Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
456/1999.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: URBANO DIAS
Descritores: CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO
PRESUNÇÃO DE CULPA: SUA ELISÃO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/09/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I – A celebração de um contrato de concessão comercial, relativo à exploração de um posto de combustíveis, cria, entre as partes, diversas obrigações recíprocas. Entre elas, destaca-se a obrigação do concedente, de fornecer à concessionária, os combustíveis, a que corresponde a obrigação, por parte desta, de pagar o correspondente preço.
II – A deliberação de uma Câmara Municipal, a determinar a cassação da licença provisória de exploração do dito posto de combustíveis, é um facto que, por si só, determina a impossibilidade objectiva de a concedente continuar a fornecer os seus produtos à concessionária e que, portanto, extingue a ligação contratual que vinculara ambas as partes.
III – Provado que, previamente a tal deliberação, já, muito antes, a Câmara Municipal fizera representar às partes a sua intenção de ordenar a remoção do dito posto de combustíveis, alterando urbanisticamente o local onde o mesmo estava instalado, chegando ao ponto de responsabilizar a concedente pelo pagamento de uma indemnização pelos prejuízos sofridos com o atraso no cumprimento de diversos avisos feitos nesse sentido, é de considerar ilidida a presunção de culpa da concedente no incumprimento do mesmo contrato, desde a data em que, mercê do último aviso, se convenceu da seriedade da posição daquela entidade e da ilicitude da sua conduta se continuasse a fornecer produtos à concessionaria, até ao dia em que foi tomada a aludida deliberação de cassação da licença provisória, isentando-a, assim, de responsabilidades pelos eventuais prejuízos sofridos pela concessionária nesse espaço temporal.
IV – Exigindo a concedente à concessionária o pagamento dos produtos petrolíferos fornecidos, no âmbito do aludido contrato, não é lícito que esta invoque, em seu favor, a excepção do não cumprimento, seja a que pretexto for.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.
Relatório
AA, S. A. intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, acção ordinária contra BBe Cª Lª, pedindo a sua condenação no pagamento de 6.873.718.$00 e juros, alegando o não pagamento, por parte desta, do preço de combustíveis fornecidos.

A R. contestou, arguindo a excepção de não cumprimento, por um lado, e, por outro, em reconvenção, pedindo a condenação da A. no pagamento de uma indemnização, por lucros cessantes, na ordem dos 3.000.000$00 iniciais e que, à data da contestação, se cifravam já em 18.000.000$00.

Seguiram os demais articulados até à fase de saneamento e condensação, entre os quais os apresentados pela Câmara Municipal de Gondomar que, entretanto, fora admitida a intervir acessoriamente.

Após julgamento, foi a acção julgada procedente e a reconvenção improcedente, o que motivou recurso de apelação da R. para o Tribunal da Relação do Porto que, dando à mesma parcial provimento, condenou a R. a pagar à A. a quantia de 34.285,96 €, com juros sobre 32.878,10 €, desde 09/04/1999 até efectivo pagamento, e condenou a A. a pagar à R. a quantia que se liquidasse em execução de sentença, a título de indemnização por danos resultantes do não fornecimento de produtos derivados de petróleo que a mesma vinha fornecendo à R., correspondente ao lucro deixado de obter desde 30/11/1998 até efectiva cessação do respectivo contrato, “devendo ser operada a respectiva compensação”.

Inconformadas, ambas as Partes pedem, ora, revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, tendo, para o efeito, apresentado as respectivas minutas que fecharam com as seguintes conclusões:

A) Da recorrente/R.:
- Como se concluiu no aresto recorrido, além da componente de cessão de exploração do posto de combustíveis, o contrato que a A. e R. celebraram tinha uma outra, de fornecimento e distribuição comercial de combustíveis e lubrificantes da marca “AA”, pela qual a primeira se obrigava a vender à segunda para revenda e que esta, por sua vez, se obrigava a revender no posto, sendo com base nessas vendas que era determinada a “renda” da exploração.
- Este contrato na vertente de “distribuição comercial” previa, ainda, do lado do revendedor – a aqui recorrente – uma obrigação de exclusividade – pois estava-lhe vedado adquirir combustíveis ou outros produtos para revenda no estabelecimento de marca diversa da distribuidora, a aqui A..
- Assim, os fornecimentos de combustíveis que geram o crédito da recorrida BB, e deram lugar às facturas juntas com a P.I., não têm origem autónoma e individualizada, mas antes resultam do desenvolvimento de um contrato quadro de execução continuada, na vertente de distribuição comercial de combustíveis para revenda, junto a fls. 25 a 32 e 199 a 206.
- A fonte obrigacional do dever de pagamento dos combustíveis fornecidos por banda da – -reconvinte, é a mesma do dever de proceder aos fornecimentos por banda da A./reconvinda – o contrato de fls. 25 a 32 e 199 a 206.
- Vem provado das instâncias que “em 30/11/98 a A. cessou os abastecimentos de gasolina à R. que ficou impedida de comercializar os produtos da A.”, como vem provado que as facturas cujo pagamento a A. reclama só se venceram em momento posterior ao incumprimento da R..
- A génese do fornecimento que dá lugar ao crédito da A., não se reconduz a uma compra e venda isolada e autónoma, antes se integra na prestação complexa do contrato quadro que disciplina as relações entre as partes.
- No quadro de uma relação contratual complexa, como é a que existia entre A. e a R., basta o incumprimento de uma das prestações, seja ela principal ou secundária, para que a outra parte possa invocar a exceptio non adimpleti contractus.
- Foi por isso legítima e atendível a invocação pela R. reconvinte da excepção do não cumprimento para recusar o pagamento do crédito reclamado pela A..
- Violou, assim, a decisão recorrida e, salvo o devido respeito, o disposto nos artigos 406° e 428° do Código Civil.

B) Da Recorrente/A.
- Deverá ser corrigido o manifesto lapso de escrita constante do Acórdão recorrido (fls. 750, penúltimo parágrafo), no sentido de onde se lê “31/7/2007” passar a ler-se “31/7/1999”.
- À luz do disposto no artigo 238° do Código Civil, terá de concluir-se ter sido vontade real das partes a celebração do contrato dos autos subordinado à condição de o posto de abastecimento objecto do mesmo encontrar-se dotado de uma licença camarária, emitida a título precário, significando esta a possibilidade de, a qualquer altura, o Município de Gondomar proceder ao encerramento do posto de abastecimento.
- A não consideração de todos os factos inerentes à emissão da “licença de publicidade e ocupação da via pública” bem como os provados por documentos, entre os quais o teor da deliberação camarária de 14/07/1999, viola o disposto no artigo 659°, nº 2, do Código de Processo Civil.
- A consideração de todos esses factos e elementos probatórios nunca poderia ter levado à conclusão, nua e crua, de que “em Janeiro de 1999, data em que a A. pretende que estava extinto o contrato por caducidade, o posto dispunha da dita licença de publicidade e ocupação da via pública válida até ao fim de 1999”.
- E, muito menos, poderia o Acórdão recorrido dali retirar a ilação de que, até ao final do ano de 1999, não se podia falar em impossibilidade objectiva de cumprimento do contrato por parte da A..
- A cassação da licença em 14/07/1999, como claramente resulta da proposta que a fundamentou, teve origem no facto de a R. a ter requerido sem para tanto se encontrar mandatada e o funcionário municipal a ter emitido por desconhecer a decisão inerente ao desmantelamento do posto de abastecimento.
- Tanto a A. como a R. acataram a comunicação que lhes foi efectuada pela Câmara Municipal de Gondomar e ambas se conformaram com a perspectiva de encerramento do Posto.
- A A. optou, e nisso foi secundada pela R., em procurar novo terreno para a instalação do novo Posto e deixar que se consumasse a decisão da Câmara.
- Nem a A. nem a R. se encontravam obrigadas a impugnar as decisões da Câmara.
- Objectivamente, a prestação da A., de disponibilizar à R. a exploração do Posto, tornou-se impossível por causa que lhe não era imputável, assim se extinguindo a obrigação daquela prestação – Código Civil, artigo 791°.
- A carta de 27 de Novembro de 1998, em que a A. comunica à R. o encerramento do Posto a partir do dia 30 do mesmo mês, mais não é do que o corolário daquela impossibilidade.
- Sem prescindir, diga-se que, ainda que assim não se entenda – o que se admite como mera hipótese – aquela impossibilidade objectiva e definitiva do cumprimento da prestação da A., sempre terá ocorrido em 29 de Julho de 1999, uma vez que, como afirma o Acórdão recorrido, «...resultou provado, em 3.1.25 da sentença, que a Câmara Municipal de Gondomar, por deliberação de 14/7/1999, determinou a cassação da licença em causa, determinando o encerramento do posto nos 15 dias posteriores à comunicação da decisão...».
- Logo de seguida, e relativamente a esta deliberação camarária, o Acórdão recorrido acrescenta “... Ignorando-se se essa deliberação se tornou definitiva e executória ou se foi impugnada judicialmente pela A. ou pela R. (interessados directos)”.
- Ora, tal não pode significar outra coisa senão que não se provou que a deliberação camarária tenha sido impugnada judicialmente e que, portanto, se tornou definitiva e executória.
- Assim, e caso – por mera hipótese – se considerasse que o contrato não terminou, por caducidade, no dia 30 de Novembro de 1998, sempre se teria que considerar que tal caducidade teria ocorrido, o mais tardar, no dia 29 de Julho de 1999.
- Não pode ser aceite o fundamento do Acórdão recorrido, invocado para fundamentar a procedência da reconvenção, segundo o qual “Podia a A. ter denunciado livremente o aludido contrato nos termos da cláusula 13ª, para o termo de cada renovação semestral, mediante aviso prévio através de carta registada com a antecedência mínima de noventa dias e não o fez, pese embora podê-lo ter feito para as renovações contratuais que ocorreram no final de 1996, no final de Junho de 1997, no final de 1997, no final de Junho de 1998”.
- Com efeito, o não exercício, pela A., daquele seu direito de denúncia traduziu-se num verdadeiro benefício para a R., sem o que esta teria deixado de explorar o Posto, no mínimo, dois anos antes da data em que efectivamente o fez.
- Pelo que a atribuição à R. de um direito de crédito sobre a A., com fundamento no facto de esta não ter exercido mais cedo o direito de denúncia do contrato configura um abuso de direito, na medida em que excede manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico do direito que se pretende fazer valer (artigo 334° do Código Civil).
- Dos factos dados como provados resulta, objectivamente, que a prestação da A., traduzida na disponibilização à R. do Posto em causa nos autos tornou-se impossível por facto não imputável à A., pelo que se extinguiu a obrigação contratual desta – Código Civil, artigo 791°.
- A R. não tem o direito de exigir qualquer indemnização à A., seja de que natureza for, pelo que a reconvenção não pode deixar de improceder na totalidade.

Ambas as partes, em resposta, defenderam a improcedência das pretensões da respectiva contra-parte.

2.
Das instâncias vem dada como provada a seguinte factualidade:
1 - A A. dedica-se, entre outras actividades, à comercialização de gás e combustíveis.
2 - No exercício dessa actividade, a A. vendeu e entregou à R., mediante encomenda desta e pelo preço de 6.815.996$00, as quantidades daquele produto discriminadas na factura nº 0000000 e Nota de Débito nº 0000006, com vencimento em 16/12/98 e 21/12/98, respectivamente.
3 - Quanto ao montante titulado pela Nota de Débito nº 0000006, a R. pagou a quantia de 224.528$00.
4 - Relativamente à factura nº 0000000, a R. não a pagou, no todo ou em parte.
5 - No dia 16 de Maio de 1980, no Cartório Notarial de Gondomar, foi celebrada entre as partes a “Escritura de Incumbência de Exploração de Estabelecimento de Venda de Combustíveis e Lubrificantes”.
6 - Nos termos do pactuado, a A. declarou que, sendo “proprietária de um estabelecimento comercial constituído por Posto de Abastecimento simples instalado no prédio urbano situado na Estrada Nacional número quinze, quilómetro dois mil duzentos e cinquenta, no lugar da ..., da freguesia de Rio Tinto, ainda omisso na competente Conservatória do Registo Predial, comete, pelo presente contrato, ao revendedor, a incumbência de o explorar, por sua conta e risco nos termos e condições seguintes:

7 - Nas cláusulas 12ª e 13ª da escritura referida ficou estabelecido que:

a) - A falta de cumprimento por parte do revendedor de qualquer das obrigações do presente contrato confere à AA o direito de o rescindir, sem ter de aguardar o termo fixado, e de exigir do revendedor bem como dos fiadores o pagamento imediato de todas as importâncias que lhe forem devidas pelo revendedor, sem prejuízo de outra maior responsabilidade que vier a ser apurada (Cl. 12ª);

b) - Este contrato tem o seu início hoje e vigorará até ao último dia deste ano, sendo, no entanto, prorrogável sucessivamente, por períodos semestrais a terminar no último dia do respectivo semestre, enquanto qualquer das partes não o der por findo, mediante aviso prévio feito à outra parte por carta registada, expedida com a antecedência mínima de noventa dias sobre o termo do período inicial da incumbência ou de cada uma das suas prorrogações (Cl. 13ª).

8 - A R. foi contactada, em Junho de 1996, na pessoa do seu sócio-gerente BB, pelo Vice-Presidente da C. M. de Gondomar, ..., que lhe comunicou pretender a Autarquia proceder a um novo arranjo urbanístico da zona onde se situa o posto de venda que a R. explora, o que implicaria a sua destruição.

9 - Mais declarou o Sr..... que a C.M.G. já tinha contactado, para o efeito, a A., aconselhando o Sr. BB a, em consonância com esta, arranjarem um novo local para transferência do posto.

10 - Em 24/07/96, foi efectuada uma reunião entre a R. e a A. para resolução do assunto referido, no decorrer da qual foi confirmada pelos representantes da R. a pretensão da C.M.G. de proceder ao referido arranjo urbanístico do Largo da ..., o que, a consumar-se, implicaria a destruição do posto.

11 - Em 10/10/96, o sócio-gerente da R. enviou um fax à A. onde dá conta dos contactos havidos com o proprietário do terreno situado no cruzamento da Av. ... com a Estrada Nacional 15, referindo que “o proprietário aguarda resposta até ao final do corrente mês, pois tem de meter o projecto na Câmara de Gondomar até essa data”.

12 - Encontra-se junta aos autos uma carta enviada pela A. à R. em que esta refere ser sua intenção de “obter autorização do proprietário do terreno, para apresentação na C. M. Gondomar de um pedido de informação prévia, em nome da BB, sobre a transferência da posição da Galp em causa e que, após apreciação desse pedido pela Autarquia, e em face da deliberação que vier a ser tomada sobre o mesmo, a AA analisará a forma como se processará a transferência dessa posição de que a AA é proprietária e titular das licenças que permitem o seu funcionamento”.

13 - Em 18/11/96, foi efectuada uma reunião com o proprietário do terreno referido e em que esteve presente o sócio-gerente da mesma R..

14 - Em 7/1/97, a R. recebeu uma carta da C.M.G. a solicitar-lhe o encerramento do posto “com a retirada de todo o equipamento até 31 de Março do corrente ano”.

15 - Por fax de 10/1/97, a R. insistiu junto da A. no sentido de uma rápida decisão, enviando em anexo a carta recebida da C.M.G. em 7/1/97.

16 - Por carta de 17/1/97, a A. enviou à R. uma “minuta” de carta a enviar por esta à C.M.G. em que se sublinhava o princípio de que as questões do encerramento do posto deveriam ser tratadas directamente entre a Câmara e a A., carta que a R. enviou à referida Autarquia.

17 - Em 27/11/98, a A. enviou à R. uma carta acompanhada de um ofício da C.M.G. de 03/07/97, em que a autarquia lhe determinava que encerrasse o posto de abastecimento da R., sublinhando responsabilizá-la pela indemnização a pagar ao empreiteiro por atraso imputável à C.M.G. no início da execução da obra.

18 - Em consequência a A. comunicou à R. “o encerramento do P. Abastecimento no próximo dia 30 de Novembro”, data em que procederia “ao levantamento do material de superfície instalado”.

19 - A R., por fax de 31/11/98, enviado à A., dava conta de não ter sido denunciado o contrato entre elas outorgado, motivo pelo qual, considerando-o em vigor, não autorizava qualquer levantamento de material.

20 - A A., em 3/12/98, respondia à R. que não se tratava “de qualquer resolução do contrato em vigor mas da sua caducidade, por manifesta impossibilidade da sua manutenção, acrescendo ser esta «exclusivamente» responsável «por quaisquer prejuízos ocasionados pela demora no levantamento do posto»”.

21 - A R. pediu a renovação da “Licença de Publicidade e Ocupação da Via Pública”, que foi concedida em 6/1/99 com validade até 31/12/99, pela Câmara Municipal de Gondomar.

22 - Em 30/11/98, a A. cessou os abastecimentos de gasolina à R., que ficou impedida de comercializar os produtos da A..

23 - A R., após vários contactos, mandou à A., em 19/3/99, uma factura discriminativa dos custos de imobilização que imputa a esta – falta de fornecimento de combustível desde Dezembro de 98 a Março de 99 – que totalizam 12.000.000$00, à razão de 3.000.000$00 mensais, e que esta devolveu.

24 - Em 17/11/98, a Câmara Municipal de Gondomar informou a R. que tinha notificado a AA para, até final do mês de Novembro de 1998, proceder à remoção do Posto de Abastecimento.

25 - Por deliberação tomada em 14-07-99, a Câmara Municipal de Gondomar decidiu proceder à cassação da licença nº 2, válida até 31 de Dezembro de 1999, concedida à Sociedade Concessionária de Refinação e Petróleos-..... Portugal, actualmente Petróleos de Portugal-AA, S.A., para ocupação da via pública no Largo da ... Rio Tinto, com um posto de abastecimento de combustível constituído por uma bomba de ar, uma bomba de água, uma bomba volante, uma bomba super/normal e uma bomba gasóleo/super, bem como por depósitos de combustíveis subterrâneos e construção que serve de escritório, devendo a referida Sociedade proceder a desocupação do solo e subsolo objecto da referida licença, retirando todos os objectos que constituem a ocupação, no prazo de 15 dias.

26 - Na reunião de 24/7/96, entre os representantes da A. e o da R., Sr. BB, foi acordado que este ajudaria aquela na procura de um terreno para instalação do novo posto de abastecimento que substituísse o explorado pela R. e que noutra reunião, efectuada em Setembro de 1996, o Sr. BB ficou incumbido, pela A., de averiguar e indicar-lhe detalhes do terreno referido em 11 e o nome do respectivo proprietário.

27 - Que se afigurava, pala sua localização, apto ao fim em vista.

28 - Em 30/11/1998, o nível mensal de vendas de gasolina super pela R. era de 96.017,6 litros, ao preço de 168$00/litro.

29 - Em 30/11/1998, o nível mensal de vendas de gasolina sem chumbo pela R. era de 62.435,7 litros, ao preço de 162$00/litro.

30 - Em 30/11/1998, o nível mensal de vendas de gasóleo pela R. era de 109.758,6 litros, ao preço de 112$00/litro.

31 - Da venda de combustíveis, de óleos, gás, aditivos, pneus e outros produtos acessórios e da prestação de serviços complementares (reparação de furos em pneus, substituição de câmaras de ar, mudança de velas, etc.), acrescida de bónus, rapelles e outros proveitos e deduzido o valor da aquisição dos produtos e do pagamento à A. da “taxa de exploração”, resultou para a R. um receita, média, mensal, bruta, durante o ano de 1998, de 1.507.383$75.

32 - O Sr. BB sugeriu à A. dois terrenos que entendeu poderem interessar a esta.

33 - Que a A. se dispôs a vistoriar e examinar.

34 - A A. não se comprometeu a construir o novo posto nos terrenos indicados pelo Sr. BB.

35 - A A. não se comprometeu a entregar a exploração do novo posto à R..

36 - Todas as negociações, bem como o pedido de licenciamento relativo ao terreno, foram efectuadas exclusivamente pela A., sem prejuízo das referidas diligências da R..

37 - De acordo com o contratado entre A. e R., esta pagava àquela, pela exploração do posto, uma “taxa de exploração” que, à data do termo do contrato, se cifrava em 1$03 por litro considerando a totalidade dos combustíveis vendidos.

38 - No posto de abastecimento trabalhavam cinco abastecedores, auferindo, cada um, o vencimento mensal de 73.300$00, e ainda uma escriturária, com um vencimento mensal de 89.400$00.

39 - A R. pagava a cada um dos seus três gerentes um vencimento mensal de 100.000$00.

40 - A R. teve, em 1998, uma despesa média, mensal, com o pagamento de encargos à Segurança Social, telefone, água, luz e prémios de seguros, de 368.000$00.

41 - A A. solicitou à Câmara Municipal de Gondomar que o encerramento da posição GALP, no Largo da ..., apenas tivesse lugar quando estivesse em condições de abertura ao público o terreno da Avenida ....

42 - Em 16/11/1998, já se encontrava em funcionamento o posto no terreno da Avenida ..., para onde foi mudada a posição de venda “GALP”, em Rio Tinto.

3.
Quid iuris?
Confrontada a R. com o pedido da A., no sentido de ser condenada a pagar o preço dos combustíveis fornecidos, respondeu com a invocação da exceptio e, logo de seguida, em reconvenção, formulou pedido de condenação contra esta com vista a ser ressarcida dos danos sofridos, a título de lucros cessantes, por virtude de ter incumprido o contrato que ambas outorgaram.

Entre as Partes foi celebrado um contrato a que denominaram “Incumbência de Exploração de Estabelecimento de Venda de Combustíveis e Lubrificantes” (Documento junto a fls. 25 e seguintes).
Segundo a A., o dito contrato ter-se-á extinto por caducidade, face à imposição da Câmara Municipal de Gondomar de fecho o posto de abastecimento, o que a motiva na recusa de pagamento à R. do que quer que seja, a título de indemnização, achando-se, contudo, no direito de perceber o preço devido pelos fornecimentos que fez.

A 1ª instância deu total guarida à pretensão da A. e negou provimento à da R., o que equivale a dizer que não encontrou justificação legal para a consagração da exceptio, nem, tão-pouco, para o reconhecimento do direito à peticionada indemnização por parte da R..
A explicação foi simples: por imposição camarária, a A. viu-se impossibilitada de realizar, perante a R., as prestações a que se obrigara por força do aludido contrato e, de tal forma, que este se extinguiu por caducidade.

Já a Relação do Porto teve outro entendimento.
Segundo este Tribunal, o contrato não se extinguiu e, como assim, malgrado ter reconhecido que inexistiam razões para a R. convocar a exceptio, como causa justificativa do não pagamento dos fornecimentos, responsabilizou a A. pelos prejuízos por aquela sofridos em consequência do seu próprio incumprimento, tudo nos termos dos artigos 798º e 799º do Código Civil, muito embora tenha relegado para liquidação o seu apuramento, com direito a compensação com o crédito desta última.

Explicado, em traços largos, o que norteou as decisões das instâncias, eis-nos confrontados com as questões que ambas as Partes nos colocaram para apreciação.
É o que iremos fazer, seguindo à risca as delimitações traçadas nas conclusões que ficaram indicadas.

3.1.
Mérito do recurso do A.: da sua responsabilização pelos danos alegados pela R..
Temos como certo que, por via da deliberação camarária de 14 de Julho de 1999 (cfr. fls. 155), que determinou a cassação da licença de ocupação da via (que era, é bom sublinhá-lo, uma licença precária), a A. viu-se impossibilitada, objectivamente impossibilitada, de prestar a sua obrigação de fornecer os seus produtos à R., dentro do âmbito contratual que ambas, livremente, firmaram.
Com efeito, com a cassação da dita licença não mais podia funcionar o posto de abastecimento: a ordem da Câmara tinha sido no sentido de acabar com a exploração do “posto de gasolina”, concedendo à A., titular da licença, o prazo de 15 dias para que a ordem de desocupação fosse cumprida, sob pena de, não o sendo, no dia imediato, a força pública ser requisitada para que nada impedisse o desmantelamento pretendido.
Dest’arte, a obrigação da A. de fornecer os seus produtos à R., para revenda, dentro do âmbito do dito contrato que denominaram de “Incumbência de Exploração de Estabelecimento de Venda de Combustíveis e Lubrificantes”, extinguiu-se por impossibilidade objectiva, não imputável a ela, mas sim à Câmara Municipal, ut artigo 790º, nº 1, do Código Civil.

“A consequência fundamental da impossibilidade superveniente da prestação, por causa não imputável ao devedor, é a extinção da obrigação, com a consequente exoneração do obrigado” (Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. II, 6ª edição, página 65).
Não há, assim, razão legal que fundamente a pretensão indemnizatória da R., pelo menos a partir do momento em que a prestação da A. se tornou absolutamente impossível.

Mas, se as cousas se nos mostram assim tão claras, a partir de 29 de Julho de 1999, data limite imposta pela Câmara para o desmantelamento do posto de abastecimento, já temos maior dificuldade em encontrar justificação para a não responsabilização da A. pelos danos sofridos pela R., no que diz respeito ao período que mediou a cessação de fornecimento dos seus produtos (30/11/98) e aquela indicada data.
Com efeito, nada há nos autos que nos permita dizer que a Câmara, antes da dita deliberação, tinha já tomado idêntica atitude.
Não que não haja indícios, ainda que ténues, de que algo tinha já sido deliberado nesse mesmo sentido: desde logo, o teor da proposta aprovada em 14 de Julho de 1999, na qual é feita referência a todas as diligências levadas a cabo no sentido de o posto ser retirado do local onde se encontrava e que, não obstante isso, a R., à revelia da A. (cfr. fls. 152), e perante a ignorância de um funcionário camarário, conseguiu a almejada licença precária.
Mas, não há certezas certas.
De qualquer forma, não podemos ignorar tudo o que se passou desde o início das conversações havidas entre a Câmara e as Partes aqui envolvidas em litígio.
A partir de 30 de Novembro de 1998, a A. deixou de fazer fornecimentos à R..
Não resultando provado que algo houve a tornar impossível o cumprimento da sua obrigação, a conduta omissiva da A. aparece-nos como objectivamente incumpridora, na justa medida em que deixou de fornecer à R. os seus produtos, tal-qualmente se tinha obrigado.
E, sendo assim, parece que a podemos responsabilizar pelo ressarcimento dos aludidos prejuízos.
Na responsabilidade contratual, a culpa presume-se do devedor, nos termos do disposto no artigo 798º do Código Civil, cabendo ao lesado a prova dos demais requisitos constitutivos da obrigação de indemnizar.
Perante aquela referida presunção, “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”, ut nº 1 do artigo 799º do mesmo diploma.
O nº 2 deste mesmo preceito legal prescreve que “a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil”.
Isto posto, torna-se pertinente a pergunta: terá a A., devedora de obrigações para com a R. no âmbito do contrato celebrado, agido com culpa a partir do momento em que incumpriu?
A lei presume que sim, mas o sentido da pergunta vai no sentido de saber se a A. conseguiu fazer prova, através de todos os factos carreados para os autos, de que agiu sem ela, no fundo, de que ilidiu a dita presunção.
É à luz dos factos dados como provados que a resposta há-de ser encontrada.
Antes, porém, importa não esquecer que o actual Código Civil consagrou os mesmos critérios para a apreciação da culpa, tanto na responsabilidade delitual ou aquiliana, como na responsabilidade contratual: ela deve ser apreciada em abstracto, tendo como patamar de apreciação a actuação de um bom pai de família (nº 2 do artigo 799º).
Ora bem.
Está provado nos autos por via documental a série de contactos que a Câmara Municipal de Gondomar, a A. e a R. tiveram, desde Junho de 1996, nos quais a primeira manifestou sempre a intenção de não permitir mais, no local onde o estabelecimento estava situado, a exploração das bombas de gasolina, certo até que o primeiro contacto que houve foi entre a própria Câmara e a R. (cfr. alegação vertida no artigo 5º da contestação da R. e dada como provada).
É bem certo que houve tentativas das Partes para encontrar uma solução com vista a encontrar um outro terreno onde o posto de abastecimento pudesse ser instalado, dando, dessa forma, continuação ao contrato que ambas firmaram, mas isso é assunto que passou sempre à margem da intenção da Câmara Municipal de não mais permitir o uso do local para o fim a que até então tinha sido destinado, intenção essa que foi sendo transmitida, pelas mais diversas formas, a ambas as Partes aqui em litígio.
Perante o prolongar do impasse, a Câmara Municipal, acabou por, em 16 de Novembro de 1998, ordenar à A. o encerramento do posto (cfr. docs. junto a fls. 48 e 148), dando, concomitantemente, conhecimento disso mesmo, no dia seguinte, à própria R., a quem solicitou que procedesse de imediato à remoção do posto até ao fim desse mês.
Face à inacção da R. e às novas insistências da Câmara Municipal, a A. viu-se na obrigação de se justificar perante esta, dizendo-lhe que “ainda não foi possível o desmantelamento do posto por oposição do Revendedor” (ofício junto a fls. 150).
É perante esta sucessão de factos que temos de resolver a questão, que a nós próprios colocamos, de saber se houve ou não culpa da A. no incumprimento do contrato.
Uma cousa é certa: estes factos, sumariamente relatados e todos eles documentados, não podem passar em branco, eles determinaram a vontade da A. em não fornecer mais produtos à R. a partir de 30 de Novembro de 1998.
E é precisamente aqui que entronca o problema de saber se a presunção legal de culpa se encontra ou não ilidida.
É que a A., perante todos os factos que foram relatados, acabou por se convencer de que nada mais havia a fazer do que cumprir as “ordens” camarárias.
O seu incumprimento surge, assim, como não culposo: a presunção do artigo 799º, nº 2, do Código Civil está, perante a evidência dos factos relatados, perfeitamente ilidida.
É que qualquer pessoa de bem, teria feito o mesmo: posta perante aquela sucessão de factos, todos eles demonstrativos da vontade da Câmara em levar por diante o desmantelamento do posto, manifestada sempre pelo seu Vice-Presidente, acabaria por aceitar que nada mais havia a fazer do que cumprir a ordem dada a 16 de Novembro de 1998.
É neste preciso contexto que se deve interpretar a justificação apresentada pela A. à Câmara Municipal, através do ofício de 15 de Janeiro de 1999: “… em resposta ao ofício de V. Exªs sobre o assunto em referência, vimos informar V. Exªs que ainda não foi possível o desmantelamento do posto por oposição do Revendedor” (cfr. fls. 150).
Tal ordem seria, naturalmente, acatada por qualquer pessoa normal: no fundo, ela tinha sido dada através de ofício de uma entidade pública, assinado pelo próprio Vice-Presidente, o mesmo que tinha dado conta de tal intenção à R. há mais de dois anos, mais concretamente, no mês de Junho de 1996.
E se, para prova da dita impossibilidade (inicial) tudo isto relatado, no rigor dos termos, não colhe, por falta de prova da efectiva vontade da Câmara, não pode deixar de ser considerada como demonstrativa da falta de culpa da A. no incumprimento do contrato que celebrara com a R..
O resultado é simplesmente este: afastada a culpa, automaticamente fica a A. isenta das responsabilidades assacadas pela R., tornando-se descabidas todas as considerações que pudessem ser feitas, a respeito da prova dos demais elementos (de facto e de direito) da responsabilidade por danos emergentes assacada à A..

Desta maneira, a sua responsabilidade por possíveis danos sofridos pela R. está definitivamente afastada: num primeiro momento (quando deixou de fornecer à R. os seus produtos), agiu sem culpa (artigos 798º e 799º, do Código Civil), no segundo (desde a notificação da deliberação da Câmara), a obrigação extingue-se (artigo 790º do Código Civil).
Portanto, à pergunta que foi formulada, no sentido de se saber se a A. deveria ser responsabilizada pelos invocados danos da R., responderemos negativamente.

3.2.
Mérito do recurso da R.: a invocação da exceptio.
O artigo 428º do Código Civil permite que, nos contratos bilaterais, uma das partes recuse a sua prestação enquanto a outra não efectuar a que lhe cabe.
O que legitima a exceptio non adimpleti contratus é a ausência de correspondência ou de reciprocidade que está na origem das obrigações (sinalagma genético) e que deve continuar a estar presente no seu cumprimento (sinalagma funcional) (João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, página 330, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, páginas 325 a 332, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, 4ª edição, páginas 190 a 192).
Por força do contrato que as Partes firmaram, e que cognominaram de “Incumbência de Exploração de Estabelecimento de Venda de Combustíveis e Lubrificantes” várias obrigações resultaram para ambas. De entre todas elas, destacamos a obrigação que a A. assumiu de fornecimento dos seus próprios produtos à R., ficando com a obrigação de pagar os respectivos preços, sendo que esta se traduzia na retribuição de sete centavos por litro, nas vendas de gasolina e seis centavos sobre as vendas de gasóleo, a pagar mensalmente até final do mês seguinte àquele a que disser respeito (cláusula 5ª).
É bem certo que as Partes se comprometeram, uma com a outra, a cumprir toda uma série de obrigações recíprocas entre si. Entre elas avulta a obrigação que a A. tinha de fornecer à R. os seus próprios produtos, à qual correspondia a obrigação desta de pagar os preços respectivos, nas condições acordadas.
Está demonstrado que a A. cumpriu a obrigação assumida perante a R. de lhe fornecer os seus próprios produtos, e, por isso mesmo, de dela exigir o pagamento dos respectivos preços, em conformidade com o pré-estabelecido.
Ora, o que ficou provado foi simplesmente que a R. não prestou a obrigação correspondente, pagando, atempadamente, o preço devido pelos fornecimentos referidos, facto este que a própria aceita.
Quem faltou, portanto, ao cumprimento foi a própria R. que não pagou aquilo que recebera, não a A.: razão esta suficiente para improceder a exceptio.
Falece, pois, a argumentação da R./recorrente.

3.3.
Nota final: a pretensão da A. em ver rectificado o texto do acórdão impugnado.
Uma simples leitura do artigo 667º do Código de Processo Civil é suficiente para permitir a conclusão de que tal tarefa incumbe ao tribunal a quo, só competindo ao tribunal ad quem apreciar a rectificação que, eventualmente, seja feita.
Por isso mesmo, nada ficou dito atrás.
Compreende-se, agora, a razão de tal omissão.

4.
Decisão
Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se:
- Conceder a revista à A., absolvendo-a do pedido reconvencional, mui embora por razões em tudo não coincidentes com as explanadas no recurso interposto.
- Negar a revista à R..
- Colocar as custas totais a cargo desta última.

Lisboa, aos 09 de Junho de 2009

Urbano Dias (relator)
Paulo Sá
Mário Cruz