Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MARIA DA GRAÇA TRIGO | ||
| Descritores: | NULIDADE DE ACÓRDÃO ARGUIÇÃO DE NULIDADES EXCESSO DE PRONÚNCIA TEMPESTIVIDADE SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA INVENTÁRIO RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA | ||
| Data do Acordão: | 09/28/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NÃO CONHECIMENTO. INDEFERIDO | ||
| Sumário : | I. Por extemporaneidade, não se admite o primeiro requerimento. II. Indefere-se o segundo requerimento | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça I. Através do requerimento datado de 03-07-2023, referência "Citius" n.º ......92, vieram os interessados AA e BB suscitar a nulidade do acórdão proferido a 15-12-2022, ao abrigo do disposto no art. 615.º, n.º 1, d), do CPC, alegando que o acórdão reclamado conheceu de questões que não poderia ter conhecido, ao ter considerado que “resultou provado ter sido a doadora que apôs a sua assinatura no documento contratual, apondo o seu nome próprio”. Em resposta, os habilitados da interessada CC vieram, através do requerimento datado de 28-07-2023, referência "Citius" n.º 46233569, pugnar pela intempestividade do requerido e, a título subsidiário, pela improcedência da nulidade invocada, com a consequente condenação dos requerentes como litigantes de má-fé. Apreciando. O acórdão proferido por este Supremo Tribunal foi notificado aos interessados a 19-12-2022. A ...-12-2022 faleceu a interessada CC, tendo sido declarada suspensa a instância, a fim de serem habilitados os seus sucessores, por despacho datado de 20-01-2023. A sentença da primeira instância que considerou habilitados DD, EE e FF deve considerar-se notificada às partes, nos termos do art. 255.º do CPC, a 15-05-2023 (conforme se alcança da consulta do processo electrónico que corre termos no Tribunal de primeira instância), data essa em que cessou a suspensão da instância, em conformidade com o estatuído na alínea a) do n.º 1 do art. 276.º do CPC. Ora, não admitindo a decisão – como é o caso – recurso ordinário, é no prazo de dez dias que as partes poderão arguir causas de nulidade da mesma (como se extrai das disposições conjugadas dos arts. 149.º, n.º 1, 615.º, n.ºs 1 e 4, 666.º e 685.º, todos do CPC). Deste modo, não suscita particular controvérsia que, à data da dedução do incidente em apreciação, e não obstante a instância ter estado suspensa até 15-05-2023, já há muito havia decorrido o termo do prazo de dez dias de que os interessados dispunham para arguir a nulidade sob escrutínio. Assim, por extemporaneidade, não se admite o requerimento. Custas do incidente pelos requerentes. II. 1. Notificados do despacho proferido a 16-06-2023, vieram os interessados AA e BB, por requerimento datado de 03-07-2023, referência "Citius" n.º ......82, requerer, ao abrigo do n.º 3 do art. 652.º do CPC, que sobre tal decisão recaísse um acórdão, argumentando, em síntese: (i) que a mesma é omissa quanto ao pedido de suspensão dos autos; (ii) que o presente processo ainda se encontra pendente de recurso, para os efeitos previstos no n.º 3 do art. 450.º do CPC, uma vez que o acórdão proferido ainda não transitou em julgado, em função da suspensão da instância por óbito da interessada CC. Em resposta, pronunciaram-se os habilitados da interessada CC no sentido do indeferimento do requerido, afirmando que o incidente suscitado não apresenta a virtualidade de suspender a instância de uma decisão já transitada em julgado, o que ocorreu a 12.06.2023. Sustentando a improcedência do incidente em apreço, os interessados pugnam pela aplicação do regime previsto no art. 670.º do CPC. É o seguinte o teor da decisão singular impugnada: «1. No âmbito dos presentes autos de inventário para partilha de bens da herança de GG, em que são interessados AA (requerente), BB (cabeça-de-casal) e CC, foi proferido acórdão por este Supremo Tribunal, que, julgando improcedente o recurso de revista interposto pela cabeça-de-casal e pelo interessado AA, confirmou a decisão do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que decidiu, entre o mais, declarar a validade da doação efectuada pela inventariada à interessada CC, em 09-01-2020, com a consequente transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, determinando-se a exclusão da “verba n.º 1” da relação de bens por pertencer àquela interessada. Atento o falecimento de CC, foi determinada a suspensão da instância, por despacho proferido a 20-01-2023, nos termos do art. 270.º, n.º 1, do CPC, a fim de serem habilitados os sucessores daquela interessada. Tal incidente de habilitação foi instaurado junto do Tribunal de 1.ª Instância, nos autos principais, por DD, EE e FF. A 23-04-2023, foi, pelo Tribunal de 1.ª Instância, proferida sentença em que se julgaram habilitados, como sucessores de CC, para prosseguir os termos do processo, DD, EE e FF. A 08-05-2023, vieram a cabeça-de-casal e o interessado AA suscitar, contra os habilitados, ao abrigo do disposto nos arts. 444.º, e 446.º a 450.º, todos do CPC, incidente denominado de falsidade do documento particular consistente no contrato de doação de bens móveis, datado de 09-01-2020 e apresentado nos autos principais, requerendo que o mesmo seja remetido à 1.ª Instância para instrução e julgamento. Os habilitados apresentaram resposta, pugnando pela extemporaneidade do incidente suscitado e, a título subsidiário, pela sua improcedência, de igual modo pedindo a condenação dos requerentes como litigantes de má-fé. Responderam os requerentes, pugnando pela sua absolvição do pedido de condenação como litigantes de má-fé. Vejamos. 2. A título preliminar, sublinhe-se que ao presente inventário, instaurado no tribunal após 01-01-2020, é aplicável o regime do processo especial de inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária previsto nos arts. 1097.º e segs. do CPC, introduzido pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro (cfr. arts. 11.º, n.º 1, e 15.º da mesma Lei). Pretendem os requerentes impugnar a veracidade da assinatura aposta no documento particular descrito no facto provado cc) e junto pela interessada CC na reclamação à relação de bens por si apresentada. Referem que a assinatura aposta em tal documento é um decalque da assinatura constante do bilhete de identidade da inventariada. Peticionam, ademais, que os habilitados venham juntar aos autos o original do sobredito documento, suscitando a questão da incapacidade acidental da inventariada, que mobilizam para sustentar o pedido de anulação do contrato de doação. Estatui o art. 444.º do CPC – norma de alcance geral aplicável ao presente inventário por força do preceituado na primeira parte do n.º 1 do art. 546.º daquele diploma – que: “1 - A impugnação da letra ou assinatura do documento particular ou da exatidão da reprodução mecânica, a negação das instruções a que se refere o n.º 1 do artigo 381.º do Código Civil e a declaração de que não se sabe se a letra ou a assinatura do documento particular é verdadeira devem ser feitas no prazo de 10 dias contados da apresentação do documento, se a parte a ela estiver presente, ou da notificação da junção, no caso contrário. 2 - Se, porém, respeitarem a documento junto com articulado que não seja o último, devem ser feitas no articulado seguinte e, se se referirem a documento junto com a alegação do recorrente, são feitas dentro do prazo facultado para a alegação do recorrido.”. De acordo com o que preceitua o n.º 2 do art. 450.º do CPC – disposição que se aplica aos vícios documentários previstos no art. 446.º do CPC –, se a arguição “tiver lugar em processo pendente de recurso, são suspensos os termos deste e, admitida a arguição, o processo baixa à 1.ª instância para instrução e julgamento, a menos que, pela sua simplicidade, a questão possa ser resolvida no tribunal em que o processo se encontra, nos termos aplicáveis dos n.ºs 1 e 2 do artigo 357.º; os recursos interpostos no incidente para o tribunal que o mandou seguir são julgados com aquele em que a arguição foi feita.”. Salvador da Costa (Os Incidentes da Instância, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2023, pág. 266) assinala que “a lei considera deduzido perante o tribunal de recurso – ad quem – o incidente relativo a vício de documento junto com as alegações que lhe sejam dirigidas, apesar da sua apresentação ter ocorrido no tribunal recorrido – a quo”. Por outro lado, para efeitos da norma transcrita, a causa encontra-se pendente de recurso desde a sua admissão pelo relator, nos termos do n.º 1 do art. 641.º do CPC, até à sua decisão final (ob. cit., pág. 266). Resulta, assim, do exposto que, ainda que se considere aplicável, por analogia, a norma do n.º 1 do art. 450.º do CPC à impugnação da veracidade da assinatura, apresentada no tribunal superior, constante de um documento junto com os articulados em 1.ª Instância, sempre se terá de considerar que, tendo sido já proferida decisão final, não competirá a este Supremo Tribunal pronunciar-se sobre a admissão da impugnação, uma vez que o processo não se encontra já pendente de recurso. Assim, não dispondo este Supremo Tribunal de competência para apreciação do requerido, deve ser ordenada a extracção dos requerimentos apresentados pelas partes e determinada a sua remessa ao Tribunal de 1.ª instância, para apreciação da admissão da impugnação deduzida. 3. De qualquer modo, sempre se acrescente que, ainda que se venha admitir a impugnação em análise, a sua procedência nunca terá a virtualidade de alterar a decisão adoptada pelo acórdão proferido por este Supremo Tribunal – no sentido de que a assinatura cuja veracidade ora vem ser colocada em causa cumpre os requisitos legalmente prescritos, encontrando-se salvaguardada a validade formal do contrato de doação -, uma vez que se mostra esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa (art. 613.º, n.º 1 do CPC, aplicável às decisões do Supremo Tribunal de Justiça por remissão do estatuído nos arts. 666.º, n.º 1 e 679.º do mesmo diploma), sendo seguro que o que é peticionado pelos requerentes não se enquadra nos casos de rectificação de erros materiais, suprimento de nulidades ou de reforma do acórdão. Deste modo, a pretensão dos requerentes relativa à impugnação da assinatura tão-só poderá ser, eventualmente, suscitada de modo processualmente regular em sede de recurso de revisão – contanto que sejam demonstrados os pressupostos relativos ao conhecimento do invocado vício, de modo a afastar o efeito preclusivo decorrente da não impugnação da assinatura constante do documento particular em momento prévio à prolação de decisão –, ao abrigo do art. 696.º, alínea b), CPC, caso se encontrem reunidos os respectivos pressupostos. 4. Por último, cumpre notar que o mencionado esgotamento do poder jurisdicional quanto à matéria da causa impede, de igual modo, que seja reponderada a decisão que foi proferida sobre a não verificação de incapacidade acidental da inventariada no momento da outorga do contrato de doação, matéria essa que os requerentes pretendem novamente ver discutida, de modo legalmente inadmissível. 5. Pelo exposto, ordeno a extracção dos requerimentos apresentados pelas partes a 08-05-2023 (referência "Citius" n.º ......94), a 16-05-2023 (referência "Citius" n.º ......21), a 22-05-2023 (referência "Citius" n.º ......57), a 29-05-2023 (referência "Citius" n.º ......73) e a 09-06-2023 (referência "Citius" n.º …26), determinando-se a sua remessa ao Tribunal de 1.ª instância, para apreciação da admissão da impugnação deduzida.». 2. Sustentam os recorrentes, ora requerentes, que a decisão singular é omissa quanto à questão da suspensão dos autos em virtude do incidente denominado de falsidade do documento particular suscitado. Ora, como se deixou expresso na decisão singular, cujo teor se acompanha, não é aplicável ao caso o disposto no n.º 3 do art. 450.º do CPC, tendo em conta que, no momento em que o incidente em análise foi deduzido, a 08-05-2023, o processo não se encontrava pendente de recurso, por ter sido já proferida decisão final (por acórdão de 15-12-2022). Foi tendo por base este entendimento que este Supremo Tribunal não proferiu qualquer decisão liminar sobre a arguição da falsidade, tendo remetido a decisão sobre a admissão da impugnação deduzida para o Tribunal de primeira instância. Objetam os reclamantes que, à data da dedução do incidente, o acórdão ainda não havia transitado em julgado, sendo passível de reclamação, pelo que o processo ainda se encontrava pendente de recurso. Sem razão, a nosso ver. Com efeito, ainda que à data da dedução do incidente (08-05-2023) o acórdão proferido ainda não tivesse transitado em julgado (uma vez que a instância se encontrava suspensa, em decorrência do falecimento da interessada CC), com a sua prolação já se havia esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa e, nesse sentido, o recurso já não se encontrava pendente. Efectivamente, a suspensão do processo, prevista no n.º 3 do art. 450.º do CPC, só se justifica num cenário em que a decisão final do recurso não foi proferida, podendo o seu sentido ser ainda determinado pelo julgamento do incidente. O que não é o caso, como se procurou explicitar na decisão singular em análise. Neste contexto, a pretensão dos reclamantes de suspensão da instância mostra-se destituída de fundamento legal, tendo em conta que a decisão final do recurso já havia sido tomada em 15-12-2022, não relevando para o seu conteúdo o julgamento a efectuar em sede incidental (art. 272.º, n.º 1 do CPC), ao contrário do sustentado pelos interessados. Saliente-se que este entendimento não afecta o direito que assiste às partes ao processo equitativo constitucionalmente tutelado (art. 20.º/4 da Constituição), ou com os sub-princípios em que aquele se desdobra. Na verdade, na decisão de remeter a apreciação da admissão do incidente para o Tribunal de primeira instância nenhum prejuízo se divisa no que concerne aos direitos de igualdade de armas ou ao contraditório, uma vez que se encontra salvaguardada a possibilidade de os requerentes verem as razões de facto e de direito invocadas apreciadas por um Tribunal. Num outro plano, a decisão proferida a respeito da incompetência deste Supremo Tribunal para apreciar a admissibilidade do incidente deduzido fundou-se numa adequada interpretação das normas legais aplicáveis (em concreto, da norma do art. 450.º, n.º 3 do CPC), que não comprime desrazoavelmente o direito dos interessados à obtenção de uma decisão em prazo razoável e a um processo orientado para a justiça material. Não sendo avançados outros argumentos aptos a contrariar o mérito da decisão singular e subsistindo os pressupostos, de facto e de direito, em que a mesma foi proferida, há que acolhê-la na sua integralidade, julgando improcedente a reclamação em crise. 3. Considerando-se que a reclamação decidenda não se mostra manifestamente infundada, não se detectando uma conduta processual dos reclamantes – até ao momento – finalisticamente orientada a protelar de forma anómala o regular andamento dos autos, não há que proceder à aplicação do mecanismo de defesa contra as demoras abusivas, previsto no art. 670.º do CPC, indeferindo-se o requerido pelos habilitados da interessada CC. 4. Improcedendo a presente reclamação, decide-se confirmar o despacho datado de 16-06-2023, ordenando-se a extracção dos requerimentos apresentados pelas partes a 08-05-2023 (referência "Citius" n.º ......94), a 16-05-2023 (referência "Citius" n.º ......21), a 22-05-2023 (referência "Citius" n.º ......57), a 29-05-2023 (referência "Citius" n.º ......73) e a 09-06-2023 (referência "Citius" n.º ......26), e determinando-se a sua remessa ao Tribunal de 1.ª instância, para apreciação da admissão da impugnação deduzida. Custas do incidente pelos requerentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s. Lisboa, 28 de Setembro de 2023 Maria da Graça Trigo (relatora) Catarina Serra João Cura Mariano |