Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ANTÓNIO MAGALHÃES | ||
| Descritores: | FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL ACIDENTE DE VIAÇÃO SUB-ROGAÇÃO ACORDO OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR PAGAMENTO | ||
| Data do Acordão: | 06/04/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA E ORDENADA A BAIXA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DA RELAÇÃO PARA APRECIAR AS QUESTÕES QUE FORAM CONSIDERADAS PREJUDICADAS | ||
| Sumário : | I. O Fundo de Garantia Automóvel não está impedido de, preenchidos os pressupostos do art. 48º do DL nº 291/2007 de 21.8, indemnizar as vítimas extrajudicialmente, sem intervenção do responsável civil; II. Paga a indemnização, o FGA fica sub-rogado nos direitos do lesado, podendo pedir ao responsável civil o reembolso do que despendeu na medida da satisfação dada ao direito do credor (lesado) e apenas nessa medida; III. Para fazer jus ao reembolso, em acção judicial, terá o Fundo de fazer a prova dos pressupostos do direito de indemnização do lesado, em confronto com o responsável civil. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça: * Fundo de Garantia Automóvel (FGA), com sede ..., instaurou acção de processo comum, emergente de acidente de viação, contra AA, residente em ..., pedindo: a) Que seja o condutor do veículo de matrícula ..-..-ER considerado civilmente responsável pela produção do acidente em causa; b) a condenação do R. condenado a pagar-lhe a quantia de € 200.000,00, acrescida dos juros legais, contados desde a interpelação (04.07.2018) até efectivo e integral pagamento. Alegou para tanto, e em síntese, a existência de um acidente de viação (atropelamento), cuja dinâmica descreve e imputa a actuação culposa do R., condutor do veículo, alegando que este seguia com uma taxa de álcool no sangue de 0,50 gr/l, e o conduzia sob o efeito de substâncias psicotrópicas e estupefacientes, tendo acusado 30 ng/ml de ácido 11-nor-9-tetrahidrocanabiníco e 1,3 ng/ml, de 11- hidroxi-9.tetrahidrocanabinil. E que este condutor não era titular de qualquer licença de condução para conduzir veículos ligeiros de passageiros e não tinha transferido a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo que conduzia para qualquer seguradora, motivo pelo qual o veículo de matrícula ..-..-ER circulava sem beneficiar de qualquer contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel válido. Acrescentou que, em consequência do acidente, o peão morreu, tendo a A. a pago aos seus únicos e universais herdeiros as indemnizações acordadas e resultantes da parametrização instituída pela portaria da proposta razoável, Portaria 377/2008, de 26 de Maio, com a redacção introduzida pela Portaria 679/2009, de 25 de Junho. Contestou o R., impugnando os factos, alegando a ilegitimidade activa do FGA, a ineptidão da petição inicial e a prescrição do direito. O A. exerceu o contraditório no tocante às excepções arguidas na contestação. Foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial e a excepção de ilegitimidade activa, e relegou para a sentença o conhecimento da excepção de prescrição, tendo-se ainda procedido à selecção da matéria de facto considerada assente e daquela que integrava os temas da prova. Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu: “a) Reconhecer que o condutor do veículo de matrícula ..-..-ER é civilmente responsável pela produção do acidente aqui em causa; b) Condenar o R. a pagar ao A. a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos desde a data da citação e até efectivo pagamento.” Inconformado, apelou o R., apresentando pedindo que a decisão do tribunal a quo seja revogada e substituída por outra que absolva o recorrente do pedido ou, subsidiariamente, da instância. Subsidiariamente, pediu, também, nulidade por falta de fundamentação, e, ainda, subsidiariamente, a nulidade da sentença por ininteligibilidade. Também, subsidiariamente, pediu a revogação e a substituição por outra que reduza a indemnização. Também o A. apelou, pedindo a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, por o tribunal não se ter pronunciado nos termos do artigo 54º nº 1 do Dec. Lei 291/2007 de 21/08. Apreciando os recursos, a Relação proferiu a seguinte decisão: “Termos em que, julgando a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida, absolvendo o apelado R. do pedido de condenação no pagamento da quantia de € 200.000,00 acrescida de juros desde a citação. Sem custas, atenta a isenção de que goza o apelado FGA (artigo 63.º, n.º 1, Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto). O Exmo. Desembargador adjunto formulou, porém, o seguinte voto de vencido: “Não acompanho a decisão. Cumprindo a obrigação (obrigação de indemnização que também sobre si impende, enquanto responsável meramente subsidiário), fica o FGA sub-rogado nos direitos do lesado (seja do lesado directo, seja dos terceiros a quem a lei reconhece o direito à indemnização, como no caso), podendo exigir aos responsáveis civis (pessoas às quais pode ser imputada a responsabilidade pelo evento, objectiva ou subjectivamente) o reembolso do que prestou. A procedência da pretensão sub-rogatória depende da demonstração do cumprimento da obrigação (pelo cumprimento opera-se a modificação subjectiva da relação obrigacional – o lesado é substituído, no lado activo, pelo FGA) e dos demais requisitos da responsabilidade civil extracontratual, não se podendo concluir, quer da definição do regime geral da sub-rogação (art. 589º e seguintes do CC), quer da norma que estabelece o direito sub-rogatório do FGA (art. 54º do DL 291/2007, de 21/08 – note-se que o normativo identifica os obrigados ao reembolso aludindo aos factos geradores da sua responsabilidade, subjectiva ou objectiva, e não ao facto de terem sido já judicialmente condenados solidariamente com o FGA na indemnização), quer da imposição da regra do litisconsórcio necessário passivo nas acções que os lesados intentem para ressarcimento dos danos sofridos, que àqueles requisitos acresce a necessidade de prévio recurso a tribunal ou a necessidade de intervenção dos responsáveis civis em acordo extrajudicial. Em situações como a trazida em apelação (em que o FGA e os lesados outorgam acordo extrajudicial sem intervenção dos responsáveis civis), apenas será de exigir que o FGA demonstre, além do cumprimento da obrigação, todos os requisitos para afirmar a obrigação de indemnizar com base na responsabilidade civil e bem assim que os danos sofridos ascendem ao montante por si pago – podendo, assim, os responsáveis civis defender-se (tal como poderiam fazê-lo se não tivesse acontecido a modificação subjectiva da relação obrigacional), seja no que respeita aos pressupostos necessários para firmar a sua responsabilidade, seja no que concerne ao valor dos danos a indemnizar.” Não se conformou o FGA que veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: “1. O direito de sub-rogação do FGA nasce com o pagamento da indemnização à vítima do sinistro rodoviário. 2. Este direito não está condicionado ao facto de a indemnização a pagar ao lesado seja fixada no confronto com o responsável civil. 3. O FGA, na qualidade de garante da vítima, está legalmente obrigado a ressarcir as vítimas da sinistralidade rodoviárias, sempre que os pressupostos previstos no Dec. Lei 291/2007, de 21 de Agosto assim o imponham. 4. Cumprida esta obrigação, nos termos do disposto no artigo 54.º n.ºs 1 e 3 do referido diploma legal, o FGA fica sub-rogado nos direitos do lesado, cabendo-lhe o direito de reembolso perante os responsáveis civis. 5. Nas acções declarativas de reembolso, basta ao FGA alegar e provar o cumprimento da obrigação perante o lesado e, bem assim, os demais requisitos da responsabilidade civil extracontratual. 6. Na presente acção por responsabilidade civil extracontratual, emergente de acidente de viação, o réu tem ao seu dispor os meios de defesa necessários para impugnar quer os referidos pressupostos de responsabilidade civil extracontratual, quer a própria liquidação e adequação dos danos a indemnizar. 7. Ao não julgar da forma assinalada, o tribunal a quo violou os artigos 49.º, 54.º e 61, todos do Dec. Lei 291/2007 de 21 de Agosto e os artigos 483.º e seguintes do CC, tendo incorrido em erro de julgamento. O réu/apelante/recorrido não contra-alegou. Cumpre decidir: A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: “1. No âmbito do processo n.º 40/16.8..., que correu os seus termos pelo Juízo Local Criminal de ..., transitada em julgado, o R., ali arguido, foi condenado nos termos vertidos na certidão junta aos autos no requerimento com a referência ...28 como documento n.º 11, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 2. No dia 28.02.2016, pelas 01:00 horas, ocorreu um embate na Avenida da Variante, sentido F... - P..., na freguesia de ..., concelho de .... 3. Nele foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros, de marca Honda, modelo Civic, de matrícula ..-..-ER, conduzido pelo seu proprietário, o aqui R. e o peão BB, nascido a ....04.1965. 4. O local caracteriza-se por ser uma reta, apresentando duas vias de circulação, uma para cada sentido de marcha, separadas por uma linha longitudinal contínua – marca M1. 5. Neste percurso existe sinalização vertical, concretamente, um sinal B8, cruzamento com via sem prioridade. 6. O limite de velocidade para a circulação dos veículos naquele local é de 50 km/h. 7. A via onde ocorreu o acidente é em asfalto, estava em razoável estado de conservação, sendo que àquela hora o trânsito era reduzido em ambos os sentidos de marcha. 8. As condições atmosféricas eram boas, encontrando-se o piso estava húmido. 9. A via tinha boa visibilidade e estava iluminada. 10. O peão BB seguia apeado, fora da estrada, paralelamente a esta, na zona de mato, seguindo em direcção à sua residência, sita na Rua ..., freguesia de ..., em .... 11. Nas circunstâncias de tempo e de lugar supra descritas, o condutor do veículo de matrícula ER circulava no sentido F... - F.... 12. Ao entrar na curva à direita existente no local e ao tentar descrevê-la, não conseguiu manter a direcção que seguia dentro da faixa de rodagem e perdeu o controlo do veículo. 13. Ato contínuo, entrou em despiste para o lado direito do seu sentido de marcha, fazendo entrar o veículo na berma da estrada, e depois, na zona de mato existente à beira da estrada e, de forma desgovernada, foi embater com a parte lateral esquerda do mesmo no poste de média tensão em cimento pertencente à EDP, que se encontrava do lado direito da via, fora da estrada, atento o sentido de marcha F... - F.... 14. Ao fazê-lo, o condutor do veículo ligeiro ER fez com que tal poste se partisse parcialmente e caísse sobre o corpo do peão BB, que se encontrava próximo do mesmo, na zona de mato existente à beira da berma da estrada. 15. De seguida, o veículo ER passou por cima de parte dos membros inferiores do peão supra identificado. 16. Não existiram marcas de travagem ou de derrapagem no pavimento. 17. No veículo ER seguiam como passageiros as seguintes pessoas: CC, DD e EE. 18. O veículo atropelante estava equipado com rodas de 15 polegadas no eixo da frente e com dois pneumáticos com as mesmas características, sendo que no eixo de trás, para além dos pneumáticos terem características distintas, o do lado direito tinha 15 polegadas e o do lado esquerdo 14 polegadas. 19. O condutor do veículo atropelante conduzia com uma taxa de álcool de 0,50 gramas de álcool por litro de sangue. 20. Bem como sob o efeito de substâncias psicotrópicas e estupefacientes, tendo acusado 30 ng/ml, de ácido 11-nor-9-tetrahidrocanabiníco e 1,3 ng/ml, de 11- hidroxi-9.tetrahidrocanabinil. 21. Àquela data o mesmo não era titular de qualquer licença de condução para conduzir veículos ligeiros de passageiros. 22. O R. sabia que a segurança do veículo estava comprometida pelo uso no eixo de trás, do lado esquerdo, de pneu com perímetro diferente dos restantes pneus. 23. Em consequência dos factos descritos resultaram para o peão múltiplas lesões crânio encefálicas, torácicas, abdominais e osteoarticulares, nomeadamente: na cabeça, edema/hematoma na região occipital do couro cabeludo; no tórax, grosseiramente deformado, com depressão na região anterior, do hemitorax direito; no abdómen, hematoma extenso na região da fossa ilíaca e na região enginal direitas; na área ano-genital, laceração do prepúcio peniano; no membro superior direito, ferida perfurante com 1,0cm de comprimento na região anterior do ombro, no terço médio da linha do limite anterior do deltóide, deformidade e mobilidade anormal na região proximal do braço por fractura do úmero proximal, deformidade e mobilidade anormal no punho por fractura da extremidade distal dos ossos do antebraço, cm escoriações na região dorsal do antebraço e do punho, escoriações no dorso da mão na região M4, escoriações no dorso dos dedos; no membro superior esquerdo, escoriações no dorso da mão; no membro inferior direito, deformidade da coxa com presença de mobilidade anormal, por fractura de diáfise femoral, na transição do terço médio para o terço distal, fractura exposta dos ossos da perna com exposição da tíbia de 10 cm, através de uma ferida de exposição com dimensões de 15x centímetros, de bordos irregulares, coaptáveis e escoriados, áreas de escoriação na região anterior do terço proximal da perna; no membro inferior esquerdo, fractura dos ossos da perna esquerda, complicada de ferida na região antero externa, do terço distal da perna transversal, com dimensões de 8x5 cm, permitindo a extrusão de tecido muscular lacerado e edemaciado através da ferida. 24. Lesões essas que provocaram a morte do peão BB. 25. O qual deixou como únicos e universais herdeiros o seu cônjuge FF e a sua filha GG. 26. À data dos factos, o R. não tinha transferido a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo que conduzia para qualquer seguradora. 27. O A. chegou a acordo com os herdeiros da vítima mortal quanto ao montante indemnizatório, tendo pago a esses herdeiros os seguintes montantes indemnizatórios, a saber: € 102.780,75 (cento e dois mil, setecentos e oitenta euros e setenta e cinco cêntimos), à herdeira FF; e € 97.219,25 (noventa e sete mil, duzentos e dezanove euros e vinte e cinco cêntimos), à herdeira GG, tudo nos termos vertidos nos documentos nºs. 5 e 6 juntos com a petição inicial e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. 28. Pagamentos esses efectuados entre 18.06.2018 e 25.06.2018. 29. O A. vem suportando despesas com a cobrança do reembolso. Não se provaram os restantes factos, designadamente que: 1. Nas circunstâncias de tempo e de lugar supra descritas, o condutor do veículo de matrícula ER circulava a uma velocidade nunca inferior a 60 km/horários. 2. O R. tivesse sido interpelado em 04.07.2018 para pagar ao FGA o valor de €200.000,00.” O Direito: À questão de saber se o FGA podia acordar o montante da indemnização com as lesadas e, depois, demandar o responsável pelo acidente em sede de sub-rogação, a Relação deu resposta negativa ( com um voto de vencido), concluindo, a partir da conjugação dos art. 54º com o disposto no art. 62º do DL nº 291/2007 que, para que nasça o direito de sub-rogação do FGA relativamente ao condutor causador do acidente, é necessário que a indemnização seja fixada no confronto com aquele organismo, lesados e responsável (eis) civil (is), em sede judicial ou mesmo por acordo, não podendo sê-lo unilateralmente. Para tanto, ponderou que a norma do art. 62º, nº 1 teve em vista permitir um eficaz exercício de direito de sub-rogação vinculando todos os interessados, evitando discussões futuras entre o FGA e o responsável civil, não podendo o FGA celebrar um acordo à revelia do responsável e depois instaurar acção destinada ao exercício do seu direito. Contra este entendimento se insurge o FGA argumentando que a sub-rogação do Fundo é uma sub-rogação legal derivada apenas do cumprimento, ou seja, do pagamento da indemnização ao lesado (art. 592º, nº 1 do CC), que não pode depender da aceitação do devedor, sob pena de fazer perigar a protecção das vítimas. Vejamos. É verdade que o art. 62º do DL nº 291/2007 refere que as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil são propostas contra o Fundo de Garantia e o responsável civil. Isso não significa, porém, que o Fundo de Garantia Automóvel esteja impedido de indemnizar as vítimas extrajudicialmente, sem intervenção do responsável civil. Se o seu papel é o da protecção dos lesados compreende-se mal que não o possa fazer fora da acção judicial sem prévia condenação solidária com o responsável civil. E que, depois, não possa pugnar pelo reembolso das indemnizações pagas e pelo exercício do direito de sub-rogação, se necessário, em acção judicial intentada contra o responsável pelo acidente, em que alegue e prova a responsabilidade deste último. Argumenta-se no acórdão que a norma do art. 62º teve em vista vincular todos os intervenientes, evitando discussões futuras entre o FGA e os responsáveis civis. Isso pressupõe, no entanto, que o lesado se tenha visto obrigado a propor acção destinada a efectivar a responsabilidade civil decorrente do acidente de viação. Nesse caso, terá realmente sentido fazer intervir o responsável e o Fundo, o qual, dessa forma, verá judicialmente estabelecida a responsabilidade dos sujeitos responsáveis pelo acidente. Dessa forma poderá o Fundo exercer, depois, mais facilmente, o seu direito de sub-rogação. Mas, repetindo, isso não quer dizer que esteja vedado ao Fundo a possibilidade de satisfazer a indemnização devida ao lesado, imediatamente, sem aguardar que este o demande em acção destinada a efectivar a responsabilidade civil do responsável pelo acidente. O art. 54º do DL nº 291/2007 não impõe que a sub-rogação do Fundo nos direitos do lesado só possa ser exercida, mediante acção, depois de prévia decisão judicial que reconheça esses direitos. Satisfeita a indemnização, ainda que por via extrajudicial (via que a lei na sua letra não exclui), o FGA fica sub-rogado nos direitos do lesado (art. 54º, nº 1 do DL nº 291/2007). Ora, tal sub-rogação quadra-se com o disposto no art. 592º, nº 1 do CC: “ Fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito do crédito. “ Assim, para o terceiro cumprir no lugar do devedor, não é necessária uma sentença judicial, que defina o direito do credor (vítima). O facto constitutivo da sub-rogação (transmissão de um direito de crédito do credor para o terceiro) reside apenas no cumprimento da obrigação por terceiro (Tiago Azevedo Ramalho, CC anotado, coord. Ana Prata, volume I, 2017, pág. 759), desde que o solvens tenha garantido o cumprimento (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume II, reimpressão da 7ª edição, págs. 344). Sucede que, no caso, o FGA é um garante do cumprimento da obrigação do responsável civil (cfr. Ac. STJ de 16.11.2017, proc. 533/09.3TBALQ.L1.S1, em www.dgsi.pt). Por isso, pode cumprir no lugar do devedor (responsável civil), para o que não necessita do consentimento deste. Como afirma Antunes Varela, a sub-rogação é independente da vontade do devedor (ob. cit., págs. 343 e 350). Para a eficácia da sub-rogação legal não é necessária, pois, qualquer declaração por parte do devedor (ou do credor) que sub-rogue o autor da prestação nos direitos do credor (Tiago Azevedo Ramalho, ob. cit., pág. 764). Revertendo ao caso sub judice, verifica-se que o facto constitutivo da sub-rogação reside, assim, na satisfação da indemnização dos danos sofridos pelos lesados. Um dos efeitos decorrentes dessa sub-rogação consiste no reembolso daquilo que o FGA despendeu (art. 54º, nº 3 do DL nº 291/2007). Mas, como decorre do art. 593º do CC, o FGA só terá direito ao reembolso na medida da “satisfação” (que não é necessariamente judicial) dada ao direito do credor. Não tendo sido definida judicialmente, é óbvio que a responsabilidade do lesante/demandado só poderá ser aferida na presente acção. Para fazer jus ao reembolso, terá o Fundo de fazer a prova dos pressupostos do direito de indemnização do lesado, em confronto com o responsável civil, que terá, pois, toda a possibilidade de exercer o contraditório. A final, se a indemnização paga pelo Fundo, em resultado do acordo, se revelar excessiva, parece manifesto que a sub-rogação pelo Fundo dos direitos dos lesados só poderá dar-se na medida da responsabilidade do demandado, não podendo por, conseguinte, o FGA exigir deste último o reembolso do valor que excede o crédito dos lesados. A Relação escreveu o seguinte: “O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC ), consubstancia-se em saber se estão reunidos os pressupostos para o exercício da sub-rogação pelo FGA, cuja resposta condicionará a apreciação das demais questões suscitadas: — apelação da A.: — nulidade da sentença por omissão de pronúncia; — apelação do R.: — prescrição; — falta de fundamentação da sentença; — montante da indemnização.” Debruçando-se sobre os pressupostos para o exercício da sub-rogação pelo FGA, concluiu que: “para que nasça o direito a sub-rogação é necessário que a indemnização seja fixada no confronto com o FGA, lesados e responsável (eis) civil (is), não podendo sê-lo unilateralmente”; sendo que “a procedência deste segmento do recurso prejudica a apreciação das demais questões suscitadas pelo apelado R. e do recurso do FGA (…) “ (quererá dizer-se apelante R.) Ou seja: a Relação em face da sua própria decisão, que agora se revoga, considerou prejudicadas as demais questões suscitadas. Tendo sido expressamente excluída no art. 679º do CPC a aplicação remissiva do estabelecido no art. 665º do mesmo diploma, designadamente do nº 2, está o Supremo Tribunal de Justiça impedido de agir como tribunal de substituição, devendo, nos casos em que a Relação deixou de conhecer de determinadas questões, por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, remeter os autos ao mesmo Tribunal (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, págs. 425-426 e 440-441). Assim, é à Relação que compete conhecer das questões que considerou prejudicadas. Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC): “1. O Fundo de Garantia Automóvel não está impedido de, preenchidos os pressupostos do art. 48º do DL nº 291/2007 de 21.8, indemnizar as vítimas extrajudicialmente, sem intervenção do responsável civil; 2. Paga a indemnização, o FGA fica sub-rogado nos direitos do lesado, podendo pedir ao responsável civil o reembolso do que despendeu na medida da satisfação dada ao direito do credor (lesado) e apenas nessa medida; 3. Para fazer jus ao reembolso, em acção judicial, terá o Fundo de fazer a prova dos pressupostos do direito de indemnização do lesado, em confronto com o responsável civil.” Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em conceder a revista, revogar o acórdão recorrido e determinar a remessa dos autos à Relação para conhecimento das questões suscitadas nas apelações e consideradas prejudicadas. Custas pela parte vencida a final. * Lisboa, 4 de Junho de 2024
António Magalhães (Relator) Jorge Arcanjo Manuel Aguiar Pereira |