Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20262/22.1T8PRT.P1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL
REQUISITOS
RELEVÂNCIA JURÍDICA
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO INCERTO
SUBSTITUIÇÃO TEMPORÁRIA DE TRABALHADOR
CONVERSÃO
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO
NULIDADE DA ESTIPULAÇÃO DO TERMO
Data do Acordão: 11/12/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA ECXEPCIONAL
Decisão: NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL
Sumário :
I. A relevância jurídica prevista no art.º 672.º, n.º 1, a), do CPC, pressupõe uma questão que apresente manifesta complexidade ou novidade, evidenciada nomeadamente em debates na doutrina e na jurisprudência, e onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa assumir uma dimensão paradigmática para casos futuros.

II. A Autora recorrente suscita duas grandes questões que se radicam, por um lado, na nulidade do motivo invocado para a sua contratação a termo [substituição de uma outra trabalhadora ausente por motivo de baixa, fundada numa gravidez de risco], não apenas por não ter verdadeiramente substituído tal colega no seu posto de trabalho e correspondentes funções como ainda por ter assegurado necessidades permanentes e não temporárias do empregador e, por outro, na possibilidade ou impossibilidade legal de conversão de tal vínculo laboral precário numa relação de trabalho por tempo indeterminado, pela circunstância do Réu, como CENTRO HOSPITALAR, EPE, integrar a Administração Indireta do Estado.

III. As temáticas fulcrais ou essenciais expostas pela Autora recorrente – e que são as únicas que, à partida, poderiam relevar em sede de admissão desta Revista Excecional - estão, na atualidade jurídica e judiciária, suficientemente discutidas e sedimentadas em termos de análise de direito, não subsistindo divergências e dúvidas em termos doutrinários e jurisprudenciais que justifiquem a intervenção e o julgamento excecional por parte deste Supremo Tribunal de Justiça de tais matérias, para os efeitos da alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC.

Decisão Texto Integral:
RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL N.º 20262/22.1T8PRT.P1.S2 (4.ª Secção)

Recorrente: AA

Recorrida: CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DE SANTO ANTÓNIO, E.P.E.

(Processo n.º 20262/22.1T8PRT – Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho do Porto – Juiz 3)

ACORDAM NA FORMAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 672.º, N.º 3, DO CPC, JUNTO DA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – RELATÓRIO

1. AA, com a identificação constante dos autos, intentou, em 21/11/2022, ação declarativa comum emergente de contrato de trabalho contra CENTRO HOSPITALAR DO PORTO E.P.E., atualmente designado CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DE SANTO ANTÓNIO, E.P.E., igualmente com a identificação constante dos autos, peticionando a final o seguinte:

“Nestes termos e nos melhores de direito que doutamente serão supridos, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, declarado o contrato de trabalho assinado no dia 13 de abril deste ano, num contrato sem termo e, consequentemente, reposta a situação da Autora, com efeito à data da comunicação de cessação de funções, no dia 7 de novembro de 2022, quanto à remuneração e funções.”.


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2. Alegou a Autora, muito em síntese, o seguinte:

- Foi admitida ao serviço do Réu, no dia 11/11/2014, ao abrigo de um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, para exercer funções com a categoria de assistente operacional, o qual se converteu em contrato sem termo.

- Entretanto, na sequência de concurso lançado pelo Réu para recrutamento de assistentes técnicos, as partes celebraram, no dia 13/04/2022, um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto, para o exercício de funções de assistente técnica, fundado na substituição da trabalhadora BB, o qual cessou por comunicação do Réu.

- Os fundamentos alegados para a celebração do contrato a termo resolutivo incerto - substituição da trabalhadora identificada, ausente por motivo de licença parental e posterior licença parental alargada ou outros motivos temporários, não se encontram devidamente concretizados, que a indicação de que a substituição se devia também a outros motivos temporários não cumpre a exigência prevista no n.º 1 do artigo 140.º do Código do Trabalho e que era possível, desde logo, ao Réu identificar o período certo, de início e fim, para a substituição, o que não sucedeu e que a cessação do contrato não foi comunicada com a antecedência legal.

- A Autora nunca substituiu efetivamente a trabalhadora a que o seu contrato faz referência, tendo os fundamentos invocados o intuito apenas de justificar a celebração do contrato a termo (alínea a) do n.º 2 do artigo 140.º, do Código do Trabalho), pois que a Autora deu resposta a necessidades permanentes do serviço.

- Após a comunicação da cessação do contrato, o Réu celebrou novos contratos a termo, violando, assim, o disposto no n.º 1 do artigo 143.º, do Código do Trabalho.

- Concluiu que a justificação contida no contrato para a sua celebração a termo não corresponde à realidade e que nunca constituiu o fundamento para ter sido contratada pelo Réu, motivo pelo qual o contrato deve ser considerado sem termo.


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3. Frustrou-se a conciliação entre Autora e Réu em sede de Audiência de Partes, dado a trabalhadora ter faltado a tal diligência.

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4. O Réu CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DE SANTO ANTÓNIO, E.P.E. contestou, no dia 3/1/2023, tendo-se defendido por exceção e por impugnação, tendo alegado, para o efeito e muito em síntese, o seguinte:

- Pugnou pela inadmissibilidade legal do pedido formulado pela Autora, porquanto, estando sujeito às regras da contratação pública, tem o dever de submeter à tutela um plano de atividade e orçamento (PAO) que contemple as necessidades de recursos humanos, de cuja aprovação depende a possibilidade de contratação dos recursos humanos considerados necessários (Decreto-Lei n.º 52/2022, de 04-08), o que não se verifica no caso dos autos.

- Além disso, a LEO (Lei de Execução Orçamental), no artigo 141.º, n.º 11, comina com a nulidade as contratações de trabalhadores efetuadas em violação das regras públicas de contratação, designadamente as consagradas na LGTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas) e no artigo 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, violação que se verificaria na hipótese de conversão do contrato de trabalho a termo incerto em contrato de trabalho sem termo.

- Por outro lado, invocou a exceção do abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, alegando que a Autora sabe que não esteve a substituir a BB apenas porque não assegurou o horário de trabalho desta, impondo ao Réu um horário flexível que não era compatível com aquele.

- A trabalhadora BB esteve ausente do serviço quase durante um ano e na sua substituição previram-se situações como o gozo de férias ou baixas que pudessem surgir, em consequência da gravidez e do parto, as quais são enquadráveis nos “outros motivos temporários” convocados, sendo imprevisível o dia concreto do regresso da trabalhadora.

- Os contratos de trabalho que possam ter sido celebrados após a cessação do vínculo têm como único objetivo a substituição temporária de assistentes técnicos, sendo que o recurso a nova bolsa de contratação se prendeu, por um lado, com a obrigação legal de recorrer a esta forma de contratação e, por outro lado, com a caducidade da bolsa anterior.

Termina concluindo pela improcedência da ação.


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5. A Autora veio responder às exceções invocadas pelo Réu por articulado apresentado no dia 16/1/2023, impugnando, por não corresponder à verdade, a factualidade alegada pela demandada a este respeito e referindo, em suma, que quem age em abuso de direito é o Réu, que tenta aproveitar-se de uma situação por si criada – não pedindo autorização à tutela – para manter a contração a termo de trabalhadores para necessidades permanentes do serviço, acrescendo o facto de o Réu, após a denúncia do contrato da Autora, já ter contratado sem termo trabalhadores que faziam parte da mesma bolsa de recrutamento.

Referiu também que a LEO não pode prevalecer sobre o princípio da segurança no emprego, constitucionalmente consagrado (artigo 53.º, da CRP), nem a Diretiva Comunitária 1999/70/CE, de 28-06 e o Acordo Quadro a ela anexo são incompatíveis com a proibição de conversão de contratos a termo em contratos sem termo no sector público.


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6. Foi designada data para a realização de Audiência Prévia, onde foi proferido Despacho Saneador, com data de 13/4/2023, que fixou à ação o valor de 30.000,01 € e não conheceu das exceções arguidas pelo Réu na sua contestação.

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7. Realizou-se a Audiência Final, em duas sessões, com observância do legal formalismo.

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8. Por Sentença de 05/01/2024 foi decidido o seguinte:

“Termos em que, julga-se totalmente improcedente a presente ação e, em consequência, absolve-se o Réu do pedido contra si deduzido pela Autora.

Custas a cargo da Autora.


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Registe e notifique.”

9. A Autora interpôs recurso de Apelação, que tendo sido admitido, subiu oportunamente ao tribunal da 2.ª instância, onde seguiu a normal tramitação prevista na lei.


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10. Por Acórdão de 07/04/2025, o Tribunal da Relação do Porto decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, acorda-se, em rejeitar a impugnação da matéria de facto e julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.”


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11. A Autora vem interpor recurso de Revista Excecional de tal Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, tendo-o fundamentado nos termos do artigo 672.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.

Tal recurso de revista excecional foi admitido pelo tribunal da segunda instância e subiu oportunamente a este Supremo Tribunal de Justiça.


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12. Chegados os autos de recurso a este Supremo Tribunal de Justiça e por despacho judicial datado de 16/09/2025 proferido pelo respetivo relator, foi admitida a presente revista excecional, por se considerar verificados os requisitos gerais de recorribilidade assim como a existência de uma situação de dupla conforme, nos termos do número 3 do artigo 671.º, vindo, nessa medida, a remeter-se os autos à formação prevista no número 3 do artigo 672.º, ambos do NCPC.

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13. A recorrente AA resume nas suas alegações as diversas facetas do mesmo:

« Requer-se que, na apreciação preliminar sumária a levar a efeito por V.as Exas., seja tido em consideração o facto de, com o presente recurso e a sua respetiva admissão, se visar, antes de mais, uma melhor aplicação do direito, em matéria de relevante interesse social, com fundamento em violação de lei, que contraria consolidada jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos que passa a expor:

II – Do Recurso:

O processo judicial teve o seu início numa ação intentada pela Recorrente, para o reconhecimento do contrato de trabalho assinado no dia 13 de abril deste 2022, entre a mesma e o Recorrido, num contrato sem termo.

Naquela ação, a ora recorrente viu ser-lhe negada razão – quanto ao pedido formulado, de conversão do contrato a termo resolutivo incerto celebrado no dia 13 de abril de 2022, num contrato sem termo - , por entender que se aplicam as regras de admissão previstas para os vínculos de emprego público, atualmente previstas na Lei n.º 35/2014.

Sucede que, para completa surpresa da Recorrente, a sentença foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, que, fez uma análise simplista e perfunctória da situação sub judice, mantendo uma errada interpretação e aplicação do direito assim, denega justiça, violando a lei e contrariando jurisprudência, como seja o acórdão do STA proferido no âmbito do processo 327/09.6TTPNF.P1.S1, de 12.09.2012.

Reitera, a Recorrente, que o contrato de trabalho a termo resolutivo incerto [foi] celebrado com o Recorrido em 13/04/2022, ao abrigo do Código do Trabalho, com fundamento na substituição da trabalhadora BB, deveria ter sido convertido, com as devidas consequências legais, num contrato sem termo.

Efetivamente, a Recorrente nunca substituiu essa trabalhadora, tendo sido colocada noutro local de trabalho, exercendo funções alheias às da substituída.

Tal circunstância evidência que o contrato não teve base factual legítima, violando o artigo 140.º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho.

Resulta da jurisprudência, cfr. acórdão STJ de 10/01/2007 – Proc. n.º 06S2836; de 07/09/2022 - Proc. 16670/17.8T8PRT.P1.S1, acórdão do STA de 12.09.2012 – Proc. nº 327/09.6TTPNF.P1.S1, que a inexistência de substituição efetiva torna o contrato nulo quanto ao seu termo.

Verificou-se, ainda, que com o contrato celebrado, se procurou a satisfação de necessidades permanentes do serviço, pelo que o vínculo deve ser considerado como contrato sem termo, nos termos do artigo 147.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho.

A ausência de PAO e de autorização da tutela não pode legitimar a manutenção de vínculos precários, quando preenchidos os requisitos da relação laboral permanente, sob pena de violação do princípio da segurança no emprego consagrado no artigo 53.º da CRP.

Tanto mais que, nem sequer estamos perante vínculos de emprego público, celebrados no âmbito da Lei n.º 35/2014, como referido no douto acórdão, mas sim, única e exclusivamente no âmbito da celebração de contrato individual de trabalho que se rege pelo Código do Trabalho,

Sendo inadmissível permitir-se que, num Estado de Direito, quando se recruta no âmbito da Administração Indireta do Estado (E.P.E), com recurso ao contrato individual de trabalho, cujas regras estão previstas no Código do Trabalho, estas entidades se pudessem escudar-se, para manterem vínculos precários, no princípio de que a admissão se faz por concurso, por alegadamente não ser possível a conversão do contrato, porque não se lhes aplicam as regras do Código do Trabalho.

O acórdão recorrido incorre, assim, em erro de direito, ao considerar legítima a contratação a termo nestas condições, contrariando jurisprudência consolidada e,

Violando de forma flagrante o disposto no artigo 147.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho.

Devendo, por conseguinte, ser admitido o presente recurso, por envolver questão de manifesto interesse social e jurídico e ser contrário à jurisprudência deste Tribunal,”


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14. O Réu CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DE SANTO ANTÓNIO, E.P.E. não veio apresentar contra-alegações dentro do prazo legal, apesar de notificado para o efeito.

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15. Cumpre decidir, tendo sido remetido previamente o projeto do Acórdão aos restantes membros da formação e tendo estes últimos tido acesso ao processo no CITIUS.

II. FACTOS

16. Com relevância para a decisão, há a considerar os factos provados e não provados que constam do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto [TRP] de 07/4/2025 e que correspondem à matéria de facto dada como assente pelo tribunal da primeira instância:

«1) A Autora foi admitida ao serviço do Réu, no dia 11 de Novembro de 2014, ao abrigo de um contrato de trabalho a termo certo resolutivo, para exercer funções com a categoria de assistente operacional.

2) Desde essa data e até ao dia de hoje, a Autora exerceu sempre funções sob a ..., ... e ... do Réu, na Unidade Hospitalar de Santo António.

3) Esse contrato veio a converter-se num contrato sem termo.

4) Na sequência dessa conversão, no dia 03/10/2016 foi celebrado contrato de trabalho entre a Autora e o Réu, pelo qual esta se obrigou a executar as funções inerentes a assistente operacional.

5) Contrato que se mantém em vigor na presente data.

6) A Autora apresentou candidatura ao concurso lançado pelo Réu, por deliberação do Conselho de Administração de 12/06/2019, destinado à constituição de reserva de recrutamento para o exercício de funções de assistente técnico, em regime de contrato individual de trabalho, sem identificação da modalidade de contrato.

7) Consta do ponto 14 do procedimento concursal mencionado que “O abatimento à lista dos candidatos tem lugar, de imediato, com a não-aceitação da celebração do contrato que em concreto for apresentado ao interessado(a), independentemente da respetiva modalidade. Quanto aos candidatos que celebrem contrato que não seja na modalidade de contrato de trabalho por tempo indeterminado, regressam à sua posição na lista de graduação com o termo do vínculo aceite, só ocorrendo o abatimento definitivo à lista de graduação com a não-aceitação de contrato de trabalho por tempo indeterminado.

8) Após a conclusão do procedimento, no dia 13/04/2022, a Autora e o Réu assinaram um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto, para o exercício de funções de assistente técnica.

9) Consta da cláusula 3.ª do contrato que “A presente contratação destina-se a concretizar o recrutamento de recursos humanos de natureza excecional ao abrigo da alínea a), do n.º 2, do artigo 140.º, da Lei 7/2009, podendo dar lugar, por reafectação interna de recursos, à substituição direta ou indireta de trabalhadores dos Serviços e área de atividade de maior sensibilidade”.

10) Segundo a cláusula 4.ª, o contrato foi celebrado “… ao abrigo do disposto nos n.ºs 1, 2, alínea a), e 3, artigo 140.º Código do Trabalho/2009, aprovado pela Lei 7/2009 com fundamento na substituição temporária da trabalhadora – BB com o n.º mecanográfico ...33, que se encontra ausente do Serviço por motivo de Licença Parental e posterior Licença Parental Alargada ou outros motivos temporários”.

11) Nos termos da cláusula 5.ª ficou estabelecido que “O presente contrato durará enquanto se verificar a necessidade da substituição referida na cláusula anterior”.

12) A cláusula 6.ª do dito contrato é do seguinte teor: “1 – Este contrato caduca quando, prevendo-se a ocorrência do termo, o 1.º Contratante comunique a cessação do mesmo ao 2.º Contratante, com a antecedência mínima de 7, 30 ou 60 dias, conforme o contrato tenha durado até seis meses, de seis meses a dois anos ou por período superior.

2 – Na falta da comunicação supra referida, o 1.º Contratante deve pagar ao 2.º Contratante o valor da retribuição correspondente ao período de aviso em falta.

(…)

4 – Não se podendo prever a ocorrência do termo, este contrato caducará com a comunicação do 1.º Contratante, por escrito, no prazo de 15 dias após a verificação dos motivos justificativos da sua celebração”.

13) A partir do dia 13/04/2022, a Autora iniciou funções como assistente técnica, designadamente, no serviço de urgência e na consulta externa.

14) Por comunicação de 03/11/2022, o Réu informou a Autora que “no próximo dia 06 de Dezembro de 2022 termina o contrato celebrado com este Centro Hospitalar, sendo este (dia 06/12/2022) o seu último dia de trabalho”.

15) Por comunicação de 07/11/2022, o Réu deu sem efeito a comunicação anterior, informando a Autora de que o contrato terminava naquele próprio dia.

16) Nessa sequência, a Autora retomou as funções próprias da categoria de assistente operacional.

17) A Autora nunca esteve, efetivamente, a substituir a trabalhadora a que o seu contrato faz referência.

18) O local de trabalho da trabalhadora BB situa-se no Pólo de ... do Réu, localizado nas instalações do ACES de Gondomar.

19) A Autora exerceu sempre as suas funções no Hospital de Santo António, que mantém a carência de recursos humanos para o exercício de funções administrativas.

20) Após a comunicação da cessação do contrato celebrado com a Autora, o Réu celebrou novos contratos a termo, ao abrigo de um novo procedimento concursal lançado em Agosto de 2021.

21) O Réu não tem o plano de atividade e orçamento (PAO) aprovado.

22) O Réu não tem Mapa de Pessoal aprovado.

23) Na presente data, inexiste autorização da tutela que permita a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos sem termo.

24) Em Junho de 2017, a Autora havia feito um pedido de horário flexível, que foi deferido.

25) Pedido que alterou em Maio de 2021 e no âmbito do qual previu um horário rotativo com manhãs das 08h00 às 14h00, tardes das 14h00 às 20h00 e noites das 20h00 às 08h00, que também foi deferido.

26) E que ainda se mantém em vigor na presente data.

27) No dia 26/05/20211 é autorizado um pedido de substituição da assistente técnica CC.

28) E como a Autora era a seguinte pessoa da bolsa de contratação, foi chamada aos Recursos Humanos para aferir do interesse desta na ocupação da vaga aberta.

29) Na sua deslocação aos Recursos Humanos foi-lhe explicado que a contratação passaria pela celebração de um contrato de trabalho a termo incerto, destinado a substituir uma trabalhadora que entrara de baixa por gravidez de risco, período a que seguiria a licença de maternidade e outros motivos temporários inerentes à condição daquela trabalhadora.

30) Mais foi confrontada com a impossibilidade de poder continuar a beneficiar do horário flexível que lhe havia sido autorizado, porquanto o posto que iria ocupar era incompatível com a execução dos horários pretendidos visto que as funções de atendimento apenas são executadas das 08h30 às 16h00.

31) A Autora ficou ciente destas condições, que expressamente aceitou, pelo que celebrou, no dia 10/03/2022, um contrato de trabalho a termo incerto com o Réu, pelo qual se obrigou a desempenhar as funções de assistente técnica.

32) Logo no dia seguinte, a Autora deu entrada de um pedido de horário flexível que previa um horário de trabalho que sabia inexistente no serviço em que tinha sido integrada.

33) Motivo pelo qual a negrito e sublinhado afirmou “Encontro-me disponível para ser transferida de serviço caso seja necessário e de forma, a não prejudicar o bom funcionamento do serviço a que estou alocada.”

34) Porque ainda estava no período experimental, no dia 18/03/2022, rescindiu o Réu o contrato de trabalho a termo certo celebrado com a Autora que, por via disso, retomou as funções como assistente operacional.

35) A 02/12/2021 é deliberada nova substituição de trabalhadora que se encontra em situação de gravidez de risco, a BB.

36) Como a Autora regressou à bolsa de contratação, foi chamada aos Recursos Humanos onde lhe foi explicado que estava em causa a celebração de um contrato de trabalho a termo incerto,

37) Bem como que o posto em causa era incompatível com o horário flexível de que gozava, do qual teria de abdicar para poder preencher a vaga em causa.

38) A Autora declarou ter ficado ciente das condições, que aceitou, comprometendo-se a cumprir o horário do serviço em causa, da trabalhadora que iria substituir, das 07h00 às 20h00.

39) E foi assim que celebrou o contrato a termo incerto, com data de 13/04/2022, onde expressamente aceitava cumprir o horário supra indicado.

40) No dia 29/04/2022, a Autora dá entrada de novo pedido de horário flexível.

41) O Réu comunicou à Autora a intenção de indeferir o pedido de horário flexível, alegando que o horário que esta pretendia ver atribuído era inexistente no serviço para o qual tinha sido contratada e desempenhado pela trabalhadora que estava a substituir.

42) A Autora não aceitou a intenção de recusa e solicitou que fosse solicitado parecer à CITE, o qual foi no sentido de indeferir a intenção de recusa.

43) A Autora esteve a exercer funções noutro serviço, que dispensou trabalhadora, já com experiência administrativa e com a categoria profissional de assistente técnica, que foi desempenhar as funções da BB, ausente do serviço durante quase um ano, até à data do regresso desta.

44) Não houve em momento algum um aumento do número total de assistentes técnicos.

45) A bolsa de contratação referida em 6) caducou a 11/08/2022.»

FACTOS NÃO PROVADOS

«E foi considerado não provado o seguinte:

«46) O horário de funcionamento do serviço referido em 30) seja das 07h00 às 20h00.

47) Que o pedido referido em 40) tenha sido apresentado pela Autora nesse dia em virtude de o período experimental ter terminado no dia 28/04/2022.

48) A Autora sabia que o horário flexível por si solicitado era incompatível com as funções que estava a desempenhar em substituição da sua colega BB.

49) A única solução que restou ao Réu foi transferir a Autora daquele posto de trabalho para outro, compatível com o horário flexível exigido pela trabalhadora.

50) Foi a Autora quem, com a sua conduta, obrigou o Réu a atribuir-lhe funções que efetivamente não eram as da trabalhadora que foi substituir, por se ter recusado a aceitar e cumprir o horário do serviço desta trabalhadora.

51) Os contratos a termo referidos em 20) visaram responder a necessidades permanentes do serviço, que existiam antes da contratação da Autora e que subsistem após a comunicação da cessação de funções, admitindo o Réu mais trabalhadores, com os mesmos pressupostos contratuais.

52) Os fundamentos invocados para a celebração do contrato com a Autora tinham como intuito apenas a justificação para a assinatura de contrato a termo, contornando a obrigação de contratação sem termo.

53) A Autora deu resposta a necessidades permanentes do serviço.»


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III - QUESTÕES SUSCITADAS AO ABRIGO DA ALÍNEA A) DO NÚMERO 1 DO ARTIGO 672.º DO NCPC [1]

17. Nos termos e para os efeitos do art.º 672.º, n.º 1, alínea a), reclamam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça as questões “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, como tal se devendo entender, designadamente, as seguintes:

– “Questões que motivam debate doutrinário e jurisprudencial e que tenham uma dimensão paradigmática para casos futuros, onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa ser utilizada como um referente.” (Ac. do STJ de 06-05-2020, Proc. n.º 1261/17.1T8VCT.G1.S1, 4.ª Secção).

– Quando “existam divergências na doutrina e na jurisprudência sobre a questão ou questões em causa, ou ainda quando o tema se encontre eivado de especial complexidade ou novidade” (Acs. do STJ de 29-09-2021, P. n.º 681/15.0T8AVR.P1.S2, de 06-10-2021, P. n.º 12977/16.0T8SNT.L1.S2, e de 13-10-2021, P. n.º 5837/19.4T8GMR.G1.S2).

– “Questões que obtenham na Jurisprudência ou na Doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação que suscite problemas de interpretação, nos casos em que o intérprete e aplicador se defronte com lacunas legais, e/ou, de igual modo, com o elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, em todo o caso, em todas as situações em que uma intervenção do STJ possa contribuir para a segurança e certeza do direito.” (Ac. do STJ de 06-10-2021. P. n.º 474/08.1TYVNG-C.P1.S2).

– “Questões que obtenham na jurisprudência ou na doutrina respostas divergentes ou que emanem de legislação com elevado grau de dificuldade das operações exegéticas envolvidas, suscetíveis, em qualquer caso, de conduzir a decisões contraditórias ou de obstar à relativa previsibilidade da interpretação com que se pode confiar por parte dos tribunais.” (Ac. do STJ de 22-09-2021, P. n.º 7459/16.2T8LSB.L1.L1.S2).

– Questão “controversa, por debatida na doutrina, ou inédita, por nunca apreciada, mas que seja importante, para propiciar uma melhor aplicação do direito, estando em causa questionar um relevante segmento de determinada área jurídica” (Ac. do STJ de 13-10-2009, P. 413/08.0TYVNG.P1.S1).

– “Questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica reclame aturado estudo e reflexão, ou porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores, ou porque se trata de questão nova, que à partida se revela suscetível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, suscetíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo STJ para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir.” (Ac. do STJ de 02.02.2010, P. 3401/08.2TBCSC.L1.S1).


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18. Debrucemo-nos então sobre a questão que foi remetida para apreciação por esta formação, de maneira a apurarmos se os exatos contornos em que a mesma se acha suscitada e discutida pelas partes nos seus articulados e alegações e tratada pelas instâncias, lhe confere a relevância jurídica proeminente reclamada pelo alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC.

A Autora recorrente suscita, em nosso entender, duas grandes questões que se radicam, por um lado, na nulidade do motivo invocado para a sua contratação a termo [substituição de uma outra trabalhadora ausente por motivo de baixa, fundada numa gravidez de risco], não apenas por não ter verdadeiramente substituído tal colega no seu posto de trabalho e correspondentes funções como ainda por ter assegurado necessidades constantes e não provisórias do empregador e, por outro, na possibilidade ou impossibilidade legal de conversão de tal vínculo laboral precário numa relação de trabalho por tempo indeterminado, pela circunstância do Réu ser o CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DE SANTO ANTÓNIO, E.P.E.

Ora, estando em causa nos autos as aludidas questões, seguro é que as mesmas têm sido abordadas com uma grande frequência e profundidade pela nossa doutrina e jurisprudência, sendo praticamente uniforme a posição acerca da admissibilidade da figura da substituição direta ou indireta dos trabalhadores ausentes no quadro da execução dos contratos de trabalho a termo certo ou incerto, bem como relativamente à noção jurídica de necessidades permanentes e temporárias, sendo, finalmente, largamente conhecida a tese que ganhou vencimento no Tribunal Constitucional e que veio depois a conhecer as necessárias repercussões a nível legislativo no sentido da proibição legal de conversão automática de contratos de trabalho cujo motivo era nulo em vínculos laborais efetivos no quadro da Administração Pública [aqui encarada em sentido lato].

Não se pode deixar, por outro lado, de referenciar as circunstâncias especiais que rodearam o desenvolvimento das funções por parte da Autora, radicado num cenário de substituição da sua colega, que teve de ser indireta, por força da formulação – legítima, naturalmente – de um pedido de horário flexível por parte da Autora que veio a ser acolhido e concretizado laboralmente, não ressaltando, por outro lado, dos factos provados que a Recorrente tenha estado a assegurar necessidades permanentes.

Importa ainda referir que a jurisprudência indicada pela recorrente – Acórdãos do STJ de 10/01/2007, Proc. n.º 06S2836, de 07/09/2022, Proc. 16670/17.8T8PRT.P1.S1 e de 12/09/2012, Proc.º n.º 327/09.6TTPNF.P1.S1 [sendo este, certamente por lapso, imputado ao STA] – não releva, desde logo, por não ter direta aplicação ao litígio dos autos ou por não se mover no mesmo quadro factual e jurídico que ressalta da presente ação.

Frize-se que as problemáticas, por referência à organização e funcionamento administrativos do Réu, relativas à falta de PAO [Plano de Atividade e Orçamento], Mapa de Pessoal e de autorização da tutela no que respeita à contratação por tempo indeterminado de trabalhadores com vínculos precários não possuem, em si e só por si, pela sua natureza acessória, secundária e instrumental, importância e significado que justifique a sua autonomização e discussão independente.

O mesmo haverá a dizer acerca do concurso interno aberto pelo Réu e ao qual se candidatou a Autora [já trabalhadora do Recorrido], com vista à criação temporária de uma bolsa [reserva de recrutamento] que se destinava a garantir, consoante as necessidades de serviço que surgissem, o futuro desenvolvimento de funções de assistente técnico ao abrigo de vínculos efetivos ou precários - como, de facto, veio a acontecer com a recorrente - e que entretanto caducou, tendo sido substituído por um novo concurso com o mesmo propósito.

Impõe-se realçar, finalmente, que a Autora, após ter substituído a colega ausente por gravidez de risco, voltou a desenvolver atividade subordinada para o Réu como assistente operacional, ao abrigo do contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado em 03/10/2016 [estando, no fundo, em causa nos autos uma promoção ou alteração na carreira profissional da Recorrente, com as inerentes condições de trabalho].

Ora, face ao que deixámos explanado, podemos afirmar objetivamente que a apreciação das questões enunciadas neste recurso de revista excecional se evidencia claramente necessária para uma melhor aplicação do direito devido à sua relevância jurídica?

A resposta a tal pergunta tem de ser negativa, pois as temáticas fulcrais ou essenciais expostas estão, na atualidade jurídica e judiciária, suficientemente debatidas e sedimentadas em termos de análise de direito, não subsistindo divergências e dúvidas em termos doutrinários e jurisprudenciais que justifiquem a intervenção e o julgamento excecional por parte deste Supremo Tribunal de Justiça de tais matérias, para os efeitos da alínea a) do número 1 do artigo 672.º do NCPC.


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IV – DECISÃO

19. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 672.º, números 1, alínea a) e 3 do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça e pelos fundamentos expostos, em não admitir o presente recurso de Revista excecional interposto pela Autora AA.

Custas a cargo da Recorrente - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa, 12 de novembro de 2025

José Eduardo Sapateiro - Juiz Conselheiro relator

Mário Belo Morgado– Juiz Conselheiro Adjunto

Júlio Gomes – Juiz Conselheiro Adjunto

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1. As referências teóricas e jurisprudenciais constantes da presente fundamentação, assim como de um dos pontos do Sumário, foram extraídos, com a devida vénia, do Acórdão de 11/9/2024, proferido no Processo n.º 511/20.1T8FAR.E1.S2 (revista excecional) e relatado pelo Juiz Conselheiro MÁRIO BELO MORGADO.↩︎