Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
258/12.2TBPSR-C.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FUNDAMENTOS
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 06/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Os vícios da nulidade da sentença correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório.

II. A nulidade da sentença sustentada na sua contradição remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório por encerrar um erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão adversa à linha de raciocínio adotada.

III. A nulidade do acórdão sustentada na ininteligibilidade do discurso decisório quando o Tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, está diretamente relacionado com o comando fixado na lei adjetiva civil, segundo o qual o Tribunal deve resolver todas as questões, e só estas, que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

IV. Os autos de Oposição à execução visam a extinção da execução, mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo, ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da ação executiva.

V. O título executivo, condiciona a exequibilidade extrínseca da pretensão, é como o invólucro onde a lei presume se contem o direito violado, a certeza e a exigibilidade condicionam a exequibilidade intrínseca da pretensão, pois que a sua não verificação impede que, apesar de se reconhecer o direito do exequente à reparação efetiva, o devedor seja executado quanto a essa mesma prestação.

VI. O art.º 729º do Código de Processo Civil estabelece um numerus clausus dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, nomeadamente, o contra crédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos.

VII. A declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário, a interpretaria, tomando-se este declaratário, nas condições reais em que ele se encontrava, e finge-se depois ser ele uma pessoa razoável, medianamente instruída, diligente e sagaz, quer quanto à pesquisa das circunstâncias atendíveis, quer ao critério a utilizar na apreciação dessas circunstâncias.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO


1. BB, executado nos autos principais e neles devidamente identificado, veio deduzir oposição à execução contra AA, exequente nos mesmos autos e neles também devidamente identificada, pugnando pela procedência da oposição com a consequente extinção da instância executiva.

Articulou, com utilidade, inexistir o crédito exequendo, na medida em que o mesmo - na cláusula 7.ª, n.º 2, do Contrato Promessa de Permuta e Divisão de Coisa Comum celebrado em 25 de junho de 2015 - havia sido objeto de compensação total com um crédito de tornas que o Opoente detinha sobre a Oponida, resultante da escritura de permuta celebrada entre ambos em data anterior àquela (19 de maio de 2015), e justificando-se ainda pela diferença de valores entre os bens permutados entre ambos.

Acrescentou o Opoente que, ainda que tal crédito existisse, os juros devidos apenas poderiam ser contados desde a data da sua interpelação para pagamento, ocorrida em 5 de setembro de 2018, e que sempre haveria de ter em conta ser credor da Oponida das quantias de €35.182,06, 43.370,42 (esta última posteriormente corrigida, por requerimento apresentado em 5 de abril de 2019, para € 34.370,42) e ainda da quantia de €63.625,00.

2. Tendo sido requerida, em oposição, a suspensão da execução mediante prestação de caução, foi a mesma indeferida por despacho de 18 de fevereiro de 2019 (referência ...615), por não ter sido deduzida segundo as regras estabelecidas para o processo especial de prestação de caução.

3. Regularmente notificada, veio a Embargada pugnar pela improcedência da oposição, mantendo que o Embargante é devedor da quantia peticionada, nomeadamente, porque da referida cláusula 7.ª, n.º 2 do CPPDCC resulta que os créditos objeto de acerto foram apenas os resultantes da escritura de permuta de 19 de maio de 2015 e da verba n.º 1 da relação de bens do processo de inventário, ou seja, o crédito de €63.625,00 de que o Embargante ficou titular sobre a Embargada e o crédito de €114.792,88 de que esta era titular sobre aquele, acrescidos dos respetivos juros de mora. Assim, acrescentou, a compensação operada entre tais créditos redundou na sua extinção de acordo com a respetiva medida, exonerando-se totalmente a Embargada da sua obrigação para com o Embargante e este para com aquela da quantia de €63.625,00, no remanescente mantendo-se a sua obrigação inicial para com a mesma.

No que tange aos juros de mora, considera que a sua contagem se iniciou, pelo menos, em 30 de abril de 2009.  Por outro lado, e quanto aos créditos invocados pelo Embargante, não aceita o primeiro, por lhe faltarem os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade, nem o segundo, por existir uma situação de litispendência, sendo ainda incorreto o valor de tal crédito, atenta a data em que se iniciou a contagem dos juros de mora, nem tão pouco o terceiro, por já ter sido considerado nos autos principais ao ter sido deduzido ao crédito primitivo em dívida, sendo o crédito exequendo o diferencial acrescido de juros de mora.

4. Designada data para tentativa de conciliação, não se revelou possível a conciliação das partes por as mesmas manterem as posições vertidas nos articulados.

5. Foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido o despacho saneador que não foi objeto de reclamação.

6. Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou: “Nestes termos, julgo a presente oposição à execução totalmente procedente, por provada, determinando, em consequência, a extinção da execução a que a mesma se encontra apensa. Custas a cargo da exequente (artigo 527.º do CPC).”

7. É contra esta decisão que a Embargada/AA se insurge, interpondo recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, aduzindo as seguintes conclusões:

“A. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida nos Autos de embargos à execução que veio a julgar totalmente procedentes os embargos deduzidos e, consequentemente, ordenou a extinção da execução dos quais os mesmos constituem dependência.

B. Em concreto, entende a aqui Recorrente que a Douta Sentença sob recurso:

1. Padece das nulidades a que alude o art. 615.º, nº 1, al. c) e d), 2.ª parte, do CPC;

2. Caso não se conceda na nulidade por ocorrência do vício a que alude a al. c) do n.º 1, do art. 615.º do CPC, padece de erro de julgamento na medida em que existe contradição entre os fundamentos e a decisão.

3. Fez errada interpretação e aplicação do disposto no art. 236.º, 237.º e 238.º todos do Código Civil (CC) na parte em que apreciou e decidiu sobre o sentido da declaração negocial a extrair da cláusula 1.ª, n.º 3, da adenda ao Contrato Promessa de Permuta e divisão de coisa comum (de ora em diante, abreviadamente, CPPDCC) e infringiu o disposto no art. 607.º, n.º 5 do CPC.

C. Conforme dispõe o art. 678.º do CPC, as partes podem requerer nas conclusões da alegação que o recurso interposto das decisões proferidas no art. 644.º, n.º 1 do CPC suba directamente ao Supremo Tribunal de Justiça contanto que se mostrem preenchidos os requisitos, cumulativamente, expostos nas als. a) a d) do sobredito normativo.

D. Os presentes Autos têm valor superior à alçada do Tribunal da Relação; a sucumbência da Recorrente mostra-se, por seu turno, superior a metade do valor daquela alçada; conforme decorre das questões objecto de recurso, acima já sumariadas, o recurso visa apenas questões de direito e não são objecto de impugnação quaisquer decisões interlocutórias.

E. Conforme é pacificamente aceite, a interpretação da declaração negocial, quando se trate da sua perspectiva normativa, no sentido de se mostrar conforme, ou não, às regras contidas nos arts. 236.º a 238.º do CC.

F. Neste sentido, e sem prejuízo de outros, pode ler-se no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n.º 14/06.7TBCMG.G1.S1, que “O apuramento da vontade real das partes, no quadro da interpretação dos negócios jurídicos, apenas constitui matéria de direito – sujeita ao controle do STJ – quando, sendo ela desconhecida, devam seguir-se, para o efeito, os critérios fixados nos arts. 236.º a 238.º do CC.”.

G. Considerando o exposto nas conclusões antecedentes, requer-se, muito respeitosamente, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 678.º do CPC, que o presente recurso suba directamente ao Supremo Tribunal de Justiça na modalidade de recurso Per Saltum.

Da nulidade a que alude o art. 615.º, nº 1, al. d), 2.ª parte, do CPC

H. Do teor do articulado que deu início aos presentes autos a questão colocada a apreciação do Douto Tribunal “A quo” consubstanciava-se na alegada extinção da dívida exequenda por meio de compensação.

I. Com efeito, sem prejuízo dos demais alegados créditos invocados a título subsidiário, a questão que pelo Embargante veio a ser submetida à apreciação do Douto Tribunal reconduzia-se, e reconduz-se, à alegada existência de uma compensação entre o crédito exequendo e um suposto crédito que lhe seria devido em função de alegado (não concretizado nem provado) diferencial de valores dos bens a que se reporta a promessa de permuta e de divisão de coisa comum (CPPDCC), celebrada em 25.06.2015.

J. O mesmo resulta do Despacho Saneador proferido nos Autos, nomeadamente, do cotejo entre a identificação do objecto do litígio e respectivos temas de prova, bem como, do relatório da Sentença sob recurso na parte em que enuncia a questão sobre a qual o Douto Tribunal foi convocado a decidir.

K. Tendo o Embargante/Recorrido alegado que o crédito exequendo se encontraria extinto por compensação em virtude, de alegadamente, a dita compensação a que aludiria a cláusula 7.ª, n.º 2 do CPPDC se reportar, não só aos montantes a que aludiria o contrato de permuta celebrado em 19 de Maio de 2015 mas, também, a alegados diferenciais de valores cuja promessa de permuta e divisão de coisa comum veio a ser acordada, o objecto do litígio encontra-se delimitado com base nessa mesma alegação e correspondente pedido.

L. O Douto Tribunal “A Quo” e, nessa parte bem, deu como não provada a existência de qualquer diferencial entre os bens objecto do CPPDCC de 25.06.2015 e concluiu não se mostrar demonstrada a existência de uma compensação total.

M. Em função do supra exposto, o Douto Tribunal conheceu e esgotou a questão suscitada pelo Embargante/Recorrido, pelo que, em conformidade, deveria ter prosseguido para apreciação das deduzidas a título subsidiário.

N. Ao concluir, ainda que com desacerto, no sentido da aqui Recorrente haver considerado saldados todos os acertos devidos pelo aqui Recorrido, nestes se incluído o crédito exequendo, tendo-o feito, conforme resulta da própria sentença, “por razões que não foram alegadas e demonstradas”, o Douto Tribunal “A Quo” extravasou o âmbito dos seus poderes de cognição.

O. Ainda que nem se alcance cabalmente qual o facto extintivo que se encontra subjacente à conclusão extraída, que mais parece assemelhar-se a uma remissão (nunca invocada pelo Embargante!) dada a inexistência de prova de qualquer montante de que aquele fosse credor e que ali se pudesse considerar saldado por compensação, a verdade é que a conclusão extraída não se situa dentro do recorte do litígio submetido a apreciação e decisão do Douto Tribunal “A quo”.

P. Independentemente de se encontrar em causa nos Autos questão alusiva a interpretação de cláusulas contratuais e indagação do sentido da declaração, tal questão nasce e é subordinada àquilo que pelo Embargante/Recorrido veio a ser alegado em sede de Embargos, não podendo o Douto Tribunal “A Quo”, salvo melhor entendimento, conhecer daquilo que não foi alegado pelas partes.

Q. A referência efectuada pelo Embargante/Recorrido à adenda ao CPPDCC foi-o em desenvolvimento da compensação, por alegado diferencial de valor dos bens a que aludia o CPPDCC, que havia deduzido, enquanto facto que, a seu ver, sustentaria indiciariamente o que havia alegado e nunca com qualquer outro sentido ou fundamento.

R. A questão colocada pelo Embargante era, nessa parte, uma e só uma: a extinção da dívida exequenda por alegada compensação mediante a qual Embargante/Recorrido e Embargada/Recorrente teriam considerado compensados não só os créditos referidos na escritura de permutas de 19.05.2015 mas, além desses, outros que decorreriam de alegado diferencial dos bens a que se referia a promessa contida no contrato de 25.06.2015.

S. Como tal, tendo o Douto Tribunal “A Quo” alcançado resposta negativa quanto a tal questão, não lhe era lícito extravasar o âmbito das questões colocadas e conhecer de questões que não foram perante o mesmo alegadas.

T. Os factos essenciais em que se baseiam excepções devem ser objecto de alegação expressa pelas partes, em obediência ao princípio do dispositivo, mostrando-se vedado ao Tribunal conhecer de factos e questões que, não sendo instrumentais ou indiciários, não hajam sido alegados pelas partes.

U. Tendo o Douto Tribunal arvorado a sua decisão em factos que, a par de não demonstrados, não foram alegados pelas partes, mostra-se infringido, segundo humildemente se crê, o disposto nos arts. 5.º, n.º 1 e 608.º, nº 2, 2.ª parte, ambos do CPC, padecendo a Douta Sentença sob recurso no vício a que alude o art. 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do CPC.

V. Em conformidade com o supra exposto, deverá a Douta Sentença sob recurso ser anulada na parte em que, por razões não alegadas e não demonstradas, considerou terem sido dadas como saldados todos os acertos devidos pelo Embargante/Recorrido, nestes se incluindo o crédito dado a execução.

W. Atento o disposto no art. 684.º, n.º 1 do CPC, segundo humildemente se entende, deverá ser reformada a Sentença para que, expurgada a aludida nulidade, seja julgada totalmente improcedente a excepção de compensação deduzida a título principal.

Da nulidade a que alude o art. 615.º, nº 1, al. c) ou, se assim não se entender, do erro de julgamento por contradição entre os fundamentos e a decisão

X. De facto e de Direito, é, a nosso ver, totalmente contraditório dar-se como não provada a existência do alegado diferencial de valores e concluir-se pela falta de demonstração de qualquer causa que suportasse a alegada “compensação total”, conforme veio a suceder e assim se mostra consignado para, seguidamente, se considerar que, por motivos e razões não alegadas e demonstradas, a Embargada/Recorrente teria considerado saldados todos os créditos que lhe seriam devidos, nestes se incluindo o exequendo.

Y. A contrariedade e ambiguidade acima referidas ainda mais se adensam quando se opera o confronto à sistemática referência na Sentença à ausência de prova e de demonstração de qualquer diferencial de valor entre os bens contraposta com a referência, mais amiúde, a, conforme nos permitimos transcrever: «Estariam, portanto, em causa acertos que já anteriormente eram devidos por força do CPPDC».

Z. As duas conclusões mostram-se em relação de oposição preclusiva, isto é, não podem subsistir em simultâneo já que versam sobre a mesma e exacta questão dela retirando, contudo, uma conclusão diferente e antagónica.

AA. Mesmo que reconduzindo a questão à indagação e interpretação de 2 (duas) cláusulas distintas e contidas em diferentes contratos, a verdade é que, em termos factuais, não foi dada como provada qualquer existência de diferencial de valores dos bens objecto do CPPDCC.

BB. Neste sentido, perante tal contradição, humildemente se entende que a Douta Sentença proferida padece do vício de contradição entre fundamentação e decisão gerador da sua nulidade, devendo nesse sentido, ser reformada;

CC. Sendo substituída por uma outra que, atenta a decisão proferida quanto à decisão de facto, expurgue a dita contradição e, dada a total inexistência de prova sobre qualquer diferencial nos bens objectos do CPPDCC, julgue improcedente a arguida excepção de “compensação total” e, atenta a aceitação da Embargante/Recorrente quanto à compensação do único crédito dado como provado, a que se alude em 31) da matéria de facto dada como provada, julgue parcialmente procedente os Embargos, ordenando o prosseguimento da execução pelo valor que, após compensação de tal montante, permaneça em dívida.

DD. Caso não se conceda na nulidade supra arguida por se entender que a mesma não reveste a gravidade própria dos casos sancionados com a nulidade a que alude o art. 615.º do CPC, humildemente se entende que, ainda assim, não poderá deixar de se revogar a Sentença por erro de julgamento.

EE. Porquanto, subjacente à dita contradição existe, sem prejuízo de melhor entendimento, uma discrepância lógica que, a par de desembocar em contrariedade entre fundamentos, tem por subjacente uma aplicação do direito sem qualquer suporte nos factos dados como provados, antes lhes sendo contrária.

FF. A par do Embargante/Recorrido nunca ter sequer concretizado, minimamente, o alegado diferencial que nem sequer alguma vez quantificou, a Sentença considerou não provada e demonstrada a dita factualidade, a qual considerou não se extrair de qualquer elemento de prova, fosse ela testemunhal ou documental.


GG. Para que exista compensação necessário é que existam 2 (dois) créditos, independentemente de se tratar de compensação legal ou contratual. Como tal, com respeito por melhor opinião, o primeiro e mais elementar facto essencial de cuja prova dependeria a procedência da invocada excepção de compensação era a prova da existência de um crédito, fosse do Embargante/Recorrido ou até mesmo de terceiro, que pudesse ser objecto de compensação.

HH. Nos Autos, com relevo e interesse para aquela que era, nessa sede, a questão decidenda o Embargante/Recorrido não provou sequer a existência do dito crédito que alegou decorrer da existência de supostos diferenciais no valor dos bens.

II. Como tal, infringido o art. 607.º, nº 3 do CPC, o Douto Tribunal recorrido aplicou Direito a factos que não foram dados como provados, coisa que, caso não se conceda na aludida nulidade por contradição entre fundamentos e decisão, sempre deverá conduzir à revogação da decisão por ocorrência de manifesto erro de julgamento.

JJ. Acresce não ser possível à Embargada/Recorrente concordar e conformar-se com a interpretação que pelo Douto Tribunal “A Quo” veio a ser feita da declaração constante da Cláusula 1.ª, n.º 3 da adenda ao CPPDCC, datada de 11.05.2016.

KK. Mesmo se nos situarmos no âmbito do sentido apreendido por um normal declaratário colocado na posição de real declaratário, conforme dispõe o art. 236.º do CC, é de notar que a cláusula em causa se consubstancia numa adenda que, conforme declararam as partes, respectivamente no considerando 3), se ficou a dever à “ocorrência de factos supervenientes” ao CPPDCC.

LL. Daquela menção não nos parece que o sentido que qualquer declaratário normal retiraria da menção, na cláusula 1.ª, n.º 3, 2.ª parte, da adenda, a “ficando saldados os acertos entre primeira e segundo contraentes” fosse compaginável com a existência de qualquer valor devido a título de diferença de valores dos bens objecto do CPPDCC na sua redacção originaria e muito menos de que se estaria a compensar um crédito da Embargada/Recorrente com um valor aproximado de 80 mil euros.

MM. A interpretação em causa não tem qualquer apoio na declaração negocial em causa, seja considerado o seu elemento literal, seja em termos de sistemática e de todo o demais conteúdo e declarações constantes da adenda, sendo certo que, contrariamente ao vertido na fundamentação da Douta Sentença não há qualquer referência a “todos os acertos”, referindo-se tão-somente “aos acertos”.

NN. Se as partes declaram que alteração se deve a factos supervenientes ao CPPDCC, naturalmente que a tese do diferencial do valor dos bens ali referidos, que não foi dada como provada, não se coloca.

OO. Por razões de coerência, atento o objecto do ali negociado e até mesmo por mera inserção sistemática, obviamente que os acertos a que ali se refere são alusivos aos bens constantes da adenda, seja porque, ainda assim, subsistia ali um diferencial, ainda que pequeno, seja porque, conforme consabido nem sempre o valor que as partes declaram atribuir aos bens se contende com o seu valor comercial, sendo normal segundo a prática e os normais usos negociais, estabelecerem-se cláusulas através das quais as partes consideram saldados acertos, impossibilitando-se, assim, futura discussão acerca do próprio valor dos bens em causa.

PP. A interpretação retirada pelo Tribunal “A Quo”, com o devido e merecido respeito, infringe o disposto no art. 236.º do CC.

QQ. As partes declararam que os bens e verbas referidas no número anterior seriam entregues e consideradas liquidadas na data da outorga da escritura pública do Contrato em virtude de estar em causa uma adenda a um contrato promessa.

RR. O contrato, contendo uma promessa de contratar nos moldes acordados, incorpora uma obrigação que não se contende nem confunde com os efeitos que só do contrato definitivo surgirão.

SS. Eventualmente, poder-se-á dizer que a redacção da adenda, por se mostrar redigida como que no presente, é imprecisa já que todas as referências efectuadas o são como que no presente e não claramente como obrigação de outorgar escritura nos moldes ali referidos, no entanto, dúvidas não há de que é uma alteração a um contrato promessa e, portanto, onde as partes fixaram os moldes em que se obrigaram a contratar no futuro e não num contrato/adenda corporizador das obrigações que só com o contrato definitivo emergiriam entre as partes.

TT. caso dúvida subsistisse em função do declarado na cláusula 2.ª da adenda, sempre competiria lançar mão da regra contida no art. 237.º do CC e, encontrando-se em causa negócio oneroso, fazer-se prevalecer a interpretação da qual resultasse maior equilíbrio entre as prestações, isto é, considerar-se encontrar-se em causa referência aos acertos referentes aos bens mencionados na cláusula 1.ª da adenda.

UU. Por outro, com a referida interpretação e decisão o Douto Tribunal “A Quo” infringiu o disposto no art. 238.º do CC e, ainda, salvo melhor opinião, o disposto no art. 607.º, n.º 2 do CPC.

VV. In casu, encontramo-nos perante um negócio formal já que foi adoptada a forma escrita (art. 221.º do CC), forma essa que as partes estipularam como requisito de validade de qualquer alteração que viesse a ser efectuada ao CPPDCC de 25.06.2015.

WW. Dispõe o art. 238.º, n.º 1, do CC que “Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”.

XX. Em conformidade com o normativo supra exposto, dada a natureza formal do negócio em causa, para efeitos interpretativos teria, e terá, necessariamente de ser convocado o disposto no normativo acima mencionado.

YY. A interpretação retirada no sentido de ter a Embargante considerado saldado o acerto devido em função do remanescente do seu crédito, que lhe foi adjudicado em sede de partilhas por óbito de CC, com um qualquer, não concretizado, não provado e não demonstrado crédito do Embargante/Recorrido decorrente de diferencial dos bens objecto do CPPDCC de 25.06.2015 não tem absolutamente nenhuma correspondência no texto da adenda ao CPPDCC de 11.05.2016.

ZZ. Mais, as inferências retiradas pelo Douto Tribunal “A Quo” igualmente não encontram qualquer correspondência no aludido texto, ao que acresce, tratarem-se de inferências e valorações alusivas a factos meramente indiciários que nunca poderiam sobrepor ou substituir a prova de factos essenciais, termos em que se entende humildemente mostrar-se igualmente violado o disposto no art. 607.º, n.º 2 do CPC.

Por estes motivos, humildemente, se entende que o recurso, na modalidade de Recurso Per Saltum, deverá ser admitido e que, com o devido e Mui Douto suprimento de V. Exas., Venerandos Juízes Conselheiros, deverá:

a) Julgar-se procedente, porque verificada, a nulidade a que alude a al. d), 2.ª parte do n.º 1 art. 615.º, do CPC;

b) Caso não se conceda quanto à nulidade acima referida, ser a sentença declarada nula por ocorrência do vício a que alude a al. c), do n.º 1 do art. 615.º do CPC;

c) Não procedendo qualquer uma das nulidades acima referidas em a) e b), revogar-se a sentença por ocorrência de contradição entre fundamentos e decisão por virtude de erro de julgamento;

d) Não se concedendo em qualquer um dos fundamentos acima expostos, ser a Sentença revogada por errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 236.º, 237.º e 238.º do Código Civil (CC), bem como infracção ao disposto no art. 607.º, n.º 5 do CPC, na parte em que apreciou e decidiu sobre o sentido da declaração negocial a extrair da cláusula 1.ª, n.º 3, da adenda ao Contrato Promessa de Permuta e divisão de coisa comum.

e) Em consequência da procedência de qualquer um dos fundamentos invocados, sendo reformada/revogada a Sentença e substituída por uma outra que, considerando a não prova da alegada compensação extintiva do crédito exequendo, aplique, em definitivo, o Direito aos factos provados.

Mais concretamente, que julgue improcedente a arguida excepção de “compensação total” e, atenta a aceitação da Embargante/Recorrente quanto à compensação do único crédito dado como provado, a que se alude em 31) da matéria de facto dada como provada, julgue parcialmente procedente os Embargos, ordenando o prosseguimento da execução pelo valor que, após compensação de tal montante, permaneça em dívida, seja em termos de capital em dívida como de juros de mora vencidos.

Apenas assim se fará a tão costumada Justiça!”


8. O Recorrido/Embargante/BB apresentou contra-alegações, enunciando as seguintes conclusões:

“A) A declaração “ficando saldados os acertos entre 19 e 29 contraentes” está alegada, cumulativamente com outros factos alegados pelo embargante pelo que pode ser apreciado autonomamente pelo Tribunal.

B) Não existem outros acertos de saldos entre recorrente e recorrido e bem andou o Tribunal “a quo” ao considerar que o acerto de contas consagrado na Adenda do CPPDCC se refere a acerto estipulado no artigo 7 n.º 2 do CPPDCC, tanto mais que na Adenda intervieram três contraentes e o acerto de contas expresso no n.º 3 da cláusula 1ª respeita estritamente à 1ª e 2º contraentes (ora recorrente e ora recorrido)

C) A douta sentença não padece de qualquer nulidade, não violando o disposto no artigo 608 n.º 2 e 625 n.º 1 do cpc.

O) Não existe contradição entre os factos dados por provados nos pontos 6 e 14.3 da sentença recorrida, por serem distintos e resultarem da apreciação feita pelo Tribunal da prova produzida em julgamento.

E) Desde 25/06/2015, data da realização da partilha até 05/09/2018 a recorrente nunca invocou o seu alegado crédito (por excesso na compensação) não lhe fixou prazo nem o exigiu ao recorrido, e em diversas ocasiões (nesse período de 3 anos em que lhe poderia deduzir qualquer montante não o fez) entregou bens em contrapartida, pagou verbas que recebeu em nome do recorrido e até se prontificou a pagar em dinheiro bens móveis de família que o recorrido queria alienar - Pontos 21 a 24 da sentença recorrida.

F) O diferencial de créditos de 41.167,80€ (e não os 80.000€ alegados pela recorrente) em momento nenhum foram quantificados nem o seu vencimento estipulado, e muito menos o vencimento de juros devidos, sendo todas as operações subsequentes à condenação da recorrente na ação de prestação de contas (ponto 31 da sentença).

G) Um cidadão comum, credor da importância de 41.167,80 euros não deixaria de o definir em documentos que subscreve, sempre acompanhado por advogado, e onde declara ficarem saldadas os acertos de contas, e muito menos paga a quem lhe deve. Isto é tudo o contrário daquilo que um cidadão comum faria na sua vida quotidiana.

H) O Tribunal “a quo” fez uma adequada apreciação da matéria probatória que lhe foi presente e uma aplicação correta do direito, interpretando devidamente o disposto nos artigos 236º a 238º do Código Civil

Pelo que, Venerandos Juízes Conselheiros, negando-se provimento ao presente recurso e mantendo a sentença proferida em 1ª Instância, se fará Absoluta Justiça”


9. Foram dispensados os vistos.

10. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II.1. As questões a resolver, recortadas das alegações de revista interposta pela Embargada/AA, consistem em saber se:

(1)   O aresto recorrido padece de nulidade (a), por violação do art.º 615º n.º 1 alínea d) segunda parte do Código de Processo Civil, porquanto conheceu para além daquilo que podia conhecer, apreciando questões que as partes não lhe colocaram, nomeadamente, ao reconhecer que o Embargante e Embargada haviam saldado todos os créditos devidos entre ambos, nestes se incluído o crédito exequendo, fazendo-o por razões que não foram alegadas e/ou demonstradas, extravasando, assim, o Tribunal recorrido, o âmbito dos seus poderes de cognição, outrossim, o Tribunal a quo cometeu nulidade (b), por violação do art.º 615º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil, na medida em que, ao ter dado como não provada a existência do alegado diferencial de valores, concluindo pela falta de demonstração de qualquer causa que suportasse a compensação total de créditos, reconheceu, seguidamente, e em contradição, por motivos e razões não alegadas e demonstradas, que a Embargada considerou compensados todos os créditos que lhe seriam devidos pelo Embargante, nestes se incluindo o crédito exequendo?

(2)   O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao reconhecer a bondade da invocada compensação total, condizente a créditos do Embargante sobre o crédito exequendo, julgando extinta a execução, impondo-se a revogação do saneador/sentença recorrido?


II. 2. Da Matéria de Facto

Com relevância e interesse para a decisão do mérito da causa, da instrução e discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

“1) No dia 19 de maio de 2015, foi outorgada por Opoente e Oponida a escritura de permuta de diversos bens imóveis constante de fls. 55 e seguintes, de fls. 227 verso e seguintes e de fls. 297 e seguintes, nela sendo aqueles identificados, respetivamente, por segundo e primeira outorgantes.

2) Na escritura identificada em 1) antecedente pode ler-se que “(…) a diferença dos valores permutados no valor de sessenta e três mil seiscentos e vinte e cinco euros será paga pela primeira ao segundo outorgante, por compensação, em sede de partilha por óbito de CC, mãe dos permutantes”.

3) Na escritura identificada em 1) antecedente pode ainda ler-se que “(…) a diferença dos valores permutados no valor de mil seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos será paga pelo segundo e sua representada à primeira outorgante e seu marido, por compensação em sede de partilha por óbito de CC, mãe dos permutantes”.

4) No dia 25 de junho de 2015, foi celebrado entre Opoente, Oponida e DD o Contrato Promessa de Permuta e de Divisão de Coisa Comum que constitui fls. 7 verso e seguintes e fls. 181 verso e seguinte dos autos (“CPPDCC”).

5) No CPPDCC o Opoente foi designado por ..., a Oponida por ... e DD por MLAP.

6) Na Cláusula Sétima do CPPDCC, sob a epígrafe “Acerto de valores”, pode ler-se que: “1. Na data da celebração das escrituras públicas de permuta prometidas MLAP pagará a ... a quantia de €215.000,00 (…), sem prejuízo dos montantes que este lhe deverá nessa data, e que terão que ser pagos no prazo máximo de um ano após a celebração de escrituras de permuta prometidas ou no prazo de dezoito meses após a assinatura do presente contrato, consoante o que primeiro ocorrer.

2. ... e ... declaram considerar compensados entre si os créditos que detêm um sobre o outro, resultantes da escritura de permuta realizada em 19 de Maio de 2015 e do crédito descrito na verba n.º 1 da relação de bens constante do processo de inventário referido no considerando B) do presente contrato”.

7) No considerando B) do CPPDCC pode ler-se que: “Os contraentes têm tentado dividir e partilhar o património comum, sem sucesso, razão porque corre termos um processo de inventário facultativo sob o n.º 258/… do … Juízo de Competência Genérica, da Instância Local ..., do Tribunal da Comarca ...”.

8) A verba n.º 1 do ativo da relação de bens constante do processo de inventário referido em 7) antecedente tem a seguinte redação: “Direito de crédito sobre o Interessado BB, no montante de €344.378,64 (…), a que acrescem juros legais à taxa em vigor, conforme doc.1 que ora se junta e se considera reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, sendo tal documento uma auditoria requerida pelo próprio Interessado”.

9) Todas as verbas identificadas na relação de bens e respetivo aditamento do processo de inventário, com determinadas exclusões, aqui irrelevantes, foram, por acordo homologado por sentença proferida no dia 25 de junho de 2015, transitada em julgado na mesma data, adjudicadas na proporção de 1/3 a cada um dos interessados, entre os quais a Oponida.

10) Atento o exposto em 8) e 9) antecedentes, a Oponida ficou titular de um crédito sobre o Opoente no montante de €114.792,88.

11) Ao montante referido em 10) antecedente acrescia 1/3 do montante dos juros sobre o capital em dívida.

12) No dia 11 de maio de 2016, foi celebrada por Opoente, Oponida e H... - Agricultura e Turismo, S.A., a adenda ao CPPDCC que constitui fls. 15 verso e seguintes e fls. 189 e seguintes dos autos.

13) Na adenda ao CPPDCC a Oponida foi designada por Primeira Contraente ou ..., o Opoente por Segundo Contraente ou ...e H... – Agricultura e Turismo, S.A., por Terceira Contraente.

14) Na Cláusula Primeira da adenda referida em 12) e 13) antecedentes, sob a epígrafe “Objeto”, pode ler-se o seguinte: “1. Pelo presente a Primeira Contraente e a Terceira Contraente entregam ou devolvem ao Segundo os seguintes bens:

a) 1/3 da Verba n.º 2B (…);

b) O prédio urbano sito na Rua …, em ... (…);

c) O prédio urbano sito na Rua …, n.º …, em ... (…);

d) A Primeira Contraente considera ainda liquidadas pelo Segundo Contraente as seguintes verbas:

e) d1) 500,00 € (quinhentos euros) relativos a taxa 2015 do C...;

d2) 1.900,00 € (mil e novecentos euros) relativos a metade dos emolumentos da Escritura de Permuta celebrada entre a Primeira e o Segundo Contraentes em 19 de Maio de 2015.

2. Por sua vez, o Segundo Contraente entrega à Primeira Contraente a totalidade da verba n.º 14.

3. Todas as restantes Cláusulas do Contrato mantêm-se nos exatos termos ali transcritos, ficando saldados os acertos entre a primeira e o segundo contraentes.”.

15) Na Cláusula Segunda da adenda referida em 12) e 13) antecedentes, sob a epígrafe “Tradição”, pode ler-se o seguinte: “Os bens e as verbas referidas no número anterior serão entregues e consideradas liquidadas na data da outorga da escritura público do Contrato”.

16) Sendo inicialmente cabeça de casal no processo de inventário referido em 7) antecedente, o Opoente veio a ser removido de tal cargo por decisão judicial de 2009.

17) Por decisão judicial de 11 de outubro de 2012, a Oponida foi nomeada para exercer as funções de cabeça de casal no inventário referido em 7) antecedente.

18) A Oponida remeteu ao Opoente a carta datada 30 de abril de 2009, constante de fls. 146, na qual pode ler-se que: “(…) Mais solicito que com a maior brevidade possível (nunca em prazo superior a 30 (trinta) dias), procedas ao pagamento da dívida que tens para com a herança (…)”.

19) A Oponida remeteu ao Opoente a carta datada e registada de 11 de outubro de 2010, constante de fls. 115 e de fls. 287 verso, na qual pode ler-se que: “(…) Por último, solicito-te que, até ao próximo dia 29 de outubro de 2010 procedas à liquidação integral da dívida que tens para com a herança. (…)”.

20) A carta referida em 19) foi recebida no dia 20.outubro.2010.

21) Em 12 e 13 de maio de 2016, da conta de Herdeiros de CC foram transferidas para o Opoente as quantias de €50.000,00 e €20.750,00, referentes a 1/3 de subsídios recebidos do IFAP.

22) No dia 13 de maio de 2016, da conta de Herdeiros de CC foi transferida para o Opoente a quantia de €8.624,37, relativa a cortiças vendidas em 2013.

23) Em dezembro de 2017, o Opoente promoveu a venda de algum recheio que lhe coube na partilha e enviou mail à Oponida a informá-la da sua intenção e de receber o preço, tendo aquela respondido que quando lhe disponibilizasse as peças lhe faria a transferência ou pagaria em dinheiro.

24) Em 14 de dezembro de 2017, o Opoente remeteu à exequente a carta registada de fls. 22 verso, de fls. 196 e de fls. 378, recebida em 15 de dezembro de 2017, na qual pode ler-se o seguinte: “Na sequência da reunião do passado mês de Novembro, fiquei aguardar que me fossem dadas informações sobre o recebimento da última tranche do subsídio do IFAP – Projecto 2080.

Como tal não ocorreu em tempo razoável venho interpelar-te para no prazo de dez dias me indicares a data e valor recebido (com extratos da conta corrente do mês da recepção do subsídio na conta com o n.º (…) junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo), bem como no mesmo prazo transferir 1/3 do respetivo valor para a minha conta bancária com o IBAN (…), valor que me pertence por direito próprio, constituindo a sua retenção uma actuação gravemente lesiva dos meus interesses, que não posso deixar de acautelar”.

25) A Oponida remeteu ao Opoente a carta datada de 5 de setembro de 2018, constante de fls. 23 verso e de fls. 197, na qual pode ler-se o seguinte: “Uma vez que a carta registada com A/R que te enviei veio devolvida uma vez que tu não a levantaste, opto por te enviar a mesma carta em correio simples para teu conhecimento. (…) Por outro lado, como sabes, no âmbito do processo de inventário em que procedemos à partilha hereditária, ficou previsto como verba n.º 1, uma dívida tua à herança no montante global de €344.378,64 (…). Tendo em conta a partilha judicialmente homologada, daquele valor 1/3 foi-me adjudicado, correspondente ao valor de €114.792,88 (…).

No dia 19 de maio de 2015, data em que celebrámos uma escritura de permuta, ficou determinado que as tornas que me eram devidas por conta dessa permuta, no montante de €1.666,67 (…), seriam compensados em sede de partilha por óbito da nossa Mãe. (…) Assim, eu detinha sobre ti um crédito de €116.459,55 (…), sendo que, por outro lado, tu detinhas sobre mim um crédito no montante de 63.625,00 (…).

Em 25 de junho de 2015, também como sabes, assinámos um contrato promessa de permuta e de divisão de coisa comum em que ambos afirmámos que declaramos compensados os créditos que detemos um sobre o outro, quer os resultantes da referida escritura de permutas de 19 de maio de 2015, quer os resultantes da verba n.º 1 da relação de bens. Ora, compensando o meu crédito com o teu crédito (116.459,55 € - 63.625,00 €) temos um valor a meu favor de 52.834,55 € (…), que corresponde ao valor actual do crédito que detenho sobre ti.

Como resulta dos documentos referidos, a compensação foi, como sabes, parcial, pois se assim não fosse, tinha de estar expressamente referido o que não aconteceu porque não foi, nunca foi, essa a nossa intenção.

Assim, solicito-te que, com a maior brevidade me liquides o valor em dívida no montante de 52.834,55 € (…), correspondente ao crédito que sobre ti detenho. (…)”.

26) O Opoente recebeu a carta referida em 25) antecedente no dia 5.9.2018.

27) Em resposta à carta referida em 25) antecedente, o Oponente remeteu no dia 26 de setembro de 2018 à Oponida, por correio registado, a carta de fls. 24 verso e de fls. 198, na qual pode ler-se o seguinte: “(…) Sobre esta carta direi apenas que nada te devo pois quando em junho de 2015 assinámos o acordo de permuta e divisão de coisa comum, demos por compensado o crédito que só agora, despudoradamente, reclamas.

Tu é que deves o dinheiro do IFAP que abusivamente te apropriaste e do saldo que os Tribunais te condenaram a pagar. Sim, porque se não forem os Tribunais, não pagas nada nem prestas contas. (…)”.

28) O Opoente instaurou contra a Oponida a ação judicial que corre termos sob o n.º 24667/...no Juízo Local Cível da Comarca de ... – Juiz ….

29) Na ação judicial referida em 28) antecedente, o Opoente peticiona a condenação da Oponida a pagar-lhe a quantia global de €35.182,06 referente à sua quota-parte do valor de um subsídio atribuído pelo IFAP, I.P., que alega ter sido recebido pela última e que a mesma ainda não lhe entregou na sua totalidade.

30) A ação judicial referida em 28) antecedente ainda não foi objeto de decisão final transitada em julgado.

31) Por sentença de 30 de maio de 2017, confirmada por acórdão transitado em julgado no dia 4 de fevereiro de 2019, proferida no âmbito da ação de prestação de contas n.º 1141/... do Juízo Local Cível (Juiz …) do Tribunal Judicial da Comarca  ..., a Oponida foi condenada a pagar ao Opoente a quantia de €32.296,37.

32) Em resultado do exposto em 31) antecedente, o Opoente instaurou contra a Oponida a ação executiva que corre termos por apenso àquela ação, sendo de 34.370,42 o valor do crédito exequendo, incluindo capital em dívida e juros de mora legais.”

Ficaram por provar quaisquer outros factos que se não compaginam com a factualidade apurada e/ou nela não constam, não se tendo considerado matéria conclusiva, irrelevante ou de Direito.


II. 3. Do Direito

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º, n.º 4, e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

II. 3.1. O aresto recorrido padece de nulidade (a), por violação do art.º 615º n.º 1 alínea d) segunda parte do Código de Processo Civil, porquanto conheceu para além daquilo que podia conhecer, apreciando questões que as partes não lhe colocaram, nomeadamente, ao reconhecer que o Embargante e Embargada haviam saldado todos os créditos devidos entre ambos, nestes se incluído o crédito exequendo, fazendo-o por razões que não foram alegadas e/ou demonstradas, extravasando, assim, o Tribunal recorrido, o âmbito dos seus poderes de cognição, outrossim, o Tribunal a quo cometeu nulidade (b), por violação do art.º 615º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil, na medida em que, ao ter dado como não provada a existência do alegado diferencial de valores, concluindo pela falta de demonstração de qualquer causa que suportasse a compensação total de créditos, reconheceu, seguidamente, e em contradição, por motivos e razões não alegadas e demonstradas, que a Embargada considerou compensados todos os créditos que lhe seriam devidos pelo Embargante, nestes se incluindo o crédito exequendo? (1)

O direito adjetivo civil enuncia as causas de nulidade da sentença.

Os vícios da nulidade da sentença correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou ocorra alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

A nulidade da sentença sustentada na sua contradição remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, por encerrar um erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adotada, ou seja, a nulidade do aresto, sustentada na ininteligibilidade do discurso decisório, ocorrerá sempre que a anunciada explicação que conduz ao resultado alcançado, induz logicamente a um desfecho oposto ao reconhecido. Outrossim, a nulidade do acórdão sustentada na ininteligibilidade do discurso decisório quando o Tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, está diretamente relacionado com o comando fixado na lei adjetiva civil, segundo o qual o Tribunal deve resolver todas as questões, e só estas, que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Tem cabimento enfatizar que no caso de excesso de pronúncia, o vício a que se reporta a alínea d), 2ª parte do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, traduz-se no incumprimento do dever prescrito no art.º 608º n.º 2 do Código de Processo Civil “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras …”.

A consignada disposição adjetiva civil (alínea d), segunda parte, do n.º 1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil), correspondendo ao preceito plasmado no direito adjetivo civil, anteriormente em vigor, qual seja, o art.º 688º alínea d), do Código de Processo Civil, o qual suscita, de há muito tempo a esta parte, o problema de saber qual o sentido exato da expressão “questões” ali empregue, o que é comummente resolvido através do recurso ao ensinamento clássico do Professor Alberto dos Reis, in, Código de Processo Civil Anotado, 5ª edição, que na pág. 54 escreve “assim como a acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (...) também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.

Na esteira desta perspetiva, Doutrina e Jurisprudência têm distinguido, por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos”, concluindo que só o excesso de pronúncia das primeiras - das “questões” - integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

É um vício que encerra um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutiliza o julgado na parte afetada.

Atentemos se o aresto proferido padece das invocadas nulidades.

(a) Conforme decorre da petição inicial apresentada pelo Embargante, a Embargada/Exequente fundamenta o seu pedido exequendo na existência de um crédito descrito na Verba n.º 1 do Ativo da Herança de CC, no montante de 344.378,64€, acrescido de juros à taxa legal, do qual compete à Embargada/Exequente 1/3 desse valor global, ou seja, €114.792,81, decorrente da sentença homologatória da partilha, a par do acordo estipulado na escritura de permuta realizada em 19 de Maio de 2015 que consigna um crédito do Embargante.

Todavia, como também resulta da petição inicial apresentada, ter-se-á que ter em devida atenção a compensação já operada do crédito exequendo, conforme decorre, sustenta o Embargante, não só da Promessa de Permuta e Divisão de Coisa Comum, celebrada pelas partes em 25 de junho de 2015, enunciando-se, a propósito, a respetiva cláusula 7ª (exequente e oponente, no âmbito dessa promessa de partilha, deram por compensado o crédito do executado com o crédito da exequente consagrado na verba nº 1 (sua quota parte €114.792,88 - clausula 7ª, n.º 2), mas também a circunstância de que desde 26 de maio de 2016 que a exequente não tomou qualquer iniciativa para satisfação do crédito, agora dado à execução, a que não será estranho o facto de se ter efetuado uma Adenda ao aludido contrato de Promessa de Permuta e Divisão de Coisa Comum, em que na sua cláusula 1ª n.º 3 se declarou ficarem saldados os acertos entre os aqui Embargante/Executado e Embargada/Exequente, concluindo, assim, ter sido efetuada a compensação total do crédito da Embargada/Exequente.

Atentas as questões suscitadas pelo Embargante na sua oposição - compensação do crédito exequendo - o Tribunal a quo pronunciou-se, e bem, não só sobre o conteúdo da cláusula 7ª da Promessa de Permuta e Divisão de Coisa Comum, celebrada em 25 de junho de 2015, mas também sobre a cláusula 1ª n.º 3 da Adenda ao aludido contrato, celebrada em 11 de Maio de 2016, para daí decidir da verificação e natureza da invocada compensação, nos termos que respigamos do saneador/sentença proferido:

“Assim, eram Opoente e Oponida livres de acordarem na compensação total ou parcial dos seus créditos, ainda que ambas admitam terem estes últimos valores muito diferentes.

Há, assim, que apurar a vontade real das partes plasmada na Cláusula 7.ª, n.º 2, do CPPDCC, e, para o efeito, lançar mão das regras constantes dos artigos 236.º a 238.º do Código Civil. (…) Não existindo qualquer justificação para uma compensação total, nem tendo a mesma sido declarada expressamente no CPPDCC, colocando-nos na posição do declaratário ideal, somos levados a concluir que a compensação é meramente parcial (tal como seria, por força do artigo 847.º, n.º 2, do Código Civil, se estivesse em causa uma compensação legal). (…) Simplesmente, não obstante a conclusão a que se chega, afirmou o Opoente que, na adenda ao CPPDCC, assinada em 11 de maio de 2016, as partes, na sua Cláusula 1.ª, n.º 3, introduzindo algumas alterações ao CPPDCC, declararam manter nos seus exatos termos todas as suas restantes cláusulas e, para além disso, afirmaram expressamente ficarem saldados todos os acertos entre Opoente e Oponida.

Ora, é manifesto que os acertos em causa não se referiam às verbas mencionadas na Cláusula 1.ª, n.º 1, da adenda, já que tais verbas, apenas seriam “consideradas liquidadas na data da outorga da escritura pública do Contrato”, conforme decorre da sua Cláusula 2.ª.

(…) através da Cláusula 1.ª, n.º 3, da adenda ao CPPDCC, que a Oponida subscreveu, e por razões que não foram alegadas e demonstradas, a mesma considerou saldados todos os acertos que lhe eram devidos pelo Opoente, entre eles, necessariamente, o que constitui o crédito exequendo, por ser feita menção a “todos os acertos”, sem qualquer exclusão. (…) O crédito da exequente, aqui Oponida, encontra-se incorporado numa sentença transitada em julgado, sendo a mesma considerada título executivo por força do disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do CPC.

Simplesmente, (…) o Opoente logrou fazer prova de um facto impeditivo do direito de crédito da exequente constante daquele título, conforme lhe competia, comprovando que o crédito se extinguiu em data anterior à da propositura da ação principal.”

Tudo visto, não enxergamos como se pode afirmar que o Tribunal recorrido conheceu para além daquilo que podia conhecer, pois, como se impunha, apreciou, e bem, as questões invocadas pelo Embargante, atinentes à compensação total do crédito exequendo, decorrentes não só da cláusula 7ª da Promessa de Permuta e Divisão de Coisa Comum, mas também da cláusula 1ª n. º 3 da Adenda ao aludido contrato, fazendo-o, sublinhamos, tendo em atenção os factos jurídicos donde emerge a exceção arrogada, e no âmbito dos seus poderes de cognição.

(b) Outrossim, não distinguimos, cotejado o saneador/sentença recorrido, que o aresto proferido encerre erro lógico na declarada argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adotada, pois, reiteramos, a anunciada explicação atinente à determinação da verificação e natureza da invocada compensação de crédito conduziu, necessariamente, ao resultado adotado.

Neste particular, e fazendo apelo aos consignados excertos do aresto escrutinado, divisamos que dos mesmos ressalta, claramente, ter sido preocupação do Tribunal recorrido conhecer da deduzida compensação de crédito, e respetiva natureza, total ou parcial, começando por interpretar a cláusula 7ª da Promessa de Permuta e Divisão de Coisa Comum, celebrada em 25 de junho de 2015, e, ao ter concluído pela não verificação da invocada compensação total, prosseguiu a análise da argumentação esgrimida pelo Embargante, ao interpretar a vontade real das partes ao outorgarem aqueloutro documento traduzido na Adenda ao Promessa de Permuta e Divisão de Coisa Comum, concretamente, a vontade real dos declaratários decorrente da respetiva cláusula 1ª n.º 3 , para afirmar, sem reservas, terem ficado saldados todos os acertos entre Embargante e Embargada.

Pelo exposto, acreditando ser despiciendo outras quaisquer considerações a este respeito, afirmamos que o saneador/sentença proferido encerra uma argumentação jurídica que logicamente importa a conclusão enunciada, sendo o discurso decisório inteligível.

Improcedem, assim, as invocadas nulidades do aresto sob escrutínio.


II. 3.2. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao reconhecer a bondade da invocada compensação total, condizente a créditos do Embargante sobre o crédito exequendo, julgando extinta a execução, impondo-se a revogação do saneador/sentença recorrido? (2)

Os autos de Oposição à execução destinam-se a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que, em processo declarativo, constituiriam matéria de exceção. Os autos de Oposição à execução por embargos introduzem no processo executivo uma fase declarativa independente, com a particularidade do embargante, devedor presumido da dívida exequenda, poder evidenciar quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos da própria exequibilidade do título executivo, da inexistência de causa debendi ou do direito do exequente.

Na verdade, citado o executado para os termos da execução, este tem a faculdade de se opor a esta execução, deduzindo Oposição à execução por embargos.

A este propósito, é, pacificamente, defendido na nossa Doutrina que “Devendo a execução actuar com referência ao direito representado no título, podem sobrevir factos que lhe retirem legitimidade ou correspondência com a realidade substancial, para além de poderem subsistir vícios processuais ou substantivos procedentes da formação do título. Daí permitir-se ao executado fazer valer as eventuais discordâncias com a realidade ou a eventuais ilegitimidades numa sede autónoma de cognição, fora do procedimento executivo propriamente dito, através exactamente da oposição à acção executiva”, neste sentido, Amâncio Ferreira, in, Curso de Processo Execução, página 145.

Os autos de Oposição à execução por embargos visam a extinção da execução, mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo, ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da ação executiva, neste sentido, Lebre de Freitas, in, A Acção Executiva, página 141, sendo que a demanda executiva tem como objetivo permitir ao credor a satisfação do interesse patrimonial, entendido este no mais amplo sentido, contido na prestação não cumprida - art.º 10º n.º 4 do Código de Processo Civil - e reconduz-se à atividade, por virtude da qual os Tribunais visam, atuando por iniciativa e no interesse do credor, a obtenção coativa de um resultado prático equivalente àquele que deveria ter sido oferecido pelo devedor, no cumprimento de uma obrigação, o dever de prestar do devedor modifica-se e dá origem ao dever de indemnizar, neste sentido, Professor Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, Volume I, 8ª edição, Coimbra, 1994, página 161.

O objeto da ação executiva, é, por isso, um direito a uma prestação que, quando reduzido a uma faculdade de exigência da prestação, se designa por pretensão.

Assim e porque a execução tem uma vocação instrumental, o nosso ordenamento jurídico estabelece pressupostos processuais e condições processuais de procedência para que seja possível admitir-se o exercício jurisdicional daquelas posições jurídicas subjetivas (direitos subjetivos e interesses legítimos).

Os requisitos processuais (a competência, a personalidade, a capacidade judiciária, a representação em juízo, o patrocínio, a legitimidade e o interesse em agir), resultam da ação executiva integrar-se no direito processual civil.

As condições de procedência (o título executivo, a verificação da certeza, da exigibilidade e da liquidez da obrigação) são específicas da ação executiva.

O título executivo, condiciona a exequibilidade extrínseca da pretensão, é como o invólucro onde a lei presume se contem o direito violado, neste sentido, Castro Mendes, in, Acção Executiva, página 8, a certeza e a exigibilidade condicionam a exequibilidade intrínseca da pretensão, pois, que a sua não verificação impede que, apesar de se reconhecer o direito do exequente à reparação efetiva, o devedor seja executado quanto a essa mesma prestação, neste sentido, Teixeira de Sousa, in, A exequibilidade, página 17.

Observa-se, aliás, que a exequibilidade intrínseca pressupõe a existência do direito, daí a suscetibilidade de conhecimento oficioso e consequentemente de constituir motivo de indeferimento liminar, ou posteriormente de rejeição oficiosa da execução, em função de vícios substantivos que afetem a existência, constituição ou eficácia da obrigação exequenda ou, máxime, a insuficiência de título, tal como a incerteza e inexigibilidade.

Ou seja, a pretensão é exequível intrinsecamente se inexistir qualquer vício material ou exceção perentória que impeça a realização coativa da prestação, por outro lado a pretensão é exequível extrinsecamente quando a exequibilidade radica na atribuição pela incorporação da pretensão, num título executivo, isto é, num documento que formaliza, por disposição expressa na lei, a faculdade de realização coativa da prestação não cumprida.

Por isso, estabelece o nº. 5 do citado art.º 10º do Código de Processo Civil que todas as execuções têm por base um título, e é este que define o fim e os limites da ação executiva, estatuindo (para o que interessa à economia do presente caso) o art.º 703º do Código de Processo Civil:

“1 - À execução apenas podem servir de base:

a) As sentenças condenatórias;”

Os títulos executivos incorporam-se em documentos, que constituem, certificam ou provam, com base na aparência ou probabilidade, a existência da obrigação exequível, que a lei permite que sirva de base à execução, por lhe reconhecer um certo grau de certeza e de idoneidade da pretensão.

Todavia, não obstante o titulo ser condição necessária, não é hoje condição suficiente, apesar de se dispensar qualquer indagação probatória, para além do que se contem nos autos.

Decorre, assim, a necessidade de apreciar a qualidade do título exequendo para, de acordo com a lei adjetiva civil, determinar quais os fundamentos de oposição, na medida em que qualquer executado pode opor-se à execução.

“O risco que representa a possibilidade de ao título executivo não corresponder um direito efectivamente existente é coberto pela defesa que a lei permite ao executado exercer em oposição à execução”, neste sentido, Anselmo de Castro, in, A Acção Executiva Singular, Comum e especial, 3º edição, 1977, páginas 46 e 47.

Dir-se-á, pois, que o título executivo certifica, em princípio, a existência de um direito, o qual, porém, poderá ser posto em crise pelo executado em oposição que venha a deduzir à ação executiva.

Quer se considere a oposição à execução como contestação à petição inicial da ação executiva, quer como uma contra ação tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo, certo é que a oposição à execução consubstancia o meio idóneo à alegação dos factos que constituem matéria de exceção, neste sentido, Lebre de Freitas, in, A Acção Executiva, página 162. Na verdade, como refere Lopes Cardoso, in, Manual da Acção Executiva, 3ª edição, reimpressão, 1992, página 250 “pelos embargos, o executado assume a autoria dum processo declarativo, destinado a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção”.

Quando é dada à execução, como no caso presente, uma sentença homologatória de partilha - art.º 703º, alínea a), do Código de Processo Civil - este particular título executivo surge na sequência de uma atividade processual desenvolvida em contraditoriedade, conforme ensina Lebre de Freitas, in, A Acção Executiva, página 154, e está revestido da força de caso julgado que lhe é conferida pela lei adjetiva civil, mostrando-se excluídos da discussão na fase executiva os assuntos que podiam (e deviam) ter feito parte da discussão no processo de declaração onde o título se produziu, restringindo a sua dissensão ao escrutínio do alcance que emana do título e se há de refletir na justeza (ou inadequação) dos contornos da que é obrigação (concretamente) exequenda, ou seja, revertendo ao caso sub iudice, é fundamental apreciar a questão atinente ao cumprimento da obrigação que resulta da sentença exequenda, concretamente, o reconhecimento, ou não, da invocada compensação de créditos.

No caso em escrutínio, o saneador/sentença recorrido ao consignar, de modo inteligível, o processo cognitivo trilhado, reconheceu como legitima a oposição a um título executivo, consubstanciado em sentença homologatória de partilha, sustentando a procedência da invocada exceção de compensação total do crédito exequendo.

A exegese seguida na Instância reconheceu a oponibilidade da exceção de compensação invocada pelo Embargante, encerrando esta o objeto da presente revista, sendo que, desde já o adiantamos, não encontramos razões que nos levem a dissentir da solução encontrada pelo Tribunal recorrido.

Como sabemos, a compensação é o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor, neste sentido, Antunes Varela, in, Obrigações, 2º volume, página 161.

O art.º 729º do Código de Processo Civil estabelece um numerus clausus dos fundamentos de oposição à execução quando o título executivo é uma sentença.

Assim, para a economia dos autos, textua a aludida norma adjetiva civil:

“Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:

h) Contra crédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;”

O consignado preceito é condizente (à exceção, precisamente, da enunciada alínea h)), ao art.º 814º do Código Processo Civil anterior à Lei 41/2013 de 26 de junho.

Conquanto a compensação seja um modo de extinção das obrigações, previsto no art.º 874º do Código Civil, o legislador não exigiu, de modo literal, para efeitos de oposição à execução, que o facto do qual resulta o crédito a compensar seja “posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração” como exige na alínea g) do citado art.º 729º do Código de Processo Civil, quando se alude a “qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação”.

Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in, Código de Processo Civil Anotado, Volume I (2019), página 305 sustentam “(…) o segmento normativo “obter a compensação” que, aliás, já vem do anterior CPC, terá o significado correspondente à pretensão no sentido da extinção do direito invocado pelo autor em consequência do reconhecimento do contra-crédito do réu, independentemente de a compensação já ter sido ou não anteriormente declarada, nos termos do art. 848º do CC. Tal entendimento encontra a sua justificação na circunstância de o fenómeno da compensação implicar sempre a invocação de uma (outra) relação jurídica da qual emerge o crédito invocado pelo réu, a qual é paralela à relação jurídica que sustenta o pedido do autor”.

Impor-se-á, pois, saber se se concede, no caso sub iudice, a compensação arrogada pelo Embargante, impondo-se, por isso, no pressuposto de que a figura jurídica da compensação exige a reciprocidade de créditos, atentar e apurar a vontade real das partes, considerando a facticidade adquirida processualmente, nomeadamente a cláusula 7ª da Promessa de Permuta e Divisão de Coisa Comum, celebrada em 25 de junho de 2015, a par daqueloutro documento, outorgado em 11 de Maio de 2016, concretamente, a Adenda à Promessa de Permuta e Divisão de Coisa Comum, em especial a respetiva cláusula 1ª n. º 3, ao abrigo das regras interpretativas do art.º 236º e seguintes do Código Civil.

Atentemos às enunciadas declarações negociais com vista a determinar a respetiva vontade real dos outorgantes para daí concluir da bondade da solução encontrada pelo Tribunal recorrido ao reconhecer a invocada compensação, enquanto modo de extinção da obrigação exequenda.

Atenhamo-nos à seguinte facticidade, adquirida processualmente:

“1) No dia 19 de maio de 2015, foi outorgada por Opoente e Oponida a escritura de permuta de diversos bens imóveis constante de fls. 55 e seguintes, de fls. 227 verso e seguintes e de fls. 297 e seguintes, nela sendo aqueles identificados, respetivamente, por segundo e primeira outorgantes.

2) Na escritura identificada em 1) antecedente pode ler-se que “(…) a diferença dos valores permutados no valor de sessenta e três mil seiscentos e vinte e cinco euros será paga pela primeira ao segundo outorgante, por compensação, em sede de partilha por óbito de CC, mãe dos permutantes”.

3) Na escritura identificada em 1) antecedente pode ainda ler-se que “(…) a diferença dos valores permutados no valor de mil seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos será paga pelo segundo e sua representada à primeira outorgante e seu marido, por compensação em sede de partilha por óbito de CC, mãe dos permutantes”.

4) No dia 25 de junho de 2015, foi celebrado entre Opoente, Oponida e DD o Contrato Promessa de Permuta e de Divisão de Coisa Comum que constitui fls. 7 verso e seguintes e fls. 181 verso e seguinte dos autos (“CPPDCC”).

5) No CPPDCC o Opoente foi designado por ..., a Oponida por ... e DD por MLAP.

6) Na Cláusula Sétima do CPPDCC, sob a epígrafe “Acerto de valores”, pode ler-se que: “1. Na data da celebração das escrituras públicas de permuta prometidas MLAP pagará a ... a quantia de €215.000,00 (…), sem prejuízo dos montantes que este lhe deverá nessa data, e que terão que ser pagos no prazo máximo de um ano após a celebração de escrituras de permuta prometidas ou no prazo de dezoito meses após a assinatura do presente contrato, consoante o que primeiro ocorrer.

2. ... e ... declaram considerar compensados entre si os créditos que detêm um sobre o outro, resultantes da escritura de permuta realizada em 19 de Maio de 2015 e do crédito descrito na verba n.º 1 da relação de bens constante do processo de inventário referido no considerando B) do presente contrato”.

7) No considerando B) do CPPDCC pode ler-se que: “Os contraentes têm tentado dividir e partilhar o património comum, sem sucesso, razão porque corre termos um processo de inventário facultativo sob o n.º … do … Juízo de Competência Genérica, da Instância Local ..., do Tribunal da Comarca  ….”.

8) A verba n.º 1 do ativo da relação de bens constante do processo de inventário referido em 7) antecedente tem a seguinte redação: “Direito de crédito sobre o Interessado BB, no montante de €344.378,64 (…), a que acrescem juros legais à taxa em vigor, conforme doc.1 que ora se junta e se considera reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, sendo tal documento uma auditoria requerida pelo próprio Interessado”.

9) Todas as verbas identificadas na relação de bens e respetivo aditamento do processo de inventário, com determinadas exclusões, aqui irrelevantes, foram, por acordo homologado por sentença proferida no dia 25 de junho de 2015, transitada em julgado na mesma data, adjudicadas na proporção de 1/3 a cada um dos interessados, entre os quais a Oponida.

10) Atento o exposto em 8) e 9) antecedentes, a Oponida ficou titular de um crédito sobre o Opoente no montante de €114.792,88.

11) Ao montante referido em 10) antecedente acrescia 1/3 do montante dos juros sobre o capital em dívida.

12) No dia 11 de maio de 2016, foi celebrada por Opoente, Oponida e H... - Agricultura e Turismo, S.A., a adenda ao CPPDCC que constitui fls. 15 verso e seguintes e fls. 189 e seguintes dos autos.

13) Na adenda ao CPPDCC a Oponida foi designada por Primeira Contraente ou ..., o Opoente por Segundo Contraente ou ...e H... – Agricultura e Turismo, S.A., por Terceira Contraente.

14) Na Cláusula Primeira da adenda referida em 12) e 13) antecedentes, sob a epígrafe “Objeto”, pode ler-se o seguinte: “1. Pelo presente a Primeira Contraente e a Terceira Contraente entregam ou devolvem ao Segundo os seguintes bens:

a) 1/3 da Verba n.º 2B (…);

b) O prédio urbano sito na Rua …, em ... (…);

c) O prédio urbano sito na Rua da …, n.º …, em ... (…);

d) A Primeira Contraente considera ainda liquidadas pelo Segundo Contraente as seguintes verbas:

e) d1) 500,00 € (quinhentos euros) relativos a taxa 2015 do C…..;

d2) 1.900,00 € (mil e novecentos euros) relativos a metade dos emolumentos da Escritura de Permuta celebrada entre a Primeira e o Segundo Contraentes em 19 de Maio de 2015.

2. Por sua vez, o Segundo Contraente entrega à Primeira Contraente a totalidade da verba n.º 14.

3. Todas as restantes Cláusulas do Contrato mantêm-se nos exatos termos ali transcritos, ficando saldados os acertos entre a primeira e o segundo contraentes.”.

23) Em dezembro de 2017, o Opoente promoveu a venda de algum recheio que lhe coube na partilha e enviou mail à Oponida a informá-la da sua intenção e de receber o preço, tendo aquela respondido que quando lhe disponibilizasse as peças lhe faria a transferência ou pagaria em dinheiro.”

Importa, pois, interpretar as demonstradas e consignadas declarações negociais, em conjugação com a restante facticidade enunciada, na medida em que este acervo fáctico é essencial para o reconhecimento, ou não, da existência da invocada compensação, e respetiva natureza, parcial ou total, e, nesse sentido, determinante para se saber da extinção da obrigação exequenda.

De acordo com o prevenido no art.º 236º n.º 1 do Código Civil “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.

Consagra-se a chamada “teoria da impressão do destinatário”.

Vaz Serra ensina que esta teoria deve ser entendida do seguinte modo: “(…) a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário, a interpretaria, como o que se procura, num conflito entre o interesse do declarante no sentido que atribuiu a sua declaração e o interesse do declaratário no sentido que podia razoavelmente atribuir-se a esta, dar preferência a este, que se julga merecedor de maior protecção, não só porque era mais fácil ao declarante evitar uma declaração não coincidente com a sua vontade do que ao declaratário aperceber-se da vontade real do declarante, mas também porque assim se defendem melhor os interesses gerais do tráfico ou comércio jurídico. Mostra isto que a interpretação das declarações negociais não se dirige (salvo o caso no nº. 2 do artigo 236º do Código Civil) a fixar a um simples facto o sentido que o declarante quis imprimir à sua declaração, mas a fixar o sentido jurídico, normativo da declaração.” in, RLJ, ano 103º, página 287.

Por sua vez, Manuel de Andrade refere “trata-se daquele sentido com que a declaração seria interpretada por um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário efectivo. Toma-se portanto este declaratário, nas condições reais em que ele se encontrava, e finge-se depois ser ele uma pessoa razoável, isto é, medianamente instruída, diligente e sagaz, quer no tocante à pesquisa das circunstâncias atendíveis, quer relativamente ao critério a utilizar na apreciação dessas circunstâncias. Por outras palavras: parte-se do princípio de que o declaratário teve conhecimento das circunstâncias que na verdade conheceu, e ainda de todas aquelas outras que uma pessoa razoável, posta na sua situação, teria conhecido; e figura-se também que ele ajuizou dessas circunstâncias, para entender a declaração, tal como teria ajuizado uma pessoa razoável”, in, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume 2, páginas 309/310.

Na interpretação de um declaratário normal, os termos das declarações consignadas no item 6. e item 14.3. dos Factos provados, não podem ser lidas de outra forma que não seja aquela que claramente resulta do saneador/sentença recorrido e que, sem prejuízo de sermos fastidiosos, respigamos:

“As partes não declararam expressamente se a compensação era total ou parcial, nem a tomada de uma decisão quanto a tal questão pode passar pela comparação entre os dois números da Cláusula Sétima do CPPDCC, já que relativos a contratantes distintos, não tendo a sua negociação sido conjunta, mas separada, e obedecendo, por isso, a interesses diversos.

Mas já não pode deixar de se atender ao próprio texto da Cláusula Sétima, n.º 2, do CPPDCC, e nela as partes indicaram expressamente os créditos a compensar (os resultantes da escritura de permuta realizada em 19 de maio de 2015 e o crédito descrito na verba n.º 1 da relação de bens constante do processo de inventário), entre os quais não fizeram constar qualquer crédito que resultasse da diferença de valores entre os bens permutados.

Por outro lado, não se provou nos autos que tivesse ocorrido uma diferença de valores entre os bens permutados entre Opoente e Oponida que impusesse uma compensação total dos créditos. Também não se provou qualquer outra justificação para tal compensação total.

Não existindo qualquer justificação para uma compensação total, nem tendo a mesma sido declarada expressamente no CPPDCC, colocando-nos na posição do declaratário ideal, somos levados a concluir que a compensação é meramente parcial (tal como seria, por força do artigo 847.º, n.º 2, do Código Civil, se estivesse em causa uma compensação legal). (sublinhado nosso)

Essa é a interpretação mais justa e a que conduz ao maior equilíbrio das prestações, nomeadamente atendendo à diferença significativa entre os créditos a compensar.

Simplesmente, não obstante a conclusão a que se chega, afirmou o Opoente que, na adenda ao CPPDCC, assinada em 11 de maio de 2016, as partes, na sua Cláusula 1.ª, n.º 3, introduzindo algumas alterações ao CPPDCC, declararam manter nos seus exatos termos todas as suas restantes cláusulas e, para além disso, afirmaram expressamente ficarem saldados todos os acertos entre Opoente e Oponida.

Ora, é manifesto que os acertos em causa não se referiam às verbas mencionadas na Cláusula 1.ª, n.º 1, da adenda, já que tais verbas, apenas seriam “consideradas liquidadas na data da outorga da escritura pública do Contrato”, conforme decorre da sua Cláusula 2.ª.

Estariam, portanto, em causa acertos que já anteriormente eram devidos por força do CPPDCC, referindo-se apenas a sua Cláusula 7.ª, precisamente, a “Acerto de Valores”.

Assim, e uma vez que a compensação parcial de créditos entre as partes operou de imediato aquando da assinatura do CPPDCC (cfr. artigo 848.º, n.º 1, do Código Civil), os acertos a que alude a Cláusula 1.ª, n.º 3, da adenda ao CPPDCC, e que se considerariam “saldados”, isto é, pagos, apenas poderiam ser todos os restantes a realizar entre as partes, ou seja, o pagamento do remanescente do crédito da Oponida e que constitui o crédito exequendo.

Por outras palavras, através da Cláusula 1.ª, n.º 3, da adenda ao CPPDCC, que a Oponida subscreveu, e por razões que não foram alegadas e demonstradas, a mesma considerou saldados todos os acertos que lhe eram devidos pelo Opoente, entre eles, necessariamente, o que constitui o crédito exequendo, por ser feita menção a “todos os acertos”, sem qualquer exclusão. (sublinhado nosso)

A matéria de facto vertida em 23) dos Factos Provados reforça tal convicção, dado estarem em causa pagamentos a efetuar pela Oponida ao Opoente, sem que aquela, nessa altura, tenha invocado a existência de qualquer crédito sobre o segundo (vindo apenas a fazê-lo depois de ocorrido o facto provado vertido em 31).

(…) o Opoente logrou fazer prova de um facto impeditivo do direito de crédito da exequente constante daquele título, conforme lhe competia, comprovando que o crédito se extinguiu em data anterior à da propositura da ação principal.”

Cotejadas as enunciadas declarações negociais qualquer declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, reconheceria, claramente, a compensação total ajustada entre Embargante e Embargada, impeditiva do arrogado direito de crédito da exequente, demonstrando-se, assim, que o crédito exequendo se extinguiu.

Tudo visto, considerando o quadro normativo e doutrinal que acabamos de enunciar, conjugado com a facticidade demonstrada nos autos, entendemos que o fundamento das alegações de recurso interposto pela Recorrente/Embargada/AA, não encerra virtualidade bastante no sentido de alterar o destino já traçado na presente demanda.


III. DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam improcedente o recurso, negando-se a revista, mantendo o saneador/sentença recorrido.

Custas pela Recorrente/Embargada/AA.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 2 de junho de 2021

                              

Oliveira Abreu (relator)                              

Ilídio Sacarrão Martins                                          

Nuno Pinto Oliveira


Nos termos e para os efeitos do art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, verificada a falta da assinatura dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos no acórdão proferido, atesto o respetivo voto de conformidade dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos, Ilídio Sacarrão Martins e Nuno Pinto Oliveira.