Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | FÁTIMA GOMES | ||
| Descritores: | RECURSO DE REVISÃO RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO FUNÇÃO JURISDICIONAL REQUISITOS ERRO GROSSEIRO CULPA DO LESADO NEGLIGÊNCIA ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO REAPRECIAÇÃO DA PROVA | ||
| Data do Acordão: | 07/04/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
| Sumário : | I - O recurso extraordinário de revisão permite a quem tenha ficado “vencido” ou “prejudicado” num processo já findo por decisão transitada em julgado a sua reabertura, mediante a invocação de determinados fundamentos previstos taxativamente na lei, nomeadamente que a decisão transitada em julgado seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional. II - Na situação referida é ainda exigido: 1) aquele que pede a revisão não tivesse contribuído, por ação ou omissão, para o vício que imputa à decisão; 2) que o erro de direito invocado seja “grosseiro, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas”, sob pena de não haver fundamento para responsabilidade do Estado e, por ligação directa, para revisão da decisão judicial – por falta de ilicitude e demais pressuposto da responsabilidade civil. III – Não há fundamento para rever uma decisão quando: 1) A solução que fundamentou o acórdão em revisão não se apresenta de todo desrazoável, não evidencia um desconhecimento do Direito ou uma falta de cuidado ao percorrer o “iter” decisório; 2) A decisão judicial examinou cuidada e aprofundadamente a questão e os elementos doutrinários e jurisprudenciais a ela atinentes e chegou a uma conclusão que não pode facilmente ser apodada de errada, e nem sequer se lhe pode assacar ter havido uma atitude negligente dos julgadores, e, ainda muito menos, de provir de uma negligência indesculpável e intolerável, pelo que nunca existiria actividade culposa relevante para o efeito de responsabilidade civil do Estado. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. AA intentou uma acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum BB (advogada), pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 16.596.47 Euros, acrescida de juros de mora vincendos a contar da citação e até integral pagamento. Julgada a causa, na primeira instância foi proferida Sentença a julgar a acção totalmente improcedente. Desta Sentença recorreu o A., tendo impugnado a decisão sobre a matéria de facto. O Tribunal da Relação conheceu do recurso e decidiu, em 22/9/2022, a propósito da requerida reapreciação da matéria de facto o seguinte: “1) Se i) os factos descritos nos items 1) e 2) da matéria factual considerada provada carecem de ser corrigidos (precisando a data concreta em que a ora Ré foi nomeada patrono ao Autor, em sede do beneficio do apoio judiciário, e a quantia exacta que o ora Autor pretendia reclamar da sociedade que tencionava demandar na acção para a qual requereu o beneficio do apoio judiciário); ii) se foram indevidamente considerados não provados os factos descritos nos art°s 13° a 18° e 22°, e 33° a 37° da PI; e iii) se os factos alegados nos arts. 31° e 32° (até abandono) da petição inicial não são meramente conclusivos; O Autor ora Apelante impugna, no presente recurso, a decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, em três segmentos: - no tocante aos factos descritos nos items 1) e 2) da matéria factual considerada provada, sustentando que os mesmos carecem de ser corrigidos (precisando-se a data concreta em que a ora Ré foi nomeada patrono ao Autor, em sede do benefício do apoio judiciário, e a quantia exacta que o ora Autor pretendia reclamar da sociedade que tencionava demandar na acção para a qual requereu o benefício do apoio judiciário); - no segmento em que considerou não provados os factos descritos nos art°s 13° a 18° e 22° da PI: - na parte em que considerou meramente os factos alegados nos arts. 31° e 32° (até abandono) da petição inicial. Quid juris ? i) Quanto aos factos descritos nos items 1) e 2) da matéria factual considerada provada: As alterações que o ora Apelante pretende ver introduzidas na redacção dos pontos 1) e 2) da matéria factual tida por provada são totalmente inócuas, na medida em que a menção à data concreta em que a ora Ré foi nomeada patrono oficioso ao Autor, em sede de benefício de apoio judiciário, para efeitos de propositura duma acção, bem como a explicitação da quantia precisa que o ora Autor pretendia exigir da sociedade que tencionava demandar na acção para a qual requereu e lhe foi concedido apoio judiciário, na modalidade de patrocínio oficioso, não teriam qualquer reflexo no desfecho da presente accão de responsabilidade civil extra-contratual intentada pelo autor contra a advogada que a Ordem dos Advogados lhe nomeou para o patrocinar oficiosamente na aludida demanda, acção essa que está irremediavelmente votada ao insucesso (cfr. infra). Ora, segundo uma orientação jurisprudencial que tem vindo a sedimentar- se na jurisprudência das Relações e que também perfilhamos, “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contrairia os princípios da celeridade e da economia processual” - Acórdão da Relação de Coimbra de 24/04/2012 (proferido no Proc. n° 219/10.6T2VGS.C1; relator - ANTÓNIO BEÇA PEREIRA), cujo texto integral está acessível on-line in: www.dgsi.pt (…) Eis por que se torna desnecessário conhecer do mérito da Apelação, quanto a esta questão do putativo erro na apreciação das provas alegadamente cometido pelo tribunal “a quo” (art. 608°, n° 2, do actual CPC de 2013, aplicável às decisões dos tribunais superiores em matéria de recursos, ex vi do art. 663°, n° 2, do mesmo diploma). (…) ii) Relativamente aos factos - que o tribunal “a quo” considerou não provados - descritos nos art°s 13° a 18° e 22° da PI: Sob o ponto de vista formal, constata-se que o ora Apelante não deixou de delimitar o âmbito da impugnação da decisão de facto do tribunal "a quo”, indicando os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (como impõe a al. a) do n.° 1 do cit. art.° 640° do CPC de 2013), nem de apontar os concretos meios probatórios, constantes do processo, que - na sua perspectiva - imporiam decisão de facto diversa da recorrida (como exige a al. b) do n.° 1 do mesmo art.° 640°). Simplesmente, apesar de esses meios probatórios consubstanciarem depoimentos prestados em Audiência de Julgamento por testemunhas nessa sede inquiridas ou declarações de parte prestadas em audiência pelo Autor e pela ora Ré e que foram objecto de registo sonoro, o ora Apelante dispensou-se de mencionar exactamente as passagens da gravação em que se funda a sua impugnação (como exige a al. a) do n° 2 do mesmo preceito), limitando-se a mencionar a existência desses depoimentos e dessas declarações, nem sequer os transcrevendo (total ou parcialmente). Quid juris? Segundo uma orientação jurisprudencial que tem vindo a sedimentar-se nas Relações, sobretudo após a entrada em vigor (em 1/9/2013) do CPC aprovado pela Lei n° 41/2013, de 26 de Junho, “Ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n° 2, a) do art° 640° do NCPC, que corresponde ao n.° 2 do art.° 685°-B do CPC)” - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/12/2014 (Processo n° 6213/08.0TBLRA.C1; relator - FALCÃO DE MAGALHÃES), acessível on-line (o texto integral) in www.dgsi.pt.7 8 [Cfr., igualmente no sentido de que «Quando o fundamento da impugnação da decisão da matéria de facto tenha por base a prova gravada o recorrente deve indicar, sob pena de rejeição, com exactidão as passagens da respectiva gravação», o Acórdão da Relação do Porto de 30/6/2014 (Processo n° 1397/13.8TJPRT.P1; relator - MANUEL DOMINGOS FERNANDES), acessível on-line (o texto integral) in www.dgsi.pt. Cfr., também no sentido de que «Deve ser rejeitado, sem oportunidade de aperfeiçoamento prévio, o recurso em matéria de facto alicerçado na reapreciação de prova testemunhal gravada e em que o recorrente nem nas conclusões nem nas alegações indica com exatidão as passagens da gravação que considera relevantes para a modificação pretendida, ainda que os depoimentos se encontrem transcritos, total ou parcialmente.», o Acórdão da Relação de Guimarães de 8/1/2015 (Proc. n° 1514/12.5TBBRG.G1; relator – FILIPE CAROÇO), acessível on-line (o texto integral) in www.dgsi.pt.] Ora, “A exacta indicação das passagens da gravação, que se exigia no B, n° 2 do CPC e que se exige agora no art° 640°, n° 2, a), do NCPC, não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa. Não se entender assim equivale a ter-se como exigida uma indicação exacta dos depoimentos e não, propriamente, das passagens.” - ibidem. “Daí que ao recorrente, para indicar, com exactidão, o que a lei exige no art° 640°, n° 2, a), do NCPC (a exemplo do que ocorria no âmbito do pretérito art° 685°-B, n° 2 , do CPC), seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso.” - ibidem 10 n. Por isso, “Indicando o recorrente determinados depoimentos gravados como relevantes em sede de impugnação da decisão em matéria de facto, mas não tendo cumprido o ônus processual da indicação com exatidão das passagens da gravação em que funda o seu recurso, a cominação imposta pelo art. ° 640°, n° 2, al. a), do Código de Processo Civil, é a imediata rejeição do recurso na respetiva parté’ - Acórdão da Relação de Guimarães de 29/9/2014 (Proc. n° 81001/13.0YIPRT.G1; relator - FILIPE CAROÇO), acessível on-line (o texto integral) www.dgsi.pt. Assente, pois, que tais formalismos não foram minimamente respeitados pelo ora Recorrente - o qual não curou de mencionar exactamente as passagens da gravação em que se funda a sua impugnação (como o exige a al. a) do n° 2 do mesmo art. 640°), limitando-se a mencionar a existência dum depoimento testemunhal (o prestado por uma Colega da Ré, a Sra. Dra. CC) e de declarações de parte do Autor e da Ré, não pode esta Relação senão rejeitar, imediata e liminarmente, o recurso por ela interposto, na parte atinente à impugnação da decisão sobre matéria de facto proferida em Ia instância, quanto aos factos descritos nos art°s 13° a 18° e 22° da PI. [9 Cfr., de igual modo no sentido de que « cumpre o ónus da impugnação da decisão da questão de facto, o recorrente que não procede à indicação exacta, precisa, das passagens da gravação em que o fundamenta, limitando-se a indicar o início e o terminus dos depoimentos e a proceder à transcrição parcial deles», o Acórdão da Relação de Coimbra de 10/2/2015 (Proc. n° 2466/11.4TBFIG.C1; relator - HENRIQUE ANTUNES), acessível on- line (o texto integral) in www.dasi.nt. 10 Cfr., também no sentido de que «A indicação "com exactidão [d]as passagens da gravação em que se funda", exigida pelo artigo 640.° n.° 2 CPC, concretiza-se mencionando, no mínimo, o minuto em que cada uma de tais "passagens" tem o seu início; ela não se pode ter por efectuada quando somente se menciona a hora do início e do fim de cada depoimento ou se transcreve partes de», o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/11/2014 (Processo n° 1258/11.5TBPTL-A.G1; relator - ANTÓNIO BEÇA PEREIRA), acessível on-line (o texto integral) in www.dgsi.pt. 11 Cfr., igualmente no sentido de que «A indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso sobre a impugnação da matéria de facto, exigida pelo n° 2 do art. 640° do CPC, concretiza-se mencionando, no mínimo, o minuto em que cada uma de tais passagens tem o seu início, não podendo a mesma ter-se por efectuada quando apenas se menciona a hora do início e do fim de cada depoimento ou quando apenas se transcreve partes de.», o Acórdão da Relação de Guimarães de 17/12/2014 (Proc. n° 447/08.4TBAVV.G1; relator - MANUEL BARGADO), acessível on-line (o texto integral) in www.dasi.pl.] iii) Quanto aos factos - que o tribunal “a quo” considerou meramente conclusivos - alegados nos arts. 31° e 32° (até abandono) da petição inicial: O teor dos arts. 31° e 32° da PI é ostensivamente conclusivo: - A inércia da Ré e a impossibilidade de contactos, durante mais de um ano, prejudicou de forma directa o direito do Autor em intentar a acção pretendida e em ser ressarcido do seu crédito (art. 31°); - A Ré votou o Autor ao abandono (art. 32° da PI). Em ambos os casos, estamos perante afirmações que teriam de resultar da prova de factos concretos que evidenciassem a alegada inércia da Ré e por que rezão e em que medida é que essa propalada inércia teria impedido ou obstaculizado o exercício do direito de acção judicial do Autor contra a sociedade que ele pretendia demandar e a efectivação do seu pretenso direito de crédito contra essa sociedade (art. 31°). Por outro lado, ficaram por invocar factos concretos dos quais se pudesse extrair a conclusão de que o Autor foi abandonado pela ora Ré (art. 32°). Não tendo sido invocados factos concretos que, uma vez provados, permitissem extrair as asserções de índole conclusiva que o ora Apelante fez constar dos mencionados arts. 31° e 32° da PI, bem andou o tribunal “a quo” quando afirmou não se estar perante matéria factual susceptível de ser considerada provada ou não provada. Assim sendo, a Apelação improcede, quanto a esta questão da impugnação (parcial) da decisão sobre matéria de facto contida na sentença, mantendo-se inalterada a matéria de facto fixada em Ia instância.” 2. O Recorrente interpôs recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça, não admitido – e como resulta da leitura dessa decisão foi decisivo para a não admissão do recurso o valor da causa ser inferior à alçada do Tribunal da Relação (valor era de 16.596.47 euros). 3. Tendo havido recurso para o Tribunal Constitucional, o mesmo não foi admitido por acórdão de 12.10.2023, notificado a 13.10.2023 com envio de cópia da decisão ao mandatário, e que o recorrente considerou eficaz a 16.10.2023. 4. Em 15.12.2023 o recorrente apresentou recurso de revisão junto do TRL, no qual indicou: “AA (a quem foi concedido o benefício de Apoio Judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono) Recorrente nos autos à margem identificados, que já transitaram em julgado, por decisão definitiva do Tribunal Constitucional, notificada ao Recorrente em 16/10/2023, E, por considerar que, nos autos em apreço, resulta responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, vem, nos termos do disposto no artigo 696º h) do C.P.C., interpor Recurso de Revisão, do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 22/9/2022. 5. Por decisão singular do relator junto do TRL, o recurso de revisão foi liminarmente indeferido (“Pelo exposto, resulta que nos termos do art.º 699.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, não havendo motivo para a revisão do Acórdão recorrido, se impõe o indeferimento do recurso de revisão agora interposto.”), mas sem que a procedência do recurso deixasse de ser analisada, já que o tribunal tomou em consideração o fundamento do recurso e analisando os argumentos do recorrente debruçou-se sobre a questão de mérito (teria havido um erro judiciário com as características exigidas pelo regime da responsabilidade do Estado?) e respondeu negativamente – o tribunal, na decisão a rever, teria interpretado a lei (o art.º 640.º do CPC) de acordo com a orientação jurisprudencial seguida e dominante, o que traduz uma actividade de aplicação do direito ao caso concreto onde não se identifica qualquer ilicitude manifesta ou grosseira, mas tão só o exercício normal da judicatura. 6. Tendo havido reclamação do indeferimento para a conferência, veio a ser proferido o acórdão – recorrido – que confirma o indeferimento liminar do recurso de revisão com a não procedência do recurso de revisão, mantendo-se fundamentação. 7. Não se conformando com o indeferimento, o A./recorrente, veio recorrer do acórdão do TRL para este STJ, formulando as seguintes conclusões: 1-O M.D. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de que ora se recorre, e que no âmbito do Recurso de Revisão em apreço, é decisão de primeira instância, entendeu, que não existia fundamento para a presente Revisão, considerando que: …. nenhuma das razões invocadas é suscetível de integrar uma causa de revisão do Acórdão proferido com fundamento em responsabilidade civil do Estado, tendo aqui presente as normas e a doutrina e jurisprudência a que acima se fez referência. 2-Ora, salvo o devido respeito, toda a fundamentação apresentada no M.D. Acórdão ora recorrido, surge desenquadrada daquela que é a fundamentação legal prevista no disposto no artigo 696º alínea h) do C.P.C., 3-Já que, esta mesma disposição legal, apenas foi introduzida pela Lei 117/2019 de 13/9. 4-Ou seja, nenhum dos exemplos identificados na vasta jurisprudência indicada pelo douto Tribunal de Relação diz respeito à alínea h) do artigo 696º do C.P.C. (disposição que fundamenta o recurso de revisão do ora Recorrente), isto porque nenhum desses Acórdãos é posterior à alteração legislativa levada a cabo em 2019. 5-E que passou a integrar como fundamento do Recurso de Revisão: Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte. 6-No entender do ora Recorrente, existe, nos presente saltos, de forma inequívoca, nos presentes autos, responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional 7-Em sede de recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, por unanimidade, confirmando a sentença de 1ª Instância que negou provimento à pretensão do Autor/Recorrente (julgou a acção improcedente por não provada e absolveu a ré do pedido), e na parte que ora releva, que: “….. ii} Relativamente aos factos - que o tribunal "a quo" considerou não provados - descrito nos artºs 13° a 18° e 22° da PI: Sob o ponto de vista formal, constata-se que o ora Apelante não deixou de delimitar o âmbito da impugnação da decisão de facto do tribunal "a quo", indicando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (como impõe a al. a) do n.º 1 do cit. art.º 640° do CPC de 2013), nem de apontar os concretos meios probatórios, constantes do processo, que - na sua perspetiva - imporiam decisão de facto diversa da recorrida (como exige a al. b) do n.º 1 do mesmo art.º 640°). Simplesmente, apesar de esses meios probatórios consubstanciarem depoimentos prestados em Audiência de Julgamento por testemunhas nessa sede inquiridas ou declarações de parte prestadas em audiência pelo Autor e pela ora Ré e que foram objeto de registo sonoro, o ora Apelante dispensou-se de mencionar exatamente as passagens da gravação em que se funda a sua impugnação (como exige a al. a) do n° 2 do mesmo preceito), limitando-se a mencionar a existência desses depoimentos e dessas declarações, nem sequer os transcrevendo (total ou parcialmente). Quid juris? Segundo uma orientação jurisprudencial que tem vindo a sedimentar-se nas Relações, sobretudo após a entrada em vigor (em 1/9/2013) do CPC aprovado pela Lei n° 41/2013, de 26 de Junho, "Ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder a transcrição dos excertos que considere relevantes (n° 2, a) do art.º 640° do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685°-B do CPC)." - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/12/2014 (Processo n° 6213/08.0TBLRA.Cl; relator FALCÃO DE MAGALHAES}, acessível online (o texto integral) in www.dgsi.pt. Assente, pois, que tais formalismos não foram minimamente respeitados pelo ora Recorrente - o qual não curou de mencionar exatamente as passagens da gravação em que se funda a sua impugnação (como o exige a al. a) do n° 2 do mesmo art. 640°), limitando-se a mencionar a existência dum depoimento testemunhal (o prestado por uma Colega da Ré, a Sra. Dra. CC) e de declarações de parte do Autor e da Ré, não pode esta Relação senão rejeitar, imediata e liminarmente, o recurso por ela interposto, na parte atinente a impugnação da decisão sobre matéria de facto proferida em 1a instancia, quanto aos factos descritos nos art.ºs 13°a 18°e 22°da PI. 8-Ora, vejamos o que diz a lei, Refere o artigo 640º do C.P.C.: Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; 9-No que diz respeito à impugnação da decisão sobre matéria de facto proferida em 1a instancia, quanto aos factos descritos nos art.ºs 13°a 18°e 22°da PI, o ora Recorrente, no cumprimento integral do disposto no artigo 640 n.º 1 alínea b) e n.º 2 alínea a), indicou as exatas passagens da Gravação da Audiência de Julgamento, referindo-se especificamente às Declarações de Parte do Autor e da Ré e ao depoimento da Dra. CC, como concretos meios probatórios, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, cumprindo igualmente o disposto no artigo 640º n.º 1 do C.P.C. 10-Salvo o devido respeito, a lei, ao referir exatidão, não determina que tal exatidão tenha que se traduzir na indicação - mister….., por referencia ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o inicio e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso." – Nada na lei é referido quanto a essa exigência. 11-Tal exigência resulta, conforme se encontra igualmente explanado no M.D. Acórdão recorrido, de meras interpretações jurisprudenciais. 12-Aliás, conforme decorre da lei, a Gravação da Audiência de Julgamento é integralmente disponibilizada ao Tribunal de Recurso. 13-E, por confronto ao quadro que faz parte da Gravação disponibilizada ao Tribunal de Recurso, resulta claro e inequívoco que: - As declarações de parte do Autor se encontram registadas na gravação de dia 28/10/2019 – 00:20:57 a 01:09:34 - As declarações de Parte da Ré se encontram registadas na gravação de dia 28/10/2019 – 00:22:44 a 00:57:54 - O depoimento da testemunha Dra. CC se encontra registado na gravação de 28/10/2019 – 00:01:16 a 00:10:55. 14-Pelo que terá que se concluir que a indicação que o ora recorrente fez nas suas alegações de Recurso, cumpre o dispositivo legal do artigo 640 n.º 2 alínea a) do C.P.C., 15-Termos em que o indeferimento liminar do recurso, na parte atinente a impugnação da decisão sobre matéria de facto proferida em 1a instancia, quanto aos factos descritos nos art.ºs 13°a 18°e 22°da PI, carece em absoluto de qualquer fundamento legal. 16-Até porque tal impugnação, fundamentou-se não só na prova gravada indicada como também dos documentos indicados nas alegações do Recorrente. E tais documentos não foram sequer considerados pelos Venerandos Desembargadores, sem que para tal existisse qualquer fundamento legal. 17-Verificamos assim que as interpretações jurisprudenciais conferidas ao disposto no artigo 640º n.º 2 alínea a) do C.P.C. têm vindo a cimentar uma obrigação de indicação do “inicio e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento”. 18-Querendo isto dizer que a redação expressa no artigo 640 n.º 2 alínea a) do C.P.C. não encontra acolhimento legal na interpretação jurisprudencial dessa mesma norma. 19-A não coincidência entre a redação do disposto no artigo 640º n.º 2 alínea a) do C.P.C. e a interpretação jurisprudencial que é conferida a esse dispositivo, determina uma limitação do direito de defesa do cidadão e como tal, a violação o disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa nomeadamente do princípio de acesso ao Direito e tutela Jurisdicional efetiva, do direito ao recurso, do princípio da igualdade de armas e do direito a um processo equitativo. 20-Por outro lado, verificamos que as posteriores decisões jurisprudenciais suscitadas pelo Recorrente, que junto do Supremo Tribunal de Justiça, quer no Tribunal Constitucional, utilizam igualmente subterfúgios legais para não apreciar a verdadeira questão suscitada pelo Recorrente. 21-Sejam a alçado do Tribunal ou o facto de “a putativa interpretação indicada pelo Reclamante, não integrou a ratio decidendi da decisão recorrida, um eventual julgamento da inconstitucionalidade que sobre a mesma incidiria não teria a virtualidade de se projetar na solução jurídica dada ao caso pelo juiz a quo.” 22-Em suma, um conjunto de decisões jurisdicionais, que sem atender ao verdadeiro interesse da justiça e da descoberta da verdade material, e que não cumprem o seu desígnio primordial que é a correta e cabal interpretação da lei, com vista à realização da justiça. 23-Criando obstáculos inultrapassáveis ao Recorrente no seu direito constitucional de acesso à justiça e provocando danos na esfera jurídica do mesmo. 24-Nos termos do n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (na redacção conferida pela Lei n.º 31/2008, de 17/07), “A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege-se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial” 25-Nos termos do n.º 1 do art.º 8.º da Lei n.º 67/2007, “Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo”. 26-E nos termos do n.º 2 do art.º 8.º da Lei n.º 67/2007, “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações e omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício”. 27-Determinando consequentemente, que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 22/9/2022 e que absolveu a Ré/Recorrida do pedido, provocou danos irreparáveis ao Recorrente e a consequente responsabilidade civil do Estado nos termos da alínea h) do artigo 696º do C.P.C. 28- Verificando-se assim evidente e devidamente fundamentado, o motivo do presente recurso de Revisão. Nestes termos e nos demais de direito e, sempre com o muito douto suprimento de Vexas, deverá o presente Recurso, ser julgado procedente por provado, pelos fundamentos de direito supra invocados e, em consequência deverá ser revogado o M.D. Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que rejeitou o recurso interposto pelo Recorrente, com todas as demais e legais consequências, com o que se fará a devida. JUSTIÇA!!!!!!!” 8. O recurso foi admitido no Tribunal recorrido, com a prolação do despacho: “Por tempestivo e legal, uma vez que o recurso de revisão foi requerido relativamente a um Acórdão da Relação, ter legitimidade e estar em tempo, admite-se o recurso de revista interposto pelo A. (conf. art.º 671º, n.º 1; 631º; 638º, n.º 1; 639º; 674º, n.º 1, b) todos do Código de Processo Civil). O recurso sobre imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – art.º 675º, n.º 1; 676º, n.º 1, a contrario, ambos do Código de Processo Civil. Not.” 9. O MP apresentou contra-alegações no recurso sustentando que é de manter o indeferimento liminar, e oferecendo as seguintes conclusões: “I. Constitui objeto de REVISÃO o Acórdão proferido em 22/9/2022, no âmbito do apenso A, já transitado em Julgado. II. O Douto Acórdão prolatado neste apenso, em 4/4/2024 entendeu que, nos termos do artigo 699º, nº 1 do CPC, não havia fundamento para o pedido de revisão, indeferindo deste modo o recurso interposto. III. Este Acórdão, objeto do recurso de revisão, não deixou de consolidar o entendimento preconizado, no que concerne à reapreciação da matéria de facto, socorrendo-se de Jurisprudência dominante favorável à sua tese e fazendo uma interpretação consentânea com os preceitos legais invocados. IV. O recorrente interpôs recurso de Revista, reiterando o plasmado nas conclusões constantes do recurso de revisão. V. É por demais evidente que a impugnação da decisão da matéria de facto, deduzida pelo recorrente, mais não é que uma mera manifestação de inconsequente inconformismo. VI. Refere o acórdão do STJ de 12.07.2018, CJ/STJ, II, pág. 177, “A consagração da responsabilidade civil extracontratual do Estado pelos danos causados por erro judiciário, “é novidade introduzida pelo regime criado pelo RRCEE, assim assumindo como certa ideia, hoje consensual, de que o Estado deve ressarcir os danos decorrentes de acto ilícito e culposo cometido no exercício da função jurisdicional por um dos seus servidores, tal como sucede como os provocados no âmbito das demais responsabilidades estaduais.” VII. Estando em causa a responsabilidade civil extracontratual do Estado por alegado erro grosseiro de uma decisão judicial, é imperioso tomar em conta os princípios constitucionais, todos concretizados na lei ordinária, que definem a estrutura do poder judicial, a organização dos tribunais e o estatuto dos juízes (Cf. artigos 202, nº2º, 203º da CRP, 205º e 216º, nº2, todos da CRP artigos 3º, nº 2, 4º, nº 2, 5º, nºs 1 e 2 da Lei 21/85 de 30.07(EMJ) VIII. Deflui do exposto que para fundamentar a responsabilidade civil do Estado, o erro cometido deve revestir determinadas características, sendo entendimento pacífico que apenas o erro evidente, crasso, indesculpável, inadmissível e sem justificação, que só por desatenção ou desleixo foi cometido, pode ser qualificado como erro grosseiro para efeitos do art.º 13º do RRCEE. IX. O Acórdão, objeto de revisão, não incorre ou tem subjacente um erro de direito, passível de fundamentar a responsabilidade civil extracontratual do Estado. X. Ou seja, o Acórdão cuja revisão se pretende não incorreu em erro grosseiro para efeitos do art.º 13º do RRCEE, sendo manifesto que se alicerçou nas normas jurídicas aplicáveis à situação e à melhor jurisprudência, para além de que a ciência do Direito não é exata, faz parte da sua essência, a controvérsia, a argumentação e interpretação. XI. Carece de razão o recorrente ao invocar que a jurisprudência citada e vertida no acórdão não tem aplicação no caso vertente ou se mostra desadequada, tendo em consideração a data da alteração ao artigo 696º do CPC, com o aditamento da al. h) (Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro) XII. Ora, esta alínea tem que ser conjugada com as demais normais legais aplicáveis, de modo a delimitar o conceito de erro, passível de objetivar e fundamentar a responsabilidade civil extracontratual do Estado (v.g. Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro) XIII. Daí, a relevância da jurisprudência indicada e o desacerto da argumentação assinalada pelo recorrente. XIV. O Recorrente, na verdade, fundamenta o Recurso de revisão manifestando a sua discordância face ao que ficou decidido, no que tange à reapreciação da matéria de facto, sendo evidente que a solução encontrada mostra-se fundamentada e ancorada na lei, designadamente ao sustentar que o recorrente não cumpriu o ónus imposto pelo artigo 640º do CPC, quanto aos factos descritos nos artigos 13º a 18º e 22º da PI; omissão essa que constitui fundamento de rejeição da reapreciação da matéria de facto. XV. Em suma, o Recorrente não observou esta disposição legal, nem sequer indicou o início e o termo das declarações e depoimentos de que se queria fazer valer! XVI. Não é de todo razoável ou aceitável o argumento de que “a redação expressa no artigo 640º, nº 2, al. a) do CPC não encontra acolhimento legal na interpretação jurisprudencial dessa mesma norma”! XVII. O objetivo da jurisprudência, enquanto fonte de direito, é precisamente facilitar o julgamento de processos em que se discutem questões idênticas, reduzindo a discrepância nas decisões sobre assuntos similares, apresentando-se como orientador dos intervenientes processuais, incluindo as partes e os advogados, assumindo o papel interpretativo das normas jurídicas e oferecendo segurança jurídica quanto ao desfecho das ações. XVIII. O Acórdão de 22/9/2022, sustenta que “não se justifica proceder à reapreciação da matéria de facto fixada pelo tribunal “a quo”, visto que, ainda mesmo que fossem aditadas aos factos considerados provados em Ia instância aquelas menções - supra indicadas - que o ora Recorrente pretende ver-lhe acrescentadas por esta Relação, nem por isso a ora Ré/Apelada ficaria constituída na obrigação de pagar ao Autor/Apelante a quantia indemnizatória (a título de danos patrimoniais e extra-patrimoniais) que este dela reclama, com base numa alegada (mas não demonstrada) violação dos seus deveres estatutários enquanto patrono oficioso do aqui Autor. “ XIX. Por outro lado, não compete ao Tribunal da Relação apreciar decisões jurisdicionais proferidas por outros tribunais, conforme pretensão do recorrente, invocando que quer o STJ quer o Tribunal Constitucional utilizaram subterfúgios legais para não apreciar a verdadeira questão suscitada. XX. Na verdade, a competência para apreciar a revisão das decisões proferidas compete ao Tribunal que proferiu tais decisões. XXI. Acresce, como se conclui no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/1/2022, Proc. n.º 1028/19.2T8VRL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “Tal como o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar uniformemente, não resulta da Constituição nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, consagrado no citado artigo 20.° da Constituição, reconhecendo-se, nesse âmbito, ao legislador ordinário uma ampla margem de discricionariedade na concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos, com o limite decorrente da própria previsão constitucional de tribunais superiores que lhe veda suprimir em blocos a recorribilidade ou fazê-la depender de circunstâncias que traduzam a violação do princípio da proporcionalidade.” XXII. Consequentemente, o Acórdão, cuja revisão se pretende, em decisão sufragada por este Tribunal da Relação de Lisboa, aplicou o Direito ao caso, com o que assegurou nele a tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente garantida. XXIII. Destarte, a não admissão dos recursos, a que se reporta o recorrente, não consubstancia qualquer inconstitucionalidade na restrição do acesso à justiça, nem se vislumbra que no caso concreto a decisão tenha violado o princípio do acesso ao direito ou da proporcionalidade. XXIV. Neste conspecto, o douto acórdão recorrido não merece censura, não se mostrando violadas as normas jurídicas mencionadas na alegação. Face ao exposto, deverá manter-se na íntegra o decidido no douto acórdão recorrido, com o que farão, V. Excelências, aliás como sempre, JUSTIÇA!” II. Admissibilidade do recurso O recurso de revisão apresentado junto do Tribunal da Relação, com fundamento na necessidade de obter uma prévia revogação da decisão proferida por este Tribunal a fim de posteriormente se intentar uma acção de responsabilidade civil contra o Estado português por erro judiciário foi, no tribunal próprio, a Relação, objecto de análise e, posteriormente, decisão de indeferimento liminar pelo relator. O Tribunal da Relação funcionou, para o processo de revisão em causa, como primeira instância, mas não deixa de ser um Tribunal da Relação no seu todo e com todas as implicações. E porque a decisão de indeferimento não foi satisfatória para o recorrente, foi por ele exercida a faculdade de ver a decisão reanalisada em colectivo, que deu origem ao acórdão recorrido. Com esta análise a parte viu ser-lhe conferida a possibilidade de contraditório e reponderação do indeferimento liminar. O tribunal da Relação funcionou como 1ª instância na revisão mas não deixou de ser um tribunal com alçada definida pela lei – 30.000 euros. E a presente causa tem apenas o valor de 16.596.47 euros, inferior a essa alçada. Foi essa mesma circunstância – falta de valor e alçada – que fez malograr o recurso de revista que o A. havia interposto do acórdão do TR que agora pretende ver revisto. Considerando que: i. não há norma jurídica que determine que, quando o Tribunal da Relação funciona como 1ª instância, se considera que o seu valor de alçada passa a ser o da 1ª instância; ii. a norma do art.º 234ºA do CPC do CPC anterior1 - que está consagrada, no que aqui interessa nos art.ºs 241.º, nº7 e 239.º, n.º3, al. c) do CPC - , não é de aplicação à situação dos autos, por não estarmos em situação equivalente, tendo já havido citação e decisão judicial no âmbito do processo objecto de revisão – e aí se alude expressamente ao recurso para a Relação; - 241.º, nº7 e 629.º, n.º3, al. c) do actual CPC2; iii. o recorrente viu a sua pretensão ser analisada quer pelo relator, quer pela conferência do Tribunal da Relação, consubstanciando-se em duas decisões sobre a mesma questão – equivalente, na substância, à solução preconizada pelo antigo art.º 234-A do CPC / e, agora, art.ºs 241.º, nº7 e 629.º, n.º3, al. c)34; iv. o processo de revisão, pelo menos, na primeira fase (juízo rescindente, na qual se inclui a fase de admissão), aproxima-se mais do regime dos recursos do que do regime das acções5; v. o recurso de revista no processo principal objecto da presente revisão não era admissível - e não foi concretamente admitido - por falta de valor e que por esse motivo não será aceitável que se pretenda que o STJ conheça, em revisão, daquilo que não pode conhecer em revista; vi. sobre os recurso em processo de revisão dispõe o art,º 697.º, n.º6 que as “decisões proferidas em processo de revisão admitem os recursos ordinários a que estariam originalmente sujeitas no decurso da acção em que foi proferida a sentença a rever”, norma que se interpreta no sentido de poder haver recurso para o STJ, sem dispensa de valor/alçada, nos mesmos moldes em que não houve tal dispensa no processo principal de cuja revisão constitui apenso (art.º 698.º, n.º1 do CPC). o presente recurso em processo de revisão não se afigura legalmente admissível. Mas, porque a questão é duvidosa na doutrina e em alguma jurisprudência, não obstante ser esta a convicção do tribunal, admite-se o recurso e assim se conhecerá da questão de fundo. III. Fundamentação Deve o acórdão objecto do recurso de revisão ser revogado ou anulado por erro judiciário, para efeitos de o recorrente poder responsabilizar o Estado português, nos termos da Lei 67/2007? O recorrente entende que sim. Quer na decisão singular, quer no acórdão ora em recurso, a resposta foi: não há qualquer razão para a revisão da decisão. IV. A questão que poderia conduzir à revisão e que o recorrente coloca é a seguinte: terá o tribunal da Relação, no acórdão de 2022, violado ilicitamente a lei, de molde a estarem preenchidos os requisitos legais de procedência da revisão? Segundo o recorrente o erro e a violação ilícita da lei teriam redundado na não aplicação correcta do disposto no art.º 640.º do CPC, quando o tribunal – a propósito da impugnação da matéria de facto relativa aos factos descritos nos art.ºs 13º a 18.º e 22.º da PI – considerou que o apelante não havia dado cumprimento aos ónus inscritos na lei de indicar as passagens concretas das gravações (depoimento de testemunhas e de parte) que sustentaria a sua proposta de alteração dos factos não provados. A seu ver a lei apenas exigia que indicasse que se tratava do concreto depoimento de certa testemunha (Dra CC) e de parte (do A.), sem que tivesse de seleccionar na gravação existente, onde a referida alteração seria sustentada. As exactas passagens das gravações seriam a própria gravação e o ónus estariam cumpridos com a indicação do meio. Ao interpretar a lei de forma diversa, diz o recorrente – exigindo mais do que o que o recorrente considera devido – estaria o tribunal a exorbitar a sua função de administrar a justiça, interpretando a lei de forma violadora da Constituição Portuguesa, interpretação que a demais jurisprudência (indicada pelo tribunal) acompanharia. Por sua vez o tribunal entendeu que a exigência da lei – complementada pela orientação que sobre a correcta interpretação da mesma foi sendo formada nos tribunais – impunha algo mais: uma explicitação mais detalhada, por referência a cada gravação, de cada depoimento, dos termos e local (e como se pode identificar o local num ficheiro áudio se não houver referência ao início e termo temporal da gravação que se pretende seja considerada?) onde a alteração propugnada se ancoraria, o que defendeu com a citação de jurisprudência vária dos Tribunais da Relação, conjugada com a interpretação das normas relevantes, incluindo a norma que permite à parte juntar a transcrição da gravação. Na análise empreendida agora, em sede de revisão, o tribunal da Relação voltou a reanalisar a questão. E não encontrou nenhum motivo para se entender que na lógica interpretativa do anterior aresto teria havido ilicitude, por violação manifesta e patente da lei, que pudesse fundamentar a responsabilidade do Estado. A exactidão constante do art.º 640.º não se bastaria com a indicação do meio de prova, pressupondo algo mais. Para isso analisa, novamente, as referidas disposições legais onde a boa interpretação ancora a distinção legal entre indicação “dos concretos meios de prova” e “exactidão as passagens da gravação em que funda o recurso” – art.º 640.º, n.º1, al. b) e n.º2, al. a) do CPC. Teve, então, o tribunal oportunidade de rebater a posição interpretativa do recorrente. E disse: ““É entendimento pacífico que apenas o erro evidente, crasso, indesculpável, inadmissível e sem justificação, que só por desatenção ou desleixo foi cometido, pode ser qualificado como erro grosseiro para efeitos do art. 13º do RRCEE. O Conselheiro Carlos Alberto Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, 2ª edição, (pag. 262), escreve o seguinte: “O erro de direito, enquanto fundamento de responsabilidade civil, deverá revestir-se de um suficiente grau de intensidade, no sentido de que deverá resultar de uma decisão que, de modo evidente, seja contrária à Constituição ou à lei, e por isso desconforme ao direito, e que não possa aceitar-se como uma das soluções plausíveis da questão de direito. No mesmo sentido, se exprime o Professor Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina, 7ª edição, pag.674: “Sob pena de se paralisar o funcionamento da justiça e perturbar a independência dos juízes, impõe-se aqui um regime particularmente cauteloso, afastando, desde logo, qualquer acto de responsabilidade por actos de interpretação das normas de direito e pela valoração das provas. (…) Só nos casos de dolo ou culpa grave, “a culpa do juiz” tem de se integrar na ideia de funcionamento defeituoso do serviço de justiça”, também sob pena de se pôr em causa as dimensões fundamentais do iusdicere (autonomia e independência).” Na jurisprudência do STJ e sem preocupação de se ser exaustivo, citam-se as seguintes decisões: Ac. STJ de 28.02.2012, CJ/STJ, I, pag. 105: “Os actos de interpretação das normas de direito e de valoração jurídica dos factos e das provas, núcleo da função, jurisdicional, são insindicáveis; O erro de direito só constituirá fundamento de responsabilidade quando, salvaguardada a referida essência da função jurisdicional, seja grosseiro, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas.” (Ac. STT 23.10.2014, P. 1668/12): “O erro de direito para fundamentar a obrigação de indemnizar terá de ser escandaloso, grasso, supino, procedente de culpa grave do errante, sendo que só o erro que conduza a uma decisão aberrante e reveladora de uma actuação dolosa ou gravemente negligente é susceptível de ser qualificada como de “erro grosseiro”.” (Ac. STJ de 24.2.2015, CJ/STJ, I, pag. 114 e ss); “O erro de direito terá de ser manifestamente inconstitucional ou ilegal; não basta a mera existência de inconstitucionalidade ou ilegalidade, devendo tratar-se de erro evidente, crasso, indesculpável, que o magistrado tem o dever de não cometer.” No acórdão supra citado de 28.02.2012 (Nuno Cameira), teceram-se as seguintes considerações que pela sua pertinência se transcrevem “ (…) a ciência do Direito não é exacta, faz parte da sua essência, a controvérsia, a argumentação e interpretação. Por outro lado, como alguém já lembrou, o número de casos excederá sempre o número de leis; e como não vivemos num mundo ideal, perfeito, nem o legislador é capaz de prever todas as hipóteses possíveis, nem os tribunais conseguem sempre, na prática, adequar sem distorções as leis às situações da vida que lhes compete apreciar. Enfim, a verdade absoluta é inatingível: tem de admitir-se a hipótese de ocorrência de erros na decisão jurisdicional, quer de facto quer de direito, porque nenhum dos intervenientes processuais, começando pelas partes e seus advogados, passando pelas testemunhas e peritos, e terminando nos juízes, tem o dom da infabilidade; todos estão sujeitos a errar e a induzir em erro.” E acrescenta este douto aresto: “A culpa do juiz só pode ser reconhecida, no tocante a decisão que proferiu, quando esta é de todo desrazoável, evidenciando um desconhecimento do Direito ou uma falta de cuidado ao percorrer o “iter” decisório que a levem para fora do campo dentro do qual é natural a incerteza sobre qual vai ser o comando emitido.” Ainda a propósito da apreciação que se há-de fazer do erro e com interesse para o caso que aqui nos ocupa, veja-se o que se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 774/96 - 1.ª Secção - Relator: Cons. Ribeiro Coelho: “(…) XIII - Visto que as suas características de generalidade e abstracção distanciam cada vez mais a lei dos casos da vida, e considerando a multiplicidade de factores, endógenos e exógenos, determinantes da opção final que o juiz toma, bem se compreende que seja com grande frequência que se manifestam sobre a mesma questão opiniões diversas, cada uma delas capaz de polarizar larga adesão, e com isso se formando correntes jurisprudenciais das quais, se se pode ter a certeza de que não estão ambas certas, já difícil ou impossível será assentar em qual está errada. XIV - Dentro deste quadro, a culpa do juiz só pode ser reconhecida, no tocante ao conteúdo da decisão que proferiu, quando esta é de todo desrazoável, evidenciando um desconhecimento do Direito ou uma falta de cuidado ao percorrer o iter decisório que a levem para fora do campo dentro do qual é natural a incerteza sobre qual vai ser o comando emitido. XV - Não é sindicável a actividade de interpretação de normas jurídicas. XVI - Se a decisão judicial examinou cuidada e aprofundadamente a questão e os elementos doutrinários e jurisprudenciais a ela atinentes e chegou a uma conclusão que não pode facilmente ser apodada de errada, e nem sequer de lhe haver dado origem uma atitude negligente dos julgadores, e, ainda muito menos, de provir de uma negligência indesculpável e intolerável, não há actividade culposa relevante para o efeito. XVII - Não pode um juiz ser criticado como gravemente negligente se, após considerar com cuidado uma questão que lhe é posta, segue uma orientação que, não sendo indiscutível, tem a seu favor o apoio que lhe dão outras já proferidas no mesmo sentido. (…)”. Revertendo agora ao caso concreto, afigura-se que o Recorrente, na verdade, fundamenta o Recurso de revisão manifestando a sua discordância face ao que ficou decidido o que, sendo fundamento de recurso ordinário (agora já inadmissível, face ao trânsito em julgado) não sustenta o recurso de revisão. Com efeito, desde já se adianta, nenhuma das razões invocadas é susceptível de integrar uma causa de revisão do Acórdão proferido com fundamento em responsabilidade civil do Estado, tendo aqui presente as normas e a doutrina e jurisprudência a que acima se fez referência.” E mais disse sobre a procedência do recurso: “Argumenta o Recorrente que deu cumprimento integral ao disposto no art.º 640º, n.º 1, b) e n.º 2, a) do Código de Processo Civil. Não é verdade; lidas as alegações e conclusões de recurso resulta, tal como referido no Acórdão agora posto em crise, que o Recorrente se limitou a referir “(…) Declarações de parte de Autor e Ré, (…) e também, do depoimento da Dra. CC (…)”. Invoca o Recorrente nas suas Conclusões de Recurso: “4 - Salvo o devido respeito, a lei, ao referir exatidão, não determina que tal exatidão tenha que se traduzir na indicação - mister….., por referencia ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o inicio e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso." (…) 5 Nada na lei é referido quanto a essa exigência.” Ora, o que resulta da Lei é precisamente, como impõe o n.º 2, a) do art.º 640º do Código de Processo Civil, que “a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. O Recorrente não observou esta disposição legal, nem sequer indicando o início e o término das declarações e depoimentos de que se queria fazer valer; tal omissão é fundamento de rejeição da reapreciação da matéria de facto. Veja.se que na posição que adoptou o Acórdão agora posto em crise, este veio referir Jurisprudência abonatória da sua decisão. Não se esquece aqui as posições mais recentes do Supremo Tribunal de Justiça sobre esta matéria (a título exemplificativo, a proferida no Proc. n.º 27/14.5T8CSC.L1.S1, de 23/5/2018, disponível em www.dgsi.pt) que numa interpretação mais favorável a quem recorre admite a reapreciação da matéria de facto quando, embora não se tenha feito referência às concretas passagens das gravações, as partes procedem às transcrições das partes que considerem mais relevantes. No entanto, transcrições (cópias do que se disse, passando as declarações ipsis verbis para escrito) não se confundem com as análises, conclusões ou súmulas ou interpretações que as partes venham a fazer dos depoimentos em causa, como efectuou o Recorrente. Não colhe assim desde logo o argumento do Recorrente que carece de fundamento legal a rejeição da reapreciação da matéria de facto. Alega ainda o Recorrente que o Acórdão recorrido olvidou a referência à prova documental; lida a fundamentação sobre a reapreciação da matéria de facto que supra se transcreveu verifica-se, sem necessidade de outra fundamentação, que tal afirmação não corresponde à verdade. Entende o Recorrente que “(…) a redação atual do disposto no artigo 640 n.º 2, alínea a) do C.P.C., está claramente ferida de inconstitucionalidade.” Ora, considerar que a redacção da norma em causa pode estar ferida de inconstitucionalidade, por exigir os requisitos que no Acórdão recorrido se entendeu terem falhado, entra em contradição com o fundamento anterior - que se consubstanciava em que afinal a norma não exige os requisitos que se invocou no Acórdão recorrido terem falecido. E limitar o acesso aos tribunais superiores estabelecendo para os recursos requisitos de admissibilidade há muito que se tem entendido não ser inconstitucional. Como já ensinava Lopes do Rego, O Direito fundamental de acesso aos Tribunais e a reforma do Processo Civil, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues I, Coimbra Editora, 2001, p. 764: “(…) é evidente que não pode pretender pôr-se seriamente em causa a existência, no ordenamento processual [especificamente nos domínios dos processos civil e laboral], de limites objectivos à admissibilidade do recurso, estabelecidos para as causas de menor relevância, tendo em conta a natureza dos interesses nelas envolvidos ou a sua repercussão económica para a parte vencida: é que tais limitações derivam em última instância, da própria ‘natureza das coisas’, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os tribunais superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais – sob pena de o número daqueles ter de ser equivalente ao dos tribunais de 1ª instância e com a consequente dispersão das tendências jurisprudenciais”. Como pode ainda ler-se no Acórdão nº 70/2021, de 27 de Janeiro de 2021, do Tribunal Constitucional, o direito de acesso aos Tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos; ou no acórdão nº 125/98, também do Tribunal Constitucional: a Constituição não exige a consagração de um sistema de recursos sem limites ou ad infinitum. A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos diversos “patamares” de recurso” (cf. Ainda Acs. do TC. nºs 72/99, 431/02, 374/02 e 106/06). Assim, como se conclui no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/1/2022, Proc. n.º 1028/19.2T8VRL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “Tal como o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar uniformemente, não resulta da Constituição nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, consagrado no citado artigo 20.° da Constituição, reconhecendo-se, nesse âmbito, ao legislador ordinário uma ampla margem de discricionariedade na concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos, com o limite decorrente da própria previsão constitucional de tribunais superiores que lhe veda suprimir em blocos a recorribilidade ou fazê-la depender de circunstâncias que traduzam a violação do princípio da proporcionalidade.” Não resultando assim qualquer inconstitucionalidade na restrição do acesso ao recurso, também não se afigura que no caso concreto a decisão tenha violado o princípio do acesso ao direito ou da proporcionalidade.” Que dizer? Este tribunal subscreve a posição defendida pelo aresto recorrido, dando-se por aqui reproduzida a fundamentação, que é também a que sustenta o presente acórdão. Acrescentaria ainda, em abono do aí referido: 1. Em momento algum o recorrente indica, para sustentar a sua argumentação, que, no caso em concreto, seria todo o teor da gravação absolutamente relevante, não obstante os mesmos terem 49 minutos de duração nas declarações de parte do A., 35 m no depoimento de parte da Ré, e 9 minutos no depoimento de CC! 2. A revisão nunca poderia ser procedente por o alegado erro ser da responsabilidade do recorrente, nos termos do art.º 696.º A, n.º1, al. a) do CPC
Artigo 696.º-A - Responsabilidade civil do Estado 1 - A revisão de decisão transitada em julgado no caso previsto na alínea h) do artigo anterior só é admissível se o recorrente:
Não havendo erro de direito “grosseiro, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas” não há fundamento para responsabilidade do Estado e, por ligação directa, para revisão da decisão judicial, nos termos invocados. 3. Nas circunstâncias indicadas, a solução interpretativa do tribunal foi adoptada no quadro de uma solução plausível da questão de direito, não havendo ilicitude no exercício da função jurisdicional realizada nestes moldes. 4. A solução que fundamentou o acórdão em revisão não se apresenta de todo desrazoável, não evidencia um desconhecimento do Direito ou uma falta de cuidado ao percorrer o “iter” decisório. 5. A decisão judicial examinou cuidada e aprofundadamente a questão e os elementos doutrinários e jurisprudenciais a ela atinentes e chegou a uma conclusão que não pode facilmente ser apodada de errada, e nem sequer se lhe pode assacar ter havido uma atitude negligente dos julgadores, e, ainda muito menos, de provir de uma negligência indesculpável e intolerável, pelo que nunca existiria actividade culposa relevante para o efeito de responsabilidade civil do Estado. V. Decisão Pelos motivos indicados, é de confirmar a decisão recorrida, sendo as custas da responsabilidade do recorrente (3 uc). Lisboa, 4 de Julho de 2024 Relatora: Fátima Gomes 1º adjunto: Nuno Ataíde das Neves 2º adjunto: Barateiro Martins _____ 1. Artigo 234.º-A - Casos em que é admissível indeferimento liminar 1 - Nos casos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 4 do artigo anterior, pode o juiz, em vez de ordenar a citação, indeferir liminarmente a petição, quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 476.º 2 - É sempre admitido recurso até à Relação, com subida nos próprios autos, do despacho que haja indeferido liminarmente a petição de acção ou o requerimento de providência cautelar.
2. Abrantes Geraldes, Recursos no processo civil, 5ªed, p. 64 diz: “o recurso para a Relação é assegurado independentemente do valor da causa. Já o recurso para o Supremo (…) estará condicionado, por um lado, pelo critério geral contido no n.º1 do art.º 629.º (valor) e, por outro, pelos requisitos específicos que rodeiam o recurso de revista….” 3. Artigo 641.º - Despacho sobre o requerimento 1- Findos os prazos concedidos às partes, o juiz aprecia os requerimentos apresentados, pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso, se a tal nada obstar. artigo 629.º - Decisões que admitem recurso 1 - O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa. b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;
4. Na p. 369, Luis Mendonça/Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, 2009, dizem, ainda que no domínio de versão distinta da lei, mas para a mesma problemática: “Do despacho de indeferimento do juiz de primeiro grau cabe sempre recurso para a Relação, ex art,º 234-ºA, n.º2. Se a decisão de indeferimento tiver sido proferida num tribunal superior, a decisão do relator é impugnável mediante reclamação para a conferência (art.º 700.º, n.º3).” 5. Opinião contrária (com dúvidas): Luis Filipe Brites Lameiras, Notas práticas ao regime dos recursos em processo civil, Almedina, 2009, p. 306, que aponta para o anterior regime do art.º 772.º, n.º5 do CPC – recurso da decisão de indeferimento, preceito que afirma eu a decisão que julga procedente a revisão é susceptível de recurso nos termos gerais, ainda que seja quanto à fase rescisória que afirma categoricamente se assemelhar muito a auma acção declarativa (p. 309); ESPÍRITO SANTO, Luís Filipe, Recursos Civis: O Sistema Recursório Português. Fundamentos, Regime e Actividade Judiciária. Lisboa: CEDIS, 2020, p. 2020, p. 345: “Este recurso obedece a regras totalmente diferentes da tramitação dos recursos em geral. Tem a estrutura de uma acção declarativa, com citação do requerido e contestação, produção das diligências de prova necessárias e decisão final, recorrível nos termos gerais.” Parecendo qualificar como recurso, Pinto Furtado, Recursos em Processo Civil (de acordo com CPC de 2013), Quid Juris, p. 176; Luis Correia de Mendonça/Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, 2009, p. 375 – indicando que concordam com José Alberto dos Reis – nas duas primeiras fases (limitar e rescindente) é um recurso e na fase resciósria é uma acção. |