Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | FÁTIMA GOMES | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO ACTAS ATAS CONDOMÍNIO REQUISITOS | ||
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Data do Acordão: | 06/19/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / PARTES / DISPOSIÇÕES ESPECIAIS SOBRE EXECUÇÕES / LEGITIMIDADE DO EXEQUENTE E DO EXECUTADO. | ||
Doutrina: | - Alberto dos Reis, Curso de Processo de Execução, 10.ª edição, 2007, p. 70 e 71; - Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, Ed. 1977, p. 76 e 77; - Castro Mendes, Direito Processual Civil, I, AAFDL, 1997, p. 181 e ss.; - José Lebre de Freitas, A Acção Executiva à Luz do Código Revisto – 2.ª edição –, p. 102 ; A Acção Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, Gestlegal, 7.ª edição, 2018, p. 143 e ss.; - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, I, 1956, p. 60; - Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, p. 135 e 136; - Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Almedina, 2010, p. 110; - Rui Pinto, Acção Executiva, AAFDL, 2018, p. 227, 278 e 279. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 53.º. REGIME DA PROPRIEDADE HORIZONTAL. APROVADO PELO DL N.º 268/94, DE 25 DE OUTUBRO: - ARTIGO 6.º, N.º 1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 10-07-2008, PROCESSO N.º 08A1057, IN WWW.DGSI.PT; - DE 14-10-2014, PROCESSO N.º 4852/08. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: - DE 08-11-2012, PROCESSO N.º 46628/04.0YYLSB-A.L1-6; - DE 04-04-2017, PROCESSO N.º 5859/08.0YYLSB-E.L1. | ||
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Sumário : | I - A acta de condomínio vale como título executivo previsto no art. 6.º, n.º 1 do DL n.º 268/94, de 25-10 desde que contenha (i) o nome do proprietário/condómino devedor e (ii) o montante em dívida – art. 53.º do CPC. II - Na falta de tais elementos, não é admissível produzir prova complementar ao título. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO
1. Em acção executiva para pagamento de quantia certa (€54.124,70) oportunamente interposta pela exequente Condomínio da convergência AA, em Lisboa, contra a executada BB, SA, veio esta deduzir embargos.
2. A embargante invocou: i) a ineptidão do requerimento executivo, por falta de causa de pedir; ii) a ilegitimidade passiva para a execução, por não constar como devedora no título; iii) a prescrição do direito do exequente quanto às contribuições alegadamente em dívida relativas a 2006 e 2007; iv) a insuficiência e inexequibilidade do título executivo; v) a invalidade das deliberações das actas de assembleia de condóminos por falta de quórum deliberativo.
3. O exequente deduziu contestação, pugnando pela improcedência dos embargos.
4. Na 1ª instância foi proferida decisão, em 26-10-2017, que concluiu como segue:
5. Não se conformando, a exequente apelou, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa conhecido do recurso, julgando improcedente a apelação e mantendo a sentença recorrida, por acórdão datado de 11.12.2018.
6. Novamente inconformada dela apresentou recurso de revista – excepcional. A revista veio a ser admitida pela formação a que se reporta o art.º 672.º do CPC.
7. A exequente/embargada, formulou as seguintes conclusões (transcrição): “A) Surgem as presentes alegações, no âmbito do recurso de revista, em execução, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11.12.2018 que confirmou a sentença proferida no presente apenso A com a referência 370318469 datada de 26.10.2017, a qual absolveu a recorrida da instância executiva por falta de legitimidade da mesma por expressamente não constar do título executivo inicial e após prova no apenso de embargos da correspondente propriedade decisão com o que a recorrente se não pode conformar. B) Conforme consta dos autos de execução, foi deduzido requerimento executivo, com vista à tramitação de execução para pagamento de quantia certa contra a recorrida por falta de pagamento de taxas condominiais à recorrente relativas à fracção “DA” correspondente à sub-cave, com entrada pelo número 71- C da Rua ..., no valor de €50.587,21, sendo €32.948,31 de divida de obras e €17.638,90 de dividas mensais e regulares de condomínio. C) Apesar de tal requerimento inicial de execução ter sido admitido liminarmente com base em títulos executivos então juntos (actas de condomínio), cuja exequibilidade está definida no artigo 6º, número 1, do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro, o acórdão recorrido que confirmou a sentença de primeira instância continuou a julgar a recorrida parte ilegítima porque entendeu que o referido artigo 6º obrigava que as actas, para valer como titulo executivo, teriam que conter o nome do devedor e também porque os documentos juntos posteriormente não poderiam constituir um meio de prova complementar da acta sob pena de se estar perante um titulo executivo complexo. D) Todavia, segundo a posição do recorrente, este continua a sustentar que não sucede nem uma coisa nem outra, uma vez que do titulo executivo resulta directamente a fracção autónoma a que é imputada a dívida exequenda, o valor da própria divida exequenda, bem como da prova complementar feita no apenso declarativo de embargos, a propriedade da recorrida sobre a fracção a que é imputada a respectiva dívida, o que releva para os efeitos do art. 6º, nº 1 do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro uma vez que a acta da reunião da assembleia de condóminos que deliberou o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessária à conservação das partes comuns constitui titulo executivo contra o proprietário que deixar de pagar. E) Nunca, nestes autos, a recorrida pôs em causa a sua efectiva propriedade da fracção “DA”, pelo período a que respeitava as dividas pedidas, sendo certo que quanto às actas que constituem efectivo título executivo, das mesmas não resultava qualquer dúvida da imputação da divida exequenda à fracção de que a recorrida era proprietária. F) Quanto às dívidas de obras, dispõe a acta número 2/07 do condomínio, pagina 8 da mesma acta, que foi colocada na Assembleia a questão de os pagamentos devidos a cada um dos condóminos fossem realizadas durante o decurso da obra em 3 prestações mensais, o que foi aprovado por unanimidade de acordo com o mapa definitivo de pagamentos, sua periodicidade e valor de cada prestação por fracção, constando já do referido mapa, era imputada à fracção “DA” o valor pedido na presente execução de €32.948,31, encontrando-se perfeitamente caracterizada a referida fracção, o valor e a periodicidade de tais pagamentos, sendo certo que a recorrida sempre confirmou a propriedade de tal fracção, constando no titulo executivo o nome da efectiva detentora sociedade detida pela mesma recorrida. G) E verificado o que consta no actual art. 53º do CPC (ex 55º do mesmo código), a execução deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição do devedor, seja pessoa singular ou colectiva, proprietário da fracção a que respeita ou a que é imputada a divida, o que efectivamente aconteceu atenta a propriedade da mesma fracção. H) Em relação às prestações periódicas e normais, e mantendo-se o critério explicitado anteriormente, a divida foi atribuída à fracção de que o seu proprietário é responsável e, em razão desse facto, pode ler-se, na acta 1/06 que, como é procedimento corrente no condomínio, as taxas periódicas devidas por cada condómino relativas ao ano de 2006 sejam calculadas em função do orçamento aprovado devido pela permilagem de cada fracção constante do titulo constitutivo ( pág.. 3), que é precisamente a permilagem atribuída à fracção “DA” no anexo da acta 2/07, o que igualmente acontece na acta 4/07. I) Face ao que dispõe o art. 1420º do CC que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e co-proprietário das partes comuns do edifício e determinando o art. 1424º do CC que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício são pagas pelos condóminos em proporção ao valor das suas fracções, resulta das actas a imputação da quantia exequenda à fracção “DA” e a propriedade da fracção “DA” atribuída à recorrida, o que nunca foi impugnado nos presentes autos, não podendo deixar de se entender que consta do titulo executivo a identidade efectiva da devedora e por isso não podendo o acórdão recorrido confirmar a interpretação da sentença recorrida sobre o art. 6º nº 1 do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro e o art. 55º do CPC. J) Visam os embargos de executado confirmar, modificar ou infirmar o título executivo pelo que sendo os embargos um apenso declarativo, toda a prova documental neles produzida tem por fim instruir os factos necessitados de prova para apreciação pelo Tribunal não se tratando assim de documentos que visem, ao contrário do que as decisões recorridas dizem, tornar o titulo executivo complexo mas sim de, através do próprio apenso declarativo complementar o titulo inicial e confirmar a justeza do titulo executivo. L) Verificados os documentos juntos à petição de embargos, consta, certidão permanente da recorrida, em que surge como administrador único CC e por sua vez na contestação de embargos é junta escritura publica de compra e venda em que a recorrida Westhouse surge a vender a fracção “DA”, tal como vem definida na acta 2/07, representada pelo mesmo CC, sendo ainda mais significativo a junção pela ora recorrente de certidão do registo comercial da DD Lda., inquilina da recorrida, da qual resulta que a sociedade executada é sócia da sua inquilina Imogaragem e cuja gerência está atribuída ao mesmo CC. M) Igualmente sob doc. 3 junto com a contestação da recorrida surge um documento em que a inquilina da fracção “DA”, a tal DD, com gerência comum ao administrador único da recorrida e proprietária da mesma fracção, vem solicitar que as facturas e toda a documentação da fracção sejam enviadas para os escritórios comuns da recorrida e da inquilina em nome da DD, para além do que, foi o referido CC gerente da Imogaragem e administrador único da recorrida que subscreveu o mandato na presente acção, na qual se comprovou que a recorrida nada pagou, que explorou a indicada fracção através de sociedade sua, como estacionamento e lavagem de viaturas, que obteve os correspondentes proventos e vendeu a própria fracção com o correspondente lucro. N) Sendo neste enquadramento que a recorrida deduziu os embargos de executada nos quais, nunca negando substancialmente a existência da divida, acabou por se socorrer de uma série de argumentos formais, apesar da propriedade que deteve durante o período das prestações condominiais não pagas, vindo porém, os documentos atrás elencados e produzidos em sede de embargos só vêm adequar a certeza da designação do executado na presente execução e a correcção da propositura da presente execução. O) Limitando-se o art. 6º nº 1 do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro, a estipular o carácter de título executivo das actas deliberativas do montante de contribuições ao condomínio contra o proprietário, a junção das actas com a indicação da fracção, das verbas calculadas dos prazos de pagamento e a correspondente prova da propriedade são elementos bastantes para a prossecução da execução, porquanto, contendo as actas os necessários elementos, confirmados nestes autos, as mesmas são titulo executivo nos termos do art. 703º nº 1 d) do CPC, tanto mais que é ao comprovado proprietário que cabe a obrigação do pagamento dos encargos com o condomínio – arts. 1420º e 1424º do CC. P) Em consequência, na presente execução, ao ser cumprida a imputação, no titulo executivo da divida à fracção “DA” e ao ser produzida prova sobre a propriedade de tal fracção que cabe à recorrida, foi cumprido o art. 53º do CPC quanto à legitimidade face à prova da propriedade do obrigado ao pagamento da quantia exequenda como executado na presente execução, até atento o conceito do art. 30º do CPC sobre o interesse em contradizer, e sendo os documentos juntos meramente instrutórios e probatórios da execução e dos elementos nela contidos. Q) Ao confirmar a declaração de extinção da execução com o levantamento das penhoras realizadas por força da declarada ilegitimidade da recorrida, manteve o acórdão recorrido a violação do art. 6º, nº 1 do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro, arts 1420º e 1424º do CC e arts. 53º, 410º, 413º 713º d) e 715º todos do CPC. Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso de revista excepcional ser admitido e julgado procedente e provado e, por via dele, ser revogada in toto o acórdão recorrido, sendo substituído por douto acórdão que julgue a recorrida como parte legitima atentos todos os elementos constantes nos autos e que ordene o prosseguimento destes mesmos autos com o consequente realização de audiência prévia e subsequente julgamento dos embargos. com o que se fará a costumada Justiça!”
Foram apresentadas contra-alegações, nas quais se contesta a admissibilidade do recurso, com as seguintes conclusões (expurgadas das relativas à admissibilidade do recurso):
Colhidos os vistos, cumpre analisar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO 8. O tribunal de primeira instância deu por assentes os seguintes factos: 1 – A exequente intentou uma acção executiva para pagamento de quantia certa contra a Embargante, acção de que estes autos são um apenso, para haver a quantia de €54.124,70, apresentando como título executivo as actas de assembleia de condóminos n.º 2/07, 1/06 e 4/07, cujas cópias estão juntas a fls. 9 a 26, 27 a 34 e 35 a 39, respectivamente, daquela acção, e que aqui se dão por integralmente reproduzida. 2 – Na acção executiva referida no facto anterior, a exequente alegou que: 9. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações do recorrente, impõe-se conhecer dessas questões e das que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do C.P.C. As questões colocadas são as seguintes:
10. Sobre a questão da legitimidade da executada, termos em que a primeira questão veio colocada no acórdão recorrido, diz a recorrente o seguinte: 6.1. No Acórdão da Relação disse-se, com relevo para a decisão de saber se estava assegurada a legitimidade passiva da executada, e apoiando-se na decisão da 1ª instância: O TR salientou, assim, apoiando-se na decisão da 1ª instância, os aspectos essenciais da causa e da sua decisão: Feita a apresentação do problema, com distinção entre legitimidade no título e legitimidade na dívida, o Tribunal apreciou os factos do processo (apoiando-se na decisão da 1ª instância), e disse: O tribunal também tomou em consideração a documentação apresentada em sede de embargos (apoiando-se na decisão da 1ª instância) – importava analisar a sua relevância para aferição da legitimidade em função do título executivo. Sobre isso disse: O tribunal concluiu, agora sem se apoiar na decisão da 1ª instância, mas mantendo a posição de com ela concordar:
Da decisão recorrida resulta também que o tribunal, quanto ao ponto ora em análise, reportou-se às actas apresentadas como títulos executivos, analisou-as e concluiu que eram distintas: i) quanto às actas de assembleia de condóminos n.º 1/06 e 4/07 (alusivas às despesas de condomínio nos anos de 2006 e 2007) – não têm qualquer referência ao devedor, qualquer que ele seja; ii) quanto à acta nº 2/07 (alusiva à quota-parte das obras, no valor de 32.948,31€) – quem figura como devedor é a “DD”. O tribunal separou a questão da aferição da legitimidade para a acção executiva da questão de saber se, em face do título e da dívida invocada, a parte executada era devedora, que é uma questão relativa à legitimidade substantiva, a resolver apenas se a primeira for positiva.
6.2. Expostas as posições do recorrente e do Tribunal recorrido, é altura de tomar posição, que desde já se indica é no mesmo sentido das decisões já proferidas nestes autos, e seguindo-se aqui, muito em especial, a solução do Ac. STJ de 2008.07.10, Proc. 08A1057[1]: a legitimidade para a execução tem de ser aferida pela análise dos títulos executivos apresentados. Esta jurisprudência teve eco também na posição que tem sido seguida pelas Relações, sendo conhecida da recorrente, pois foi parte no processo em que se veio a proferiu o Ac. do TR de 4/4/2017, na Apelação nº 5859/08.0YYLSB-E.L1, que também adoptou posição igual (dizendo: “Acresce que em nenhuma das atas apresentadas como título executivo figuram como devedoras as executadas, nem por referência à fracção a que respeitam as contribuições que teriam sido aprovadas.”), ainda que aí se tratasse sobretudo de outras questões.
6.3. Na doutrina, o tema pode encontrar-se analisado em várias obras, a propósito do antigo artigo 55.º, n.º 1 (actual art.º 53.º) do Código de Processo Civil, autores que têm sido destacados nos arestos e a cuja posição tem aderido a jurisprudência deste STJ: e) Esta posição doutrinária já era defendida por Alberto dos Reis, que realçava a ideia de que “figurar no título como credor não é o mesmo que ser credor” e “ter no título a posição de devedor é coisa diversa de ser realmente devedor” [5]. Artigo 53.º Legitimidade do exequente e do executado
1 — A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor. 2 — Se o título for ao portador, será a execução promovida pelo portador do título. Como primeiro elemento, note-se que a redacção actual não é diversa da anterior, o que permite deduzir que o legislador não sentiu necessidade de modificar a solução jurídica e o entendimento que vinha sendo defendido, ou teria alterado a norma. Como segundo elemento, relevará o facto de o art.º 54.º tratar dos desvios à regra geral da determinação da legitimidade do art.º 53.º, criando soluções específicas para: i) sucessão no direito ou na obrigação, em que no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão (n.º1); ii) execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue directamente contra este (n.º2). Esta norma do art.º 53.º existia antes e manteve-se inalterada já depois do legislador ter introduzido o artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro, admitindo que a acta do condomínio fosse título executivo – “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”. Sabendo que, à luz do artigo 6.º do já citado Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro, a acta para valer como título executivo teria de conter não só o nome do devedor, mas também o montante em dívida, forçoso seria concluir que, só com esses dois elementos, ficaria satisfeita a exigência contida no n.º5 do art.º 10.º (anterior artigo 45.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) – “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”. Com os argumentos apresentados pelo recorrente, nomeadamente na conclusão D)( … este continua a sustentar que não sucede nem uma coisa nem outra, uma vez que do titulo executivo resulta directamente a fracção autónoma a que é imputada a dívida exequenda, o valor da própria divida exequenda, bem como da prova complementar feita no apenso declarativo de embargos, a propriedade da recorrida sobre a fracção a que é imputada a respectiva dívida, o que releva para os efeitos do art. 6º, nº 1 do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro uma vez que a acta da reunião da assembleia de condóminos que deliberou o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessária à conservação das partes comuns constitui titulo executivo contra o proprietário que deixar de pagar) procura-se tornar irrelevante a questão da legitimidade perante o título, ou admitir que sobre o alegado devedor se faça prova complementar (para além do título), tratando o problema versado no acórdão recorrido como se de uma acção declarativa se tratasse. Não há, no entanto, nenhuma razão justificativa para tratar esta acção executiva como se de uma acção declarativa se tratasse – é que a existência de acção executiva apresenta uma finalidade própria, desde logo o permitir avançar para a fase executiva, de cobrança forçada de uma dívida que tem na sua base um título suficientemente garantístico da existência da dívida e da pessoa do devedor (a acção executiva é aquela em que o credor requer as providências adequadas à realização coactiva de uma obrigação que lhe é devida - cfr. n.º 4 do art.º 10.º do Código de Processo Civil, vigente; E toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva - cfr. n.º 5 do citado artigo). E não havia nenhum motivo para que o condomínio, se pretendiam utilizar a acta como título executivo, não tivesse cuidado de a elaborar em conformidade com a lei, indicando quem se afigurava como sendo o proprietário, indicando o devedor das quantias exequendas. Pretender que a questão da identificação do devedor possa ser feita por referência e com prova complementar não é solução defensável, ainda que o legislador tenha dito que a acta “constitui titulo executivo contra o proprietário”; daqui não se deve inferir que a demonstração de quem é o proprietário é questão de pouca importância e sem influência na decisão sobre existência do título executivo; o facto de existirem actas do condomínio que são título executivo também não equivale a afirmar que toda a acta é considerada título executivo. A existência de título executivo quando se trate de acta de condomínio não pode deixar de respeitar o espírito da lei, como resulta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 268/94 - visou-se conferir eficácia executiva às actas das reuniões da assembleia dos condóminos; pretendia-se evitar o recurso à acção declarativa em matérias em que estão em jogo questões monetárias, liquidadas ou de fácil liquidação, segundo os critérios legais que presidem à sua atribuição e distribuição pelos condóminos (e sobre as quais não recai verdadeira controvérsia). O título executivo apresenta-se, assim, como requisito essencial da acção executiva e há-de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, isto é, documento susceptível de, por si próprio, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito e do seu devedor em que assenta a formulação da pretensão exequenda. Será, na definição de Castro Mendes[7] “o documento que, por oferecer demonstração legalmente bastante da existência de um direito a uma prestação, pode, segundo a lei, servir de base à respectiva execução”. Vale também aqui a ideia já defendida por Manuel de Andrade, ao indicar que o fundamento da exequibilidade dos títulos executivos reside “...na relativa certeza ou probabilidade julgada suficiente da existência da dívida (prestação), e portanto da inutilidade do processo declaratório, enquanto se torna presumível que ele levaria ao mesmo resultado que já se pode coligir da simples inspecção do título”[8]. Meio probatório da relação obrigacional creditícia existente entre exequente e executado, o título executivo avulta como condição necessária, desde que apresente os requisitos externos de exequibilidade que a lei prevê. Para que exista direito de acção executiva é necessário, ainda que não suficiente, a apresentação de título executivo em conformidade com o que a lei prescreve para o título utilizado. É por ele que se define o objecto da execução e que se aferem os titulares da obrigação exequenda. Por isso não se pode esquecer que existem limites à acção executiva, definidos pelo título, quer de natureza objectiva, subjectiva e formal, sendo que os relativos à aferição das partes activa e passiva da obrigação, para efeitos de legitimidade, são limites subjectivos. In casu trata-se de analisar o valor executivo das actas – que caiem na alçada da alínea d) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC, artigo que prevê, genericamente, a existência de títulos executivos criados por disposição especial da lei - nos termos dos artigos 1.º, n.º 1 e 2, e 6.º do Decreto-Lei nº 268/94.
6.4. Na obra intitulada A acção Executiva[9], Rui Pinto, diz a propósito deste tema: “São condições dessa exequibilidade a ata: (…) ii) e a quota-parte de cada condómino iii) devidamente identificado”, não se duvidando que a identificação do condómino é essencial.
6.5. Por outro lado, a falta de título executivo não compromete em nada a posição subjacente da exequente, que pode, em acção declarativa, obter uma decisão judicial contra o ora executado, com base na invocação nas deliberações adoptadas.
6.6. A posição defendida neste aresto, tal como se indicou no acórdão da formação (fls, 485 e 486), pode até suscitar algumas dúvidas, no sentido de se pensar na necessidade de aligeirar as exigências formais. Mas o aligeiramento destas exigências deve resultar em primeiro lugar da iniciativa do legislador. O facto de existir um “Grupo de Trabalho” junto do MJ (Despacho da Ministra da Justiça de 25-5-2018), sem que exista já um resultado do trabalho empreendido, é um elemento de valor, mas não decisivo e não devem ser os tribunais a exercer essa função legislativa.
6.7. A posição defendida no aresto não é colocada em causa pela posição defendida no Ac. da Relação de Lisboa, de 8/11/2012, proc. 46628/04.0YYLSB-A.L1-6 – é que aí se tratou de alargar a legitimidade para a acção executiva ao cônjuge do condómino. Como se sabe o regime civilista das dívidas dos cônjuges sempre permitiria, com facilidade, alargar a legitimidade do cônjuge. Disse-se aí:
6.8. O que se disse no ponto anterior é aplicável, com as necessárias adaptações ao disposto no Ac. do STJ de 14-10-2014, proc. 4852/08 – a questão tratada não era exactamente a mesma sobre que versa o presente recurso. A questão do Ac. de 14-10-2014 prende-se com a dívida – saber quando ela se considera não cumprida e como se determina a parte de cada um dos condóminos. Não se identifica semelhança que possa conduzir o STJ a alterar o sentido decisório defendido.
7. Finalmente, e como argumento fundamental: mesmo que a solução aventada não fosse a mais adequada, e se dispensasse a identificação do proprietário da fracção, pode ainda dizer-se que não faz sentido a tese do recorrente, ao defender a prova complementar, quando no caso submetido a este tribunal se verifica o seguinte: - em nenhuma das actas apresentadas figura a executada como devedora nomeada; - em nenhuma das actas apresentadas é identificada a fracção “DA” como pertencente à executada. A admitir-se que a prova da propriedade pudesse ser feita como documentação complementar, a mesma teria de ser analisada pelo tribunal, para apurar a titularidade da fracção, com a correspondência entre pessoas presentes na assembleia e fracções correspondentes – o que não tem qualquer lógica – já que seria passar o dever do exequente para o tribunal, a quem cabe verificar a regularidade do título, em face do pedido; in casu, a prova da propriedade nem vem efectuada no requerimento executivo, mas apenas alegada, tendo a questão controvertida surgido através de embargos.
8. Quanto ao argumento da recorrente no sentido de que o nome da efectiva detentora sociedade constava do título executivo e isso bastava, não lhe assiste razão, chegando mesmo a ser contraditório com as afirmações e interpretações que advogou antes sobre o melhor sentido interpretativo do art.º 6.º do Decreto-Lei nº 268/94. Como a recorrente bem sabe, detentor e proprietário não são a mesma coisa e o facto de uma mesma pessoa física ser representante de distintas pessoas colectivas – sociedades – não conduz a que estejamos perante a mesma entidade jurídica[10]. Mas esta questão não veio a ser tratada especificamente no acórdão recorrido pelo que, no rigor dos princípios, não é um mero argumento que se coloca ao tribunal de recurso – mas antes uma nova questão jurídica. Ora, em sede de recurso o tribunal deve apreciar decisões anteriores – e não emitir pronuncia sobre novas questões.
9. A questão identificada em 9., c), fica prejudicada pela solução dada às demais questões suscitadas no recurso.
III. Decisão Pelos fundamentos indicados, improcede a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente
Lisboa, 19 de Junho de 2019
Fátima Gomes Acácio Neves Fernando Samões ------------------- [9] AAFDL, 2018, p. 227. A mesma ideia vem reafirmada na p. 278, sobre a legitimidade do devedor, com alusão ao princípio da literalidade do título executivo, com as excepções permitidas por lei (cf. p. 279, com opinião de Teixeira de Sousa). |