Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª. SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE DIAS | ||
Descritores: | CAUSA PREJUDICIAL SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA | ||
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Data do Acordão: | 05/09/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - Uma causa é prejudicial é relação a outra quando a decisão na primeira pode afetar ou destruir o fundamento ou razão de ser da segunda, quando a decisão naquela pode prejudicar a decisão nesta. II - Tendo em conta o disposto no art. 272.º do CPC “o tribunal pode ordenar a suspensão…” de uma ação até que seja julgada, com transito, uma outra ação cuja decisão pode prejudicar a decisão nesta. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível. Em 19.3.2021, Guia – Sociedade de Construções e Turismo, S.A. intentou ação declarativa de condenação sob a forma comum contra AA e BB pedindo a condenação destes: - a demolir totalmente as obras realizadas no seu imóvel sem controlo prévio e em violação das normas e prescrições urbanísticas aplicáveis, por serem insuscetíveis de legalização; - a repor o seu imóvel (terreno e edificação original) nas condições em que se encontravam antes do início das obras ou trabalhos ilegais, nos exatos termos das licenças que hajam sido validamente emitidas pela Câmara Municipal de ...para o imóvel dos Réus; - a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos, a quantia de € 79.469,42; Pretende a Autora com a ação obter o reconhecimento e a declaração judicial de que os Réus realizaram, ou mantêm, obras de construção, de alteração e de ampliação no seu imóvel, que constitui a Vila (Moradia) n.º 30, sita no ..., em ..., sem a licença ou comunicação prévia legalmente exigidas e em violação dos Alvarás de Loteamento e dos instrumentos de gestão territorial aplicáveis, configurando um ilícito urbanístico que provoca, e continuará a provocar, danos à Autora suscetíveis de serem indemnizados, por desvalorizarem o valor comercial dos imóveis propriedade da Autora vizinhos do imóvel propriedade dos Réus e afetarem o exercício da sua atividade comercial de rentabilização dos imóveis por via da sua locação ou da sua comercialização. Citados, os Réus vieram apresentar contestação, na qual requerem a suspensão da instância em face da pendência do processo n.º 1737/21.6..., que consideram ser causa prejudicial da presente ação. A 3.1.2022, o Tribunal a quo proferiu a seguinte despacho: “I- Da suspensão dos presentes autos por causa prejudicial: Vêm os RR. requerer a suspensão da instância em face da pendência do processo n.º 1737/21.6..., que corre termos no presente tribunal, e que no seu dizer é causa prejudicial da presente ação. Decidindo: Vista a referida acção, vemos que o pedido formulado é o seguinte: I. Deverá a Ré ser condenada no cumprimento das obrigações a que se vinculou nos exatos termos do “Protocolo” e “Protocolo Complementar” que celebrou com a Autora AMPLA, e em especial deverá ser proferida sentença que produza os efeitos das declarações negociais da Ré faltosa e que, por via disso: i. decrete a subscrição pela Ré do pedido de informação prévia apresentado pela Autora AMPLA, nos termos descritos nesta peça, com adesão ao processado; e ii. decrete a subscrição pela Ré com os Autores do contrato-promessa de transferência de edificabilidade nos termos que constam da minuta constante do documento nº 54, junto com o procedimento cautelar. II. Deverá a Ré ser condenada a indemnizar os Autores pelos danos sofridos em virtude da sua conduta moratória, em valor que não é ainda possível determinar, a liquidar posteriormente nos termos da tramitação processual civil. Nestes autos formula a A. o seguinte pedido: 1.Serem os Réus condenados a demolir totalmente as obras realizadas no seu imóvel sem controlo prévio e em violação das normas e prescrições urbanísticas aplicáveis, por serem insuscetíveis de legalização; 2. Serem os Réus condenados a repor o seu imóvel (terreno e edificação original) nas condições em que se encontrava antes do início das obras ou trabalhos ilegais, nos exatos termos das licenças que hajam sido validamente emitidas pela Câmara Municipal de ... para o imóvel dos Réus; 3. Ser o Réu condenado a pagar à Autora, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos, a quantia de EUR 79.469,42; Os Rs. não deduzem reconvenção mas defendem-se por excepção requerendo que deve ser reconhecido o incumprimento contratual da Autora em contrato que foi celebrado em representação e benefício dos Contestantes e julgada procedente a respetiva exceção de incumprimento contratual da Autora, com os devidos efeitos legais; Decidindo: Dispõe o artigo 272.º, n.º 1, do CPC que “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”, dispondo o n.º 2 do mesmo preceito codicístico que “Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”; Na esteira dos ensinamentos de ALBERTO DOS REIS, nos termos do preceito citado, “o juiz pode ordenar a suspensão (...) Quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento doutra já proposta, isto é, com fundamento de pendência de causa prejudicial”, para logo de seguida esclarecer que “o nexo de prejudicialidade ou de dependência define-se assim: estão pendentes duas acções e dá-se o caso de a decisão duma poder afectar o julgamento a proferir na outra. Aquela acção terá o carácter de prejudicial em relação a esta” – v.g., Reis, Alberto dos, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª Edição – Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, Janeiro 2012, pág. 383 e 384; Seguindo raciocínio similar, LEBRE DE FREITAS assevera que “Entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada. A acção de nulidade dum contrato é, por exemplo, prejudicial relativamente à acção de cumprimento das obrigações dele emergentes” – v.g., Freitas, José Lebre de, Redinha, João, e Pinto, Rui, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Artigos 1.º a 380.º, Coimbra Editora, Coimbra, Maio, 1999, pág. 501; Também a jurisprudência dos Tribunais Superiores entende que “I – Para efeitos do disposto no art. 279º, nº1 do CPC, uma causa está dependente do julgamento de outra já proposta, quando a decisão desta pode afectar e prejudicar o julgamento da primeira, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando, na causa prejudicial, esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito. II – Entende-se, assim, por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia. III – Existindo entre duas acções esse nexo de prejudicialidade, deverá ser suspensa a instância na causa dependente, até à decisão da causa prejudicial” – v.g., entre vários, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2010.01.07, Proc.º n.º 940/08.9TVPRT.P1, consultável in http://www.dgsi.pt; Sendo ainda defensável no quadro da aludida jurisprudência que “Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a razão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda. Sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta” – v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2008.01.22, Proc.º n.º 7664/2007-1, consultável in http://www.dgsi.pt; Aqui chegados, não se descortina a existência de razão suficientemente idónea para sustentar a existência de uma relação de prejudicialidade entre os presentes autos e a acção referida tendo por referência os pedidos formulados em casa uma das acções, sendo certo que no que respeita a alegado incumprimento dos acordos celebrados, na presente acção será objecto de apreciação enquanto matéria de excepção. Não há, pois, dependência da decisão dos presentes autos da acção referida, pelo que se indefere a requerida suspensão da instância por causa prejudicial. Notifique”. * Inconformados com tal decisão vieram recorrer de apelação, os réus, sendo decidido pelo Tribunal da Relação, após deliberação: “Pelo exposto, acorda-se em: i. julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão impugnada de 3.1.2022; ii. Rejeitar a junção dos documentos juntos com as Alegações, condenando-se os apelantes nas custas pelo incidente anómalo assim provocado com taxa de justiça fixada numa Uc (Artigo 7º, nº4, do RCP). Custas pelos apelantes na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil). * Uma vez mais, inconformados com o decidido pela Relação, interpõem recurso de Revista para este STJ e, formulam as seguintes conclusões: “1.ª O acórdão recorrido proferido pelo Tribunal a quo, que na sua fundamentação limitou-se a louvar o acórdão do TRL de 08-11-2022, proferido no âmbito do processo nº 806/21.7T8CSC-A.L1, de que foi junta cópia ao acórdão recorrido, ao abrigo do artigo 663.º, n.º 5 do CPC e o acórdão fundamento do Tribunal da Relação de Lisboa, que correu termos sob o n.º 803/21.2T8CSC-A.L1, na 2.ª Secção, que transitou em julgado em 15-09-2022, estão em contradição entre si, no domínio da versão do CPC atualmente em vigor, relativamente à interpretação da norma do artigo 272.º, n.º 1 do CPC, aplicada a idênticos factos e circunstâncias. 2.ª O acórdão recorrido viola a norma do artigo 272.º, n.º 1 do CPC. 3.ª Aliás, em situações de facto idênticas às destes autos, foram também proferidos acórdãos pelo TRL no mesmo sentido que foi acolhido no acórdão fundamento, nos processos n.º 822/21.9T8CSC-A.L1, da 2.ª Secção e 825/21.3T8CSC-A.L1, também da 2.ª secção, já transitados em julgado. 4.ª O acórdão recorrido descreve a matéria de facto relevante para a sua decisão nos termos que constam das conclusões seguintes. 5.ª Em junho de 2017, a Recorrida e a A... celebraram dois instrumentos jurídicos (Protocolo e Protocolo Complementar) que visavam regular, entre outras matérias, a transferência de edificabilidade a favos dos associados da A... que viessem a mostrar-se nisso interessados, por via da transmissão para esses proprietários no Lote A, a título oneroso, de áreas de construção atribuídas pela licença de loteamento existente aos Lote CT e/ou Esa, ambos, então, propriedade da Recorrida. 6.ª Nos referidos instrumentos jurídicos, as então partes convencionaram um conjunto de princípios e de procedimentos tendentes a viabilizar a referida transferência de edificabilidade a favor dos associados da A..., a qual tinha como objetivo assumido o de possibilitar a legalização “das ampliações efetuadas pelos proprietários” do Lote A sem o devido licenciamento. 7.ª Os réus recorrentes, assim como os proprietários de outras 30 moradias que em litisconsórcio demandaram a autora recorrida são associados da A..., que os representa institucionalmente. 8.ª Em resultado da projetada transferência de edificabilidade, a área de construção total permitida no ... seria aumentada na exata medida em que a mesma aptidão edificativa seria diminuída nos Lotes CT e/ou Esa da Recorrida. 9.ª Os Recorrentes entendem que a Recorrida incumpriu aqueles protocolos e esta entende que foram os Recorrentes e os proprietários de outras 30 moradias no Lote A na ... em ... e a A... que os incumpriram. 10.ª Na tese dos réus recorrentes foi a autora recorrida que não cumpriu a obrigação de apresentar, em articulação com a A..., pedido de informação prévia sobre a viabilidade das operações urbanísticas de alteração ao alvará de loteamento e das regularizações urbanísticas do interesse dos proprietários entre os quais os réus recorrentes e que desde então a autora recorrida encontra-se em situação de mora. 11.ª Os réus recorrentes em litisconsórcio com a A... e com os proprietários de outras 30 moradias no lote A, exigiram o cumprimento pela autora recorrida das suas obrigações que lhe permitirão fazer a regularização urbanística das suas vilas, através da ação que propuseram e que se encontra pendente. 12.ª Esta ação principal concluiu a fase dos articulados em 13-10-2021, não teve ainda despacho saneador e o último ato processual foi proferido em 13-01-2022 e é despacho que convoca as partes para tentativa de conciliação em 24-02-2022. 13.ª A autora recorrida entende que por razões imputáveis à A... e aos proprietários as partes não lograram acordar em todos os termos e condições necessários a concretizar o que se propuseram nos termos dos Protocolos. 14.ª Por seu lado, em 18-03-2021 a autora recorrida apresentou 38 ações contra proprietários de imóveis localizados no ..., entre elas nos quais inclui os réus recorrentes e os proprietários das outras 30 vilas que com os recorrentes haviam demandado a autora recorrida. 15.ª A autora recorrida entende que a A..., enquanto representante dos réus recorrentes não cumpriu com as estipulações dos referidos protocolos e por isso a autora recorrida não viabilizou a regularização urbanística da vila dos réus recorrentes e que na ausência de regularização urbanística as ampliações feitas na vila dos réus recorrentes são atos ilícitos face às normas do RJUE e que as ampliações feitas na vila dos réus recorrentes e dos outros proprietários provocam-lhe danos, designadamente a desvalorização do seu património e a diminuição do respetivo rendimento. 16.ª Os réus recorrentes manifestaram nesta ação, proposta pela autora recorrida, que corre termos nestes autos, que a ação proposta e que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de... – Juízo Central Cível de ... – Juiz ... sob o n.º de processo 1737/21.6..., o seu entendimento de que aquela é causa prejudicial da presente ação, dado que a decisão desta causa está dependente do julgamento do processo n.º 1737/21.6... 17.ª Aliás, os recorrentes na sua contestação nestes autos invocaram a exceção de direito material do incumprimento pela autora recorrida dos protocolos que celebraram com a A..., em benefício dos proprietários do Lote A, entre eles os réus recorrentes. 18.ª Quer a ação prejudicial, proposta pelos réus recorrentes, quer a ação dependente, veiculada nestes autos, têm um mesmo facto jurídico de que emergem: os Protocolos celebrados pela autora recorrida com a A... enquanto representante institucional dos recorrentes. Na ação prejudicial esse facto jurídico é o fundamento exclusivo – trata-se de ação de execução específica – na ação dependente, a própria autora recorrida traz o facto jurídico à liça e é por o considerar incumprido que pretende apurar a responsabilidade extracontratual dos réus recorrentes. 19.ª A interdependência das duas ações é claríssima; a causa prejudicial nasce, na perspetiva dos réus recorrentes, porque a autora recorrida não cumpriu os Protocolos e a ação dependente nasce, na perspetiva da autora recorrida, porque a A..., enquanto representante institucional dos réus recorrentes, não cumpriu os Protocolos. 20.ª O pedido da autora recorrida nesta ação só poderá proceder depois de ser decidida a justeza do cumprimento dos Protocolos celebrados, seja ele apreciado na ação prejudicial proposta pelos aqui Recorrentes ou no julgamento da exceção de direito material invocada pelos Recorrentes nesta ação. 21.ª O acórdão recorrido confirmou o despacho proferido em 1.ª instância que indeferiu a suspensão desta ação enquanto não for julgada a causa prejudicial por não existir “razão suficientemente idónea para sustentar a existência de uma relação de prejudicialidade entre os presentes autos e a acção referida”. 22.ª O despacho confirmado pelo acórdão recorrido afirma que o alegado incumprimento dos Protocolos será apreciado na presente ação, enquanto matéria de exceção. 23.ª Os réus recorrentes não podem conformar-se com o fundamento apresentado, que consideram desconforme com a lei, designadamente com a norma do artigo 272.º, n.º 1 do CPC que determina que seja suspensa a ação quando esteja pendente causa prejudicial e essa norma quando interpretada conjuntamente com a norma do artigo 8.º, n.º 3 do CC impõe que seja suspensa a causa dependente, quando possa estar em perigo a aplicação uniforme do direito e a prolação de decisões contraditórias. 24.ª O Tribunal a quo ao confirmar o indeferimento da suspensão da ação destes autos com base na pendência de causa prejudicial violou as normas conjugadas do artigo 272.º, n.º 2 do CPC e do artigo 8.º, n.º 3 do CC e a interpretação conforme com o direito destas normas impunha que fosse deferido o pedido de suspensão dos réus recorrentes. 25.ª O acórdão do Tribunal a quo deve ser revogado e substituído por outro que revogue a decisão de não considerar a invocada ação como causa prejudicial, devendo consequentemente determinar a suspensão do processo por pendência de causa prejudicial. Nestes termos e de mais direito, Deve o acórdão do Tribunal a quo ser revogado e substituído por outro que revogue a decisão de não considerar a invocada ação como causa prejudicial, devendo consequentemente determinar a suspensão do processo por pendência de causa prejudicial. Desta forma e como sempre, farão V. Exas. a habitual JUSTIÇA!” Responde a autora/recorrida e conclui: “1 – O presente recurso tem como objeto o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que, mantendo a decisão proferida, considerou não existir causa prejudicial entre a presente ação e a ação com o n.º 1737/21.6..., que corre termos no Juiz ..., do Juízo Central Cível de ... e, como tal, indeferiu o pedido de suspensão da presente instância determinado o prosseguimento dos presentes autos. 2 – Esta decisão não é recorrível autonomamente, apenas podendo ser impugnada com o recurso da decisão que ponha termo à causa ou do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo decida do mérito, tal como previsto na alínea c), do n.º 2, do artigo 644.º, do CPC, em conjugação com o n.º 3, da mesma disposição legal (Professor Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª Edição, Almedina, pág. 172 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.09.2017, Processo n.º 402/14.5T8LSB, disponível emhttps://outrosacordaostrp.com/2017/09/21/ac-do-trl-de-21092017-proc-40214-5t8lsb-irrecorribilidade-de-despacho-quenao-suspende-a-instancia-arts-2721-620-e-630-todos-do-cpc-dividas-de-irs-dividas-comuns-do-casal-arts-1692/) 3 - Pelo que, não deve o Supremo Tribunal de Justiça conhecer do mérito do presente recurso, por se tratar de uma decisão cuja recorribilidade autónoma não é legalmente admissível, nos termos da alínea c), do n.º 2 e do n.º 3, do artigo 644.º, do CPC, devendo o mesmo ser liminarmente indeferido e não sendo recorrível em sede de recurso de apelação por maioria de razão não o será em sede de recurso de revista. 4 – Mesmo que se entenda pela admissibilidade do recurso o mesmo terá sempre de improceder por não estarmos perante uma causa prejudicial, nos termos e para os efeitos do artigo 272.º, do CPC, devendo, por isso, ser integralmente mantida a decisão recorrida. 5 - Atenta a simplicidade da questão a decidir, entendeu e bem o Tribunal “a quo” remeter a parte decisória para acórdão precedente, nos termos do disposto do artigo 633.º n.º 5 do CPC. Assim a fundamentação encontra-se plasmada no Acórdão desta Relação, proferido em 8.11.2022, no processo n.º 806/21.7T8CSC-A.L1, sendo verdade é referido que: “de facto existe alguma relação entre as duas ações em causa, estando em causa um acervo factual que, necessariamente, é semelhante e com ela está relacionado”, no entanto a semelhança não passa disso mesmo porque quer os pedidos deduzidos, quer o próprio fundamento em ambas as ações são distintos. 6 – A ação com o número 1737/21.6... foi intentada pelos Recorrentes e os restantes proprietários do ... com fundamento no incumprimento, por parte da Recorrida, dos protocolos celebrados entre as partes, visando que o tribunal se substitua à Recorrida no que respeita à declaração de subscrição do pedido de informação prévia e à celebração do contrato-promessa de transferência de edificabilidade, sendo, por isso, uma ação de execução especifica. 7 – Já a presente ação é intentada pela Recorrida contra os Recorrentes com fundamento na realização de obras ilegais por parte dos Recorrentes, visando a demolição das obras realizadas e a indemnização pelos danos provocados no património da Recorrida. 8 – Por outro lado e ao contrário do alegado pelos Recorrentes a procedência da ação que foi intentada contra a Recorrida não é extintiva do direito da Recorrida uma vez que mesmo que seja considerada procedente não é a subscrição pela Recorrida do pedido de informação prévia, nem a celebração dos contratos-promessa de edificabilidade que permitirá a legalização das obras ilegais feitas pelos Recorrentes uma vez que a mesma necessitaria da respetiva autorização e aprovação por parte da Câmara Municipal. 9 - Assim se conclui que as ações em causa têm fundamentos diferentes: (i) a ação intentada pelos Recorrentes juntamente com os restantes proprietários da ... e com a associação de moradores tem como fundamento o alegado incumprimento, por parte da Recorrida, dos protocolos celebrados entre as partes, (ii) a presente ação tem como fundamento a realização ilícita, por parte dos Recorrentes, de obras no respetivo imóvel e os danos que isso provoca na esfera jurídica da Recorrida. 10 - Não existe entre as duas ações uma relação de dependência nos termos da qual a decisão a proferir na ação entendida como prejudicial condicione a decisão a proferir nos presentes autos isto porque a mesma não vai, ainda que hipoteticamente dê razão ao Recorrente e demais autores, determinar a legalidade das obras ilegais realizadas pelo Recorrente uma vez que essa está dependente da aprovação e licenciamento pela Câmara Municipal, nem, muito menos, extinguir o direito da Recorrida à indemnização pelos danos causados. 11 - Pelo que não deve ser concedido provimento ao presente recurso, por não se encontrarem reunidos os pressupostos de que depende a suspensão da instância por existência de causa prejudicial, mantendo-se a decisão recorrida. Nestes termos e nos mais de direito: a) Deve o presente recurso ser rejeitado por se tratar de decisão irrecorrível autonomamente ou, caso assim não se entenda; b) Deve ser negado provimento ao presente recurso, por não se verificar a existência de causa prejudicial, nos termos do artigo 272.º do CPC, mantendo-se o acórdão recorrido. Assim se fazendo a acostumada justiça!” * O recurso foi admitido ao abrigo do disposto nos artigos 671º, nº 2, alínea a) e 629º, nº 2, alínea d) do Código de Processo Civil. Cumpre apreciar e decidir. * Os factos a considerar são os constantes do relatado supra. * Conhecendo: Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações – artigo 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil – a questão a decidir respeita: -Analisar e decidir se o julgamento da presente ação está dependente do julgamento da ação proposta e a que cabe o nº de processo, 1737/21.6... Alegando os recorrentes como fundamento do recurso a contradição entre o acórdão de que recorrem e o acórdão proferido no Proc. nº 803/21.2T8CSC-A.L1, já transitado em julgado em 15-09-2022, pelo mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito, aplicada em circunstâncias idênticas. Neste acórdão fundamento, de 14-07-2022, Proc. nº 803/21.2T8CSC-A.L1 considerou-se: “I. Verifica-se relação de prejudicialidade entre duas ações quando a decisão ou julgamento de uma ação – a dependente – é atacada ou afetada pela decisão ou julgamento noutra – a prejudicial. II. A prejudicialidade das causas afere-se pelo respetivo nexo lógico, para o qual irreleva o momento relativo da data da respetiva propositura. O que importa é que ambas as ações estejam pendentes. III. Existe uma relação de prejudicialidade entre causas na seguinte situação: A demanda B pretendendo obter a demolição de alegadas obras clandestinas existentes no imóvel de B e o ressarcimento pelos prejuízos que lhe são causados por esse “ilícito urbanístico”; por sua vez, com a ação que B e outros intentaram contra A os demandantes pretendem obter a vinculação de A a um processo negocial e camarário que visa conseguir a legalização das aludidas obras, pretensão essa assente em dois protocolos que nesse sentido teriam sido subscritos por A (e que também foram invocados, a título de exceção, na ação dependente).” Por sua vez, o acórdão recorrido remeteu para a decisão proferida no Proc. nº 806/21.7T8CSC-A.L1, ao abrigo do disposto no art. 663º, nº 5 do CPC, onde se concluiu: “I - A prejudicialidade verifica-se entre acções para as quais o Tribunal tenha competência, sendo uma delas prejudicial em relação a outra, por a decisão da primeira, poder destruir, fazer desaparecer, modificar ou condicionar o fundamento ou a razão de ser da segunda. II - Nesses casos há uma única causa que se desdobrou em duas: a questão prejudicial já está proposta e o juiz só tem de resolver se, por esse facto, deve suspender-se a instância subordinada. III- A razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia processual e a coerência dos julgamenlos entre duas acções pendentes que apresentem entre si uma especial conexão. IV - Uma acção na qual se pede a condenação da Ré a subscrever um pedido de informação prévio e um contrato-promessa de transferência de área edificável, não constitui causa prejudicial de outra acção intentada dois meses antes (em que a dita Ré é Autora), na qual se peticiona - contra um dos co-Autores naquela - a demolição de obras tidas como clandestinas e uma indemnização pelo dano de desvalorização que estas lhe provocaram nos imóveis de sua propriedade.” Nesta ação (como noutras em que apenas divergem os réus), a autora Guia – Sociedade de Construções e Turismo, S.A. intentada contra AA e BB pede a condenação destes: - a demolirem totalmente as obras realizadas no seu imóvel sem controlo prévio e em violação das normas e prescrições urbanísticas aplicáveis, por serem insuscetíveis de legalização; - a repor o seu imóvel (terreno e edificação original) nas condições em que se encontravam antes do início das obras ou trabalhos ilegais, nos exatos termos das licenças que hajam sido validamente emitidas pela Câmara Municipal de ... para o imóvel dos Réus; - a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos, a quantia de € 79.469,42; Na ação alegadamente prejudicial, intentada pelos aqui réus e outros, contra a aqui autora é peticionado: - I. Deverá a Ré ser condenada no cumprimento das obrigações a que se vinculou nos exatos termos do “Protocolo” e “Protocolo Complementar” que celebrou com a Autora A..., e em especial deverá ser proferida sentença que produza os efeitos das declarações negociais da Ré faltosa e que, por via disso: i. decrete a subscrição pela Ré do pedido de informação prévia apresentado pela Autora A..., nos termos descritos nesta peça, com adesão ao processado; e ii. decrete a subscrição pela Ré com os Autores do contrato-promessa de transferência de edificabilidade nos termos que constam da minuta constante do documento nº 54, junto com o procedimento cautelar. II. Deverá a Ré ser condenada a indemnizar os Autores pelos danos sofridos em virtude da sua conduta moratória, em valor que não é ainda possível determinar, a liquidar posteriormente nos termos da tramitação processual civil. Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão na primeira pode afetar ou destruir o fundamento ou razão de ser da segunda, quando a decisão naquela pode prejudicar a decisão nesta. A verificação de causa prejudicial não é impositiva da suspensão da instância, mas o poder facultado não é discricionário, antes depende da existência em juízo de outra ação que seja causa de prejudicialidade desta. Conforme preceitua o art. 272º, do CPC “o tribunal pode ordenar a suspensão…”, o que por norma se justifica com fundamento na economia processual, sendo, no entanto, de ponderar o princípio da celeridade processual e evitar expedientes dilatórios. Não havendo suspensão da instância e vindo a ocorrer decisões contraditórias, por força do disposto no art. 625º, do CPC, vingará a que primeiro transitou em julgado. Verifica-se a existência de uma causa prejudicial quando “a procedência da causa indicada como prejudicial reveste a virtualidade de uma efetiva e real influência na causa suspensa, por forma a poder concluir-se que a decisão desta depende incontornavelmente daquela” –Ac. da Rel. De Lx. de 07-04-2005, proferida no proc. nº 1091/2005-8.dgsi.net. Existe uma relação de dependência ou prejudicialidade quando a decisão de uma causa depende do julgamento de outra, ou seja, quando a ação dependente tenha por objeto a apreciação de uma concreta questão cuja solução final seja suscetível de ser afetada na consistência jurídica ou prático-económica pela decisão a tomar na outra (prejudicial), quando a decisão da ação dependente possa ser decisivamente influenciada pela decisão a proferir na causa prejudicial. Miguel Teixeira de Sousa, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIV (1977), pág. 306, em anotação ao Acórdão do STJ de 24.11.1977, refere: “ .... a prejudicialidade refere-se a hipóteses de objectos processuais que são antecedente da apreciação de um outro objecto que os inclui como premissas de uma decisão mais extensa. Por isso a prejudicialidade tem sempre por base uma situação de conjunção por inclusão entre vários objectos processuais simultaneamente pendentes em causas diversas. Estando-se perante eventualidades de prejudicialidade quando a dependência entre objectos processuais é acidental e parcialmente consumptiva, pode definir-se aquela como a situação proveniente da impossibilidade de apreciar um objecto processual dependente, sem interferir na análise de um outro, o objecto prejudicial”. Havendo quem entenda que verdadeiramente só é impeditiva a ação já julgada e com transito, isto é, uma ação em que se formou caso julgado em relação a questões prejudiciais. “Nas palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual do Processo Civil, 2ª ed. revista e atualizada, nota 1, pág. 703: «A impossibilidade de o tribunal, por virtude da força do caso julgado, apreciar e decidir segunda vez a mesma pretensão, revela-se não apenas na exceção do caso julgado, mas também na força do caso julgado em relação a questões prejudiciais já decididas». E como refere Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Processo Civil, pág. 575: «A relação de prejudicialidade entre objetos processuais verifica-se quando a apreciação de um objeto (que é prejudicial) constitui um pressuposto ou condição do julgamento de um outro objeto (que é o dependente). Também nesta situação tem relevância o caso julgado: a decisão proferida sobre o objeto prejudicial vale como autoridade de caso julgado na ação em que é apreciado o objeto dependente. Nesta hipótese, o tribunal da ação dependente está vinculado à decisão proferida na causa prejudicial»”. E Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª ed., Almedina pág. 599: “A exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida…”. Mas, tendo em conta o disposto no art. 272º, do CPC “o tribunal pode ordenar a suspensão…” de uma ação até que seja julgada, com transito, uma outra ação cuja decisão pode prejudicar a decisão nesta. Ensina o Prof. Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil", vol. 3º, Coimbra, 1946, pág. 268 que "uma causa é prejudicial a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda". E ensina o Prof. Manuel de Andrade, in "Lições de Processo Civil", págs. 491 e 492 que, "verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é a reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outra em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal". Entendendo-se por causa prejudicial aquela que tenha por objeto pretensão que constitui pressuposto da formulada, ou seja, quando o julgamento ou decisão da questão a apreciar numa ação possa influenciar ou afetar o julgamento ou decisão da outra, nomeadamente modificando ou inutilizando os seus efeitos ou mesmo tirando razão de ser. Tendo em conta os considerandos doutrinais e da jurisprudência no que deve entender-se por “pendência de causa prejudicial”, vejamos a aplicação ao caso concreto. Verifica-se que a autora nesta ação pretende que os réus procedam à demolição de obras alegadamente não licenciadas efetuadas pelos réus e ainda indemnização pelos prejuízos que tais obras lhe causaram. Por outro lado, na outra ação cuja decisão a proferir pode ser prejudicial, prejudicialidade que os réus aqui alegam, foi intentada pelos aqui réus e outros, contra a aqui autora, pretendendo a condenação da aí ré no cumprimento das obrigações a que se vinculou nos exatos termos do “Protocolo” e “Protocolo Complementar” e que poderá ter a virtualidade de legalizar as referidas obras levadas a cabo pelos aqui réus Verifica-se que a decisão naquela ação, alegadamente prejudicial, pode ser essencial para a decisão nestes autos. Face ao que ficou dito, temos a ação dita prejudicial pode inutilizar os efeitos ou tira a razão de ser dos presentes autos. Pelo que hão-de ser julgadas procedentes as conclusões do recurso e, consequentemente, a procedência da revista. Neste sentido também decidiu o Ac. deste STJ de 02-03-2023, no Proc. nº 806/21.7T8CSC-A.L1.S1 (que trata desta mesma questão, apenas mudando os réus), e agora feita juntar ao processo pelos aqui recorrentes. Neste acórdão se refere, “No caso sub iudice, da decisão a proferir no processo n.° 1737/21.6..., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... - Juízo Central Cível de ... - Juiz ..., intentada contra a aqui Autora por A... na ... e outros 47 Autores, entre os quais se encontra o aqui Réu, pode resultar a legalização das obras cuja demolição a Autora pretende obter com a dedução da presente ação, com fundamento na ilegalidade dessas obras. Assim, se aquela ação proceder, a situação jurídica que constitui a causa de pedir desta ação altera-se, com influência na decisão a proferir, pelo que estamos perante um caso de dependência interprocessual que pode justificar a suspensão da instância, nos termos do artigo 272.°, n.° 1, do Código de Processo Civil.” * Sumário elaborado nos termos do disposto no art. 663 nº 7 do CPC: I- Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão na primeira pode afetar ou destruir o fundamento ou razão de ser da segunda, quando a decisão naquela pode prejudicar a decisão nesta. II- Tendo em conta o disposto no art. 272º, do CPC “o tribunal pode ordenar a suspensão…” de uma ação até que seja julgada, com transito, uma outra ação cuja decisão pode prejudicar a decisão nesta. * Decisão: Acordam, na 1ª Secção do STJ, em julgar o recurso procedente concedendo-se a revista, revogam-se as decisões das Instâncias e, determina-se a suspensão da instância por a decisão a proferir na ação, Proc. n° 1737/21.6T8CSC, poder constituir causa prejudicial desta. Custas da revista pela recorrida. Lisboa, 09-05-2023
Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator Jorge Arcanjo - Juiz Conselheiro 1º adjunto Isaías Pádua - Juiz Conselheiro 2º adjunto |