Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
298/11.9JELSB.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: RECURSO PENAL
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CORREIO DE DROGA
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
ILICITUDE
DOLO DIRECTO
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 10/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO O RECURSO
Área Temática: DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO/ ESCOLHA E MEDIDA DA PENA
DIREITO PROCESSUAL PENAL - JULGAMENTO - AUDIÊNCIA / PRODUÇÃO DE PROVA
Doutrina: - CESARE BECARIA, Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38,
- EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16.
- FIGUEIREDO DIAS, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §55, §56, § 278, p.211; Questões fundamentais – A doutrina geral do crime, Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito, 1996, p. 118; Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pp. 84, 109 e ss, 117, 121.
Legislação Nacional: CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º,71.º, 73.º, 74.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 343.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA: - ARTIGO 18.º, N.º2.
DL Nº 401/82, DE 23-9: -NºS 4 E 7º DO PREÂMBULO DO DIPLOMA E ARTIGO 4.°.
DL Nº 15/93, DE 22-1: - ARTIGO 21.º N.º 1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 05/11/2003, PROCESSO N.º 03P2638, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 15/11/2006, PROCESSO N.º 2555/06, 3ª SECÇÃO;
-DE 31/10/2007, PROCESSO N.º 3484/07, 3ª SECÇÃO;
-PROCESSO Nº 2838/08, 3ª SECÇÃO.
Sumário :

I - No âmbito do regime penal especial para jovens, consagrado pelo DL 401/82, de 23-09, o juízo de avaliação da vantagem da atenuação especial da pena centra-se fundamentalmente em relação à importância que a mesma poderá ter no processo de socialização ou, dito por outra forma, na reinserção social do jovem.
II - Não é de aplicar o regime dos jovens delinquentes ao arguido, que à data da prática dos factos tenha menos de 21 anos de idade, quando do conjunto dos actos por ele praticados e a sua gravidade desaconselham, em absoluto, a aplicação desse regime, por não se mostrar passível de prognose favorável à sua reinserção social.
III -No caso sub judice, a conduta do arguido tem uma carga desvalorativa de nível tão elevado [relembre-se que está em causa o transporte transcontinental de cocaína (de S. Paulo, Brasil, para a Guiné Bissau, passando por Lisboa), cujo peso líquido global excedia os 11 kg, sendo a quantidade de cocaína apreendida suficiente para preparar, pelo menos, 56 217 doses individuais de tal substância estupefaciente] que seria muito difícil fundamentar a seriedade das razões que levariam o tribunal a crer que a atenuação especial conduziria a reais vantagens para a reinserção social do arguido, exigência iniludível para sustentar a aplicação do mecanismo jurídico atenuativo em discussão.
IV - Acresce que as exigências de prevenção especial em relação ao arguido são elevadas, não tendo mesmo demonstrado qualquer arrependimento pela sua conduta, não tendo confessado os factos, tendo em audiência de julgamento, demonstrado uma postura de indiferença pelas consequências dos seus actos.
V - Para além disso, as diversas variáveis a considerar sobre as suas condições pessoais (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação pessoal e traços essenciais de personalidade em formação) – depois de vir para Portugal, proveniente da Guiné Bissau, manifestou dificuldade de adesão à actividade escolar, pelo que, apesar de se ter chegado a matricular no liceu, nunca frequentou o ensino e aquando da sua detenção encontrava-se totalmente desocupado, integrando o agregado familiar dos progenitores –, e os seus antecedentes criminais – já havia sido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, perpetrado em 22-01-2010, e pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, perpetrado em 19-02-2010 –, não permitem a formulação de um juízo de prognose benigno quanto às expectativas de reinserção do arguido, não se encontrando, pois, em condições de beneficiar da atenuação especial da pena prevista pelo art. 4.° do DL 401/82, de 23-09, e art. 73.°, n.º 1, als. a) e b), e n.º 2, do CP.
VI - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – cf. art. 40.°, n.º 1. do CP. Por sua vez, o artigo 71.º do mesmo Código estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (n.º 2).
VII - No caso, é elevada a i1icitude face à natureza e quantidade do estupefaciente que transportava consigo (cerca de 11 kg de cocaína) e ao modo de execução (uma parte numa mala de viagem e o restante dentro de peças de madeira que continham o referido produto no seu interior); é intenso o dolo manifestado (o arguido tinha conhecimento de que transportava consigo cocaína, assim como da natureza estupefaciente dessa substância, e, mesmo assim, com o único intuito de auferir proventos pecuniários, quis fazê-lo, agindo livre e conscientemente e sabendo que a sua conduta era criminalmente punida) e são censuráveis os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (agiu com o único intuito de auferir proventos pecuniários pelo transporte efectuado).
VIII - São fortes as exigências de prevenção geral no combate ao crime de tráfico que, de forma contínua, persiste na sociedade contemporânea e é um factor pernicioso de descalabro social pelas consequências nefastas que potencia ao nível do ser e do agir na sã convivência comunitária. Neste contexto, embora os chamados “correios de droga”, como é o caso do arguido, sejam meios transmissores dos traficantes na entrega do produto, uma espécie de elo mais fraco no negócio do narcotráfico, são essenciais ao nível da disseminação do produto estupefaciente pelo mundo.
IX - Por outro lado, as exigências de socialização ínsitas à prevenção especial, face à motivação do arguido e circunstâncias de actuação são prementes, com vista a dissuadir a reincidência, sendo certo que não havia razão compreensível para a actuação do arguido, uma vez que embora desempregado, encontrava-se integrado no agregado familiar composto por pais, irmãos, filha e namorada, que residem em Portugal e aqui têm a sua vida centralizada.
X - Considerando que a moldura penal abstracta oscila entre 4 anos de prisão e 12 anos de prisão, nos termos do art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, e, tendo também em conta, a jurisprudência do STJ relativa a penas concretas aplicadas aos chamados correios de droga conclui-se, atento o limite definido pela culpa intensa do arguido, que a pena de 5 anos e 3 meses de prisão aplicada não se revela excessiva, nem desproporcional, outrossim, se revela benévola, face à elevada quantidade e natureza da droga transportada, mas que não se pode alterar, por não ter havido recurso sobre a agravação da mesma e, por isso, atento, aliás, o princípio de proibição de reformatio in pejus, é de manter.

Decisão Texto Integral:

               

      Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

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Nos autos de processo comum com o nº 298-11.9JELSB da 6ª Vara Criminal de Lisboa, respondeu perante o Tribunal Colectivo, o arguido AA, filho de .... e de ..., natural da freguesia de ..., nascido em 04/03/1992, solteiro, pintor, com residência na ..., titular da autorização de residência n.º ...; na sequência de acusação formulada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, que lhe imputava a prática de factos integrantes, em concurso efectivo, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art. 21.° n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à Tabela I-B, ao mesmo anexa, e  de um crime de uso de documento autêntico falsificado, p.p. no art. 256.°, ns 1, aIs. b) e e) e 3, promovendo, ainda, a condenação do arguido na pena acessória de expulsão do território nacional, nos termos das disposições conjugadas do art. 34.°, n.º 1 da Lei n.º 15/93, de 22/01, e art. 151.°, n.ºs 1,2 e 3 da Lei n.º 23/2007, de 04/07.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferido acórdão em 4 de Maio de 2012, que decidiu:

“A) Absolver o arguido AA relativamente à prática de um crime de uso de documento autêntico falsificado, p.p. pelo artigo 256.°, nº 1, aI. b) e 3 do Cód. Penal;

B) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21.°, n.º 1 do D.L. 15/93, de 22/01, com referência à tabela anexa I-B, na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão;

C) Julgar improcedente a acusação, na parte em que requer a aplicação ao arguido da pena acessória de expulsão de território nacional, e absolver o arguido na medida correspondente;

D) Declarar perdido a favor do Estado o produto estupefaciente apreendido (art. 35.°, n.º 2 do D.L. n.º 15/93, de 22/01);

E) Declarar perdidas a favor do Estado as três malas de viagem, de marca PAIV A BAG, de cor preta, apreendidas ao arguido (art. 35º, nº 1 do D.L. nº 15/93, de 22/01);

F) Ordenar a restituição ao arguido do telemóvel de marca SAMSUNG, com o IMEI ..., respectivo cartão SIM da TIM com o n.º ..., do adaptador MicroSDcard, de marca SAMSUNG, contendo no seu interior um cartão de memória MicroSd da NOKIA, do cartão SIM da operadora VODAFONE, dos dois cartões SIM da operadora TMN, do cartão SIM da operadora MTN, dos três cartões SIM da operadora L YCA MOBILET, do cartão telefónico da AFRICARD, do cartão telefónico da TELEFONICA, do cartão de segurança da TMN, referente ao n.º de telemóvel ..., e o cartão de segurança da TMN, referente ao n.º de telemóvel ..., apreendidos nos autos (art. 186.° n,º 2 do Cód. Processo Penal)”.

Mais se condenou o arguido nas custas do processo, e ordenou-se: a remessa após trânsito, ao LPC da PJ de certidão do acórdão, com nota de trânsito em julgado, acompanhada dos elementos relativos à localização do arguido AA, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 1º nºs 1 e 2, 8.°, n.º 2 e 18.°, n.º 3 da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro; e ainda a remessa de boletim ao registo criminal (D.S.I.C).


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Inconformado, recorreu o arguido para este Supremo, apresentando as seguintes conclusões na motivação de recurso

1.ª O recorrente, AA, foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art. 21.° n.° 1 do DL 15/93 de 22/01, com referência á Tabela anexa I-B, na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.

2.ª O recorrente, conforme os sinais dos autos, tem à data da prática dos factos, 19 anos de idade.

3.ª O crime que o levou a julgamento nos presentes autos foi a primeira prevaricação desta natureza, e, tenhamos presente que o seu papel nesta operação, ainda que inconsciente, foi o de "correio", conforme expressão coloquial, tendo esta intervenção sido promovida por acção de terceiros, em quem o recorrente confiou numa clara atitude de imaturidade, credulidade e deslumbramento, sendo um alvo fácil à malícia e manipulação exercida por terceiros.

4.ª O recorrente pertence a uma numerosa família, natural da Guiné-Bissau, que emigrou para Portugal, em busca de uma vida melhor, desde que o recorrente chegou a Portugal sempre viveu sob a alçada dos seus pais, na casa de morada de família, em Albufeira.

5.ª No relatório social, junto aos autos, a fls. ..., as subscritoras do mesmo, exararam a seguinte "IV - Conclusão": Oriundo da Guiné e integrado numa família socialmente adequada e alegadamente sem registos de problemáticas significativas, AA efectuou um percurso de vida avaliado como normativo e, aparentemente, consentâneo com as normas e regras sociais, habilitando-se com algumas competências escolares, desportivas e laborais.

Dotado de boas capacidades pessoais manifesta consciência do impacto da sua actual situação, pese embora a atitude de desresponsabilização perante os factos constantes no presente processo.

No meio exterior conta com a total confiança e apoio da família e namorada, sendo a filha um elemento gratificante e de preocupação no seu processo de reinserção social."

6.ª Para além desta avaliação global da personalidade e atitude do recorrente, as mesmas Técnicas concluíram, no mesmo documento, no item "///- Impacto da situação jurídico-penal" que: "Embora preso pela primeira vez AA não apresenta dificuldades de adaptação ao meio prisional, revelando capacidades que lhe permitem encontrar estratégias facilitadoras do seu quotidiano e objectivos. Encontra-se ocupado na actividade de faxina e insiste na possibilidade de ingressar na escola ou formação profissional."

7.ª O recorrente, no meio prisional, revela aptidões sociais positivas e construtivas, pois que: "AA não apresenta dificuldades de adaptação ao meio prisional, revelando capacidades que lhe permitem encontrar estratégias facilitadoras do seu quotidiano e objectivos.", o que determinou a construção de boas relações com os guardas prisionais e não se ter envolvido em problemas com nenhum dos restantes reclusos.

8.ª Para além da facilidade de adaptação à situação, o recorrente: "Encontra-se ocupado na actividade de faxina e insiste na possibilidade de ingressar na escola ou formação profissional.", pelo que, não se limita à ociosidade, procurando uma ocupação e pautar a sua vida por condutas construtivas.

9.ª Caso fosse, como consideraram os Juízes a quo, pessoa com dificuldade na aceitação das normas penais e respectiva autoridade, quando colocado no meio prisional, tal atitude emergiria, uma vez que, no meio prisional é bem mais intensa a imposição de obediência e respeito pela autoridade, o que não acontece, uma vez que a adaptação tem sido positiva.

10.ª As conclusões dos Mmos Juízes a quo estão, pois, em clara oposição com as conclusões extraídas pelas técnicas de serviço social que elaboraram o relatório social.

11.ª O sentimento de desresponsabilização, referido no douto Acórdão deve-se, tão-só, à alegação por banda do recorrente de que não teve intervenção directa na aquisição do estupefaciente, tal como se referiu supra, e não à falta de sentido de censurabilidade intrínseco da conduta ou falta de consciência da gravidade da mesma.

12.ª Deve, para todos os efeitos legais, ser tido em conta que o recorrente é um jovem de 19 anos que está a cumprir pena de prisão pela primeira vez e nunca antes foi submetido a qualquer internamento prisional ou correccional.

13.ª Começou a trabalhar ainda menor de idade, com 15 anos, no MacDonald's, trabalhou, também, na construção civil e manutenção de máquinas de bowling, onde fez formação profissional, de resto, a precariedade do trabalho que exercia coaduna-se com a sua tenra idade e habilitações literárias.

14.ª Em Portugal, sempre teve ocupação, desde que chegou a este país começou a jogar basquetebol no Clube de Basquetebol de Albufeira, depois transitou para "O Imortal", actividade que lhe dava algum dinheiro, auferido a título de prémios de jogo, e sendo uma actividade praticada ao nível de competição, é certo que lhe exigia empenho e respeito por regras e disciplina, que sempre cumpriu.

15.ª Avaliado o perfil do recorrente, as Técnicas tiveram oportunidade de verificar que, com efeito, o recorrente teve "um percurso de vida avaliado como normativo e, aparentemente, consentâneo com as normas e regras sociais, habilitando-se com algumas competências escolares, desportivas e laborais" e "manifesta consciência do impacto da sua actual situação".

16.ª Conforme consta do mesmo relatório social: "AA conta com o apoio incondicional de seus pais e irmãos, agregado que pretende integrar no período imediato à reclusão, até conseguir a sua autonomia. A família, que lamenta profundamente a situação em que o mesmo se encontra, avaliando o seu percurso anterior como adequado e caracterizando-o um jovem respeitador e educado, vive actualmente uma situação de maiores dificuldades económicas, face ao desemprego do pai do arguido, condição agravada com as despesas que efectuam para se deslocarem ao EP. A subsistência é assegurada pelo subsídio de desemprego do pais e pelo vencimento da mãe enquanto camareira em hotel".           

17.ª O recorrente sempre viveu em casa dos seus pais, encontra-se perfeitamente integrado quer familiar, quer socialmente e conta com apoio incondicional dos elementos da sua família, com quem tem uma relação familiar saudável.

18.ª Foi pai de uma filha de 10 meses de idade, sendo sua pretensão e da sua namorada, constituírem família e viverem juntos, sendo que, como consta no relatório social "O arguido mostra uma forte ligação afectiva para com a filha, com quem contacta nas visitas, verbalizando sofrimento com o afastamento provocado pela situação de reclusão."

19.ª O recorrente nutre um profundo amor pela sua filha, sendo este vínculo afectivo da maior importância para ele, promovendo um cariz motivador e reconstrutivo na sua vida, a existência da sua filha motiva-o na construção de projectos de vida, sendo a sua maior ambição construir um lar e obter meios para se emancipar dos seus pais e sustentar a sua família e criar a sua filha, dando-lhe todo o acompanhamento possível.

20.ª Não podemos obliterar que o nascimento da filha, sendo o mais importante vector da vida do recorrente, é um facto novo, atendendo ao facto de que a bebé tem menos de um ano de idade, também este vínculo familiar está em construção e crescimento, ficando a plena percepção do impacto positivo do mesmo, dependente da possibilidade de vida em liberdade do recorrente.

21.ª Sendo que, o recorrente por ingenuidade, imaturidade e, diga-se, irresponsabilidade na avaliação da situação em que se veio a envolver, achou-se envolvido no crime em apreço, cumpre reconhecer que o produto estupefaciente foi encontrado nos pertences que transportou, não obstante, estes não lhe pertencerem, foram encontrados na sua posse.

Todavia,

22.ª O presente recurso prende-se única e exclusivamente com a medida da pena, havendo que, num primeiro momento, saber se o Tribunal a quo, perante a prova produzida em julgamento e pese embora a extensão e gravidade dos factos em causa, podia - face à tenra idade do recorrente e inexistência de antecedentes ou qualquer registo anterior de comportamento desviante - lançar mão do regime especial para jovens delinquentes, procurando, a final, alcançar um quantum condenatório suficientemente severo para acautelar as necessidades de prevenção geral, mas ainda assim, capaz de conceder uma oportunidade a este jovem que à data da prática dos factos tinha apenas 19 anos de idade, e cuja personalidade e maturidade estão ainda em construção.

23.ª Cremos, pois, por tudo o explanado crer que recorrente merece ser tratado como jovem de 19 anos de idade que é, sendo-lhe aplicado o regime legal que o legislador previu para estas situações.

24.ª Entende o recorrente que o Tribunal a quo procedeu à errada interpretação e aplicação do direito, ao rejeitar a aplicação do referido diploma legal, assim alcançando uma resposta punitiva de tal modo severa, que, teme o recorrente vir a comprometer definitivamente a sua sociabilização.

Acresce que,

25.ª Cada ano que o recorrente tiver de passar em prisão efectiva é um ano de acompanhamento da vida da sua filha que este perde, todos os rituais de vivências, partilhas e experiências com a sua filha, cada avanço da vida e educação da sua filha bebé, o recorrente vai perder, em razão de um erro que cometeu, aquando dos seus ingénuos 19 anos de idade.

26.ª A perda das vivências e do convívio com a sua filha dificilmente contribuirá para lhe transmitir modelos, valores e regras de conduta para uma vida em sociedade sem disrupções de comportamento como aquela que agora se sanciona, porquanto perpetua uma irreparável e irrecuperável perda na vida do recorrente.

27.ª Já em prisão preventiva, mostrou um comportamento institucional adequado e faz faxina, compromete-se no ingresso no próximo ano lectivo, sendo que, não iniciou já a frequência escolar, porquanto o não lectivo está próximo do final, não se limitando à ociosidade.

28.ª Face a uma personalidade ainda em formação de um jovem inserido numa família que revela valores apreciáveis de estima e afecto para com os seus membros, o recorrente corre o sério risco de que a vivência demasiado prolongada em meio prisional, poder vir a comprometer, em definitivo, a sua formação e aquisição de valores, assim perigando a sua reinserção em sociedade, pelo que, nessa medida o acórdão recorrido viola o n°. 1 do art°. 40º do Código Penal.

29.ª O tribunal a quo ao rejeitar a aplicação do regime legal concebido para os jovens, procedeu à errada interpretação e aplicação do disposto no art°. 4 do D.L. 401/82 de 23 de Setembro, devendo ser nessa parte alterado o douto Acórdão, aplicando-se ao recorrente a atenuação especial da pena, de acordo com os artigos 72° e 73° do Código Penal, porquanto, a pena ora aplicada perpetua a sonegação de benefícios previstos pelo legislador para evitar danos draconianos na vida de jovens, que venham a ser condenados.

Pois que,

30.ª Nos termos do Artigo 71° n.°2 do Código Penal na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, e, na sequência do que ficou exposto, no capítulo 23 precedente, entende-se que a pena imposta ao ora recorrente revela-se manifestamente desproporcional e excessiva, tendo em atenção, nomeadamente a protecção dos bens jurídicos em causa e a reintegração do agente na sociedade.

31.ª Sendo certo que, nos termos do Artigo 72° do Código Penal, o tribunal atenua especialmente a pena quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

32.ª Extrai-se das disposições legais referidas que a medida da pena deverá ser fixada em função da ilicitude e culpa do agente, bem como das necessidades de prevenção geral e especial, não podendo a pena aplicada ser superior à culpa.

33.ª O acórdão recorrido violou as normas previstas nos art.s 71.°, n.° 1 e n.° 2 alíneas b), c), d) e e) e n.° 3, 73.°, n.° 1 do CP e os art.s 1.°, n.°1 e n.° 2 e 4.°, ambos do DL n.° 401/82 de 23 de Setembro.

Termos em que,

Deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão condenatória e substituindo-se por decisão que aplicando o regime especial para jovens, atenue especialmente a pena, ou, caso assim se não entenda, seja declarada excessiva a pena aplicada e reduzida para mais próximo do limite inferior, como é de inteira justiça.


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            Respondeu o Ministério Público à motivação de recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1) O Regime Penal Especial para Jovens estatuído pelo Decreto-Lei 401/82 de, 23/09, estabelece um tratamento penal especializado para imputáveis até aos 21 anos, aproximando-o do regime e regras do direito reeducador de menores.

2) Dispõe o artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 401/82, de 23 de Setembro que "se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.° e 74.° do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado."

3) O disposto no artigo 4.° do DL n.° 401/82, não é de aplicação automática e, antes, pressupõe, sempre, um juízo de prognose favorável sobre o carácter evolutivo e a capacidade de ressocialização, objectivamente fundado.

4) O tribunal pode lançar mão do disposto no Decreto-Lei 401/82 (regime especial penal para jovens delinquentes), no sentido de atenuar especialmente a pena desde que esteja convicto de que aquela medida traz vantagens para a reinserção social do jovem delinquente.

5) O arguido tinha à data dos factos 19 anos de idade, no entanto não foram recolhidos quaisquer elementos passíveis de concluir que a atenuação da pena traz vantagens para a sua integração social.

6) Na verdade a gravidade dos factos cometidos e as condições pessoais reveladas pelo relatório social são de molde a concluir que a reinserção do arguido passa pela sua responsabilização na medida da culpa e não pela atenuação ou desculpabilização.

7) Com o efeito, o arguido efectuou um transporte intercontinental de mais de 11 quilos de cocaína, quantidade suficiente para preparar pelo menos 56.217 doses individuais.

8) O arguido aceitou trazer de S. Paulo, Brasil, para a Guiné Bissau, passando por Lisboa, o estupefaciente, cujas características conhecia, recebendo em troca do transporte quantia monetária não apurada.

9) O arguido não confessou os factos e não demonstrou qualquer arrependimento e tem já averbado no seu CRC condenações pela prática de crimes de condução sem habilitação legal e de condução em estado de embriaguez.

10) E não se diga como justificativo da diminuição da gravidade da conduta do arguido que este não teve intervenção directa na aquisição do estupefaciente.

11) Pois se é certo que os correios de droga são o elo mais fraco da cadeia, também é verdade que, sem eles, era de todo impossível a formação de organizações criminosas de narco-tráfico.

12) Pelo que entendemos que, não obstante a juventude do agente, não há lugar, no caso em apreço, à atenuação especial da pena.

13) E bem andou o Tribunal a guo ao não aplicar ao arguido o Regime Penal para Jovens do Decreto-Lei 401/82, de 23/09.

14) O fim do direito penal é o da protecção dos bens jurídico/penais e a pena é o meio de realização dessa tutela, havendo de estabelecer-se uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, nesta entrando as considerações de prevenção geral e especial.

15) Pela prevenção geral (positiva) por um lado, faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e pelo outro, ao restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens tutelados; pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).

16) A moldura abstracta da pena aplicável ao crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21°, n.° 1 do DL 15/93, de 22.01, é de 4 a 12 anos de prisão.

17) Nada se apurou que evidencie que o arguido actuou segundo circunstâncias que lhe diminuíram a ilicitude dos factos, a culpa ou ainda que tenha agido.

18) A medida da pena imposta ao arguido Tribunal a quo é a que decorrente da culpa, do dolo e é ainda a adequada às necessidades de prevenção geral e especial resultantes dos factos e da personalidade do arguido.

19) É correcta e adequada, em função da gravidade objectiva, da culpa evidenciada e respectivo grau, das exigências de prevenção gerais e especiais, e dos demais critérios estabelecidos nos artigos 71° e 77° da CP, a pena aplicada.

20) O acórdão recorrido não violou o disposto nos artigos 71, 72° e 73° do CP, ao contrário do defendido pelo recorrente.

21) O acórdão recorrido não violou o disposto no artigo 4º Do Decreto-Lei 408/82, de 23/09, ao contrário do também defendido pelo recorrente.

22) A medida concreta aplicada mostra-se adequada, justa e proporcional a prosseguir os fins punitivos.

23) Nenhuma censura merece a decisão recorrida que, como tal, deverá ser mantida na íntegra.

Termos em que,

O acórdão recorrido deverá ser mantido e confirmada a pena 4 anos e 3 meses de prisão aplicada ao arguido AA pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente p.p. pelo artigo 21°, n.°l do DL 15/93, de 22/01.

Pois assim se fará inteira justiça.


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            Neste Supremo, o Dig.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto Parecer, em que, além do mais, refere:

            “III

a) Entendendo-se, como a Ex. ma Procuradora da República, que o «disposto no artigo 4.° do DL n.° 401/82, não é de aplicação automática, consideramos, contudo, que o legislador a estabeleceu como regra, exceptuada, apenas, pela evidência de que da atenuação especial não resultam vantagens de reinserçâo do jovem condenado. Dito de outra forma: a aplicação deste regime especial deverá ser a regra, que sé deverá ser afastada desde que mostrem demonstrados factos indicadores de ausência de vantagens para a sua reintegração social.

Na verdade, foi a idade do agente, com uma personalidade em formação e mais facilmente susceptível de correcção, por maior sensibilidade a reacção punitiva e capacidade de correcção na conformação dos valores comunitários, que esteve na base desta opção do legislador.

Daí que, não se evidenciando factores que recomendem o seu afastamento, não dever tal regra especial ser adoptada, como no caso.

Na verdade o acórdão recorrido fundamenta o afastamento de tal regime nas «exigências de prevenção especial» que reputa de «elevadas» pelo facto deste não ter «demonstrado qualquer arrependimento pela sua conduta, não tendo confessado os factos, tendo em audiência de julgamento, demonstrado uma atitude de indiferença pelas consequências dos seus actos, bem como nos seus antecedentes criminais e «dificuldade de adesão a actividade escolar», concluindo que o arguido «denota uma personalidade que não se mostra sensível a aceitação dos valores dominantes e tutelados pelo direito penal, nem, tão pouco, é dotado de qualquer capacidade de auto-censura»

Sem que se pretenda menorizar o desvalor dos crimes constantes do seu CRC, certo é que dentro da hierarquia dos interesses tutelados pelo nosso sistema penal se situam em nível inferior, não sendo significativos na caracterização de uma personalidade tendencialmente dirigida para o crime, sobretudo quando se trata de um adulto com apenas 19 anos de idade.

Também a ausência de confissão e correspondente arrependimento não serão, por si só, evidências de urna insensibilidade a aceitação de valores dominantes cornunitários, sendo que do relatório social nada se extrai de relevante que imponha a formulação de um juízo negativo sobre a reintegração do agente.

Não se olvida que a ilicitude do facto é muito elevada (não obstante se tratar de um correio). Porém, a atenuação especial em nada beliscará as finalidades da pena.

b) A aceitar-se tal entendimento, com uma redução da pena para a proximidade dos

4 anos de prisão, deverá afastar-se a pena de substituição (que de resto não é peticionada).

Na verdade, acompanhamos o sentido da jurisprudência deste Supremo Tribunal, expressa, entre outros, no acórdão de 13 de Dezembro de 2007 (Proc. 07P3292), no sentido de que «(...) a suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de

tráfico agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões muito ponderosas (...), seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral», «(...) pois sempre que o Estado enfraquece a sua reacção contra as condutas de tráfico, não diminui e antes recrudesce a respectiva prática»

IV - Em suma e pelo exposto, não vislumbramos motivos determinantes para o afastamento do regime de jovens adultos do DL 401/82, nem para o consequente desagravamento da pena, que, contudo, deverá ser de prisão efectiva.”


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            Cumpriu-se o disposto no artigo 417º nº2 do CPP.


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            Não tendo sido requerida audiência, seguiram os autos para conferência, após os vistos legais em simultâneo

            Conta do acórdão recorrido.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

A) MATÉRIA DE FACTO PROVADA

Da discussão da causa, com interesse para a decisão resultou provada a seguinte matéria de facto:

1. No dia 26 de Agosto de 2011, cerca das 11H15, o arguido desembarcou no Aeroporto de Lisboa, no voo número TP 138, proveniente de Belo Horizonte, no Brasil, e que tinha como destino final Lisboa, encontrando-se em trânsito para Bissau, na Guiné, onde iria embarcar, no mesmo dia, pelas 21H20, no voo TP 201.

2. Em seguida, e nas instalações do Aeroporto de Lisboa, foi seleccionado para fiscalização da sua pessoa e bagagem.

3. No decurso da operação, verificou-se que o arguido AA trazia consigo, escondidas numa mala de viagem, 98 (noventa e oito) embalagens de cocaína, com o peso líquido total de 1.161,257.

4. Em três outras malas, na estrutura das respectivas bolsas, também transportava consigo 178 (cento e setenta e oito) peças de madeira, contendo cocaína no seu interior, com o peso líquido total de 10.082,144 gramas.

5. Tal quantidade de cocaína seria suficiente para preparar, pelo menos, 56.217 (cinquenta e seis mil, duzentos e dezassete) doses individuais, de tal substância estupefaciente.

6. O arguido AA tinha, ainda, consigo:

- um passaporte da República da Guiné Bissau, com o n.º CA 0010632, emitido em seu nome;

- um documento de agência de viagens, referente ao voo TP 193, para o percurso Lisboa - São Paulo de 12/08, e ao voo TP 196, para o percurso São Paulo - Lisboa, de 24/08;

- um canhoto de um bilhete aéreo em seu nome, válido para o percurso Belo Horizonte / Lisboa, de 25/08;

- um bilhete aéreo em seu nome, referente ao voo TP 201, de 26/08, para o percurso Lisboa - Bissau.

7. O produto estupefaciente acima referido, que o arguido tinha consigo, havia-lhe sido entregue em São Paulo, no Brasil, por um indivíduo de identidade não apurada, para que transportasse aquela substância, desde esse país, para a Guiné Bissau, passando por Lisboa, indo-a entregar a terceiro indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar.

8. O arguido tinha conhecimento de que transportava consigo cocaína, assim como da natureza estupefaciente dessa substância, e, mesmo assim, com o único intuito de auferir proventos pecuniários, quis fazê-lo, sendo que iria receber quantia não apurada pelo transporte efectuado.

9. O passaporte da República da Guiné Bissau, com o n.º CA ..., emitido em seu nome, na parte do respectivo impresso era verdadeiro.

10. Mas na parte do laminado que cobre a página biográfica e na linha de costura do caderno de folhas apresentava vestígios nítidos de manipulação.

11. Sendo que também na página identificativa do titular do passaporte foi colocada uma segunda impressão de carimbo em forma elíptica no campo «nome e cargo do funcionário que o concedeu».

12. Ao identificar-se perante as autoridades e ao viajar nos meios de transporte com o referido passaporte, queria o arguido fazer-se passar, como efectivamente veio a acontecer, por legítimo portador de documento que o habilitava para esse efeito, tendo perfeito conhecimento que tal documento oficial apenas pode ser emitido pelo serviço competente.

13. O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida por lei.

14. O arguido tem nacionalidade estrangeira e dedicou-se a actividade de transporte e guarda de drogas de particular perigosidade, constituindo a sua presença em território nacional um perigo para a saúde pública.

Mais se provou com interesse para a decisão do mérito:

15. O arguido nasceu na Guiné, sendo o segundo de cinco irmãos.

16. A sua infância foi acompanhada, essencialmente, pela mãe e família alargada, uma vez que o pai veio para Portugal, em busca de melhores condições de vida, numa altura em que o arguido era, ainda, muito pequeno.

17. Com 12 anos de idade, o arguido veio para Portugal, onde a mãe também já se encontrava, tendo integrado o agregado dos progenitores e continuado o seu processo de crescimento junto destes e dos irmãos.

18. O arguido iniciou a escolaridade no seu país, onde concluiu o 9.° ano de escolaridade.

19. Em Portugal, apesar de se ter chegado a matricular no liceu, nunca frequentou o ensino, ocupando os seus tempos livre na prática de basquetebol, numa primeira fase no Clube de Basquetebol de Albufeira, do qual transitou, ao fim de 2/3 anos, para o Imortal Basket, onde sempre apresentou comportamento adequado, tendo interrompido esta prática desportiva há cerca de dois anos atrás.

20. Com cerca de 15 anos, iniciou actividade laboral, que exerceu no Macdonald's, no sector da construção civil e numa empresa de manutenção de máquinas de bowlIing, que lhe proporcionou formação profissional na área e onde trabalhou apenas cerca de 6 meses.

21. Aos 18 anos estabeleceu uma relação de namoro, tendo chegado a permanecer na Dinamarca, país onde a sua namorada se encontrava a estudar, aquando do nascimento da filha de ambos, actualmente com 10 meses de idade.

22. No período que antecedeu a prática dos factos, que constituem objecto deste processo, o arguido integrava o agregado familiar de seus pais e irmãos, encontrando-se desempregado.

23. A namorada, de 21 anos, encontrava-se desempregada, estando a residir, com a filha de ambos, em casa dos seus pais, situação que se mantém, em tudo, inalterada.

24. O arguido conta com o apoio incondicional de seus pais e irmãos, agregado que pretende integrar no futuro imediato à reclusão, até conseguir a sua autonomia.

25. Todos os familiares directos do arguido, designadamente, pais, irmãos, filha e namorada, residem em Portugal, aqui tendo a sua vida centralizada.

26. O arguido foi condenado no processo sumário n.º 6/10.1 PCFAR do 1.º Juízo Criminal de Faro, por sentença datada de 28/01/2010, transitada em julgado em 01/03/2010, pela prática, em 22/01/2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo art. 292,° n,º 1 do Cód. Penal, na pena de 60 dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfez o montante global de € 300,00 (trezentos euros).

27. O arguido foi condenado no processo sumário n.º 65/10.7 PGAMD do Juízo de Pequena Instância Criminal da Amadora, da comarca da Grande Lisboa - Noroeste, por sentença datada de 05/03/2010, transitada em julgado em 05/04/2010, pela prática, em 19/02/2010, de um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo art. 3,° do D.L. n.º 2/98, de 03/01, na pena de 50 dias de multa, à razão diária de € 5,OO (cinco euros), o que perfez o montante global de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros).


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B) - MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

Da discussão da causa, não resultaram provados os seguintes factos constantes da acusação:

- que o passaporte da República da Guiné Bissau, emitido em nome do arguido, e de que este era detentor, a que é feita referência em 6., tivesse sido modificado por terceiros em alguns dos seus componentes;

- que as embalagens de cocaína, apreendidas na posse do arguido, a que é feita referência em 3. e 4., se destinassem a ser por este entregues a um indivíduo por si tratado pelo nome de "Fatumata";

- que, ao identificar-se perante as autoridades e ao viajar nos meios de transporte com o passaporte, a que é feita menção em 6., o arguido agiu de forma consciente e voluntária e com o intuito de, por meio de tal artifício, ludibriar as autoridades fiscalizadoras;

- que o arguido sabia que o passaporte apresentado, e modificado, não o habilitava a identificar-se por tal forma, com tal documento~ perante autoridades públicas e pessoas particulares, e que ao utilizá-lo visou obter e obteve para si um beneficio de circulação em Estados a que não tinha direito;

- que o arguido tinha perfeito conhecimento de que com a sua conduta abalava a credibilidade pública que o passaporte, enquanto documento autêntico de identificação, deve merecer;

- que o arguido não tenha quaisquer ligações ao nosso país;

-que o arguido desconhecia e existência de produto estupefaciente na bagagem que transportou até ao aeroporto de Lisboa;

- que a integridade física e até a vida do arguido se encontram ameaçadas, caso lhe seja aplicada a pena acessória de expulsão para a Guiné-Bissau.


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            Cumpre apreciar e decidir.

Inexistem vícios e nulidades de que cumpra conhecer nos termos dos nºs 2 e 3, respectivamente, do artº 410º do CPP.

Desde logo há que dizer que apenas o que consta da matéria fáctica provada determina, além da ilicitude, a sua consequência jurídico-penal, ou seja a medida concreta da pena.

São os factos apurados que convocam a subsunção jurídica.

            E, como salienta o recorrente na conclusão 22ª “O presente recurso prende-se única e exclusivamente com a medida da pena,(…)”

O recorrente não discute a ilicitude mas apenas a medida concreta da pena aplicada e pugna pela atenuação especial da pena, ou, caso assim se não entenda, que a mesma reduzida para mais próximo do limite inferior.

            Analisando

           

O recorrente convoca a aplicação do regime penal dos jovens delinquentes, com vista à atenuação especial da pena.

            A decisão recorrida equacionou a questão da aplicabilidade ao arguido do regime penal especial para jovens delinquentes, consagrado pelo DL nº 401/82 de 23/9, tendo considerado que:

“Relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art. 21.°, n.º 1 do D.L. n.º 15/93, de 22/01, a moldura penal abstracta é de 4 a 12 anos de prisão, sendo certo, porém, que, tendo o arguido AA, à data da prática dos factos, a idade de 19 anos (o arguido nasceu a 04/03/1992 - a este propósito, cfr. termo de identidade e residência, que integra fls.1O dos autos), há que ponderar a aplicação ao mesmo do regime especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, a que se referem o art. 9.° CP e o D.L. 401/82 de 23/09 - cfr. art. 1.°, n.º 2 deste segundo diploma legal.

A aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos; a aplicação é, em tais circunstâncias, tanto obrigatória, como oficiosa.

O juízo de avaliação da vantagem da atenuação especial da pena centra-se fundamentalmente em relação à importância que a mesma poderá ter no processo de socialização ou, dito por outra forma, na reinserção social do jovem.

Nesse juízo, a formular em face da moldura legal da pena aplicável, necessariamente que são valorados factores de medida da pena, nomeadamente a intensidade da ilicitude, mas considerando a sua relevância em termos de reinserção. Deve, pois, começar por se ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável. E, depois, o Tribunal só deverá aplicar a atenuação especial a jovens delinquentes quando tiver "sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes"

Não é de aplicar o regime dos jovens delinquentes ao arguido, que à data da prática dos factos tenha menos de 21 anos de idade, quando do conjunto dos actos por ele praticados e a sua gravidade desaconselham, em absoluto, a aplicação desse regime, por não se mostrar passível de prognose favorável à sua reinserção social.

No caso sub judice, percorrida a factualidade assente verifica-se que a conduta do arguido tem uma carga desvalorativa de nível tão elevado (relembre-se que está em causa o transporte transcontinental de cocaína, cujo peso líquido global excedia os 11 quilogramas, sendo a quantidade de cocaína apreendida suficiente para preparar, pelo menos, 56.217 doses individuais de tal substância estupefaciente) que seria muito difícil fundamentar a seriedade das razões que levariam o tribunal a crer que a atenuação especial conduziria a reais vantagens para a reinserção social do arguido, exigência iniludível para sustentar a aplicação do mecanismo jurídico atenuativo em discussão.

Acresce que as exigências de prevenção especial em relação a este arguido são elevadas, não tendo este demonstrado qualquer arrependimento pela sua conduta, não tendo confessado os factos, tendo em audiência de julgamento, demonstrado uma postura de indiferença pelas consequências dos seus actos.

Para além do que antecede, cumpre ainda proceder à análise do relatório social e do certificado de registo criminal, atinentes ao arguido, que, neste particular, devem ser considerados um elemento da maior relevância.

Desde já se adianta que, ponderadas as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação pessoal, traços essenciais de personalidade em formação), os referidos relatório e C.R.C. não permitem a formulação de um juízo de prognose benigno quanto às expectativas de reinserção do arguido.

A este respeito, importa ponderar que, anteriormente à prática do ilícito objecto dos presentes autos, o arguido já havia sido condenado, por sentença transitada em julgado em 01/03/2010, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez (perpetrado em 22/01/2010), e, por sentença transitada em julgado em 05/04/2010, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal (perpetrado em 19/02/2010).

Como se deduz dos factos provados nos n.os 15. a 24. da matéria de facto, cumpre, igualmente, ponderar que, depois de vir para Portugal, o arguido manifestou dificuldade de adesão à actividade escolar, pelo que, apesar de se ter chegado a matricular no liceu, nunca frequentou o ensino. Aquando da sua detenção, o arguido encontrava-se totalmente desocupado, integrando o agregado familiar dos progenitores.

De tudo o que antecede é possível concluir que o arguido denota uma personalidade que não se mostra sensível à aceitação dos valores dominantes e tutelados pelo direito penal, nem, tão pouco, é dotado de qualquer capacidade de auto-censura.

Entende-se, pois, existirem fortes razões para duvidar da possibilidade de reinserção deste arguido, contendo o relatório social indicações que permitem concluir pela afirmação de um quadro global que afasta um juízo de ponderação favorável sobre as vantagens da atenuação especial da pena para a reinserção social do mesmo.

Por tudo o exposto, entende-se que não se verificam os pressupostos de aplicação do D.L. n.º 401/82, não se encontrando o arguido em condições de beneficiar da atenuação especial da pena prevista pelo artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23/09, e artigo 73.°, n.º 1, aIs. a) e b) e n.º 2 do Código Penal.

            Mostra-se correcta a análise transcrita, que é de acolher, com a ressalva de que não pode valorar-se a inexistência de confissão, e de arrependimento, pois como é de lei, o arguido não é obrigado a prestar declarações sobre o objecto do processo, “e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo.”- artº 343º nº 1 do CPP., e também não consta da matéria de facto provado qualquer alusão à inexistência de arrependimento.

O artº 4º do Decreto-Lei nº 401/82 de 23 de Setembro  - regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos - determina  que, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.

Essas «sérias razões» não ocorrem de forma automática; outrossim, devem resultar de factos que tornem viável tal conclusão, que fundamentem a existência de um juízo de prognose favorável à reinserção social do condenado.

A idade integrante da aplicação da atenuação especial constante do regime especial para jovens, é juridicamente relevante apenas como pressuposto formal de aplicação desse regime, uma vez que, o mesmo regime, tem como pressuposto material, a existência de «sérias razões» que levem o julgador a concluir que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do condenado, não constituindo aquela idade por si só, uma séria razão nos termos da referida dogmática legal.

Há pois, um poder-dever, uma obrigação legal do julgador de, oficiosamente, proceder à averiguação dos pressupostos da aplicação da atenuação especial da pena, devendo apreciar, em cada caso concreto, a natureza e, modo de execução do crime, seus motivos determinantes, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime.

            O Decreto-Lei nº 401/82 de 23 de Setembro, ao instituir um direito mais reeducador do que sancionador, não esqueceu, porém, que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e, por isso, não excluiu a aplicação de pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade.(v. nºs 4 e 7º do preâmbulo do diploma.)

Não é caso de aplicação do regime especial constante do Dec-Lei 401/82 referido, quando a personalidade manifestada, o modo de execução e motivos determinantes do crime, a natureza deste e, a conduta posterior ao crime, demonstram inexistirem razões sérias para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. (v.v.g., entre outros, acórdão de 31 de Outubro de 2007, deste Supremo Tribunal e desta 3ª Secção, in proc nº 3484/07)

Perante a personalidade manifestada, atenta a gravidade do crime – com apenas 19 anos de idade aceitou trazer de S. Paulo, Brasil, para a Guiné Bissau, passando por Lisboa mais de 11 quilogramas de estupefaciente, considerado droga dura, cocaína -, e o seu modo de execução (escondida em 4 malas), a conduta anterior ao crime (O arguido já havia sido condenado no processo sumário n.º 6/10.1 PCFAR do 1.º Juízo Criminal de Faro, por sentença datada de 28/01/2010, transitada em julgado em 01/03/2010, pela prática, em 22/01/2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. p. pelo art. 292,° n,º 1 do Cód. Penal,  e no processo sumário n.º 65/10.7 PGAMD do Juízo de Pequena Instância Criminal da Amadora, da comarca da Grande Lisboa - Noroeste, por sentença datada de 05/03/2010, transitada em julgado em 05/04/2010, pela prática, em 19/02/2010, de um crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3,° do D.L. n.º 2/98, de 03/01; em Portugal; apesar de se ter chegado a matricular no liceu, nunca frequentou o ensino; não assumiu actividade laboral estável; andou por diversos locais distantes da sua residência; antes da prática dos factos integrava o agregado familiar de seus pais e irmãos, encontrando-se desempregado), e motivos determinantes deste (o arguido tinha conhecimento de que transportava consigo cocaína, assim como da natureza estupefaciente dessa substância, e, mesmo assim, com o único intuito de auferir proventos pecuniários, quis fazê-lo, sendo que iria receber quantia não apurada pelo transporte efectuado.), e a inexistência de conduta posterior abonatório de juízo de prognose favorável (não vem provado que pretenda esforçar-se por qualquer projecto de vida honesta após a reclusão, sendo certo que apenas vem provado que o arguido conta com o apoio incondicional de seus pais e irmãos, agregado que pretende integrar no futuro imediato à reclusão, até conseguir a sua autonomia, situação esta que já existia anteriormente, pois que, integrava o agregado familiar de seus pais e irmãos, encontrando-se desempregado), inexistem razões, de forma séria, para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado, não sendo, por isso, caso de atenuação especial da pena,

A idade do arguido entra em linha de conta na determinação da medida concreta da pena como atenuante geral, face à imaturidade e inexperiência da vida que essa idade representa, e que contribui para atenuar, em termos gerais, a intensidade do juízo de censura.


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Sobre a medida concreta da pena:

Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (Figueiredo Dias in Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo, , Proc. n.º 2555/06- 3ª)


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            A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal.
Escrevia CESARE BECARIA –Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38, sobre a necessidade da pena que “Toda a pena que não deriva da absoluta necessidade – diz o grande Monstesquieu – é tirânica.”  (II); - embora as penas produzam um bem, elas nem sempre são justas, porque, para isso, devem ser necessárias, e uma injustiça útil não pode ser tolerada pelo legislador que quer fechar todas as portas à vigilante tirania...” (XXV)
Mas, como ensinava EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16, “Ao contrário do que pretendia Beccaria, uma violação ou perigo de violação de bens jurídicos não pode desprender-se das duas formas de imputação subjectiva, da responsabilidade, culpa ou censura, que lhe correspondem.
E neste domínio tem-se verificado uma evolução que seguramente não nos cabe aqui, nem é possível, desenvolver.
Essa solução está, de resto, ligada ao quadro que se vem tendo do homem, às necessidades da sociedade que o integra, aos fins das penas a que se adira e à solidariedade que se deve a todos, ainda que criminosos.”

            As penas como instrumentos de prevenção geral são “instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução”, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar (v. FIGUEIREDO DIAS, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001,p. 84)

Ensina o mesmo Ilustre Professor  –As Consequências Jurídicas do Crime, §55 - que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’”

Por outro lado, a pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais. Porém, “não constitui todavia por si mesma uma finalidade autónoma de pena apenas podendo” surgir como um efeito lateral (porventura desejável) da necessidade de tutela dos bens jurídicos.” (Figueiredo Dias, Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996,, p. 118)

“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, Temas Básicos…, p. 117,  121):

Tal desiderato sobre as penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do Código Penal, estabelecendo contudo, o nº 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
            O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal.

O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa  relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.

Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa  (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – in ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”

Ou, e, em síntese: “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- idem, ibidem p. 109 e ss.

É no âmbito do exposto, que este Supremo Tribunal vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal.

As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.
            O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

O n ° 2 do artigo 71º do Código Penal, estabelece, que:

Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência:

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

            Referiu a decisão recorrida quanto à determinação da medida concreta da pena:

“Os factos dados como provados integram a prática, pelo arguido AA, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art. 21.°, n.o 1 do D.L. n.o 15/93, de 22/01, a que corresponde a penalidade de 4 anos a 12 anos de prisão.

É dentro desta moldura penal, que há que proceder à determinação da medida concreta (judicial ou individual) da pena, determinação esta a fazer em função da culpa e das exigências de prevenção, entendida esta como prevenção geral positiva ou de integração.

No caso vertente, a actuação do arguido AA perfila-se como a de um vulgar "correio de droga", sem o domínio do facto, no sentido de ser ele, em concreto, o dono do produto estupefaciente que lhe foi apreendido.

Ora, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/09/2010, relatado por José Simões de Carvalho, disponível em INTERNET, http://www.dgsLpt/itrl, "é sabido que, por regra, os correios de droga são seduzidos tão só pelo móbil económico, não resistindo à tentação de angariar dinheiro com um simples transporte, apesar dos inerentes riscos a tal actividade.

Nessa medida, se é lícito concluir que um correio de droga não é um traficante no sentido vulgar do termo, ou seja, não é a pessoa que detém o domínio da actividade criminosa, importa contudo não olvidar que sem correios era de todo impossível a formação de organizações de narco-tráfico.

Para que uma organização de tráfico de estupefacientes se estabeleça, ou mesmo, para que o comércio de tais produtos possa ultrapassar fronteiras e desenvolver-se em latitudes bem mais vastas dos meros territórios em que se produzem, é absolutamente indispensável a angariação de pessoas que se disponham a transportá-los, ainda que com o risco das próprias vidas - como é o caso do arguido que transportava a droga no interior do seu organismo - e de outras que assumam a tarefa de os distribuir pelas rotas e mercados oportunamente escolhidos.

Só assim se conseguem criar os núcleos de comércio que tornem a actividade de tráfico de estupefacientes tão criminosamente apetecível, atentos os enormes lucros por si gerados".

No caso particular do crime de tráfico de estupefacientes são acentuadas as exigências reclamadas pela prevenção geral, pois, como é sabido, o custo social e económico derivado do tráfico e consequentemente do consumo de droga, designadamente a cocaína e heroína, é acentuado, já que essa actividade continua a ser um dos flagelos da actualidade, que urge combater com firmeza, dado os crimes e violência que origina e erosão dos valores que provoca, sendo, por isso, muito acentuada a necessidade de prevenir e reprovar a prática de crimes desta natureza. Trata-se de um crime de acentuada danosidade social.

Tendo presentes as considerações expostas e ponderando as circunstâncias enunciadas no art. 71.°, n.º 2 do Cód. Penal, há que ponderar:

- o dolo é directo e adequado à dinâmica deIitiva;

- o grau de ilicitude do facto é acentuado, uma vez que, apesar de o arguido  AA ser um mero "correio", este representa um papel fundamental na cadeia de comercialização do tráfico de estupefacientes, pois é graças aos "correios" que aos grandes traficantes é possível fazer circular com facilidade parte do produto estupefaciente que comercializam e fazê-lo à escala mundial (desde ir buscar o produto à sua origem até conseguir a sua entrega em lugar distante), não sendo, portanto, de desvalorizar o papel daqueles que para obter "dinheiro fácil" aceitam realizar semelhante tarefa;

- não se pode, igualmente, esquecer, que o arguido se preparava para introduzir no mercado português quantidade muito considerável de estupefaciente - 11.243,401 gramas de cocaína, quantidade esta que excede, largamente, a quantidade de cocaína que usualmente é transportada pelos indivíduos que se dedicam a tal actividade (que, apenas em situações episódicas, ultrapassa o peso de 3.000,00 gramas), suficiente para o abastecimento de muitas centenas, ou até mesmo de alguns milhares de consumidores, manifestando o arguido, ao assim proceder, elevada insensibilidade pelo destino trágico de tantos jovens, responsáveis, por força do preço da sua dependência, pela sua própria degradação física e moral e pela vaga de crimes contra o património que tanto alarme social causa aos demais cidadãos, encontrando-se o arguido bem ciente de que, com a sua actividade, poderia proporcionar a outrem avultada compensação económica;

- a especial perigosidade do produto estupefaciente transportado pelo arguido (conhecida por "droga dura", pela dependência física e psíquica que cria);

- as exigências de prevenção especial, decorrentes, desde logo, da quantidade deveras significativa de cocaína transportada pelo arguido, o que denuncia uma particular ilicitude e insinua um acentuado juízo de censura;

- o arguido não confessou os factos, nem manifestou qualquer arrependimento pela sua prática, tendo adoptado, em audiência de julgamento, uma postura de total indiferença em relação a tal comportamento;

- o arguido não tem antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza daqueles que constituem objecto dos presentes autos, reportando-se os seus antecedentes criminais à prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e à prática de um crime de condução sem habilitação legal.

São prementes aqui as exigências de prevenção, quer do ponto de vista da prevenção geral (de integração e de intimidação), quer no que respeita à prevenção especial de socialização, sendo ponderável em desfavor do arguido o motivo determinante da acção, a obtenção de lucro, que merece censura através da aplicação da pena.

Deste modo, e considerando todas as envolventes do comportamento do arguido, tendo em conta as exigências de reprovação e prevenção da prática de futuros crimes e os demais factores estabelecidos no art.o 71.° do Código Penal, face ao quadro punitivo aplicável, que se situa entre o mínimo de 4 anos e o máximo de 12 anos, entende-se adequada a aplicação ao arguido de uma pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão, a qual não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas (art. 18.°, n.o 2 C.R.P.), nem as regras da experiência, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassa a medida da culpa do arguido, mostrando-se proporcional e adequada a uma linha uniforme e coerente na penalização dos correios aéreos de tráfico internacional de droga. ”

Tendo em conta:

A gravidade da ilicitude e modo de execução: face à natureza e quantidade do estupefaciente que transportava consigo: - mais de dez quilos de cocaína.

 O arguido. trazia consigo, escondidas numa mala de viagem, 98 (noventa e oito) embalagens de cocaína, com o peso líquido total de 1.161,257.

 Em três outras malas, na estrutura das respectivas bolsas, também transportava consigo 178 (cento e setenta e oito) peças de madeira, contendo cocaína no seu interior, com o peso líquido total de 10.082,144 gramas.

         Tal quantidade de cocaína seria suficiente para preparar, pelo menos, 56.217 (cinquenta e seis mil, duzentos e dezassete) doses individuais, de tal substância

A forte intensidade do dolo:- O arguido tinha conhecimento de que transportava consigo cocaína, assim como da natureza estupefaciente dessa substância, e, mesmo assim, com o único intuito de auferir proventos pecuniários, quis fazê-lo,

O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida por lei.

Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram: - O arguido agiu com o único intuito de auferir proventos pecuniários, sendo que iria receber quantia não apurada pelo transporte efectuado.

O produto estupefaciente acima referido, que o arguido tinha consigo, havia-lhe sido entregue em São Paulo, no Brasil, por um indivíduo de identidade não apurada, para que transportasse aquela substância, desde esse país, para a Guiné Bissau, passando por Lisboa, indo-a entregar a terceiro indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar.

O arguido AA tinha, ainda, consigo:

- um passaporte da República da Guiné Bissau, com o n.º CA 0010632, emitido em seu nome;

- um documento de agência de viagens, referente ao voo TP 193, para o percurso Lisboa - São Paulo de 12/08, e ao voo TP 196, para o percurso São Paulo - Lisboa, de 24/08;

- um canhoto de um bilhete aéreo em seu nome, válido para o percurso Belo Horizonte / Lisboa, de 25/08;

- um bilhete aéreo em seu nome, referente ao voo TP 201, de 26/08, para o percurso Lisboa - Bissau.

            A condição pessoal do arguido e sua situação económica: -

            O arguido nasceu na Guiné, sendo o segundo de cinco irmãos.

A sua infância foi acompanhada, essencialmente, pela mãe e família alargada, uma vez que o pai veio para Portugal, em busca de melhores condições de vida, numa altura em que o arguido era, ainda, muito pequeno.

Com 12 anos de idade, o arguido veio para Portugal, onde a mãe também já se encontrava, tendo integrado o agregado dos progenitores e continuado o seu processo de crescimento junto destes e dos irmãos.

O arguido iniciou a escolaridade no seu país, onde concluiu o 9.° ano de escolaridade.

Em Portugal, apesar de se ter chegado a matricular no liceu, nunca frequentou o ensino, ocupando os seus tempos livre na prática de basquetebol, numa primeira fase no Clube de Basquetebol de Albufeira, do qual transitou, ao fim de 2/3 anos, para o Imortal Basket, onde sempre apresentou comportamento adequado, tendo interrompido esta prática desportiva há cerca de dois anos atrás.

Com cerca de 15 anos, iniciou actividade laboral, que exerceu no Macdonald's, no sector da construção civil e numa empresa de manutenção de máquinas de bowlIing, que lhe proporcionou formação profissional na área e onde trabalhou apenas cerca de 6 meses.

Aos 18 anos estabeleceu uma relação de namoro, tendo chegado a permanecer na Dinamarca, país onde a sua namorada se encontrava a estudar, aquando do nascimento da filha de ambos, actualmente com 10 meses de idade.

No período que antecedeu a prática dos factos, que constituem objecto deste processo, o arguido integrava o agregado familiar de seus pais e irmãos, encontrando-se desempregado.

A namorada, de 21 anos, encontrava-se desempregada, estando a residir, com a filha de ambos, em casa dos seus pais, situação que se mantém, em tudo, inalterada.

O arguido conta com o apoio incondicional de seus pais e irmãos, agregado que pretende integrar no futuro imediato à reclusão, até conseguir a sua autonomia.

Todos os familiares directos do arguido, designadamente, pais, irmãos, filha e namorada, residem em Portugal, aqui tendo a sua vida centralizada.

            A conduta anterior e posterior aos factos: – O arguido foi condenado no processo sumário n.º 65/10.7 PGAMD do Juízo de Pequena Instância Criminal da Amadora, da comarca da Grande Lisboa - Noroeste, por sentença datada de 05/03/2010, transitada em julgado em 05/04/2010, pela prática, em 19/02/2010, de um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo art. 3,° do D.L. n.º 2/98, de 03/01, na pena de 50 dias de multa, à razão diária de € 5,OO (cinco euros), o que perfez o montante global de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros

Tendo ainda em conta que

São fortes as exigências de prevenção geral no combate ao crime de tráfico que, de forma contínua, continua a persistir na sociedade contemporânea, sendo um factor pernicioso de descalabro social pelas consequências nefastas que potencia a nível do ser e do agir na sã convivência comunitária.

Embora os chamados “correios de droga”, como é o caso do arguido, sejam meios transmissores dos traficantes na entrega do produto, uma espécie de elo mais fraco no negócio do narcotráfico, a nível da disseminação pela distribuição do produto estupefaciente pelo mundo, há, contudo, que não olvidar, como já escrevemos, em outras ocasiões, por ex no acórdão que julgou o recurso nº 2838/08 deste Supremo e desta Secção, que: - “Os chamados correios de droga, embora sejam meros agentes de transporte de estupefacientes, por conta de outrem, não são vítimas do sistema criminoso, outrossim, assumem uma função preponderante na violação do bem jurídico, permitindo e incrementando o negócio do tráfico, uma vez que de forma consciente e, intencional, transportam a droga, do fornecedor ao destinatário, permitindo assim o escoamento do produto.

 Sem consumo, sem escoamento, a produtividade emperra, e o produto tem de ficar em stock, a produção não dá lucro, e o negócio do tráfico fica sem viabilidade.”

Como se referiu no o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 05.11.2003, Processo 03P2638, “ “Correios de droga” são todos os que, atravessando fronteiras, transportam estupefacientes ou, dentro do próprio país, o fazem de um local para o outro, conquanto não pertençam à organização criminosa.

O “correio de droga” tem um papel muito importante na disseminação de estupefacientes, que muito poderia concorrer para a sua erradicação, por isso que não pode reclamar tratamento de excessiva benevolência, sem embargo de a comunidade internacional estar atenta ao seu papel, começando a esboçar-se o propósito de se assinar uma Convenção precisando o seu estatuto.” ( www.dgsi.pt)

Por outro lado, as exigências de socialização ínsitas à prevenção especial, face á motivação do arguido e circunstâncias de actuação são prementes, com vista a dissuadir a reincidência, sendo certo que não havia razão compreensível para a actuação do arguido, uma vez que embora desempregado, encontrava-se integrado no agregado familiar de seus pais e irmãos e todos os familiares directos do arguido, designadamente, pais, irmãos, filha e namorada, residem em Portugal, aqui tendo a sua vida centralizada.

Considerando que moldura penal abstracta oscila entre 4 e 12 anos de prisão nos termos do artº 21º nº 1 do Dec-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro e, tendo também em conta, a jurisprudência deste Supremo relativa a penas concretas aplicadas aos chamados “correios de droga” conclui-se, atenta o limite definido pela culpa intensa do arguido, que a pena aplicada não se revela excessiva, nem desproporcional, outrossim, se revela benévola, face à elevada quantidade e natureza da droga transportada, mas que não se pode alterar, por não ter havido recurso sobre a agravação da mesma e, por isso, atento, aliás,  o princípio de proibição de reformatio in pejus, é de manter.

O recurso não merece provimento.


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Termos em que decidindo:

Acordam os deste Supremo – 3º Secção – em negar provimento ao recurso e mantêm o acórdão recorrido.

Tributam o recorrente em 6 Ucs de taxa de justiça.

Supremo Tribunal de Justiça, 24 de Outubro de 2012

                                   Elaborado e revisto pelo relator

                                               Pires da Graça (Relator)

                                               Raul Borges