Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
96P210
Nº Convencional: JSTJ00032747
Relator: SOUSA GUEDES
Descritores: VÍCIOS DA SENTENÇA
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO SOBRE ELEMENTOS DE FACTO
DOLO
CRIME CONTINUADO
UNIDADE DE RESOLUÇÃO
AUTO DE NOTÍCIA
DOCUMENTO AUTÊNTICO
CONSTITUCIONALIDADE
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO AUTÊNTICO
PREVARICAÇÃO
INTRODUÇÃO EM CASA ALHEIA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
PECULATO
DENÚNCIA CALUNIOSA
PROMOÇÃO DOLOSA
CONCURSO APARENTE DE INFRACÇÕES
DIREITO DE NECESSIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
NÃO PROMOÇÃO CRIMINAL
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Nº do Documento: SJ199701090002103
Data do Acordão: 01/09/1997
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIAL. NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL / CRIM C/PESSOAS / CRIM C/PATRIMÓNIO /
CRIM C/SOCIEDADE / CRIM C/ESTADO. DIR CONST - DIR FUND.
Legislação Nacional:
Legislação Estrangeira: CPP ART546 N1 E ITÁLIA.
Jurisprudência Nacional:
Sumário : I - Não existe contradição ou erro notório na apreciação da prova quando os factos em causa se situam em planos valorativos diferentes.
II - O erro sobre o objecto (erro in persona) não exclui o dolo, se o objecto da conduta é típicamente idêntico.
III - O proveito próprio não tem de ser necessariamente económico.
IV - Não há uma única resolução criminosa, quando os arguidos (agentes de autoridade) entram em duas casas alheias, com abuso de autoridade, em que foram violados bens eminentemente pessoais de ofendidos distintos entre si, por virtude de dois processos de deliberação diferentes e com meios de execução diversos.
V - É documento autêntico o auto de notícia crime lavrado por autoridade pública nos limites da competência que lhe é atribuída por lei.
VI - A autenticidade do documento em nada prejudica as garantias de defesa do arguido consignadas no artigo 32 da
C. República Portuguesa.
VII - Não é inconstitucional o artigo 233, n. 1 do C. Penal de
82, quando interpretado no sentido de que abrange a falsificação de auto de notícia lavrado por órgão de polícia criminal.
VIII - Cometem dois crimes de falsificação, previsto e punido pelo artigo 233, n. 1 do C. Penal de 82 (artigo 257, alínea a), de C. Penal de 95), os arguidos que omitem voluntária e deliberadamente no auto de notícia, factos essenciais que eram do seu conhecimento, com intenção de ocultarem toda a sua actuação ilícita, com consciência do valor probatório dos autos de notícia e de que prejudicavam a boa administração da justiça.
IX - A falsificação de documento autêntico não pode equiparar-se o falso testemunho ou as falsas declarações.
X - Comete o crime de prevaricação previsto e punido pelo artigo 145 do C. Penal de 82 (artigo 369 ns. 1 e 2 do C.
Penal de 95), o arguido que decidiu, conscientemente e contra o direito, um "processo" que estava no âmbito da sua competência, com a intenção de, por essa forma, beneficiar F... e F....
XI - Comete um crime de introdução em casa alheia previsto e punido pelos artigos 176, n. 1 e 428, n. 1 do C. Penal de 82, o arguido que entra no quarto de uma pensão onde viviam F... e F..., contra a vontade destes.
XII - Comete o crime de tráfico de estupefacientes o arguido, ainda que agente da PSP, que ajuda economicamente F... umas vezes com 200 escudos, outras com 400 escudos e até outras com 1000 escudos para que este comprasse heroína a F....
XIII - Comete o crime de peculato, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 424 e 30 do C. Penal de 82, o arguido que num espaço de tempo curto (30 de Dezembro de 1993 e 2 de Fevereiro de 1994) faz constar na participação uma quantidade de dinheiro inferior àquela que na realidade foi apreendida.
XIV - A especialidade do artigo 413 do C. Penal de 82 relativamente ao artigo 408 do mesmo código, consiste na qualidade do agente, que no primeiro terá de ser um funcionário competente para promover o procedimento criminal.
XV - Assim, tendo o arguido esta qualidade exclui-se a norma geral pela aplicação da especial.
XVI - O artigo 34 do C. Penal (direito de necessidade) exige que o perigo a afastar seja actual, isto é, que se manifeste no momento de agir, não bastando um perigo hipotético, não concretizado.
XVII - Este preceito exige também que o meio utilizado pelo agente seja adequado e objectivamente necessário), de tal forma que não possa, no momento, ser afastado o perigo por outro meio menos prejudicial.
XVIII- O crime de não promoção não é um crime de resultado, mas um crime de actividade, inerente à qualidade de funcionário do agente.
XIX - Assim, comete tal ilícito o agente da PSP que não participa a actuação do seu superior hierárquico, que se traduzia na prática de crimes públicos, estando obrigado a fazê-lo por força dos seus deveres.
XX - O tribunal, no uso dos seus poderes de livre apreciação do conjunto da prova produzida, pode considerar que um "produto" é heroína mesmo sem ser submetido a exame pericial.
XXI - O disposto no artigo 24 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, não exclui automaticamente a aplicação do artigo 25 do mesmo diploma.
XXII - Se as circunstâncias do caso preencherem a hipótese do artigo 25, deverão prevalecer sobre a previsão do artigo
24, cujos pressupostos não devem ser considerados de aplicação automática.