. As decisões dos tribunais estaduais são actos de soberania, pelo que só podem produzir efeitos fora do Estado no qual são proferidas através de um acto de reconhecimento por um outro Estado – reconhecimento que outra coisa não é que a aceitação por este outro Estado – Estado do reconhecimento ou Estado requerido – dos efeitos que as decisões produzem no Estado de origem: o efeito do caso julgado e o efeito constitutivo, a atribuição de força executiva e outros modos de relevância, tais como o valor probatório e o valor como mero facto material. O reconhecimento da decisão estrangeira evita a repetição de processos e previne o proferimento de decisões contraditórias e pode ser automático – quando se realiza ope legis, sem que tenha de ser requerido por qualquer interessado – ou expresso – quando tem de ser pedido por um interessado e é concedido por uma autoridade do Estado requerido. Este distinguo releva para a determinação do momento da produção dos efeitos da decisão estrangeira no Estado do reconhecimento: no caso de reconhecimento automático aqueles efeitos produzem-se no segundo Estado no mesmo momento em que são produzidos no Estado de origem; no reconhecimento expresso, a decisão estrangeira – que, em regra, aprecia o mérito da acção através de uma regra que pertence ao seu próprio ordenamento ou que é determinada pelas normas de conflito do Estado de origem ou constantes de instrumento internacional convencional - só produz efeitos, no Estado do reconhecimento, no momento em que este tiver lugar – mas produz neste Estado os mesmos efeitos que realiza no Estado de origem: verifica-se aqui uma extensão dos efeitos que a decisão estrangeira produz no Estado de origem, segundo o seu direito, embora não possa produzir, no Estado do reconhecimento, efeitos que o ordenamento do Estado de origem desconheça. O objecto do processo, tal como foi individualizado pela pedido pela causa petendi invocada pelos recorrentes era somente o de saber se de harmonia com fonte de reconhecimento aplicável - a de direito interno que define unilateralmente os requisitos de que depende o reconhecimento de uma decisão estrangeira - se, no caso, concorriam, no tocante à decisão estrangeira, os requisitos de reconhecimento representados pela ausência de dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a decisão a rever, pelo seu trânsito em julgado, segundo a lei do Estado de origem, pela não violação dos princípios da ordem pública internacional processual do Estado Português e pela compatibilidade do resultado do reconhecimento com a ordem pública internacional material do Estado português (art.º 980.º, a), b), e) e f), do CPC). A única questão que o Tribunal foi chamado a decidir era, assim, a de saber se mostravam preenchidos, no tocante à sentença estrangeira, designadamente os seguintes requisitos: - Se não havia dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a decisão a rever; - Se a decisão tinha transitado em julgado segundo a lei do Estado de origem; - Se no processo em que foi proferida a decisão a rever, o réu tinha sido regularmente citado para a acção – nos termos da lei do Estado de origem – e se, nesse processo, tinham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes, i.e., se se mostrava assegurado o respeito pela ordem pública internacional processual do Estado Português; - Se o reconhecimento da decisão não conduzia a um resultado incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português, portanto, se aquele resultado não era inconciliável com a ordem pública internacional material daquele Estado. Só isso. Em boa verdade, os requerentes pediram, na petição inicial, tão somente, que a Relaçáo, revisse e confirmasse a sentença proferida pelo Tribunal Brasileiro, para produzir os seus efeitos em Portugal. Os recorrentes não pediram, em lugar ou momento algum, expressa ou implicitamente, directa ou indirectamente, ao Tribunal da Relação que se pronunciasse sobre se o reconhecimento da decisão estrangeira implicava ou não o reconhecimento da convivência em união de facto ou tinha reflexos para efeitos de aquisição de nacionalidade portuguesa pelos requerentes, ou – dito doutro modo – qual era a relevância daquele reconhecimento, ou da decisão de reconhecimento, designadamente no plano probatório, para a aquisição, pela recorrente, da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade, assente na circunstância de viver em união de facto há mais de três anos com nacional português (art.º 3.º, n.º 1, da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, na sua redacção actual, e 14.º, n.º 2 e 4 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro, na sua redacção actual). Sendo indiscutível que o facto relevante para aquisição da nacionalidade por efeito da vontade não é o estabelecimento de uma relação familiar, mas a declaração ou manifestação da vontade do estrangeiro em condições de a adquirir4, a verdade é que esse facto não consta sequer dos enunciados dessa espécie que o Tribunal recorrido considerou adquiridos para o processo, que se resumem à existência da sentença estrangeira e ao seu conteúdo. Os fundamentos, a propósito da ressalva objecto da controversão, são constituídos, logo na decisão singular e depois no acórdão impugnado, pela simples reprodução dos fundamentos expostos no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no dia 25 de Maio de 2021, no processo 398/21.7YRLSB-1. Patentemente, porém, o acórdão impugnado não reparou que ao contrário do que sucedeu no recurso julgado por aquele acórdão – em que os respectivos requerentes declaravam expressamente que com a acção de revisão tinham em vista a aquisição, por um deles, da nacionalidade portuguesa e pediam o cumprimento do art.º 78.º do Código de Registo Civil - na petição inicial da acção de revisão os recorrentes não produziram uma tal declaração, nem, muito menos, deduziram, ainda que de modo meramente implícito uma qualquer pretensão referida à aquisição da nacionalidade, palavra ou substantivo feminino que nem sequer surge utilizada quer na exposição da causa de pedir, quer na formulação do pedido. De resto, este Tribunal Supremo tem decidido, de modo consiste e repetido que relevante para a revisão de sentença estrangeira é apenas se se verificam os pressupostos previstos no art.º 980.º do CPC, não relevando saber se a decisão revidenda é suficiente (ou não) para atribuir a nacionalidade portuguesa ao membro (da união de facto) com nacionalidade brasileira e que, verificados os requisitos previstos no art.º 980.º do CPC, deve a mesma ser revista e confirmada por tribunal português5. Com a ressalva que apôs no dispositivo, o acórdão impugnado excedeu, claramente, os seus poderes conhecimento ou cognição, dado que apreciou ou conheceu de uma questão da qual, por força da sua vinculação temática ao objecto do processo, tal como foi definido pela causa de pedir – e sobretudo – pelo pedido deduzido pelos recorrentes, que se restringiu ao reconhecimento da decisão estrangeira, não lhe era lícito conhecer. Excesso de pronúncia particularmente vincado dado que, com aquela reserva, o acórdão terminou por conhecer e decidir uma questão para a qual nem sequer dispõe da indispensável competência decisória material. Efectivamente, a competência para a aferição da eficácia da sentença estrangeira reconhecida para o preenchimento dos requisitos, designadamente formais, de que depende a aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade pertence, comprovada e indiscutivelmente, não ao tribunal e muito menos ao tribunal do reconhecimento da sentença estrangeira - mas ao conservador do registo civil e a decisão deste não é impugnável nos tribunais comuns, mas nos tribunais da ordem ou da jurisdição administrativa (art.ºs 41.º, n.º 1, a) e b), e 2, 56.º, n.º 1, e 62.º do Regulamento da Nacionalidade). O acórdão encontra-se, pois, ferido com o desvalor da nulidade substancial, por um vício de limites, dado que contém mais do que devia conter. Mas ainda que ex-adverso o contrário se devesse entender, sempre se imporia concluir pela nulidade de substância ou de conteúdo do acórdão impugnado, mas por uma causa diferenciada: a contradição intrínseca. A sentença estrangeira cuja revisão e confirmação foi pedida – e, aliás, concedida – declarou a existência, desde 13 de Setembro de 1977, entre os recorrentes, de união estável, que consiste, segundo o art.º 1723.º do Código Civil Brasileiro, na convivência, entre um homem e uma mulher, pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objectivo de constituição de família. Como com o reconhecimento - operado, logo na decisão singular do Sr. Juiz Desembargador Relator da Relação - da sentença estrangeira esta passou a produzir em Portugal os mesmos efeitos que produziu no Estado de origem – o Brasil – designadamente o efeito do caso julgado, está irrepetivelmente decidido, na ordem jurídica portuguesa, que os recorrentes convivem, desde 13 de Setembro de 1977, publica, continua e duradouramente um com outro, com o propósito de constituir família. Ora se considerar, como se deve, de um aspecto, que com o reconhecimento, a sentença estrangeira produziu, na ordem jurídica portuguesa, este efeito – que já havia produzido na ordem jurídica brasileira – e, de outro, que a união de facto é a convivência duradoura, i.e., superior a dois anos, de duas pessoas como se casadas fossem – pelo que que descritivamente, a única diferença entre esta união e o verdadeiro matrimónio será, pois, a falta do vínculo formal do casamento6 - a afirmação, contida no acórdão recorrido, de que a revisão e a confirmação da sentença estrangeira não implica o reconhecimento da convivência – dos requerentes – em união de facto colide frontalmente com o resultado daquela decisão de confirmação, que abrange o efeito do caso julgado da decisão estrangeira, de harmonia com o qual os recorrentes convivem um com o outro, publica, contínua e duradouramente, desde 13 de Setembro de 1977 (art.º 1.º, n.º 1 da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, na sua redacção actual). Quer dizer: a decisão de confirmar a sentença estrangeira – que tem como efeito necessário, o reconhecimento do efeito do seu caso julgado, segundo o qual os recorrentes convivem, um com outro, de modo público, contínuo e duradouro com o propósito de constituir família – está em franca e irremovível contradição com a afirmação de que, afinal, o reconhecimento da sentença não produz, o efeito de reconhecer que os recorrentes, sem estarem ligados entre si pelo vínculo formal do casamento, convivem em condições em tudo análogas à dos cônjuges e, portanto, em união de facto. Existe, pois, uma irredutível colisão quer entre os fundamentos do acórdão impugnado, quer entre os elementos do seu dispositivo, dado que a declaração de que a confirmação da sentença estrangeira não implica a admissão de que os recorrentes convivem em união de facto não é logicamente compatível com a decisão de reconhecer essa mesma decisão e, consequencialmente, um dos seus efeitos, segundo o Estado de origem – o caso julgado – de harmonia com o qual os recorrentes convivem entre si de modo duradouro, público e contínuo, com o propósito de constituir uma família. Uma tal colisão fere irremissivelmente o acórdão impugnado com o desvalor da nulidade substancial por contradição intrínseca. Note-se que esta conclusão não envolve qualquer comprometimento com a relevância ou irrelevância da sentença estrangeira, e do seu reconhecimento, para o preenchimento dos pressupostos de que a lei faz depender a aquisição, pelar recorrente, da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade. A aferição da eficácia, da idoneidade ou da adequação da sentença estrangeira e do seu reconhecimento – designadamente do seu efeito probatório – para o preenchimento daqueles pressupostos ou requisitos compete, de modo autónomo, por inteiro - nunca é demais reiterar - ao conservador do registo civil7. Obiter dicta, a benefício da exaustão de fundamentação, não deixará de se observar, em todo o caso, o seguinte. Como decorre do acórdão impugnado e, sobretudo, dos fundamentos expostos no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no dia 25 de Maio de 2021, a que aderiu e reproduziu com larga prodigalidade, a ressalva que apôs aos efeitos do reconhecimento da sentença estrangeira, visa, claramente, obstar a que este reconhecimento constitua uma via expedita de contornar as exigências que o legislador nacional impõe em matéria de aquisição da nacionalidade portuguesa, i.e., é ordenada para obviar a que os recorrentes utilizem a acção de revisão e de confirmação com uma finalidade diversa daquela que é a sua função – a obtenção da tutela jurisdicional, traduzida, no caso, no simples reconhecimento da decisão estadual estrangeira – que os requerentes façam um uso reprovável do processo. Numa formulação mais precisa: aquela reserva do acórdão impugnado é orientada pela finalidade de obstar a que os recorrentes abusem do direito à acção de reconhecimento (art.ºs 2.º, nºs 1 e 2, e 612.º do CPC e 334.º do Código Civil). Simplesmente, essa finalidade tem necessariamente implicada o recurso à cláusula da ordem pública internacional do Estado Português, enquanto obstáculo ao reconhecimento da decisão estrangeira, dado que envolve, de modo necessário, a constatação de que o resultado do reconhecimento conduziria, por força da proibição do abuso do direito à acção, a um resultado insuportável ou inassimilável pela comunidade e pela ordem jurídicas portuguesas. O reconhecimento da decisão estrangeira decorre, em regra, do preenchimento de certos requisitos formais pelo que não implica nenhuma reapreciação da causa pelo tribunal do reconhecimento que, assim, não pode, desde logo, controlar o Direito que foi aplicado pela decisão estrangeira ao mérito da causa. A regra é, por isso, a da proibição da révision au fond. Esta proibição, aliás, muito comum na generalidade dos regimes de reconhecimento, compreende-se com facilidade, dado que, doutro modo, o reconhecimento da decisão estrangeira nenhuma vantagem traria porque equivaleria à propositura no segundo Estado, de uma nova acção. Por força desta exclusão da révision au fond, o tribunal do Estado requerido só pode verificar se se verifica algum impedimento ou fundamento de não reconhecimento, não o podendo recusar com a justificação de que a decisão estrangeira é, por um qualquer erro de facto ou de direito, incorrecta. Uma excepção à proibição da révision au fond é constituída, como é, aliás, também comum, pelo respeito da ordem pública – internacional - do Estado do reconhecimento (art.º 980.º, f), do CPC). Mas dado justamente o seu carácter excepcional, o reconhecimento só pode ser recusado se esse reconhecimento contrariar os princípios fundamentais daquele Estado. A ofensa da ordem pública internacional é material se estiver em causa a violação de princípios ou normas de direito material ou de direito internacional privado. O reconhecimento da decisão estrangeira deve recusar-se, mesmo oficiosamente, se for manifestamente contrário à ordem pública internacional material do Estado requerido, o que sucederá – mas só sucederá – se aquele reconhecimento determinar a violação evidente de uma norma jurídica material considerada essencial na ordem jurídica do Estado requerido ou de um direito reconhecido como fundamental pela ordem jurídica do último Estado, devendo ter-se presente que o que é relevante não é se a decisão revivenda ofende a ordem pública do Estado requerido – mas se o seu reconhecimento importa essa violação. Dado que, como regra, a circulação de decisões entre os Estados não deve ser dificultada, a reserva de ordem pública deve ser aplicada em casos excepcionais, não se devendo qualificar como ofensa da ordem pública uma qualquer inobservância do direito do Estado requerido, ainda que imperativo ou injuntivo – mas apenas a violação que atinja princípio essenciais estruturantes do seu ordenamento jurídico, como sucederá, por exemplo, com o princípio da não discriminação, que deve ter-se como concepção fundamental do direito interno português. Realmente, este Tribunal Supremo tem sublinhado, de modo constante, que a reserva de ordem pública deve interpretar-se de forma restritiva, devendo atender-se, em primeiro lugar, apenas aos princípios da ordem pública internacional do Estado Português, depois ao resultado do reconhecimento da decisão estrangeira, devendo, por último, aferir-se se há uma incompatibilidade e uma incompatibilidade manifesta ou evidente. Com a exigência de que apenas é atendível o resultado do reconhecimento, quer-se significar que a lesão da ordem pública internacional material do Estado português deve ser avaliada em concreto, i.e., através da comparação entre os princípios daquela ordem e os resultados ou consequências do reconhecimento da decisão estrangeira; por incompatibilidade e por incompatibilidade manifesta deve ter-se apenas o desrespeito da ordem pública internacional material que seja evidente ou ostensiva – de tal modo que possa ser reconhecida sem largas indagações – e grave, i.e., tão séria ou severa que possa ser qualificada como atropelo grosseiro, ou como ofensa intolerável e intolerada de alguns bens, de alguns princípios ou de alguns valores que devam ter-se por estruturantes ou essenciais, um resultado que não seja passível de assimilação pela comunidade jurídica portuguesa, que represente uma quebra ou ruptura absolutamente inaceitável de princípios estruturantes da nossa ordem jurídica8. Pela sua correcção, e pela sempre desejável uniformidade de decisões, esta orientação deste Tribunal Supremo deve reiterar-se. Efectivamente, o conceito de ordem pública não deixa encerrar-se numa qualquer definição: a ordem pública é conceitualmente indefinível e, por isso, a noção de ordem pública não é unívoca, embora o seja a sua função9. Apesar da sua indeterminação e imprecisão, doutrina e jurisprudência convergem na conclusão de que a ordem pública internacional de um Estado é constituída pelos princípios estruturantes da respectiva ordem jurídica, como são os que integram a Constituição, em sentido material, dado que as normas e princípios constitucionais, sobretudo os que tutelam direitos fundamentais, não só informam, mas também conformam aquela ordem pública10. A Constituição reflecte, indubitavelmente, os valores mais importantes que conformam, no plano estrutural, a ordem jurídica fundamental de uma comunidade, pelo que é nas normas constitucionais que a ordem pública internacional deve assentar, o mesmo sucedendo, entre nós, com os princípios do Direito da União Europeia. São comummente apontados como integrando a ordem pública internacional de cada Estado, entre outros, os princípios estruturantes ou fundamentais como o da boa fé, dos bons costumes, da proibição do abuso de direito, da proporcionalidade e da não discriminação. De outro aspecto – reitera-se - a cláusula só intervém como limite ao reconhecimento da decisão estrangeira quanto a solução dada ao caso for, não apenas divergente ou contrastante com a que resultaria da aplicação do direito interno do Estado do reconhecimento, v.g., o português – mas manifestamente incompatível com os princípios fundamentais da respectiva ordem jurídica. O recurso á cláusula de ordem pública só deve admitir-se quando o reconhecimento – ou a execução – da decisão proferida noutro Estado viole de forma inaceitável a ordem jurídica do Estado requerido, por atentar contra um princípio fundamental. A fim de respeitar a proibição de revisão de mérito da decisão estrangeira, esse atentado deve constituir uma violação manifesta, ostensiva, patente, de uma regra de direito considerada essencial na ordem jurídica do Estado requerido ou de um direito reconhecido como fundamental nessa ordem jurídica, o que só sucederá se o reconhecimento conduzir a um resultado intolerável11, absolutamente intolerável12, ou chocante13. Dado que o abuso do direito, seja do direito de acção, seja do direito à acção, releva por a sua proibição constituir um princípio integrante da ordem pública internacional material do Estado Português, e, consequentemente, por via deste fundamento de recusa do reconhecimento da decisão estrangeira, dado que esta é apta para veicular todos os princípios e normas fundamentais de ordem jurídica do foro que tenham a aplicação a situações transnacionais, ao tribunal recorrido seria lícito aferir se, no caso, os recorrentes abusavam do direito à acção, se utilizavam a acção de revisão e de confirmação com uma finalidade diversa daquela que é a sua função, se ocorria um uso reprovável ou censurável do processo e, portanto, se o resultado do reconhecimento conduzia, por força da proibição do abuso do direito, a um resultado absolutamente inaceitável pela comunidade e pela ordem jurídicas portuguesas. Todavia, na espécie sujeita, logo a decisão singular do Sr. Juiz Desembargador Relator e, mais tarde, o acórdão recorrido foram terminantes na afirmação de que, no caso, não se verificava o obstáculo ao reconhecimento da decisão estrangeira representado pela incompatibilidade do resultado desse reconhecimento com a ordem pública internacional do Estado Português, mas, acto contínuo, incoerentemente, trataram, tantos nos fundamentos como no dispositivo de restringir a eficácia do reconhecimento, necessariamente, com fundamento na sua incompatibilidade com aquela ordem, em função de uma finalidade que não encontra, nos factos considerados adquiridos para o processo, a indispensável tradução e para cuja apreciação nem sequer é materialmente competente. Como se observou, o reconhecimento de uma decisão judicial estrangeira, entendido de forma lata, compreende o reconhecimento de efeitos, a atribuição de força executiva e outros modos de relevância. O efeito específico da sentença, enquanto acto jurisdicional é, naturalmente, o caso julgado. E no tocante ao efeito do caso julgado, deve valer a teoria da extensão de eficácia: há uma recepção dos efeitos produzidos segundo o Direito do Estado de origem da decisão, o que assegura a harmonia de soluções com este Direito e evita a atribuição à sentença estrangeira de efeitos com que se não podia contar no momento da propositura da acção de reconhecimento ou durante a sua pendência. Excluem-se, porém, aqueles efeitos que, por razões de princípio, forem desconhecidos do Estado do reconhecimento, solução que parece basear-se na ordem pública internacional que, neste caso, se opõe apenas ao reconhecimento de certos efeitos da sentença estrangeira. Portanto, a sentença estrangeira produz no Estado do reconhecimento os mesmos efeitos que produziu no Estado de origem, mas não pode produzir, no Estado do reconhecimento, efeitos que quer este Estado quer o Estado de origem desconheçam. Assim, para que a ressalva - que a mesma (a revisão e a confirmação da sentença) não implica o reconhecimento da convivência em união de facto nem tem reflexos para efeitos de aquisição de nacionalidade portuguesa pelos requerentes – se tivesse por correcta era necessário demonstrar que um tal efeito da sentença estrangeira é desconhecido do Estado de origem ou do Estado do reconhecimento – desconhecimento que, neste último caso, importaria a exclusão daquele efeito, necessariamente por via da cláusula da ordem pública internacional material do Estado Português. Patentemente, o acórdão impugnado não procedeu a essa demonstração – tendo, pelo contrário, concluído pela inteira compatibilidade dos resultados do reconhecimento com aquela ordem pública internacional material – nem, aliás, considerou adquiridos para o processo os factos indispensáveis a essa demonstração. De resto, os outros modos de relevância da sentença estrangeira – o seu valor probatório e a sua consideração como facto material – são geralmente aceites, sem dependência de quaisquer normas de reconhecimento (art.º 978.º, n.º 2, do CPC). Como quer seja, tem-se por certo que, com a reserva colocada no dispositivo do acórdão – e com os fundamentos em que assenta – o acórdão impugnado incorreu, irremissivelmente, no vício de limites e no vício lógico que os recorrentes lhe assacam e, como corolário que não pode ser recusado, que aquele acto decisório se encontra ferido com o desvalor da nulidade, tanto por excesso de pronúncia como por contradição intrínseca. Cumpre, por isso, julgar procedente o recurso e, consequentemente, anular e revogar, no segmento apontado, o acórdão impugnado (art.º 884.º, n.º 1, do CPC). As proposições conclusivas mais salientes, das quais se extrai a procedência da revista, são as seguintes: - O acórdão que, em violação da sua vinculação temática ao objecto do processo, tal como é definido pela causa de pedir e pelo pedido, conhece de uma questão de que não era lícito conhecer, é substancialmente nulo por excesso de pronúncia; - A decisão é substancialmente nula, por contradição intrínseca, quando seus fundamentos estiverem em colisão com a parte decisória, desvalor que também se verifica, por interpretação extensiva do preceito regulador desta causa de nulidade, quando a decisão contenha fundamentos contraditórios ou partes decisórias contraditórias. Não são devidas custas, dado que a única parte sucumbente – o Ministério Público – está delas isento (art.º 4.º, n.º 1, a), do RC Processuais). 4. Decisão. Pelos fundamentos expostos, concede-se a revista, anula-se e revoga-se acórdão impugnado no segmento do dispositivo, e dos respectivos fundamentos, em que ressalvou, no entanto, que a mesma não implica o reconhecimento da convivência em união de facto nem tem reflexos para efeitos de aquisição de nacionalidade portuguesa pelos requerentes. Não são devidas custas. 2025.09.26 Henrique Antunes (Relator) Nelson Borges Carneiro Jorge Leal _____________________________________________________ 1. Miguel Teixeira de Sousa, Algumas questões sobre o ónus da alegação e da impugnação em processo civil, Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, págs. 401 e 402 2. Ac. do STJ de 01.10.2019 (20427/16). 3. João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, AAFDL, 2022, Vol. I, pág. 632. 4. Ac. do TC n.º 768/2024 (1159/2023) e Rui Moura Ramos, Do Direito da Nacionalidade, Coimbra, Coimbra Editora, 1992, págs. 146 e 147. 5. Ac. do STJ de 07.06.2022 (641/22), 13.10.2020 (47/20) e 29.01.2019 (846/18). Assim, também o Ac. da RL de 17.12.2019 (2032/19), segundo o qual não compete ao sistema jurídico português preocupar-se, no momento em que decide da procedência ou improcedência da acção de revisão e confirmação da sentença estrangeira, com os eventuais propósitos que os requerentes se proponham prosseguir e que, do ponto de vista estritamente jurídico, é absolutamente irrelevante para o conhecimento da acção de revisão cuidar do destino que os requerentes se proponham dar à escritura declaratória da união estável, uma vez obtida, com intervenção do órgão jurisdicional português, a sua revisão e confirmação. 6. Guilherme de Oliveira, A família e os Menores, Enciclopédia Legal, Selecções do Readers Digest, Lisboa, 1987, pág. 19, e Manual do Direito da Família, Almedina, Coimbra, reimpressão, 2021, pág. 354, e Francisco Manuel Pereira Coelho, Filiação, UC, FD, Coimbra, 1978, pág. 123. 7. No sentido de que a revisão e a confirmação da sentença estrangeira que declare a união de facto entre nacional português e estrangeiro não concede automaticamente a nacionalidade portuguesa a este último, mas deverá permitir que este requeira a sua aquisição, Xavier Silva Oliveira, A revisão e a confirmação da sentença estrangeira para aquisição da nacionalidade portuguesa em caso de união de facto, in Lex Familae, Ano 19, n.º 38 (2022), Jurisprudência Crítica, págs. 81 e ss. 8. Por último, v.g., os Acs. de 15.05.2025 (1355/24) e (63/24). 9. Baptista Machado, Lições de Direito Internacional Privado, 3.ª edição, 1992, pág. 359. 10. Acs. do STJ de 14.03.2017 (103/13.1YRLSB.S1) e da RL de 16.01.2014 (103/12.4YRLSB-8), Luís Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, I, 2014, pág. 663 e Apontamentos sobre a impugnação da decisão arbitral, ROA, Ano 2007, vol. III, Dez. 2007, Moura Ramos, Direito Internacional Privado e Constituição, 1991, págs. 251 e 252, Ferrer Correia, A revisão do Direito Internacional Privado, Estudos Vários de Direito, Coimbra, 1982, pág. 300. 11. Baptista Machado, cit. pág. 32. 12. Ferrer Correia, Direito Internacional Privado, Alguns Problemas, 1991, pág. 126. |