Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
97A334
Nº Convencional: JSTJ00032071
Relator: FERNANDO FABIÃO
Descritores: PODER DISCRICIONÁRIO DO TRIBUNAL
COMODATO
RESTITUIÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
ANALOGIA
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
ERRO
QUALIFICAÇÃO
PEDIDO
EFEITOS
TESTEMUNHA
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
PRAZO
CONTRATO
Nº do Documento: SJ199706260003341
Data do Acordão: 06/26/1997
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 7841/93
Data: 12/12/1996
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT / DIR REAIS.
DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 1129 ARTIGO 1135 ARTIGO 1137 N1 N2 ARTIGO 1140 ARTIGO 1192 N1 ARTIGO 1311 N2.
CPC67 ARTIGO 661 N1 ARTIGO 664.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1995/11/28 IN CJSTJ ANOIII TIII PAG126.
ACÓRDÃO STJ DE 1993/09/29 IN BMJ N429 PAG807.
ACÓRDÃO RP DE 1984/01/26 IN CJ ANOIX TI PAG231.
ACÓRDÃO RP DE 1991/06/06 IN CJ ANOXVI TIII PAG246.
ACÓRDÃO RP DE 1994/01/11 IN CJ ANOXX TII PAG173.
ACÓRDÃO STJ DE 1994/03/17 IN BMJ N435 PAG805.
ACÓRDÃO RC DE 1979/03/13 IN BMJ N289 PAG384.
ACÓRDÃO STJ DE 1992/06/17 IN BMJ N418 PAG710.
Sumário : I - A faculdade que o tribunal tem de ouvir pessoa não oferecida como testemunha enquadra-se no exercício de um poder discricionário.
O despacho que admite tal faculdade mas não faz uso dela não admite recurso, nos termos do artigo 679 n. 1 do CPC67.
II - O "uso determinado" a que alude o artigo 1137 n. 1 do CCIV66 é só aquele em que se delimita a necessidade temporal que o comodatário visa satisfazer.
III - O artigo 1140 do CCIV66 é aplicável, por interpretação extensiva ou por maioria de razão, ao caso de se não ter convencionado prazo para o comodato e não decorrer o tempo necessário para o uso concedido.
IV - O erro de qualificação jurídica do pedido pode e deve ser corrigido pelo julgador, sem que haja ofensa do princípio dispositivo consagrado no artigo 664 do CPC67.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Na Comarca de Lisboa, A propôs contra B e mulher C a presente acção com processo ordinário, na qual pediu que os réus fossem condenados a) a reconhecer que pertencem ao autor, como único proprietário, as áreas coberta e descoberta identificadas nos artigos 17, 28 e 41 da petição, b) a entregarem ao autor essas áreas, livres e desembaraçadas, c) a desfazerem as obras nelas realizadas e indicadas no artigo 18, nos termos do artigo 1341 do Código Civil, d) a pagarem-lhes a quantia de 15755255 escudos, a título de indemnização e o que se liquidar em execução de sentença, indicados no artigo 63 da petição,
Subsidiariamente, pediu que os réus fossem condenados a') a reconhecer que as mesmas obras pertencem ao autor, segundo o n. 3 do artigo 1340 do Código Civil e ainda, segundo as anteriores alíneas a), b) e d).
Para tanto, articulou os factos inerentes ao domínio e às construções abusivamente feitas pelo réu, salvo numa pequena parte, e à extensão dos prejuízos sofridos por que são responsáveis ambos os réus.
Na sua contestação-reconvenção, os réus começaram por dizer que o autor autorizou as construções feitas, impugnando assim o articulado pelo autor, e, reconvencionado, afirmam ter adquirido por acessão industrial imobiliária o terreno onde as construções foram feitas e terminaram pedindo a improcedência da acção e a procedência da reconvenção.
Com o reconhecimento do seu domínio sobre a parcela de terreno por eles ocupada e com a condenação do autor no pagamento de 20000 contos de indemnização pelos prejuízos por eles sofridos pela actuação do autor em coarctar o exercício da posse deles e juros à taxa legal, a liquidar em execução de sentença; pediram ainda a condenação do autor em 2000 contos de indemnização como litigante de má fé.
A seguir, veio o autor deduzir um articulado superveniente relativo a duas novas construções feitas pelos réus, à qual os réus responderam.
O autor respondeu à excepção deduzida na contestação e ao pedido reconvencional, pedindo a improcedência daquela e a inadmissibilidade deste pedido ou, não se entendendo assim, a sua improcedência.
Houve ainda tréplica dos réus, onde estes concluíram como na contestação.
Falecido o autor, foram habilitados como seus sucessores D, E, F E G.
No saneador foi julgada improcedente a excepção da caducidade da acção, foi admitido o pedido reconvencional e também o articulado superveniente.
Foram organizados a especificação e o questionário, de que os autores reclamaram com êxito parcial.
Foi indeferido um requerimento em que a autora E pedia que a acção se considerasse proposta também por seu marido.
Prosseguiu o processo a tramitação legal, até que, feito o julgamento (neste houve reclamação dos réus das respostas aos quesitos) e após alegação de direito dos réus, foi proferida sentença, a qual
- absolveu os autores do pedido reconvencional,
- reconheceu o direito de propriedade aos autores sobre todas as áreas ocupadas pelos réus na Quinta Grande,
- e condenou os réus a entregarem aos autores as parcelas de terreno que ocupam, a desfazerem as obras ali realizadas e a pagarem a indemnização a liquidar em execução de sentença pelos danos sofridos pelos autores por não poderem utilizar o aterro.
Desta sentença apelaram os réus, mas a Relação negou provimento a este recurso.
Do acórdão interpuseram os réus recurso de revista, os quais, na sua alegação, concluíram assim:
I - o único sentido razoável do requerimento de folhas
148 é o de pedido de audiência das testemunhas dos réus, cujo rol fora junto por lapso ao apenso B, lapso este - erro de escrita ou na declaração - não impedia a rectificação, e permanece sem fundamentação o seu indeferimento;
II - o senhor juiz despachou sobre essa matéria de forma pouco clara e deu sinais de que poderia ouvir as testemunhas dos réus, com base no artigo 645 do Código de Processo Civil, certo sendo que o poder atribuído por esta norma não é faculdade mas antes poder dever, quando a desigualdade de armas probatórias entre as partes é substancial, para além de que também a verdade material, que a sentença deve alcançar, é incindível dos factos articulados pelos réus e incluídos no questionário, sobre os quais afinal nenhuma testemunha foi ouvida;
III - por outro lado, o terreno em causa foi cedido por comodato em que foi acordado destiná-lo a depósito de madeiras serradas e nele foi autorizada a construção duma barraca de 4,5 x por 8,5 metros demolível e não amovível;
IV - não foi estipulado qualquer prazo para este acto nem se provou que este tenha cessado;
V - para obter a restituição do terreno não bastava, portanto, ao comodante interpelar o comodatário para se retirar do mesmo;
VI - é que todas as demais construções feitas pelo réu no terreno total ocupam uma parte mínima de sua área - e são desmontáveis, o que não configura qualquer uso ilícito;
VII - não se apurou, no entanto, a área do terreno cedido pelo comodato em que foram implantadas, pelo menos cinco delas;
VIII - a utilização do terreno para depósito de outros materiais de construção civil corresponde a um desenvolvimento normal do destino previsto no comodato, qualitativamente são devem do ponto de vista económico e conforme à sua função normal;
IX - este uso do terreno não impediu o autor de nele empreender alguma actividade económica que o destino inicialmente acordado não impedisse;
X - um qualquer destino económico o comodante lhe teria dado até hoje se o comodato não tivesse existido;
XI - o comodante não podia ignorar o crescimento físico e económico do comércio do réu e nunca lhe deu qualquer sinal de oposição durante largos anos;
XII - assim sendo, essa alteração parcial do uso do terreno cedido não deve constituir justa causa de resolução do contrato.
XIII - porque assim não foi decidido, o acórdão recorrido violou os artigos 13 e 20 da Constituição,
236 e seguintes do Código Civil, 249 (ou 247) do Código Civil, 688, n. 1 alínea b) do Código de Processo Civil, 3., 264 n. 3 e 648 do Código de Processo Civil, 1137, 1138 alínea c), 1131, 1140 e 334 do Código Civil, pelo que, nos termos do artigo 729 do Código de Processo Civil deve revogar-se o acórdão recorrido e ordenar-se a baixa do processo para produção da prova testemunhal dos réus, ou, não se entendendo assim, aplicando o direito aos factos apurados.
Na sua contra-alegação, os recorridos pugnaram pela confirmação do acórdão.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Vêm provados os factos seguintes.
1 - o autor A, agora representado pelos seus referidos herdeiros habilitados, é o legítimo proprietário do prédio misto denominado Quinta
Grande, sito no Largo dos Defensores da República, à Estrada das Amoreiras, Charneca, Lisboa, descrito na 2.
Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n. 22819 a folhas 107 do Livro B.74, e inscrito nas respectivas matrizes sob os artigos 25 rústico) e 12 (urbano);
2 - em 2 de Junho de 1982, o autor autorizou o réu B a construir no referido prédio uma barraca demolível, com a dimensão de 4,5 metros x 8,5 metros, no terreno que lhe cederam gratuitamente para depósito de madeiras serradas;
3 - os réus construíram, pelo menos, 5 estruturas
(edifícios) no terreno cedido pelo autor;
4 - em 9 de Janeiro de 1988, os ora autores E e F embargaram a obra de construção dum armazém pré-fabricado, com pilares metálicos chumbados a uma viga de fundação, com cobertura em canas metálicas cobertas e chapas onduladas acrílicas e metálicas, embargo que veio a ser judicialmente ratificado em 2 de Fevereiro de 1988;
5 - de tempos a tempos, os réus entregam ao autor quantias, a título gratuito e numa base de boa vizinhança;
6 - o réu nunca pediu ao autor autorização para usar mais que os 38,25 metros quadrados cedidos por este nem o autor lhe deu tal autorização;
7 - desde 1975 que o autor se ausenta com frequência, acompanhado por uma mulher;
8 - os réus construíram nove edifícios ocupando uma
área de cerca de 1400 metros quadrados;
9 - as edificações foram implantadas numa zona de aterro;
10 - os réus obtiveram uma área descoberta com cerca de
6000 metros quadrados, que utilizam para estaleiro de materiais de construção;
11 - todo o terreno vale, pelo menos, 30000000 escudos;
12 - pela colocação de cada metro cúbito de terra, as pessoas pagariam 100 escudos;
13 - a área ocupada pelos réus podia ser arrendada por valor não inferior a 200000 escudos mensais;
14 - posteriormente à propositura desta acção, os réus efectuaram mais construções.
Sobre o requerimento dos réus, de folhas 148, a pedir a audição de testemunhas na audiência de julgamento, recaiu o despacho do juiz, a folhas 155, a dizer: "Os autores têm razão, pois os réus deixaram passar o prazo para apresentar o rol de testemunhas. De qualquer forma, fique nos autos o rol agora apresentado, para que seja possível em audiência, caso se torne necessário, utilizar a faculdade do artigo 645 do
Código de Processo Civil".
Como é fácil de ver, este despacho contém duas partes decisórias, uma a não admitir o rol de testemunhas por ter sido apresentado fora do prazo e outra a admitir a possibilidade de, em caso de necessidade, as ouvir, todas ou alguma, ao abrigo do disposto no artigo 645 do
Código de Processo Civil.
Sucede que os réus não agravaram da primeira parte do despacho, a que não admitiu o rol de testemunhas.
Mas o mesmo sucedeu quanto à segunda parte do despacho, a que admitiu a possibilidade de as testemunhas serem ouvidas, se necessário, na audiência de julgamento, pois que, após o tribunal ter dado por finda a inquirição das testemunhas, os réus não agravaram da não inquirição dessas testemunhas, ao abrigo do dito artigo 645, e só falaram no assunto na alegação do recurso de apelação da sentença.
Aliás, desta segunda parte do despacho não era admissível recurso nos termos da 2. parte do n. 1 do artigo 679 do Código de Processo Civil.
Com efeito, como logo resulta do texto legal - pode o tribunal - a faculdade que o tribunal tem de ouvir pessoa não oferecida como testemunha enquadra-se no exercício de um poder discricionário, na medida em que se devem considerar despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário aqueles que são determinados pelo próprio juiz livremente, sem quaisquer limitações subjectivas ou objectivas, ao abrigo de uma norma que lhe confira uma ou mais alternativas de opção, entre as quais o juiz deve escolher em seu prudente arbítrio e em atenção a um certo fim, o que se verifica no presente caso (v. acórdão do S.T.J. de 28 de Novembro de 1995, C.J. do Sup. 1995, Tomo III, 126, que teve o mesmo relator, o qual incidiu sobre o lugar paralelo do artigo 264 n. 3 do Código de Processo Civil).
Nesta conformidade, ficam respondidas as conclusões I e
II da alegação de recurso e arrumada a questão nelas versada, por trânsito em julgado da 1. parte do dito despacho e pela irrecorribilidade da sua segunda parte.
Os recorrentes, nas conclusões VI, VII, VIII, IX, X e
XI, apoiam-se em factos que não vêm provados, pelo que se deixará de apreciar tudo o que com base neles afirmaram ou argumentaram.
As partes aceitaram a existência de um contrato de comodato, que, no dizer do artigo 1129 do Código Civil,
é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega
à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir.
Todavia, tal contrato, no presente caso, teve apenas por objecto o terreno supra aludido no n. 2, ou seja, o terreno necessário para a construção de uma barraca demolível, com a dimensão de 4,5 metros x 8,5 metros (o que dá uma área de 38,25 metros quadrados, segundo até consta acima do n. 6), e para depósito de madeiras serradas, como resulta dos factos provados e supra inseridos nos ns. 2 e 6.
Significa isto não ter havido contrato de comodato relativamente ao terreno que os réus vieram a ocupar com outras construções ou tão somente como estaleiro de materiais de construção.
Assim, no tocante ao terreno que não foi objecto de contrato de comodato, os réus não podem apoiar-se neste contrato para obstar à restituição desse terreno e ao desfazer das obras nele efectuadas, pois que, por outro lado, não provaram nem alegaram qualquer relação que lhes confira a posse ou a detenção dele, nos termos do n. 2 do artigo 1311 do Código Civil.
Nesta ordem de ideias, apenas há que apreciar se os réus estão obrigados a restituir o terreno com a área de 38,25 metros quadrados e a desfazer a barraca nele assente, o que constituiu o objecto do comodato.
O artigo 1137 do Código Civil dispõe:
1. Se os contraentes não convencionaram prazo certo para a restituição de coisa, mas esta foi emprestada para uso determinado, o comodatário deve restituí-la ao comodante logo que o uso finde, independentemente de interpelação.
2. Se não foi convencionado prazo para a restituição nem determinado o uso da coisa, o comodatário é obrigado a restituí-la logo que lhe seja exigida.
O caso sub-judice é de subsumir no n. 2 deste artigo.
Na verdade, é indiscutível que não foi convencionado prazo para a restituição da coisa.
Mas também não foi determinado o uso da coisa, já que a tal não equivale o dizer-se que o terreno foi cedido para depósito de madeiras serradas.
É que se vem entendendo que o uso só é determinado quando se delimita a necessidade temporal que o comodatário visa satisfazer, pelo que não se pode considerar como determinado o uso de certa coisa se não se ficar a saber quanto tempo ela vai durar, ou seja, um uso genérico e abstracto que pode subsistir indefinidamente, pois que, de contrário, se atingiria a própria noção do contrato dada pelo artigo 1129 do
Código Civil, de que faz parte a obrigação de restituir a coisa entregue, o que revela o carácter temporal do uso (Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, volume II, 440; Vaz Serra, R.L.J. 114, 21 e 22; acórdão do S.T.J. de 29 de Setembro de 1993, B.M.J. 429, 807; acórdãos da Relação do Porto de 26 de Janeiro de 1984,
6 de Junho de 1991, 11 de Janeiro de 1994, in, respectivamente, C.J. 1984, Tomo 1, 231, 1991, Tomo 3,
246, 1994, Tomo 2, 173).
Portanto, o comodatário, neste caso, está obrigado a restituir a coisa logo que lhes seja exigida (artigo
1137 n. 2), extinguindo-se o comodato e ficando os réus sem a poder usar, dado ficarem na posição de depositários, nos termos do n. 1 do artigo 1192 do
Código Civil (cfr. cit. acórdão da Relação do Porto de
6 de Junho de 1991 e Pires de Lima e Antunes Varela, no local citado por este acórdão).
Mas podemos chegar ao mesmo resultado por outra via.
O artigo 1140 do Código Civil preceitua:
Não obstante a existência de prazo, o comodante pode resolver o contrato, se para isso tiver justa causa.
Uma das causas de resolução do contrato é o não cumprimento, por parte do comodatário, das suas obrigações (cfr. artigo 1135 do Código Civil).
Simplesmente, no caso presente, afigura-se-nos que, no tocante ao terreno com a área de 38,25 metros quadrados e à barraca nele assente, não se provou que os réus não tivessem cumprido as suas obrigações, designadamente a de não aplicar o terreno a fim diverso daquele a que se destinava, porquanto se deve entender que o terreno cedido pelo autor e aludido no n. 3, onde os réus construíram 5 estruturas pelo menos não é o terreno com a área de 38,25 metros quadrados mas sim um terreno diferente desse e não cedido pelo primitivo autor, como decorre da apreciação conjunta de várias peças do processo, a saber: articulados, especificação, respostas aos quesitos, alegações e contra-alegações de recurso.
Para a resolução dos contratos, não poderemos, pois, apoiar-nos no não cumprimento, pelo comodatário, das suas obrigações, o que constituiria justa causa.
Contudo, entendemos haver justa causa de resolução do contrato de comodato.
Em primeiro lugar, não obstante o artigo 1140 se refere apenas à hipótese da existência de prazo, entendemos que o seu regime se impõe também quando se não convencionou prazo e não decorreu o tempo necessário para o uso concedido, seja por interpretação extensiva (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 1994, B.M.J. 435, 805) seja por maioria de razão (acórdão da Relação de Coimbra de 13 de Março de
1979, B.M.J. 289, 384).
Em segundo lugar, é sabido que o comodato assenta numa razão de cortesia ou amizade e não sofre dúvida que, no caso presente, os réus a desrespeitaram, porque levantaram várias edificações sem autorização do primitivo autor e em terreno não cedido por ele e ainda ocuparam mais terreno, também não cedido, para estaleiro de materiais de construção. Ora, uma tal conduta configura, sem dúvida, uma justa causa de resolução do contrato (Pires de Lima e Antunes Varela, Obra Citada, 436; cit. ac. do S.T.J. de 17 de Março de 1994).
Não faltará quem oponha que os autores não pediram a resolução do contrato e apenas o denunciaram, pelo que não se poderá resolver o contrato sem ofender o disposto no n. 1 do artigo 661 do Código de Processo Civil, segundo o qual se não pode condenar um objecto diverso do que se pedir.
A este argumento responde-se que se trata apenas de um erro na qualificação jurídica do efeito prático a atingir, que é o termo do contrato, isto é, de uma errada qualificação jurídica do pedido, e tal erro pode e deve ser corrigido pelo julgador, sem que haja ofensa do princípio dispositivo consagrado no artigo 664 do Código de Processo Civil (Antunes Varela, R.L.J. 122, 255; acórdão do S.T.J. de 17 de Junho de 1992, B.M.J.
418, 710).
De qualquer modo, mesmo que esta argumentação da resolução do contrato não vingasse, sempre ficaria a argumentação apoiada no n. 2 do artigo 1037 citado.
Por tudo o exposto, nega-se a revista.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 26 de Junho de 1997.
Fernando Fabião,
César Marques,
Martins da Costa.