Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
258/09.0TNLSB-C.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: INTERPRETAÇÃO DE SENTENÇA
TÍTULO EXECUTIVO
JUROS DE MORA
EMBARGOS DE EXECUTADO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
EXCESSO DE PRONÚNCIA
EMPRESA COMERCIAL
SEGURADORA
Apenso:
Data do Acordão: 12/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. A decisão proferida em demanda judicial constitui um verdadeiro acto jurídico formal, a que se aplicam (por analogia) as regras que disciplinam a interpretação do negócio jurídico formal.

II. A habitual condenação na sentença, por recurso à expressão “juros legais “, sem outro elemento referencial, significa que são os juros aplicáveis às operações civis.

III. O pagamento de uma indemnização emergente de responsabilidade civil extracontratual deve ser sancionado, na falta de convenção em contrário, com a aplicação de taxa de juros civis e não da taxa de juros a que se refere o § 3.º do art.º 102.º do Código Comercial, ainda que o credor e os devedores sejam empresas comerciais, como são as seguradoras.

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes na 2ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. Em apenso à execução para pagamento de quantia certa que Lusitânia, Companhia de Seguros, SA1 move contra, Fidelidade – Companhia de Seguros, SA e P..., S.A., deduziu a primeira, oposição por embargos de executado e oposição à penhora.

Alegou, em síntese, o seguinte:

- Inexiste título para os reclamados juros de mora à taxa aplicável aos juros comerciais, sendo os juros legais os civis;

- A causa de pedir e o pedido na acção declarativa que precedeu a execução assentam na responsabilidade civil extracontratual da executada P..., S.A., pelo que o pedido de juros comerciais viola o disposto no artº 2º, nº 2 do DL n.º 62/2013, de 10 de maio.

Pelo que, excedendo o valor devido pela embargante, pugna pela procedência dos embargos, e levantadas as penhoras efetuadas que incidem sobre contas bancárias das quais a ora oponente seja titular, ou sem conceder, a sua substituição pela penhora de uma só conta bancária.

Na contestação a exequente sustentou em adverso que dispõe de título suficente, devendo a oposição improceder.

2. Dispensada a realização de audiência prévia, proferiu-se sentença que julgou os embargos improcedentes e determinou o prosseguimento da execução para pagamento da quantia exequenda, que respeita aos juros de mora comerciais em dívida.

3. Contra o assim decidido, apelou a embargante, vindo o Tribunal da Relação de Lisboa a julgar procedente o recurso, conforme dispositivo que se transcreve:

«Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida, substituindo-a por outra a julgar procedentes os embargos de executado, consignando-se que o título executivo apenas abarca os juros civis (já pagos), e determinando a extinção da execução e o levantamento das penhoras efetuadas das contas bancárias da executada.»

4. A Revista

Inconformada, agora, a embargada e exequente interpôs recurso de revista, pedindo a revogação do acórdão que considerou que o título executivo apenas abarca os juros civis (já pagos), com as demais consequências da extinta da execução e, levantamento das penhoras.

Formulou, para tanto, as conclusões que passamos a transcrever:

«I – A Recorrida Fidelidade, nas Conclusões de recurso, não suscita a questão da falta ou inexistência do título executivo (cfr. artigo 729º, alínea a) do CPC), pelo que, salvo melhor opinião, estava o Tribunal a quo impedido de conhecer desta matéria pois só a ‘manifesta falta ou insuficiência do título’ é matéria de conhecimento oficioso (artigos 726º nº 2, alínea a) e 734º, ambos do CPC), de modo que, tendo-o feito, laborou em excesso de pronúncia (artigo 615º nº 1, alínea d), 2ª parte, do CPC). II – É certo que para apreciar se o título executivo abrange juros de mora à taxa legal comercial, a interpretação da respectiva decisão judicial terá que recorrer às regras de interpretação dos negócios jurídicos (artigos 236º nº 1 e 238º nº 1 do Código Civil) completadas, eventualmente, pelas regras previstas para a interpretação das leis (artigo 9º nºs 2 e 3 do Código Civil),

III – Porém, essa interpretação não pode assentar exclusivamente no teor literal, nem se limitar apenas à consideração da parte decisória ou dispositivo da Sentença/Acórdão, como fez a Decisão recorrida,

IV – A interpretação da Sentença/Acórdão terá que atender ao pedido, à causa de pedir, à fundamentação de facto e de direito (nomeadamente, o percurso argumentativo expresso a partir da exposição dos factos integrantes da causa de pedir que tenham resultado provados), bem como ao contexto e antecedentes lógicos da Sentença e demais elementos que se revelem pertinentes, para definir o conteúdo e alcance do título executivo.

V – O Acórdão recorrido, porém, diversamente do que sucedeu com a Sentença de Embargos proferida pelo Tribunal Marítimo de Lisboa, na interpretação que fez do título executivo, limitou-se a uma mera análise da sua parte decisória/dispositivo e do pedido formulado na acção declarativa (e este de forma incorrecta),

VI – O Acórdão recorrido analisou erradamente o pedido formulado (cfr. infra), e não averiguou sequer os demais elementos de interpretação que permitiam uma adequada exegese do título executivo, designadamente, a causa de pedir formulada na acção declarativa, a fundamentação (motivação) da decisão, o seu contexto e antecedentes lógicos e os demais elementos pertinentes,

VII – A ora recorrente, peticionou juros à respectiva taxa legal, pelo que não se pode concluir que os juros peticionados foram os juros civis, devendo antes entender-se, em conjugação com os factos que constituem a causa de pedir, que estávamos perante uma relação mercantil entre empresas comerciais no âmbito da qual foram sofridos danos a cuja ressarcibilidade acrescem os juros à respectiva taxa legal aplicável (juros comerciais).

VIII – Da causa de pedir resulta que os intervenientes S..., Lda e P..., S.A. são comerciantes (cfr. artigo 13º nº 1 e 2 do Código Comercial), e que foi praticado um acto de comércio no exercício da actividade profissional daquelas entidades (contrato de compra e venda/fornecimento de combustível à embarcação “M.. .......”), em execução do qual se causaram danos à embarcação devido ao seu afundamento parcial,

IX – Pelo que dúvidas não podem subsistir quanto à natureza mercantil da situação aqui em causa e, consequentemente, que os “juros à respectiva taxa legal” peticionados se devem considerar com sendo os juros comerciais.

X – Da fundamentação (motivação) do Acórdão que constitui o título executivo resulta a existência de uma actividade comercial de venda de combustível desenvolvida pela P..., S.A. mediante a exploração do posto de combustível existente no porto de ... destinado ao abastecimento de embarcações de pesca, bem como a celebração de um contrato de compra e venda de combustível com o armador da embarcação “M.. .......”, em cuja execução a P..., S.A. incumpriu os deveres obrigacionais de protecção e informação, causando danos ao património do seu cliente (cfr. enunciado na douta Sentença de Embargos),

XI – O contrato de compra e venda de combustível celebrado é um contrato objectivamente comercial, pois a P..., S.A. procedeu à venda de combustível (adquirido para revenda) à S..., Lda (cfr. artigos 2º, 1ª parte, e 463º nºs 1 e 3, ambos do Código Comercial), tendo o combustível adquirido sido afecto à actividade profissional desta última (cfr. douta Sentença de Embargos);

XII – A segurada da Recorrente LUSITANIA, a S..., Lda, bem como a P..., S.A., são comerciantes, pois ambas são sociedades comerciais que exercem profissionalmente a actividade mercantil (cfr. artigo 13º nºs 1 e 2 do Código Comercial e artigo 1º do Decreto nº 20.677, de 28 de Dezembro de 1931 onde se dispõe que “são consideradas comerciais as empresas (...) já constituídas (...) para o exercício da pesca") – cfr. douta Sentença de Embargos;

XIII – Termos em que só se poderá concluir estarmos perante um acto comercial (contrato de compra e venda/fornecimento de combustível) praticado por empresas comerciais (comerciantes), cujo incumprimento deu lugar à responsabilidade contratual de ressarcir os danos causados (na medida da respectiva responsabilidade), bem como “os juros calculados à taxa legal desde a citação”,

XIV – A obrigação de pagamento de juros legais, em face da interpretação do Acórdão que constitui o título executivo, do qual resulta de forma inequívoca a natureza comercial da relação contratual (ou mesmo que se entenda extracontratual), só poderá ser interpretada como dizendo respeito aos “juros moratórios legais” comerciais.

XV –No que respeita ao contexto e antecedentes lógicos da Sentença e os demais elementos pertinentes para a interpretação temos que:i)A ocorrência em causa nos autos (encalhe parcial da embarcação "M.. .......") constitui um acontecimento de mar (encalhe) e os danos daí resultantes são considerados avarias marítimas (cfr. artigo 13º nº 1 e 2 do Decreto-Lei nº 384/99, de 23 de Setembro e artigos 634º e seguintes do Código Comercial), tudo matérias especialmente reguladas em legislação comercial (cfr. artigo 2º, 1ª parte do Código Comercial).ii) A Recorrida Fidelidade teve oportunidade de se defender do pedido e da causa de pedir formulados pela ora Recorrente LUSITANIA na acção condenatória, tendo invocado como sua defesa (replicando a Contestação da sua segurada P..., S.A.), a barataria do capitão, a qual constitui uma figura jurídica típica do Direito Comercial Marítimo (artigo 604º § 1 do Código Comercial). iii) A própria competência especializada do Tribunal em que foi proposta a acção declarativa que deu azo ao título executivo (Tribunal Marítimo de Lisboa), assenta, no essencial, sobre matérias de direito comercial marítimo (relativas a actos de comércio),

XVI – O título executivo, interpretado no seu conjunto e atendendo também ao seu contexto e antecedentes lógicos e demais elementos pertinentes, permite inferir a natureza comercial da obrigação dele constante e, consequentemente, que os juros calculados à taxa legal a que faz referência tenham que ser entendidos como “juros moratórios legais (...) relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais.”

XVII – Contrariamente ao invocado pelo Acórdão recorrido, a Sentença de Embargos não proferiu uma decisão destinada a dirimir uma questão de direito material sobre o tipo de juros a aplicar, mas antes limitou-se a proceder a uma interpretação do título executivo;

XVIII – O Tribunal a quo, ao não atender à matéria de facto provada no título executivo que deriva da causa de pedir invocada, nem à fundamentação (motivação) do mesmo, ao seu contexto e antecedentes e demais elementos pertinentes, tudo circunstâncias que devia considerar para efectuar uma cabal interpretação do título executivo, com a “desculpa” de que se o fizesse estaria a averiguar se havia razões de direito substantivo para o dispositivo da Sentença/Acórdão contemplar a condenação a título de juros comerciais violou as regras de interpretação de uma Sentença/Acórdão (artigos 9º nºs 2 e 3 e 236º nº 1 e 238º nº 1, todos do Código Civil).

XIX – Por não atender a todos esses elementos de interpretação da Sentença/Acórdão, o Tribunal a quo não logrou efectuar uma interpretação cabal e adequada do sentido material do que foi decidido no título executivo, contrariamente ao que havia sido feito, de forma absolutamente acertada pela douta Sentença de Embargos), laborando, assim, em erro de julgamento, XX – Uma interpretação cabal do título executivo, recorrendo a todos os elementos de interpretação, permite concluir, como o fez a Sentença de Embargos do Tribunal Marítimo, que a conduta das partes advém de contratos celebrados no âmbito de actividades comerciais e entre sociedades mercantis e que a condenação no pagamento de juros legais terá que se referir aos juros legais comerciais.

XXI – Foram pedidos juros à respectiva taxa legal, tendo por base uma causa de pedir de natureza comercial e comercial-marítima, pelo que a menção constante do dispositivo da Sentença/Acórdão de “juros calculados à taxa legal” deverá ser interpretada tendo em consideração o pedido e causa de pedir formulados e, portanto, significar juros legais de natureza comercial.

XXII – Quanto ao invocado princípio do pedido e respectiva disponibilidade da relação material controvertida, embora se admita que o pedido deduzido na petição inicial poderia ter sido mais claro, resulta evidenciado da conjugação do mesmo (“juros, à respectiva taxa legal”) com a causa de pedir formulada de natureza comercial e comercial-marítima que estavam em causa juros de mora comerciais,

XXIII – Pelo que é manifesto que não existiu qualquer renúncia aos juros de mora comerciais, ainda que implicitamente e, salvo melhor opinião, não havia qualquer motivo para a Autora proceder a uma ampliação do pedido, se não havia nada a ampliar.

XXIV – O segmento decisório do título executivo, porque devia ser conjugado com a matéria de facto considerada provada e com a fundamentação (motivação) exposta no título executivo não se mostrava ambíguo e, muito menos, ininteligível.

XXV – Tanto são juros de mora legais os civis como os comerciais, verificando-se, aliás, uma prevalência de aplicação da regra do artigo 102º § 3º e 4º do Código Comercial comerciantes e dos actos de comércio) em face da regra geral do artigo 559º do Código Civil.

XXVI – Não pode aceitar-se a invocação feita pelo Acórdão recorrido de que na prática judiciária a referência a juros de mora à taxa legal tem o significado de juros à taxa civil, devendo assim ser interpretada a parte dispositiva do título executivo, quando, no presente caso, o pedido formulado (juros, à respectiva taxa legal), a causa de pedir e os respectivos factos dados como provados, a fundamentação/motivação do título, permitem sustentar, que estavam em causa os juros comerciais.

XXVII – De resto, em face da competência especializada do Tribunal em que foi proposta a acção declarativa que deu azo ao título executivo (Tribunal Marítimo de Lisboa), cuja competência, assenta, no essencial, sobre matérias de direito comercial marítimo), a defender-se uma prática judiciária quanto à referência a juros de mora à taxa legal, sempre seria a de considerar juros moratórios legais os juros comerciais.

XXVIII – O Tribunal a quo invoca, também, que nunca tendo sido debatida a questão da natureza civil ou comercial dos juros de mora legais na acção declarativa, que esta questão não podia ser discutida em sede de execução,

XXIX – Ora, o Tribunal de Execução (Tribunal Marítimo de Lisboa) não está impedido de proceder à interpretação do título executivo, interpretação da qual resultou, conforme se deixou acima evidenciado, “que o Acórdão dado à execução se refere aos juros legais comerciais”, XXX – E, se a questão dos juros comerciais não foi objecto de discussão na acção declarativa (conforme invocado no Acórdão recorrido) foi porque as RR. nunca suscitaram essa questão, conformando-se com a causa de pedir de natureza comercial e comercial-marítima alegada e o correspondente pedido de juros à respectiva taxa legal. XXXI – A aplicação do artigo 237º do Código (que, salvo melhor opinião, não poderá ser invocada para a interpretação de uma Sentença/Acórdão de condenação em sede de responsabilidade civil contratual) supõe a existência de dúvidas acerca do sentido da declaração (Sentença/Acórdão), dúvidas que, sendo utilizados todos os elementos de interpretação, não existem no presente caso.

XXXII – E, ainda que se entenda que a interpretação do título executivo não permite considerar que se encontram abrangidos pela condenação os juros de mora comerciais, o que não se concede e se aduz por dever de patrocínio, mesmo assim, devem considerar-se, por força de lei, abrangidos pelo título executivo os juros de mora à taxa legal da obrigação constante do título (artigo 703º nº 2 do CPC).

XXXIII – Os juros de mora, à taxa legal, da obrigação constante do título podem ser exigidos na acção executiva (mediante pedido executivo de juros) porque se consideram abrangidos pela condenação (verificando-se uma ampliação aos juros de mora da força executiva conferida à sentença),

XXXIV – O disposto no artigo 703º nº 2 do CPC constitui uma excepção ao enunciado no artigo 10º nº 5 do CPC (existe aqui uma intenção clara do legislador de abrandar as exigências formais relativas à exigência de título executivo em detrimento do aspecto substantivo de que os juros moratórios resultam de forma automática da lei).

XXXV – Assim, considerando a obrigação constante do título executivo (pagamento de indemnização pelos danos causados em face do incumprimento de contrato de compra e venda/fornecimento de combustível à embarcação “M.. .......” celebrado entre comerciantes) sempre teria que se considerar que seriam devidos os respectivos juros de mora à taxa legal, os quais, em face dessa obrigação, são os juros de natureza comercial que se encontram expressamente previstos na lei para os casos de prática de actos comerciais e de créditos de que sejam titulares empresas comerciais (artigo 102º, corpo e § 3º e 4º do CCom). XXXVI – Pelo que, também por este motivo, nunca poderia aceitar-se o disposto no Acórdão recorrido de que o título executivo tem como limite os juros moratórios à taxa civil, e que não existe título executivo que legitime a cobrança coactiva dos juros moratórios à taxa legal comercial, pois mostra-se claro que a ora Recorrente dispõe, por força do disposto no artigo 703º nº 2 do CPC, de título executivo para a cobrança de juros moratórios legais da obrigação dele constante (juros de mora comerciais),

XXXVII – Resultando os juros moratórios de forma automática da lei, não existindo uma decisão de absolvição do pedido (formulado) de juros, estes devem ser considerados na execução de sentença, desde que seja deduzido o respectivo pedido executivo de juros (assegurando-se, assim o princípio do pedido), mostrando-se, também, garantido o princípio do contraditório em face da impugnação que a Executada pode fazer da liquidação de juros;

XXXVIII – Porém, mesmo que assim não se entenda, o que não se concede, sempre poderiam ser exigidos na presente Execução a parte correspondente aos juros de mora comerciais vencidos após a prolação da sentença na acção declarativa (cuja condenação no pagamento de juros foi confirmada pelo Acórdão da Relação de Lisboa), os quais se considerem abrangidos pelo título executivo em razão da obrigação dele constante.

XXXIX – O Acórdão recorrido, tendo decidido como decidiu, violou, entre outras disposições legais, os artigos 9º nº 2 e 3 e 236º nº 1 e 238º nº 1 do CC) artigo 102º § 3º e 4º do Ccom e artigo 703º nº 2 do CPC.»


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Na resposta o embargante refuta amplamente os fundamentos do recurso, e pugna assim pela sua improcedência e confirmação do julgado do Tribunal da Relação.

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O Tribunal da Relação em acórdão tirado em Conferência, indeferiu as suscitadas omissões de pronúncia (artigo 666º, nº2, do CPC).

II. Objecto do Recurso

Estão verificados os pressupostos gerais de recorribilidade; o acórdão revogatório proferido sobre o mérito dos embargos de executado e os fundamentos da impugnação, admite revista, em consonância com o disposto no artigo 629º, nº1 ex vi artigo 679º, e artigos 671, nº1 e 674º, nº1, al) a e c) e 854º, todos do CPC.

Da análise das conclusões acima transcritas, em interface com o acórdão recorrido - arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC- identificamos as seguintes questões controvertidas para apreciar:

• Se o acórdão impugnado incorreu no vício da nulidade por excesso de pronúncia;

• Se o título executivo- sentença judicial- inclui juros de mora civis ou juros de mora comercias.

III. Fundamentação

A. Factos

As instâncias destacaram, com relevo, os seguintes factos provados:

a) O título executivo é constituído por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, além do mais, condenou a ‘Fidelidade Companhia de Seguros, SA.’ no pagamento da quantia de €299.528,50, acrescida de juros calculados à taxa legal desde a citação da Ré P..., S.A. até integral pagamento.

b) A exequente, Autora nos autos principais - ‘Mutuamar – Mútua de Seguros dos Armadores da Pesca de Arrasto’ é uma companhia de seguros.

c) A P..., S.A., é uma empresa que, entre outras, comercializa petróleo bruto e seus derivados.) A sociedade ‘S..., Lda’ é uma empresa que se dedica à atividade piscatória e é a proprietária da embarcação de pesca costeira ‘M.. .......’.

e) A ‘S..., Lda’ celebrou com a Mutuamar (atual Lusitânia) um contrato de seguro do ramo marítimo.

f) A pedido do armador, a ‘S..., Lda’ solicitou à P..., S.A. o fornecimento de gasóleo corado, e esta aceitou fornecer-lhe.

g) O abastecimento da embarcação ‘M.. .......’, por indicação de um funcionário da P..., S.A. teve lugar no cais do posto de abastecimento, explorado pela P..., S.A., na doca dos pescadores, no porto de ....

h) A P..., S.A. não garantiu as condições necessárias para que a embarcação ‘M.. .......’ pudesse efetuar o abastecimento de combustível e posteriormente sair do cais, em segurança, tendo contribuído para o afundamento do arrastão.

i) A P..., S.A. celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil com a Fidelidade e esta foi interveniente principal nos autos principais.

j) No RI de execução, a exequente alegou, para além do mais: “1. - O título executivo (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa) condenou a 1ª R. P..., S.A. no pagamento da quantia de € 150.000,00, acrescida de juros calculados à taxa legal desde a citação deste até integral e efetivo pagamento.

2 - E condenou a 2ª R. Fidelidade no pagamento da quantia de € 299.528,50, acrescida de juros calculados à taxa legal desde a citação da 1ª R. até integral pagamento.

3 - A 2ª R. veio, em seu nome próprio e em nome e por conta da 1ª R. P..., S.A. proceder ao pagamento da quantia de € 653.035,59, correspondendo €449.528,50 a capital e €203.507,09 ao valor dos juros de mora calculados à taxa civil desde a citação da 1ª R. P..., S.A. (em 16 de setembro de 2009) até 20 de Novembro de 2020 (cfr. Declaração de quitação parcial que se junta com Documento nº 1). …”2

B. O Direito

1. Nulidade - excesso de pronúncia

A recorrente entende que o acórdão laborou em excesso de pronúncia ao apreciar a questão da falta de título executivo (cfr. artigo 729º, alínea a) do CPC), matéria que a ora recorrida não suscitara e não ser matéria de conhecimento oficioso, que apenas reporta à ‘manifesta falta ou insuficiência do título’ (artigo 726º nº 2, alínea a) e 734º, ambos do CPC).

Em traço breve, a nulidade apontada em desfavor do acórdão impugnado traduz-se na violação do dever de o tribunal decidir nos limites traçados pelas partes, assente na causa de pedir e pedidos, salvo matéria de apreciação oficiosa, em pleno funcionamento do princípio do dispositivo - artigo 615.º, n.º 1, d), 2ª parte ex vi artigo 608º, nº2, in fine 666.º, n.º 1, do CPC.

Na apreciação do objecto da apelação e em economia de meios, o Tribunal da Relação sufragou e remeteu para a fundamentação do acórdão anterior proferido em outro apenso de embargos ao processo de execução “sobre a mesma questão - se o título executivo abarca os juros comerciais ou apenas os juros civis “.

Seguiu-se a análise crítica dos elementos do caso e a argumentação adicional para concluir, que o título executivo apenas abarca os juros civis - «Em conclusão, procede a apelação, devendo revogar-se a sentença recorrida, e substituí-la por outra que julgue procedentes os embargos, consignando-se que o título executivo apenas abarca os juros civis (já pagos), e determine a extinção da execução e ordene o levantamento das penhoras efetuadas das contas bancárias da executada.» 3

Da análise, quer do texto transcrito daquele acórdão, seja da motivação que o caso espécie suscitou, não surpreendemos a referência à “falta de título”, ou remissão para o artigo 729º, nº1, al) a do CPC.

Mesmo que assim não fosse, a alegação do direito pelas partes não vincula o tribunal, que deverá fundamentar a decisão no enquadramento jurídico -normativo que ao caso repute adequado, observado o princípio do contraditório que aqui não se questiona – artigo 5.º, n.º 3, do CPC- o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”,

Princípio afirmado com persistência por este Supremo Tribunal de Justiça, tal como em síntese preclara dita o sumário do Acórdão do STJ de 16-02-2023 tirado nesta secção:4

«I. O artigo 5.º, n.º 3, do CPC dá expressão à ideia ou regra conhecida como “iura novit curia”, ou seja, de que o juiz conhece (todo) o direito.

II. Nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, o julgador não está circunscrito às alegações das partes no que toca à indagação, à interpretação e à aplicação das regras jurídicas aplicáveis. III. Sempre que o enquadramento jurídico realizado pelo tribunal se contenha dentro dos limites da factualidade essencial alegada e seja adequado ao efeito prático-jurídico pretendido, pode o tribunal realizá-lo, posto que as partes tenham tido oportunidade de se pronunciar sobre ele, sendo poder-dever do julgador proceder à requalificação ou reconfiguração normativo-jurídica do caso quando cumpridas aquelas condições.»

Na doutrina e em confluência, v.g. - Rui Pinto, que ela “trata dos poderes do tribunal quanto à matéria de direito. O princípio é o da competência autónoma para indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, o que configura uma expressão do princípio da oficiosidade quanto à matéria de direito (…). No entanto, esta regra tem no respeito pela proibição de decisões-surpresa um limite absoluto (…). Por isso, por ex., se o autor pede a condenação do réu no pagamento de uma quantia a título de indemnização, não pode o juiz decretar essa condenação como restituição de enriquecimento sem causa sem ouvir as partes”.5

A recorrente que, naturalmente, discorda do sentido decisório do acórdão, s. d.r, não tem presente o distinguo entre nulidades da sentença-acórdão previstas no artigo 615.º do CPC, que configuram deficiências estruturais da própria decisão, e o erro de julgamento, resultante do erro na subsunção jurídica, ou do erro na interpretação o que o resolverá adiante.

Improcede este fundamento da revista.

2. Erro de julgamento – juros de mora e a taxa legal

Vêm os embargos a revista para apurar se os juros de mora a pagar à exequente Lusitânia SA, devem ser calculados à taxa anual aplicável à generalidade das obrigações civis, ou os juros de mora à taxa anual aplicável em relação aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais.

O título executivo dado à execução corresponde ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido na acção declarativa, que culmina para o que importa no seguinte dispositivo - «b. Improcedente o recurso interposto pela Ré BB, mantendo-se a condenação da mesma a pagar à Autora a quantia de €150.000, acrescida de juros calculados à taxa legal desde a citação até integral pagamento.» 6

O Tribunal da Relação concluiu que da interpretação de todos os elementos do processo, à luz dos preceitos que disciplinam a interpretação da declaração negocial, e o contributo da experiência judiciária, a expressão “juros à taxa legal” corresponde aos juros de mora civis.

A recorrente dissente ao sustentar, no essencial, que o acórdão recorrido na definição e alcance do conteúdo do acórdão condenatório não atendeu, como devia, à causa de pedir à fundamentação de facto e de direito, nomeadamente, o percurso argumentativo expresso a partir da exposição dos factos integrantes da causa de pedir e provados, que conduzem a diferente conclusão, i.e, que estão em causa juros comerciais.

O tema controvertido mereceu por parte da Relação tratamento exaustivo, com transposição de vasta jurisprudência respeitante a casos análogos, para não dizer, sobrepostos, como resulta do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa para o qual remeteu em parte, e proferido em outro apenso de embargos à execução de sentença dos autos.

Pouco teremos a acrescentar, acompanhando o sentido da interpretação veiculado pelo tribunal a quo.

Sublinhemos alguns tópicos preponderantes.

Parece consensual que a decisão proferida em demanda judicial constitui um verdadeiro acto jurídico formal, a que se aplicam (por analogia) as regras que disciplinam a interpretação do negócio jurídico formal– artigo 236º, nº1 e 238º, nº1, do Código Civil, em conformidade com as regras da interpretação da lei do artigo 9º do CC, reportará ao sentido extraído pelo normal declaratário e deverá ter correspondência mínima no seu texto.

A orientação consistente na jurisprudência deste Supremo Tribunal em torno do significado da habitual condenação na sentença, por recurso à expressão “no pagamento de juros à taxa legal”, quando desprovida de outro referencial,( como seja a abordagem /discussão da matéria no processo, ou o específico pedido do Autor, não por ser uma empresa comercial, que indiciem o contrário e se limitou a pedir “juros legais”), os juros que podem ser objeto de execução, são os que decorrem da aplicação do artigo 559.º do CC; ou seja, os juros de mora às taxas aplicáveis às operações civis, não competindo na execução/embargos debater se na acção declarativa estavam presentes os requisitos para o pedido dos juros comerciais.

Entre os mais recentes arestos, destacamos o Acórdão do Supremo do Tribunal de Justiça de 19.03.2024, tirado nesta secção, justamente, no apenso (D) de embargos deduzidos pela co -executada P..., S.A., tendo subjacente a mesma sentença/acórdão em execução do caso em análise, e embargada a co executada P..., S.A..7

Ao diferendo suscitado sobre o alcance da expressão - Juros legais a liquidar sobre a quantia devida, naquele aresto, após a avaliação de todos os indicadores do processo declarativo e título executivo, concluiu-se que os juros de mora correspondem aos juros de mora às taxas aplicáveis a operações civis.8

Já anteriormente o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 27.09.2022 decidiu sobre esta questão no mesmo sentido.9

Ajuizamos, por conseguinte, aquele mesmo título - sentença/acórdão- dado à execução e subjacente à acção declarativa, na qual a Autora Mutuamar – Mútua de Seguros dos Armadores da Pesca de Arrasto, que transmitiu os seus activos e passivos à Lusitânia, Companhia de Seguros, S.A, veio instaurar execução contra Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. e P..., S.A., visando, além do mais, obter desta última executada o pagamento do quantitativo de € 55.749,42.

Desde logo, o título executivo não permite inferir que esteja em causa o pedido de juros comerciais ou que a sentença/acórdão a tal vinculasse a executada.

O pedido de juros à taxa comercial não foi formulado na acção, matéria da disponibilidade das partes; note-se que a embargante não recorreu do acórdão que serve de título em execução, não arguiu nulidade processual, nem formulou ampliação de pedido. 10

De outro passo, a discussão ora suscitada acerca da natureza comum ou comercial dos juros de mora devidos pela executada Fidelidade, gerada pela concretização do risco por ela assumido através de um contrato de seguro celebrado com a Ré/segurada no pagamento da indemnização em que foi condenada, configura, a nosso ver, matéria que teria de ser discutida na acção declarativa, e da qual não cabe indagar no âmbito da oposição à execução.

Sempre se dirá, porém, que em nosso entender, o pagamento de uma indemnização emergente de responsabilidade civil extracontratual deve ser sancionada, na falta de convenção em contrário, com a aplicação de taxa de juros civis e não da taxa de juros a que se refere o § 3.º do art.º 102.º do Código Comercial, ainda que o credor e os devedores sejam empresas comerciais, como são as seguradoras ; ou dito de outra forma, o atraso no cumprimento da obrigação de indemnização e da função substancial atribuída ao capital indemnizatório, (prestação pecuniária) é reparado pelo adicional de juros de mora -art.º 806.º- que na ausência de elemento diverso , corresponde supletivamente aos juros legais civis, previstos no artigo 559.º do Código Civil.

Acresce outro elemento a ter em conta.

O Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17.2, em cumprimento da Directiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, alterou a redação do art.º 102.º do Código Comercial, que expressamente excluiu do seu âmbito de aplicação “os juros relativos a outros pagamentos que não os efectuados para remunerar transacções comerciais” (alínea b) do n.º 2 do art.º 2º do Dec.-Lei n.º 32/2003) e “os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros” (alínea c) do n.º 2 do art.º 2.º).

Por último, o argumento da abrangência dos juros de mora à taxa supletiva comercial por apelo o artigo 703º, nº2, do CPC que dispõe - «consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante».

Conforme se precisou no Acórdão do STJ proferido no apenso D, que vimos acompanhando - «(…) a disposição não apenas nada estabelece quanto à determinação da taxa de juros aplicável, quanto se reporta a títulos executivos – no caso, sentenças judiciais – que não incorporam qualquer decisão em matéria de juros e não, como sucede no caso dos autos, a títulos executivos que reconhecem o direito aos juros

Na linha da orientação propugnada pelo Supremo Tribunal de Justiça, em casos paralelos ao dos autos, remetemos para a fundamentação relevante do citado Acórdão do STJ de 19.03.2024, cujas considerações são plenamente transponíveis para este recurso:

«Na acção declarativa que culminou com a decisão judicial dada à execução, foi formulado o seguinte pedido: «Nestes termos, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e por via dela, ser a R. condenada a pagar à A. a quantia peticionada de (...), acrescida de juros vincendos, bem como custas e o mais legal.

(...)».

Sendo que, no último artigo da petição inicial (artigo 69), a pretensão relativa ao pagamento de juros, foi assim enunciada:

«A esta quantia deverão acrescer juros, à respectiva taxa legal, desde a data da citação até à data do integral pagamento.».

Afigura-se que o segmento decisório do acórdão dado à execução se encontra em conformidade com o teor literal do pedido («condeno a Ré P..., S.A. a pagar à Autora a quantia de 150.000,00 €, acrescida de juros, calculados à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento»). E, uma vez que se verifica que em momento algum a petição inicial se refere à natureza (comercial ou civil) da obrigação da ré P..., S.A., tampouco a utilização, no artigo 69.º da p.i., da expressão «respectiva taxa legal», permite retirar a ilação de que os juros peticionados o foram à taxa comercial.

Temos, assim, que, no caso dos autos, e diversamente do alegado pela recorrente, a diretriz interpretativa assente no princípio do pedido não permite chegar a qualquer conclusão segura.

No caso sub judice, também a diretriz interpretativa assente na ponderação do iter genético da decisão judicial dada à execução se mostra inútil. Com efeito, analisado o processado na acção declarativa, verifica-se que nele não existe qualquer referência, menos ainda, discussão ou pronúncia, a respeito da questão da taxa de juros aplicável.

Acompanham-se, deste modo, as palavras do acórdão recorrido:

«No esforço de exegese do dispositivo do acórdão em causa ressalta a falta de elementos que permitam estribar uma interpretação sólida e atendível. Com efeito, nos articulados a questão dos juros comerciais não foi objeto de discussão, atento os termos textuais utilizados na formulação do pedido, os quais foram espelhados literalmente no dispositivo da sentença bem como do subsequente acórdão. No acórdão em causa, não houve qualquer análise e discussão sobre se os juros devidos eram apenas os civis ou se, pelo contrário, eram devidos juros comerciais. A única discussão que foi enunciada foi sobre o momento a partir do qual eram devidos os juros [(“A apelante subordinada (Autora) pugna pela condenação da interveniente Fidelidade a pagar juros desde a citação da Ré P..., S.A. e não apenas desde a citação da interveniente (conclusão XXIV). / A interveniente Fidelidade celebrou contrato de seguro de responsabilidade civil profissional com a Ré P..., S.A., sendo que o obrigado a indemnizar é a segurada, cujo risco é coberto pela obrigação de indemnizar terceiros por parte da seguradora – cf. Artigo 137º da Lei do Contrato de Seguro. Tratando-se de responsabilidade civil por facto ilícito, a devedora (Ré P..., S.A.) constitui-se em mora desde a citação, nos termos da segunda parte do nº3 do Artigo 805º do Código Civil.”).].

Diversamente do entendimento da exequente embargada, ora recorrente, estando em causa a interpretação de uma decisão transitada em julgado, a averiguação do iter genético da decisão não pode ser completada com a convocação, análise ou apreciação de elementos não considerados na acção declarativa. Por esta razão, soçobra a extensa argumentação – tanto de direito substantivo como relativa às regras de competência judicial especializada – aduzida pela recorrente em prol do reconhecimento da natureza comercial das relações jurídicas entre as intervenientes no sinistro coberto pelo seguro, e entre estas e as respectivas seguradoras.

Temos, pois, que, na interpretação do título executivo em causa, e tal como entendeu o tribunal a quo, o único critério interpretativo efectivo consiste na determinação do sentido objectivo da decisão condenatória: a decisão de condenar a ré P..., S.A. a pagar à autora a quantia de € 150.000,00 «acrescida de juros calculados à taxa legal desde a citação até integral pagamento. (..)»

A questão de direito e o núcleo factual essencial nos presentes autos coincidem com o objecto apreciado no acórdão em destaque e a recorrente e embargante não aduziu motivação adicional ou diferenciada que justifiquem outro sentido decisório.

Neste contexto, acolhemos na íntegra a solução adoptada, em consonância com a exigência da aplicação uniforme do direito plasmada o artigo 8º, nº 3, do Código Civil: “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”


*


Em suma, da interpretação da decisão dada à execução, resulta que aquela perspetivou os juros de mora a pagar à exequente como de natureza civil, a liquidar de acordo com as taxas que vigoram para as operações civis.

Soçobra a argumentação recursiva.

IV. Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente a revista, e, em consequência, mantém-se o acórdão recorrido.

As custas são a cargo da recorrente.

Lisboa, 12.12.2024

Isabel Salgado (relatora)

Orlando dos Santos Nascimento

Maria da Graça Trigo

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1. Para a qual, a originária exequente Mutuamar – Mútua de Seguros dos Armadores da Pesca de Arrasto, transmitiu os seus ativos e passivos (Aviso nº 1516/2010, publicado no DR, 2ª Série, nº 15, de 22.01.2010).

2. Matéria de facto provada aditada pelo Tribunal da Relação (art. 607º, nº 4, do CPC, ex vi do disposto no art. 663º, nº 2, CPC).

3. “(..) foi apreciada no acórdão proferido em 19.03.2024 no Apenso D (P. nº 258/09.0TNLSB-D. L1.), em que a, ora, relatora foi 1ª adjunta, e no qual se decidiu, por unanimidade, que o título executivo 1 apenas abarca os juros civis (já pagos). Os 1º e 2º adjuntos sufragam o entendimento perfilhado no referido acórdão.”

4. No proc. nº 3063/18.9T8PTM.E2. S1, in www.dgsi.pt.

5. Cfr. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 2018 p. 63., Apud Ac STJ suprarreferido.

6. A sentença dispunha - «Por tudo o explanado e nos termos sobreditos, julgo parcialmente procedente por provada a presente acção e consequentemente(...)b) condeno a Ré P..., S.A. a pagar à Autora a quantia de 150.000,00 €, acrescida de juros, calculados à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento (...).»

7. No proc. nº258/09.0TNLSB-D. L1.S1, relatado por Maria da Graça Trigo, que integra o colectivo; cfr. o relatório “1. Mutuamar – Mútua de Seguros dos Armadores da Pesca de Arrasto, exequente nos autos apensos, a qual transmitiu os seus activos e passivos à Lusitânia, Companhia de Seguros, S.A. (conforme resulta do Aviso n.º 1516/2010, publicado no DR, 2ª Série, n.º 15, de 22/01/2010), instaurou execução contra Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. e P..., S.A., visando, além do mais, obter desta última executada o pagamento do quantitativo de € 55.749,42, correspondente ao valor dos juros que a mesma executada não pagou e que, alegadamente, foi condenada a pagar por sentença transitada em julgado. (..)executada P..., S.A. opôs-se à execução e à penhora, alegando, em síntese, que efectuou o pagamento dos juros legais devidos à taxa de 4%, considerando não ter de efectuar o pagamento de juros à taxa legal comercial por não existir título executivo para tal pedido.”

8. Naquele proc. nº 258/09.0TNLSB-D. L1.S1; no mesmo sentido, entre outros, o Acórdão do STJ de 7.3.2023, também citado no acórdão recorrido, no proc. nº 814/13, in www.dgsi.pt.

9. P. 11/21.2T8SRE-A., S1, in sumários do STJ.

10. Tudo faz crer que perante a discordância da(s) executada(s) na instância da oposição, caso a exequente pretendesse fazer valer a taxa de juro comercial na acção declarativa, ora título exequendo, nela suscitaria o tema, o que não sucedeu, falhando a discussão pelas partes, e, portanto, inviabilizou a pronúncia adrede pelo tribunal.