Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ISABEL SALGADO | ||
Descritores: | RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA DECISÃO SINGULAR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS CONTRADIÇÃO DE JULGADOS PRESSUPOSTOS RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO IDENTIDADE DE FACTOS ACORDÃO FUNDAMENTO DECISÃO INTERLOCUTÓRIA CONTAGEM DE PRAZOS FÉRIAS JUDICIAIS JUNÇÃO DE DOCUMENTO INADMISSIBILIDADE | ||
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Data do Acordão: | 01/30/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | INDEFERIDA | ||
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Sumário : | I. A ratio do recurso para o Supremo em aplicação da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, visa garantir a possibilidade de resolução de conflitos de jurisprudência entre acórdãos das Relações, em matérias que por motivos de ordem legal, que não respeitam à alçada do tribunal, não chegariam à apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça. II. Pressupõe a existência de uma disposição legal, que vedando o recurso de revista normal- como é o caso das denominadas decisões interlocutórias “velhas - abre por aquela via o acesso ao STJ, considerando -se relevante apurar qual das orientações contraditórias deve ser a adoptada, face à lei e à unidade do sistema jurídico. III. Fica, contudo, afastada a contradição de jurisprudência com o alcance estabelecido no artigo 629º, nº2, al) d do CPC, se os arestos em confronto manifestam dissemelhança nos respetivos núcleos factuais e ocorrências processuais e as situações ajuizadas convocam normas adjetivas não coincidentes e justificam, de per se, as diferentes soluções jurídicas alcançadas | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. No âmbito dos autos pendentes de acção declarativa e processo comum que AIG EUROPE LIMITED – SUCURSAL EM PORTUGAL intentou contra, FUNDBOX SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., e contra a Central DSTORE – Retail, S.A, foi proferido despacho em audiência final no qual se admitiu a junção dos documentos apresentados pela Autora. 1 Inconformada com a decisão, a 2ªRé apelou. O acórdão do Tribunal da Relação de Évora culminou no seguinte dispositivo: «Pelo exposto, conclui-se, tal como no aresto hoje proferido no apenso E), que deve ser revogado o despacho recorrido, ser indeferida a junção aos autos da documentação apresentada pela Apelada em 19.08.2022, e ser ordenado o seu desentranhamento dos autos.2 Vencida, a Apelada suporta as custas recursivas, na vertente de custas de parte, atento o princípio da causalidade vertido no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 e do CPC. (..) Assim, em função dos princípios orientadores suprarreferidos e na ponderação de todos os referidos fatores, julgamos ser de determinar a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça, conforme previsto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, e 570.º, n.º 7, a contrário sensu.» 2. Inconformada, agora a Autora, interpôs recurso de revista (apenso F). As suas alegações finalizam com as seguintes conclusões: 1.ª O presente recurso deverá ser admitido e objeto de apreciação, com base nos seguintes fundamentos: - Em contradição de julgados (v. art. 629º/2/d), ex vi do art. 671º/2/a) do CPC, regime que atribui relevância à contradição de julgados entre o acórdão recorrido e outro acórdão da Relação) com base no Acórdão Fundamento do Tribunal da Relação de Coimbra de 2021.10.26, Proc. 852/20.8T8FIG-A.C1, disponível diretamente em ttp://www.dgsi.pt/jtrc.... que, quanto à mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação e relativa ao momento processual e admissibilidade da junção de documentos sub judice, se pronunciou em sentido absolutamente contrário com o decidido no acórdão ora recorrido (v. Doc. 1 adiante junto, cópia não certificada do acórdão fundamento); ou, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA; - Em contradição de julgados (v. arts. 671º/2/b) do CPC), com base em oposição com o decidido no douto Acórdão Fundamento do Supremo Tribunal de Justiça de 2019.09.12, Proc. 587/17.9T8CHV-A.G1-A.S1, disponível (…), que, quanto à mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação e relativa à contagem dos prazos sub judice, se pronunciou em sentido absolutamente contrário com o decidido no acórdão ora recorrido, como aliás reconhece o próprio tribunal a quo da relação quanto a este acórdão do STJ em questão (v. acórdão recorrido, p.p. 10-11) – cfr. Doc. 2 adiante junto, cópia não certificada do acórdão fundamento. 2.ª O presente recurso insere-se, de forma clara, na situação do art. 629º/2/d) do CPC ex vi do art. 671º/2/a) do CPC e das quais é sempre admissível recurso de decisões interlocutórias relativas a direito adjetivo proferidas pela Relação, designadamente, se em contradição com outro acórdão da Relação ou do STJ, o que é o caso se compararmos o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento do Tribunal da Relação de Coimbra de 2021.10.26, Proc. 852/20.8T8FIG-A.C1, disponível diretamente em (..) – cfr. Doc. 1, adiante junto. 3.ª In casu, ainda que assim não se considere, o recurso ora apresentado sempre se fundará na situação prevista e determinada no art. 671º/2/b) do CPC, dos quais é admissível recurso para o STJ quando o acórdão recorrido esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo STJ, no domínio das mesmas normas e princípios aplicáveis e da mesma questão fundamental de direito, o que é o caso se compararmos o acórdão recorrido com o Acórdão Fundamento do Supremo Tribunal de Justiça de 2019.09.12, Proc. 587/17.9T8CHV-A.G1-A.S1, …doc. 2, adiante junto.4.ª Face às situações ora em análise e ao caso decidendum referido nesses mesmos acórdãos, é absolutamente cristalino que se verificaram decisões opostas quanto à mesma questão fundamental de direito, não tendo havido qualquer alteração substancial das normas e princípios jurídicos aplicáveis in casu, pelo que a identidade das questões fundamentais de direito não suscita qualquer dúvida, estando assim preenchidos os requisitos fixados nos arts. 629º e 671º do CPC. 5.ª No caso sub judice, estão preenchidos os requisitos dos arts. 629º/2/b) ex vi do art. 671/2/a) do CPC, ou, caso assim não se entenda, do art. 671º/2/b) do CPC que tornam admissíveis o presente recurso, que deverá assim ser liminarmente admitido, ex vi dos arts. 629º, 640º, 671º e 674º do CPC. 6.ª Questão – Prévia: a) O douto acórdão recorrido não se pronunciou sobre questões essenciais para a decisão do presente litígio, suscitadas pela ora recorrente nas suas contra-alegações, que foram desconsideradas por ter-se considerado que não foram apresentadas (o que é inexato - v. Contra-Alegações da ora Recorrente de 2022.11.02), pelo que é nulo por omissão de pronúncia (v. arts. 608/º/2 e 615º/1/d) do CPC); b) Os documentos juntos pela A. Recorrente e a sua alteração ao rol de testemunhas, respetivamente de 2022.08.19 e de 2022.08.22, foram objeto de despacho de admissão do Tribunal de 1ª instância de 2022.09.05, o qual não foi objeto de recurso, pelo que o mesmo transitou em julgado, ex vi do disposto nos arts. 615º/1/d), 620º, 621º, 628º e 638º do CPC; c) O douto despacho de admissão de 2022.09.05 do Tribunal de 1ª Instância, transitado em julgado, constitui caso julgado formal com força obrigatória no presente processo, prevalece sobre todas e quaisquer outras decisões posteriores que versem sobre a mesma matéria e impede a apreciação das matérias suscitadas nos recursos ora em análise, pelo que os mesmos deverão, por isso, ser rejeitados, sob pena de nulidade por conhecimento sobre questões que o tribunal a quo já não podia pronunciar-se, máxime, face ao caso julgado (v. arts. 615º/1/d), 620º, 621º e 625º do CPC do CPC).7.ª A ora A. Recorrente apresentou os documentos em causa em 2022.08.19, ou seja, mais de 20 dias antes da realização da audiência de julgamento de 2022.09.12, sendo que à ora A. Recorrente não está vedado a prática de atos processuais em férias judiciais, não podendo isso acarretar prejuízo para a sua posição jurídica (v. art. 423º do CPC).8.ª A ora A. Recorrente, como parte processual, não tem o ónus de praticar o ato em férias, mas não está proibida de o fazer, sendo que o ato praticado em férias – como sucedeu - deve ser considerado como qualquer outro ato, sempre sem prejuízo do contraditório das partes que foi amplamente assegurado, pois, de contrário, teria que se contar interrompido o "prazo regressivo" durante as férias judiciais e considerar que o ato deveria ser praticado no vigésimo dia anterior à realização da audiência sem contar, para determinar esse dia, com os dias de férias judiciais, solução que que é absolutamente contrária ao Acórdão Fundamento deste STJ de 2019.09.12 (v. Proc. 587/17.9T8CHV-A. G1-A., S1…cfr. Doc. 1, adiante junto e art. 671º/2/b) do CPC). 9.ª A ora A. Recorrente, depois da obtenção dos documentos junto do seu segurado, procedeu à junção dos documentos em causa2022.08.19, em cumprimento, aliás, do ordenado para o efeito pelo tribunal de 1ª instância mediante despacho de 2022.03.08 (v. Ref. Citius .......86), transitado em julgado, cujo cumprimento já tinha sido aliás requerido pelas RR. Recorridas através do Requerimento de 2022.06.28 (Ref. Citius ......36).10.ª O art. 423º do CPC não invalida que, de forma proativa e inquisitória, e tendo em vista a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, face ao interesse e especificidades da causa, o tribunal no âmbito dos seus poderes-deveres ordene e admita a sua junção em derrogação do referido normativo, tal como acabou por suceder através do despacho de 2022.03.08 (v. Ref. Citius .......86) e do despacho de 2022.09.12 recorrido e apreciado pelo Tribunal a quo;11.ª Assim, no âmbito do processo civil, como se escreve no douto Acórdão Fundamento do Tribunal da Relação de Coimbra de 2021.10.26, o Tribunal a quo “poderá/deverá realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer (art.º 411º do CPC)” através de um “poder-dever, inerente ao indeclinável compromisso do juiz com a verdade material” que “emerge e justific(a) independentemente da vontade das partes na realização das diligências/produção de meios de prova (e da tempestividade dessa iniciativa)” a aceitação dos documentos juntos pela A. Recorrida, tal como acabou por suceder (v. Acórdão fundamento da RC de 2021.10.26,Proc.852/20.8T8FIG-A.C1,diretamente disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc. …– cfr. Doc. 2, adiante junto).12.ª Os documentos juntos pela ora A. Recorrente em 2022.08.19 foram anteriormente ordenados para a sua junção e foram posteriormente admitidos pelo Tribunal a quo, de forma inquisitória, tendo em conta a complexidade, interesse da causa e especificidade dos autos em termos de prova, tendo em vista a salvaguarda dos princípios da descoberta da verdade material e justa composição do litigio, quanto aos factos que lhe incumbia conhecer, pelo que a junção dos documentos em causa deverá ser admitida (v. arts. 6º, 411º, 423º e 424º do CPC; cfr. Acórdão Fundamento da RC de 2021.10.26, Proc. 852/20.8T8FIG-A.C1, diretamente disponível em…. cfr. Doc. 2, adiante junto e art. 629º/2/d) do CPC.13.ª O Tribunal de 1ª Instância e as próprias Recorridas, por um lado, através do despacho de 2022.03.08 (v. Ref. Citius .......86) e do requerimento das Recorridas de 2022.06.28 (Ref. Citius ......36) ordenaram e peticionaram a junção dos documentos em causa que acabaram por ser juntos pela A. Recorrente e, por outro, aceitaram e não colocaram em causa (tanto o tribunal como as partes) a tempestividade e admissibilidade da alteração ao rol de testemunhas da ora A. de 2022.08.22 e despacho que sobre ela recaiu e cujos prazos são absolutamente iguais, pelo que não se pode agora admitir posição diversa nos autos e totalmente contrária ao que se passou sobre esta matéria e colocar em causa a admissibilidade dos documentos juntos pela ora A. Recorrente em 2022.08.19, que cumpre o anterior ordenado pelo tribunal e versa sobre prazos absolutamente idênticos aos prazos de alteração do rol de testemunhas do art. 598º do CPC, sob pena de manifesta má-fé e abuso de direito processual (v. arts. art. 334º do C. Civil e arts. 6º, 7º, 411º, 417º, 542º, 543º, 604 e 606º do CPC; cfr. Lebre de Freitas, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 69, Lisboa, III/IV, 2009,proc. 971-1006).14.ª No caso sub judice estão reunidas as condições para que, na presente instância recursiva que é simples e limita-se a mera questão formal, seja totalmente dispensada o pagamento da taxa de justiça e respetivo remanescente ora em análise, pois, por um lado, aqui não foram apresentados articulados complexos ou prolixos, não apresentando os autos de recurso elevada complexidade técnico-jurídica ou sequer elevada extensão e, por outro, face aos termos da presente instância recursiva e processo, não foi necessário a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de prova morosas ou perícias técnicas, que não chegaram sequer a realizar-se, sendo que a conduta das partes foi cordial e exemplar, em estreita cooperação com este douto Tribunal, não tendo existido quaisquer desvios à normal tramitação dos autos a esse nível (v. arts. 6º, 13º, 27 e segs. do RCP e art. 530º/7 do CPC).15.ª Face ao elevado valor pecuniário que as partes processuais da presente instância recursiva teriam agora de suportar única e exclusivamente face ao valor da ação que, em comparação com a presente instância recursiva, é irreal, inexato e manifestamente desproporcional (não corresponde à utilidade económica do pedido da presente instância recursiva), deve este douto tribunal proceder à dispensa do pagamento da taxa de justiça em causa e respetivo remanescente, com as legais consequências (v. arts. 6º/7, 13º/1 e 27º e segs. do RCP e art. 530º/7 do CPC; cfr. art. 18º e 20º da CRP).» 3. A Ré recorrida respondeu às alegações, refutando a invocada contradição de jurisprudência e concluindo pela inadmissibilidade da revista. * 4. Afigurando-se previsível a não da admissão de revista, foram ouvidas as partes que corroboraram o conteúdo dos respetivos articulados. * Seguiu-se despacho da relatora que não admitiu a revista. 5. A recorrente pede agora que sobre a matéria recaia acórdão que venha a admitir o recurso, reiterando, sem inovação, os argumentos já aduzidos. A Ré recorrida pugnou pela improcedência da reclamação. * 6. Corridos os Vistos, a questão a apreciar em Conferência e a seguinte – Ocorre a invocada contradição de jurisprudência que fundamente a revista interposta? II. Fundamentação A. Os factos e intercorrências processuais que relevam estão enunciados no relatório. B. Do mérito Salvo o devido respeito, o fundamento da revista - contradição de jurisprudência não se verifica, não se descortinando motivo para divergir do sentido e fundamentação da decisão em reclamação. Conforme se apreciou: «[…] O objecto do recurso incide sobre decisão de natureza interlocutória a que correspondeu o despacho de admissão de prova documental apresentada pela Autora e proferido em audiência de julgamento. O Tribunal da Relação revogou a admissão por intempestiva a junção dos referenciados (9) documentos juntos pela Autora aos autos em 19.08.2022 e, sem que alegasse tampouco, motivo para a junção superveniente. Não são suscetíveis de recurso de revista os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação que tenham por objeto decisões interlocutórias da 1.ª instância, que recaiam unicamente sobre a relação processual, i.e, não conhecendo do mérito da causa, nem pondo termo ao processo - nº1 do artigo 671º do CPC- com excepção das situações referidas no n.º 2 do artigo 671.º do CPC. 3 A decisão recorrida de cariz adjectivo será recorrível para o Supremo Tribunal, salvo se configurar alguma (s) das circunstâncias prevenidas no inciso 2, que aponta para duas vias excepcionais de admissão da revista: i. quando a resposta dada pela Relação no acórdão impugnado se mostrar em contradição com acórdão do Supremo (alínea b); ii) e nos casos em que o recurso “é sempre admissível”, i.e, ocorra alguma das situações enunciadas no artigo 629º, nº2, do CPC, e no que importa para os autos, a situação prevista na sua alínea d) “ pelo facto do acórdão recorrido divergir de outro acórdão da Relação, desde que no caso o Supremo esteja impedido por motivos diversos dos relacionados com a alçada. 4 A ratio do recurso para o Supremo em aplicação da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, visa garantir a possibilidade de resolução de conflitos de jurisprudência entre acórdãos das Relações, em matérias que por motivos de ordem legal, que não respeitam à alçada do tribunal, não chegariam à apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça. Pressupõe a existência de uma disposição legal, que vedando o recurso de revista normal, abre por aquela via o acesso ao STJ, considerando -se relevante apurar qual das orientações contraditórias deve ser a adoptada, face à lei e à unidade do sistema jurídico. Neste último segmento de excepção -629º, nº2, al) d) - persiste divergência na orientação da jurisprudência e da doutrina, a saber, se a admissão da revista englobará, ou não, a contradição relativamente a qualquer acórdão da Relação, sobre decisão final ou decisão interlocutória. 5 A recorrente invoca ambas as situações como fundamento da revista, e apesar da controvérsia, em prol da garantia das partes na certeza do direito, analisaremos a apontada contradição de jurisprudência à luz dos acórdãos fundamento da Relação e do Supremo, posto que, convergem os requisitos de recorribilidade irrestrita (ou de revista especial) do valor da acção e da sucumbência excederam a alçada da Relação. 5.Constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça que a admissibilidade da revista, em caso de oposição de julgados, implica a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) identidade do quadro factual, (ii) identidade da questão de direito expressamente resolvida, (iii) identidade da lei aplicável, (iv) carácter determinante da resolução daquela questão para a decisão final e, por fim, (v) oposição concreta de decisões. 6 5.1. Apreciemos a contradição de julgados, que a recorrente advoga sobre a contagem de prazos processuais e a interposição das férias, no confronto entre o acórdão recorrido e, o acórdão fundamento do Tribunal da Relação de Coimbra de 2021.10.26, tirado no Proc. 852/20.8T8FIG-A.C1. Os arestos manifestam dissemelhança nos respetivos núcleos factuais e ocorrências processuais e as situações ajuizadas convocam normas adjetivas não coincidentes e justificam, de per se, as diferentes soluções jurídicas alcançadas. Concretizando. O objecto do recurso no acórdão recorrido está assim delimitado - “ as questões colocadas no presente recurso de apelação são as de saber: i) se deve ou não manter-se o despacho que admitiu, no início da audiência de julgamento que teve lugar no dia 12.09.2022, a junção aos autos dos documentos apresentados pela Apelada em 19.08.2022; ii) em qualquer caso, se deverá ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça,( matéria excluída da revista) .“ Já no acórdão fundamento do TRC – “. objecto do recurso, coloca-se a questão da admissibilidade (legal) da mencionada prova documental, à luz do princípio do inquisitório.” Em análise comparativa, salvo o devido respeito, a única semelhança que se nos depara, radica no suporte do regime adjetivo do actual Código de Processo Civil quanto à admissão (excecional) da prova documental após os articulados, justamente, porque em ambos os processos uma das partes não observou a regra da junção conjunta com os articulados (artigo 423º, nº1, do CPC). No acórdão recorrido, está em causa a junção pela Autora de documentos em momento anterior à realização da designada audiência de julgamento, através de requerimentos, via citius. Resulta do texto do acórdão recorrido no apartado da matéria de facto a considerar factualidade - “(..)10. Em 19.08.2022, a Autora apresentou requerimento com o seguinte teor: “AIG EUROPE LIMITED – SUCURSAL EM PORTUGAL, A. nos autos supra identificados vem, designadamente para prova da matéria alegada nos arts 60º a 94º da sua p.i e nos termos e para os efeitos do art. 423º/2 do CPC, requerer a junção aos autos dos seguintes documentos(..)13. Em 05.09.2022, no que ora releva, foi proferido o seguinte despacho: “Prova documental entretanto junta: Fique nos autos. Vai a autora “AIG EUROPE LIMITED” condenada em multa de três Ucs pela apresentação tardia (19 de agosto) dos documentos – arts. 423.º do Código de Processo Civil e 27.º do Regulamento das Custas Processuais. (…)” No acórdão fundamento, os documentos foram juntos pela parte interessada no decurso da audiência de julgamento , como se retira do seu texto –“ a) Na manhã de 29.4.2021 (data marcada para a audiência final), o A. juntou aos autos diversos documentos (reproduzindo um contrato de arrendamento, facturas, recibos, factura-recibo, nota de crédito, orçamento, nota de pagamento e uma carta dirigida a uma das arrendatárias)[2], e expôs e requereu:«1. O Autor após várias tentativas para a obtenção de determinados documentos, a fim de permitir a descoberta da verdade material, somente no dia de ontem lhe foi possível a obtenção de tais documentos.2. Os documentos em causa não estavam na posse do Autor, mas antes nas empresas terceiras que prestaram serviços ao mesmo.3. Acresce que, tais documentos reportam-se ao ano de 2013, pelo que e atento o hiato temporal já decorrido, dificultou ainda mais a sua obtenção.4. Nesse sentido, os documentos permitirão demonstrar de forma clara e inequívoca o valor peticionado na p. i., conforme alegado nos artigos 5º e 6º (rendas, prejuízos, encargos e outras), as quais foram exigidas pelo A. quer à arrendatária, quer ao fiador, cf., melhor se alcança pelos docs. Nºs 1 a 4, cuja junção se requer.5. Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 423º n.º 3 do CPC, vem requerer que permita a junção dos documentos suprarreferidos, apesar da apresentação tardia não imputável aos mesmos, os quais são essenciais para a descoberta da verdade e boa decisão da causa. (…) Requer a V. Exa:/ - Para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, se digne admitir, ao abrigo do disposto no artigo 423º, n.º 3 do CPC, a junção dos documentos supra, apesar da apresentação tardia não imputável ao A. pelos motivos supra expostos, atento inclusive do inquisitório previsto no artigo 411º do CPC. / JUNTA: 4 documentos.» (…) O acórdão recorrido apreciou se a Autora e ora recorrente, juntou os documentos dentro do prazo (regressivo) de 20 dias anteriores à data da audiência de julgamento- o artigo 423º, n.º 2, do CPC, concatenando as regras de contagem de tal prazo com a circunstância de o acto ter sido praticado em férias judiciais, como se explana na fundamentação “(..)tendo a Autora alegado na petição inicial os factos atinentes aos alegados danos e prejuízos pelo seu segurado, que satisfez e cujo pagamento reclama das Rés nos presentes autos, não juntou nesse momento processual os documentos. (…) e não o fez nos sucessivos momentos processuais posteriores, e designadamente na audiência prévia, pelo que, importa verificar se o fez nos termos consentidos pelo n.º 2 do citado preceito, (..)Vejamos, pois, se os documentos podem considerar-se como tendo sido apresentados dentro do prazo de 20 dias prévio à audiência final, que a lei lhe conferia para o efeito. Contando para trás 20 dias corridos antes da data da primeira sessão da audiência final, que estava designada desde 17 de janeiro, e que teve efetivamente lugar no dia 12.09.2022, o dia 19.08.2022, data em que os documentos em causa foram apresentados, é anterior aos ditos 20 dias antes da audiência final. Acontece que, o processo em apreço não é um processo urgente e o ato foi praticado no dia 19.08.2022, portanto, em plenas férias judiciais, que têm lugar entre o dia 16 de julho e o dia 31 de agosto, nos termos previstos no artigo 28.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto. Ora, como decorre do disposto no artigo 138.º, n.º 1, do CPC, na parte que ora importa considerar, não sendo a requerida junção de documentos um “ato a praticar em processo urgente”, o prazo processual estabelecido por lei é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais. (…)” Distanciando-se do acórdão fundamento que apreciou da admissibilidade da prova documental na circunstância prevista no artigo 423, nº3 do CPC, à luz do princípio do inquisitório ínsito no artigo 411º do CPC. Tal como ressuma do texto decisório “Face ao preceituado no art.º 423º, dúvidas não restam quanto à intempestividade na apresentação dos documentos no dia designado para a audiência de julgamento - assim foi verificado e decidido pelo Tribunal recorrido [cf. II. 1. e), supra], sem reparo.[6] Resta, pois, saber se podiam/deviam ser juntos a coberto do princípio do inquisitório.” Por último, como consta do acórdão recorrido, a ora recorrente não alegou qualquer das situações de salvaguarda da junção de prova documental elencadas no artigo 423º, nº3 do CPC, ou seja, para além daqueles dois momentos - com a petição ou nos 20 dias anteriores à audiência – quadro factual que foi objecto da apreciação. Diversa, como se vê, a questão jurídica essencial apreciada nos acórdãos em foco, por conseguinte, mostra-se afastada qualquer hipótese de contradição jurisprudencial relevante para efeitos do preenchimento da previsão da al. d) do nº 2 do art. 629º do CPC, para a admissão da revista interposta. 5.2.A recorrente aponta ainda contradição de jurisprudência entre o acórdão proferido nos autos e, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2019, proferido no processo 587/17.9T8CHV-A. G1-A. S1, que apresenta como acórdão fundamento. A conclusão que resulta da análise comparativa dos arestos não acompanha a tese da recorrente. Sublinhemos em esforço de síntese. O acórdão recorrido pronunciou-se sobre a admissibilidade da junção de documentos pela ora recorrente, em concreto sobre o modo de contagem do prazo de 20 dias, previsto no artigo 423º, n.º 2, do CPC, no decurso das férias judiciais. Já o acórdão fundamento do STJ o objecto radicou “(…) in casu, é a de saber até que dia pode praticar-se certo acto processual quando o respectivo prazo, sendo de contagem regressiva, terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados.”. De resto, o acórdão do STJ (citado pela Ré recorrente na apelação) mereceu apreciação no aresto dos autos. v.g. - “(..)o citado aresto do STJ foi tirado em revista excecional, admitida precisamente por contradição de acórdãos (quanto à concreta questão decidenda, que não é a do nosso auto), e foi comentado por MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, defendendo que “[o] art. 138.º, n.º 2, CPC contém uma norma de protecção da parte: a parte não está obrigada a praticar o acto durante as férias judiciais. Mas desta regra de protecção da parte não pode ser retirado algo que desfavorece a parte: a irrelevância da prática de um acto durante as férias judiciais. A parte não tem o ónus de praticar o acto em férias, mas não está proibida de o fazer. Portanto, o acto praticado em férias deve ser considerado como qualquer outro acto]”. Na verdade, o acórdão dos autos prosseguiu a orientação veiculada no acórdão fundamento, no tocante à aplicação do artigo 138º, nº2, do CPC, na situação de prazo dito regressivo, ou seja, que para a realização do acto o prazo já esteja a correr antes de férias, suspende-se durante o período das mesmas, voltando a correr até ao seu terminus. 7 Certo é que, no quadro de ocorrência processual do acórdão recorrido estava em causa a controvérsia quanto “(..) saber se a parte que apresenta o requerimento para junção de documentos em férias pode beneficiar da contagem desse prazo em dias corridos, caso no momento dessa apresentação já tenha sido ultrapassado o prazo processual com o limite de 20 dias de antecipação relativamente à audiência final, que vem previsto no n.º 2 do artigo 423.º do Código de Processo Civil.” E, adiante concluiu que “ Revertendo ao caso em presença, tendo a audiência final tido o seu início na data agendada, ou seja, em 12.09.2022, efetuando a referida contagem em sentido regressivo, decorreram 11 dias até ao dia 01.09.2022, suspendendo-se o prazo entre o dia 31.08.2022 e 16.07.2022, e voltando a contabilizar-se os restantes nove dias, também regressivamente, desde 15.07.2022, inclusive, verificamos que a apresentação dos documentos teria que ser efetuada até ao dia 06.07.2022.Consequentemente, a documentação apresentada pela Apelada em 19.08.2022 não pode considerar-se tempestivamente efetuada, com base na exceção prevista no n.º 2 do artigo 423.º do CPC, porquanto este prazo já tinha terminado quando o requerimento foi por si atravessado no decurso das férias judiciais.” Afastando-se, desde logo, do núcleo factual do aresto fundamento, que incide em situação de apresentação do aditamento ao rol de testemunhas, conforme o disposto no artigo 598º, nº2 do CPC. De resto, no acórdão recorrido discute-se a forma de contagem do prazo interpondo-se as férias judiciais; o acórdão fundamento do STJ, tirado em revista excecional, tem subjacente a controvérsia verificada entre decisões dos Tribunais da Relação quanto ao dia em que o ato deve ser praticado, e não quanto à forma de contagem do prazo, ou à relevância das férias judiciais para a contagem desse prazo. Em suma, também, no caso não se verifica oposição de julgados que dê arrimo à revista interposta do acórdão da Relação proferido e relativo a decisão interlocutória da primeira instância, atento o disposto no artigo 671º, nº2, da alínea b) do CPC.» * A recorrente/reclamante exerceu a faculdade consignada no artigo 652º, nº3, do CPC, requerendo sem inovação no anterior argumentário que sobre a matéria recaia acórdão. Revisitada a fundamentação do despacho e analisadas as alegações da reclamante, não se vislumbra razão para dele divergir, acompanhando o juízo de não admissão da revista. Para concluirmos que os motivos de indeferimento da reclamação constam do despacho em reclamação para o qual remetemos e acima se reproduziu.8 III. Decisão Pelo exposto, julga-se improcedente a reclamação, confirmando-se o despacho de não admissão do recurso de revista. Custas a cargo da reclamante, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça. Lisboa, 30.01.2025 Isabel Salgado (relatora) Fernando Baptista de Oliveira Catarina Serra ______
1. O despacho impugnado foi proferido em audiência realizada no dia 12.09.2022, tem o seguinte teor: “Os documentos devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. Este é o regime regra, a que alude o disposto no artigo 423.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Há exceções, nomeadamente as previstas no n. º2eno n. º3 do mesmo preceito legal. Neste caso, independentemente de decorrerem ou não mais de 20 dias, ainda que durante as férias judiciais, sobretudo, tendo em conta a complexidade dos autos e também os sucessivos requerimentos de alteração de prova que se foram sucedendo das várias partes, o Tribunal entendeu aplicar o n.º 2 do artigo 423.º, admitindo a apresentação dos documentos, por pertinentes, condenando a apresentante em multa porque não provou que não tivesse podido oferecer aquela prova com o articulado.” 3. No tocante às denominadas decisões interlocutórias, considerou o legislador bastante garantia, a regra de um duplo grau de jurisdição, ressalvando apenas o recurso de revista nos casos em que o mesmo é sempre admissível, contemplados no art. 629.º, n.º 2, do CPC, e naqueles em que o acórdão decisório esteja em oposição com outro já transitado, proferido pelo STJ no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão essencial de direito, salvo se o primeiro estiver em consonância com o decidido em AUJ (als. a) e b), do n.º 2, do art. 671.ºdo CPC. 4. Falamos das ditas decisões interlocutórias “velhas”, i.e, as que já tinham sido objeto de apreciação na 1.ª instância, a revista será admitida em termos restritos, obedecendo tais designadas “revistas continuadas” à delimitação que decorre do regime previsto no art.º 671, n.º 2, CPC. 5. Cfr. António Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 7ªedição, pág.61 e 414/15; em sentido contrário a interpretação segundinha a qual, não é admissível recurso de revista de decisões interlocutórias proferidas em 1ª instância com fundamento em oposição de acórdãos da Relação, porquanto apenas se integram na al. a) do n.º 2 do art. 671 do CPC – casos em que o recurso é sempre admissível -, as previsões contempladas nas als. a) a c) do n.º 2 do art. 629 º do CPC. 6. Cfr. inter alia, os acórdãos do STJ de 11-05-2023, Revista n.º 1184/22.2T8BRG-A. G1.S1, de 21-03-2023, Revista n.º 4057/16.4T8OER-A. L1.S1, de 21-06-2022. Revista n.º 5419/17.5T8BRG.G1-A. S1, de 07-06-2022, Revista n.º 1639/20.3T8OER.L1. S1, de 14-09-2021, Revista n.º 338/20.0T8ESP.P1. S1, e a Revista 11854/21.7T8PRT-A. P1.S1, de 28.05.2024, que relatámos, todos publicados em www.dgsi.pt. 7. Lê-se no acórdão fundamento do STJ neste contexto- “O prazo de que beneficiava o recorrente, nos termos do artigo 598.º, n.º 2, do CPC, terminava em 15.07.2018, mas era domingo, portanto, um dos dias em que os tribunais estão encerrados. Caberá esta situação no âmbito de aplicação da norma do artigo 138.º, n.º 2, do CPC, que, justamente, regula a situação em que os prazos terminam nestes dias? O artigo 138.º, n.º 2, do CPC estabelece norma idêntica à do artigo 279.º, al. e), do CC (ex vi do artigo 296.º do CC) [8]. Analisando, para já, o disposto no artigo 138.º, n.º 2, do CPC de um ponto de vista formal, verifica-se que se trata de uma regra de alcance geral, integrada nas disposições comuns relativas aos actos processuais. Logo, ela é, em princípio, aplicável a todo o tipo de prazos. O certo é que nada na letra da lei impõe ou sequer sugere que ela se circunscreva aos prazos progressivos / exclua os prazos regressivos, não se vendo argumentos textuais para uma interpretação restritiva, como a que fez, inicialmente, o Tribunal recorrido.” 8. Na ausência de argumento novo na reclamação para a Conferência, confinando-se o pedido ao pronunciamento acerca do objecto da decisão do relator, por economia de actos, pode a Conferência suportar-se naquela decisão, sem necessidade de outra fundamentação- cfr, entre outros, os Acórdão do STJ de 14-10-2021, no proc.54843/19.6YIPRT.G1-A. S1 e de 4.07.2024, no proc. 2254/20.7T8STS.P1-A-A. S1 de, proferidos nesta 2ªsecção, disponíveis in ww.dgsi.pt. |