Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
16867/22.9T8LSB.S1.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DECISÃO SINGULAR
CONTRADIÇÃO DE JULGADOS
PRESSUPOSTOS
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESUNÇÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 04/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA
Sumário :
I. Como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.03.2021 (Proc. 9726/17.9T8CBR.C1.S1), “[a] estrutura lógica das presunções judiciais é própria da chamada indução reconstrutiva, através da qual se permite comprovar a realidade de um facto (facto presumido) a partir da prova da existência de um outro facto (facto-base, instrumental ou indiciário), funcionando as regras da experiência e da probabilidade como seu fundamento lógico”.

II. Uma “indução reconstrutiva” deste tipo, da qual decorre, in casu, o facto de que a violação dos deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação do intermediário foi causa (no sentido de condição sine qua non) da decisão de investir, permite dar por assente o nexo de causalidade exigido pelo AUJ n.º 8/2022 para a responsabilidade civil do intermediário financeiro.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

Recorrente: Banco BIC, S.A.

Recorridos: AA e BB

1. AA e BB intentaram a presente acção declarativa com processo comum contra Banco Bic Português, S.A., pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 100 000,00 (cem mil euros) acrescida de juros vencidos no montante de € 31 500,00 (trinta e um mil e quinhentos euros) e € 10 000,00 (dez mil euros) a título de ressarcimento por danos não patrimoniais, no total de € 141 500,00 (cento e quarenta e um mil e quinhentos euros), e, ainda, nos juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento.

2. Em 8.02.2024 foi proferida sentença em que se decidiu a final:

Por todo o exposto o tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e em consequência condena a R. a pagar aos AA a quantia de €100.000 acrescido de juros de mora desde 24/4/2015 até integral pagamento”.

3. A ré, inconformada, interpôs recurso per saltum, para o Supremo Tribunal de Justiça, que determinou a remessa dos autos ao Tribunal da Relação competente para que o recurso nele fosse processado como de apelação.

4. Em 21.11.2024 foi proferido Acórdão no Tribunal da Relação cujo dispositivo é do seguinte teor:

Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção em julgar o recurso interposto pela ré improcedente e, em consequência, manter a decisão recorrida, de 08-02-2024”.

5. Ainda inconformada, vem a ré interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, “nos termos do disposto nos artigos 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil”.

Pugna pela revogação daquele Acórdão e pela sua substituição por decisão que a absolva do pedido, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1º. Entende o Recorrente que o Acórdão da Relação de Lisboa ora recorrido, embora mantendo a decisão de 1.ª instância, fê-lo com fundamentação diferente desta. De facto, se na decisão de 1.ª instância, a MMa. Juiz “a quo” condenou tout court o Banco, na qualidade de intermediário financeiro, por violação do dever de informação, o Tribunal da Relação de Lisboa, já cuidou, ainda que de forma – quanto a nós – enviesada, de condenar o banco nos mesmos termos, mas com fundamentação diferente, nomeadamente quanto a um dos requisitos – o nexo de causalidade – dessa responsabilidade civil.

2º. Seja como for, e por cautela de patrocínio, o Recorrente demonstrará adiante que, mesmo não sendo de admitir a revista nos termos gerais do artigo 671.º, n.º 1 do CPC, sempre deverá a mesma ser admitida por se entender que o Acórdão recorrido vai contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 671.º, n.º 3, 1.ª Parte e 629.º, n.º 2, al. c).

3º. A situação em apreço refere-se, em concreto, à responsabilidade civil do Recorrente, enquanto instituição financeira, e que, de forma indisputada, atuou enquanto intermediário financeiro na colocação das Obrigações SLN.

4º. Não se antevia a quantidade de decisões que vêm violando o sentido daquele AUJ, nomeadamente, e recentemente com mais acuidade, tem-se assistido a um fenómeno quase de densificação do entendimento vertido o n.º 4 do mesmo – e de que a presente decisão é exemplo acabado.

5º. Entende o Recorrente que, aplicando os termos do AUJ n.º 8/2022, para que se verifique o concreto pressuposto da responsabilidade civil – nexo de causalidade – tem, necessariamente, de existir a alegação de um facto, e a subsequente prova desse facto, que indique que a prestação de informação devida levaria o cliente – no caso, os AA. – a não tomar a decisão de investir. E esse facto não existe!!!

6º. É que o Tribunal da Relação decide como decide sem que da matéria de facto dada como provada – até porque esse facto não foi, sequer, alegado! – resulte qualquer facto provado onde se afirme que a prestação de informação devida levaria o cliente – no caso, os AA. – a não tomar a decisão de investir.

7º. A presunção judicial, como qualquer outro meio de prova, serve exatamente para isso!!! Ou seja, para, através do seu recurso, provar um determinado facto que, necessariamente, será levado à matéria de facto.

8º. A Sentença de 1.ª instância poderia ter lançado mão deste recurso à prova judicial para o fazer, e não o fez! O mesmo não se podendo aplicar ao Tribunal da Relação de Lisboa. De faco, o ora Recorrente apenas recorreu de Direito, pelo que a matéria de facto se encontra cristalizada e com trânsito em julgado formal!

9º. O que se passa, em concreto, é que a presunção judicial, enquanto meio de prova de um facto, está a ser utilizada apenas no campo do Direito, em evidente violação de lei substantiva (mais densificada adiante).

10º. Em suma, o acórdão recorrido viola ostensivamente aqueles que são os ditames do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, de 3 de novembro (nomeadamente o segmento n.º 4 do seu sumário) devendo o presente recurso ser admitido.

11º. Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1 do CPC, constitui atribuição exclusiva das partes delimitar os termos ou objecto do litígio através da enunciação dos fundamentos da acção (ou seja, a causa de pedir) e da dedução das respectivas pretensões (o pedido).

12º. Sempre estará o Tribunal, de 1.ª instância (ou qualquer tribunal superior para o efeito), adstrito aos factos essenciais alegados pelas partes. É que da facticidade dada como provada, resultou para a 1.ª instância, e corroborada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a responsabilidade civil do Banco R. enquanto intermediário financeiro, na colocação das Obrigações SLN.

13º. Não obstante, para responsabilidade do Banco R. lhe fosse assacada nesses termos, era necessária a alegação e prova dos requisitos gerais dessa mesma responsabilidade civil, como sejam o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre a ilicitude e o dano. Por isso que, a prova por presunção judicial, a resultar em algum facto, sempre teria de ser relativo a um facto instrumental ao pedido e à causa de pedir, e nunca relativamente a um facto essencial.

14º. E assim, a falta de alegação de que “a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir” - um facto essencial relativo ao nexo de causalidade (nas palavras uniformizadoras do STJ), que é um quid necessário da responsabilidade civil, não poderia ser suprimido e/ou ultrapassado com o emprego, no campo da aplicação do Direito, de uma presunção judicial!

15º. Destarte, deveria o Tribunal da Relação ter respeitado os factos essenciais dados como provados e aplicar o direito em função dos mesmos, não podendo inferir um facto essencial em matéria de direito, para condenar o banco como o fez.

16º. Por via da válvula de escape residual de reapreciação da matéria de facto prevista no artigo 674.º, n.º 3, 2.ª parte, amparada no artigo 682.º, n.º 2, 2.ª parte, sempre do CPC, a revista possa servir legitimamente para controlar o uso da construção de presunções judiciais utilizadas pelas instâncias, tendo em vista verificar a violação de norma legal (nomeadamente os artigos 349.º e 351.º, ambos do Código Civil.), a sua coerência lógica e a fundamentação probatória de base quanto ao facto conhecido.

17º. As presunções judiciais, consistindo em ilações que o julgador tira de um facto conhecido para, depois, firmar um facto desconhecido (artigo 349.º do CC), situam-se no plano da matéria de facto.

18º. A estrutura lógica das presunções é própria da chamada indução reconstrutiva, através da qual se permite comprovar a realidade de um facto (facto presumido) a partir da prova da existência de um outro facto (facto-base, instrumental ou indiciário), funcionando as regras da experiência e da probabilidade como seu fundamento lógico.

19º. A possível intervenção do STJ no campo das presunções judiciais situa-se precisamente ao nível da perscrutação de vícios na formação desse juízo indutivo. Se a presunção não for legalmente admitida (artigo 351.º do CC), se partir de factos não provados (artigo 349.º do CC) ou se padecer de evidente ilogicidade, o STJ pode invalidar o uso da presunção.

20º. Se aqueles limites não tiverem sido respeitados, como no presente caso, estaremos perante um caso de violação da lei e, então, porque se trata já de uma questão de direito, caberá ao Supremo intervir, controlando e decidindo em ordem a fazer respeitar a conteúdo fáctico que foi dado como provado.

21º. Toda a presunção consiste em obter a prova de um determinado facto (facto presumido) partindo de um outro ou outros factos básicos (indícios)queseprovam através de qualquer meio probatório e que estão estreitamente ligados com o facto presumido, de maneira tal que se pode afirmar que, provado o facto ou factos básicos, também resulta provado o facto consequência ou facto presumido.

22º. Contudo, na prova por presunção legal ou judicial não só há de resultar provado(s) o(s) facto(s) básico(s), mas há de determinar-se ainda a existência ou conexão racional entre esse(s) facto(s) e o facto consequência (o presumido!).

23º. Apresentando uma estrutura em que os factos básicos estão conexionados através de um juízo de probabilidade, que por sua vez se apoia na experiência, de maneira tal que a prova de um envolve a prova de outro.

24º. Não houve qualquer facto básico do qual fosse inferido um facto consequência que se traduzisse, em concreto, no nexo de causalidade entre a actuação ilícita do banco R. e o dono ocorrido aos AA.

25º. Em suma, cotejando o teor da alegação dos AA. com o facto que a Relação entendeu como provado (apenas na aplicação de Direito!) com base em presunção judicial, sempre se concluirá que o Tribunal da Relação exorbitou a facticidade alegada na petição inicial, nos termos do disposto nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil, existindo, assim violação da lei substantiva (e processual) aplicável ao presente caso.

26º. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição.

27º. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

28º. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

29º. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

30º. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

31º. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

32º. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. é este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

33º. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

34º. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

35º. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

36º. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

37º. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

38º. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

39º. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

40º. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

41º. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

42º. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

43º. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito – uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

44º. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações, ou de qualquer característica do produto, e que é essa causa do seu dano!

45º. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

46º. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

47º. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

48º. E nada disto foi feito!

49º. Dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão.

50º. Aceitar esta alegação seria o mesmo que dizer que este subscritor, que se define como cliente de depósito a prazo, nunca o subscreveria se soubesse que os mesmos não eram garantidos a 100%.

51º. Dir-se-ia, a ser assim, que o nexo só se verificaria se resultasse provado que, se soubessem de todas as características dos produtos em causa, o subscritor teria guardado os seus valores em casa, debaixo do colchão!!!

52º. Acresce que, foi esta matéria foi recentemente alvo de Acórdão para Uniformização de Jurisprudência, no âmbito do processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A que uniformizou esta questão no seguinte sentido:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7º, nº1, 312º, nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei nº 357-A/2007 de 31 de Outubro, e 342º, nº1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco)”, sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7º , nº1 do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

53º. Ora, manifestamente, não consta da matéria de facto dada como provada que os AA., se lhes tivesse sido fornecida toda a informação sobre o produto, não teriam realizado o investimento.

54º. Até porque tal facto não foi sequer alegado!

55º. Não se poderá assim ter por verificado, no seguimento da jurisprudência agora uniformizada, o requisito do nexo de causalidade e, como tal, não poderá o banco Recorrente ser responsabilizado pelo dano que se produziu em virtude do incumprimento da SLN.

56º. O Tribunal da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 7.º, 290.º, n.º 1, al. a), 304.º-A, 312.º a 314.º-D, 323.º a 323.º-D do CdVM; 4.º, 12.º, 17.º e 17.º do DL 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE; e 342.º, 349.º, 351.º, 364.º, 483.º e ss., 563.º, 628.º e 798.º e ss do CC”.

6. Responderam os recorridos, sustentando a inadmissibilidade do recurso ou a sua improcedência, nos seguintes termos conclusivos:

1 – Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 671º do CPC, o recurso é inadmissível, pois quer a 1ª instância quer a Relação decidiram da mesma forma, sem fundamentação essencialmente diferente.

2 – Assim como também será inadmissível ao abrigo da al.c) do nº 2 do artigo 629º do CPC, pois as decisões prolatadas em ambas as instâncias não vão contra qualquer jurisprudência do STJ

3 – O acórdão Uniformizador de Jurisprudência refere-se à actuação da Ré, na qualidade de intermediária financeira, na colocação de obrigações SLN.

4 – O caso dos presentes autos versa sobre assunto diverso.

5 – Nos presentes autos, os AA só ficaram a saber que não tinham um depósito a prazo em 2009 (17. dos factos provados).

6 – Porque, “Em outubro de 2004, o gestor de conta dos AA. CC, do Banco antecessor da R. (BPN), e com quem os AA tinham uma forte relação de confiança, informou-os da existência de uma aplicação que consistia em obrigações SLN, mas disse aos AA que era um depósito a prazo e tinha juros e capital garantido” (15. dos factos provados).

7 – Nos presentes autos não está em causa a perfeição de um contrato de intermediação financeira.

8 – Tão só condenar a Ré a entregar aos AA o valor de um depósito a prazo.

9 – Os AA nunca adquiriram obrigações SLN, sempre consideraram que a aplicação financeira era um depósito a prazo, tal como consta do doc. 4 junto com a PI.

10 – Sempre tendo recebido os juros devidos pelo depósito até 24/04/2015”.

7. Foi determinada a subida dos autos a este Supremo Tribunal de Justiça por meio do seguinte despacho:

- Requerimento de interposição de recurso junto a 07-01-2025, apresentado pela ré, Banco BIC, SA., resposta junta a 06-02-2025, apresentada pelos autores, AA e BB:

Notificada do acórdão proferido no dia 21-11-2024, a ré, Banco Bic, SA., a 07-01-2025, veio dele interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando, para a sua admissibilidade, o disposto no art. 671º, n.º1, do CPC, e, subsidiariamente, os arts. 671º, n.º3, 1ª parte, e 629º, n.º2, al. c), do mesmo código.

A recorrente invoca que o acórdão de 21-11-2024, embora mantenha a decisão da primeira instância, fê-lo com fundamentação diferente desta, posto que aquela decisão a condenou tout court, na qualidade de intermediário financeiro, por violação do dever de informação, ao passo que esta última já cuidou de a condenar nos mesmos termos mas com fundamentação diferente, nomeadamente quanto a um dos requisitos – o nexo de causalidade – dessa responsabilidade civil.

Mais alega que, ainda que seja de não admitir a revista nos termos gerais do art. 671º, n.º1, do CPC, sempre a mesma deverá ser admitida por entender que o acórdão de 21-11-2024 vai contra jurisprudência uniformizada – que identifica -, nos termos do art. 671º, n.º3, 1ª parte, e 629º, n.º2, al. c), do CPC.

Os réus, a 06-02-2025, apresentaram resposta onde, além do mais, pugnaram pela inadmissibilidade do recurso ao abrigo do art. 671º, n.º1, do CPC, por força do estatuído no número 3 do mesmo artigo, alegando que a fundamentação da sentença da primeira instância e a fundamentação do acórdão recorrido não se mostram essencialmente diferentes.

Aferindo da admissibilidade da revista.

O valor da causa é de € 141 500,00 (cf. despacho proferido a 24-05-2023).

O acórdão desta Relação, de 21-11-2024, conheceu do mérito da causa e confirmou a sentença da primeira instância, sem voto de vencido.

Nas duas decisões referidas entendeu-se estar verificado, além do mais, o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação dos autores e o dano tido como demonstrado, nos termos da orientação do AUJ n.º 8/2022.

O recurso apreciado no aludido acórdão funda-se na ausência de demonstração, face aos factos provados, do nexo de causalidade referido.

No acórdão de 21-11-2024, com recurso aos factos dados como provados na sentença da primeira instância, assumiu-se que dele se infere que “os autores não tomariam a decisão de investir na aplicação em referência nos autos caso a recorrente lhes tivesse prestado a informação devida sobre as respectivas características, ou seja, que não tinha as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo e que o Banco, recorrente, não garantia o reembolso do capital investido” e que, por isso, se tem tal nexo de causalidade como demonstrado.

Entende-se, face ao referido, que a fundamentação convocada no acórdão corresponde, no essencial, à fundamentação adoptada na sentença impugnada, não se mostrando divergente desta, no sentido de respeitar a um “percurso jurídico diverso” da mesma (cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, vol. I, 3ª edição, 2024, Livraria Almedina, Coimbra, p. 871).

Tendo em conta o acima mencionado, entende-se que a revista se mostra inadmissível à luz das normas contidas no art. 671º, n.º1 e 3, do CPC, posto que o acórdão desta Relação confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diversa, a sentença da primeira instância.

Considerando que a recorrente invoca, como fundamento da revista, que o acórdão desta Relação viola o AUJ n.º 8/2022, sempre a mesma se mostra admissível ao abrigo dos arts. 671º, n.º3, 1ª parte, e 629º, n.º2, al. c), do CPC.

Assim, tendo o requerimento de interposição de recurso sido apresentado em tempo e dispondo a recorrente legitimidade para o acto, uma vez que ficou vencida no recurso de apelação, considerando os fundamentos invocados para o mesmo, ao abrigo dos arts. 854º, 852º, 671º, n.º3, 1ª parte, e 629º, n.º2, al. c), do CPC, admite-se o recurso, o qual é de revista e tem subida neste apenso, com efeito meramente devolutivo (arts. 675º e 676º do CPC).

Notifique e remeta ao Supremo Tribunal de Justiça”.

8. A ora Relatora proferiu decisão singular com o seguinte teor:

Existindo pronúncia de ambas as partes sobre a admissibilidade da presente revista, veja-se se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso, nos termos do artigo 652.º, n.º 1, al. b), do CPC.

Como decorre do precedente Relatório, o recurso é enquadrado no artigo 671.º, n.º 1, do CPC e, subsidiariamente, nos artigos 671.º, n.º 3, 1.ª parte, e 629.º, n.º 2, al. c), do CPC.

O primeiro fundamento alegado é o fundamento habitual do recurso de revista. A admissibilidade do recurso com base neste fundamento conhece uma limitação extrínseca, prevista no artigo 671.º, n.º 3, do CPC.

“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível – dispõe-se nesta norma – não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância”.

Ora é esta a hipótese que, justamente, se verifica no caso em mãos – o Acórdão da Relação confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente a decisão proferida na 1.ª instância, isto é, existe dupla conforme e esta obsta, em princípio, à admissibilidade do recurso por via normal.

Com efeito, a questão analisada no Acórdão recorrido era, nas palavras do Tribunal a quo:

“Saber se, da matéria de facto provada na sentença impugnada, resulta, ou não, demonstrado o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, a recorrente, e o dano decorrente da decisão de investir dos recorridos”.

A questão foi respondida, no que releva para aqui, nos seguintes termos:

Tal como referido na sentença e assumido pela recorrente, considerando a localização temporal dos factos (Outubro de 2004), entende-se que, ao caso dos autos, se mostra aplicável o entendimento plasmado no AUJ n.º 8/2022, publicado no DR 212/2022, Série I, de 03-11-2022, com os seguintes termos:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”

No aludido aresto, a propósito do nexo de causalidade, refere-se que “incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil”.

Releva, ainda, o mencionado no mesmo aresto a propósito da densificação do nexo de causalidade em referência, de que “O artigo 563.º do Código Civil prescreve que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, isto é, se não tivesse ocorrido o incumprimento. Nesta disposição legal encontra-se consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.”

Na sentença recorrida assumiu-se que o nexo de causalidade entre a conduta ilícita da recorrente e o dano estava demonstrado, considerando que aos autores foi garantido pelo gestor da agência do BPN onde tinha a sua conta à ordem que a subscrição de obrigações SLN 2004 tinha as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo, que o Banco garantia o reembolso do capital investido, tendo sido estas informações determinantes para os autores aceitarem subscrever as obrigações.

Com recurso aos factos referidos, constantes do acervo provado (pontos 15 e 16), a decisão impugnada “infere” (expressão utilizada na decisão proferida pelo STJ a 03-10-2024) que os autores não tomariam a decisão de investir na aplicação em referência nos autos caso a recorrente lhes tivesse prestado a informação devida sobre as respectivas características, ou seja, que não tinha as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo e que o Banco, recorrente, não garantia o reembolso do capital investido.

Trata-se de uma presunção judicial (art. 349º do CC).

(…)

A presunção formulada na decisão recorrida mostra-se alicerçada no acervo factual provado, não colide com a matéria de facto dada como não provada (acima enunciada), está conforme com o disposto nos arts. 349º, 351º e 392º a 396º do CC, e em consonância com critérios de normalidade, de experiência comum, com a qual, por isso, se concorda.

(…)

Em consequência do referido, entende-se demonstrado o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação por parte da recorrente e o dano decorrente da decisão de investir produzido na esfera jurídica dos autores, de acordo com o segmento n.º 4 do AUJ n.º 8/2022, acima mencionado.

(…)

Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção em julgar o recurso interposto pela ré improcedente e, em consequência, manter a decisão recorrida, de 08-02-2024”1.

Já prevenindo a possibilidade de verificação da dupla conforme (rectius: a impossibilidade de admissão do recurso nos termos gerais), a recorrente avançou com um fundamento subsidiário de recorribilidade – o fundamento específico da al. c) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, a que se faz referência implícita na ressalva contida na 1.ª parte daquele artigo 671.º, n.º 3, do CPC (casos em que é sempre admissível recurso).

Sucede, porém, que, como já se antevê das passagens do Acórdão recorrido acima transcritas, a situação prevista na al. c) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, e de que depende a sua aplicabilidade, não se confirma.

Não há, de facto, contrariedade do Acórdão recorrido com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça – in casu: o AUJ n.º 8/2022 –, antes pelo contrário. Demonstram-no as recorrentes alusões ao AUJ e as constantes reproduções dos excertos relevantes para a questão em apreço, sobre o nexo de causalidade.

Particularmente relevante para eliminar qualquer dúvida quanto a que o reconhecimento, pelo Tribunal recorrido, do nexo de causalidade no caso concreto está em conformidade com o AUJ n.º 8/2022 é a seguinte passagem deste:

“O que o regime do CVM pode trazer de diverso é a diminuição da exigência do regime da prova do nexo de causalidade no sentido de se dever facilitar ao investidor a demonstração da sua ocorrência, por forma a não se inverter a lógica do sistema de responsabilidade civil, pois é de reconhecer que é difícil ao investidor demonstrar, sem sombra de dúvidas, que nunca realizaria o investimento efetuado se a informação em falta lhe tivesse sido prestada (…)”2.

Contrapõe, em especial, a recorrente que:

“(…) aplicando os termos do AUJ n.º 8/2022, para que se verifique o concreto pressuposto da responsabilidade civil – nexo de causalidade – tem, necessariamente, de existir a alegação de um facto, e a subsequente prova desse facto, que indique que a prestação de informação devida levaria o cliente – no caso, os AA. – a não tomar a decisão de investir. E esse facto não existe!!!” (cfr. conclusão 5.ª).

Olvida, todavia, a recorrente que é possível distinguir formalmente o elenco dos factos dados como provados e como não provados, de onde constam todos os factos probatórios, e a indução reconstrutiva3 de que decorre o facto probando – de que decorre que a violação dos deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação do intermediário foi causa (no sentido de condição sine qua non) da decisão de investir.

Pelo exposto, decide-se julgar inadmissível o presente recurso de revista.

Custas pela ré / recorrente”.

9. A recorrente vem apresentar reclamação para a Conferência nos termos do artigo 652.º, n.º 3, do CPC, com os seguintes fundamentos:

1. A Requerente reafirma, no essencial, tudo o que disse na sua alegação deste recurso de revista.

2. Aproveita, contudo, esta Reclamação para esclarecer e complementar essa sua alegação, dando assim um contributo adicional para que os presentes autos tenham um desfecho final justo e conforme a Lei.

3. O nexo de causalidade tem de ser aferido entre o ilícito e o dano causado, qual o elo de ligação entre ambos.

4. Em suma, trata-se de saber se o facto foi causa adequada da produção do dano.

5. Ora, do elenco de factos provados não resultam factos que permitam estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos Autores e o ato de subscrição.

6. De facto, desde já afirmaremos que sempre seria essencial aferir se, em face de informação sobre o mesmo produto, prestada de forma legalmente exigível, os AA. deixariam de subscrever o instrumento financeiro em causa.

7. Até porque é isso mesmo que resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022, ao julgar que “Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”.

8. O que, reitere-se, não resulta do elenco dos factos provados, dado que não houve qualquer facto básico do qual fosse inferido um facto consequência que se traduzisse, em concreto, no nexo de causalidade entre a atuação ilícita do Banco Recorrente e o dano ocorrido aos AA.

9. Pelo que, não se pode, in casu, considerar-se verificado o referido requisito da responsabilidade civil.

10. A verdade é que a causalidade entre a eventual violação do dever de informação não se pode presumir legalmente, até porque da redação do artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil não resulta qualquer presunção de causalidade.

11. E presumindo-se judicialmente sempre se deverá refletir na afirmação de um facto como provado e não apenas na justificação de um raciocínio jurídico puramente abstrato, como se de um palpite se tratasse.

12. Isto significa, mesmo que se aceitasse a existência de uma presunção judicial quanto ao nexo de causalidade, seria sempre necessário que tal se fundasse num facto provado,

13. ou seja, o nexo de causalidade entre um facto e o dano teria de se situar no domínio da matéria de facto, desde que por via da presunção judicial não se ultrapasse a falta de prova sobre o nexo causal,

14. não sendo aceitável, tal como sucedeu in casu, que se funde em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

15. Nesta senda, sempre teria de constar do elenco dos factos um facto do qual constasse que se não houvesse aquela violação, nunca os Autores subscreveriam o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude.

16. Em suma, não constando da matéria de facto dada como provada que os Autores, se lhe tivesse sido fornecida toda a informação sobre o produto teriam realizado o investimento,

17. até porque nem sequer foi alegado,

18. não se poderá assim ter por verificado, no seguimento da jurisprudência uniformizada, o requisito do nexo de causalidade, e como tal, não poderá o Banco Recorrente ser responsabilizado pelo dano que se produziu”.

10. Os recorridos respondem, alegando:

1 – Apesar do esforço argumentativo, doutamente explanado nas alegações de recurso e na presente reclamação, não se afigura possível decisão diversa daquelas que nos presentes autos têm sido proferidas.

2 – Não existindo qualquer violação de jurisprudência uniformizada, no acórdão da Relação de Lisboa, proferido nos autos.

3 – Faltando assim fundamento para a interposição de recurso de revista, como, e bem, foi decidido.

4 – Ao longo dos presentes autos a Ré vem desconsiderando matéria neles alegada e provada, que deveria ter em conta.

5 – Nomeadamente:

Dos Factos provados:

---- 15. “Em outubro de 2004, o gestor de conta dos AA. CC, do Banco antecessor da R. (BPN), e com quem os AA tinham uma forte relação de confiança, informou-os da existência de uma aplicação que consistia em obrigações SLN, mas disse aos AA que era um depósito a prazo e tinha juros e capital garantido”.

---- E no ponto 17. “Em 2009 quando os AA tentaram resgatar o seu dinheiro ficaram a saber que não tinham um deposito a prazo, mas sim obrigações SLN …”.

6 – Ora, tais factos, assentes nos autos, tornam toda a argumentação da Ré, embora douta e digna do maior respeito, de certa forma desfasada da realidade processual.

7 – Se o banco disse ao cliente que a aplicação era um deposito a prazo, que sentido faria exigir-lhe a prova que se tivesse sido devidamente informado acerca das obrigações SLN, as não teria subscrito?

8 – A aplicação em obrigações SLN nunca sequer foi proposta aos AA.

9 – Sendo por isso irrelevante, salvo melhor opinião, aferir da boa ou má informação prestada acerca de tais obrigações.

10 – Não existindo também qualquer contradição entre as decisões proferidas nos presentes autos e o acórdão uniformizador de jurisprudência citado pela Ré”.


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A questão a decidir pelos Juízes nesta Conferência é, em síntese, a de saber se é ou não inadmissível o recurso de revista.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Os factos relevantes para a presente decisão são os apresentados no precedente Relatório e que se dão aqui por reproduzidos.

O DIREITO

Na presente reclamação, o recorrente vem insistir na existência da contradição prevista no artigo 629.º, n.º 2, al. c), do CPC e, portanto, na admissibilidade do recurso com este fundamento específico de recorribilidade.

Acontece que, como já houve ocasião de explicar desenvolvidamente na decisão singular (para a qual, na inexistência de argumentos novos, se remete), o facto cuja falta de prova estaria, segundo o recorrente, no cerne da contradição de decisões – de que a violação dos deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação do intermediário foi causa (no sentido de condição sine qua non) da decisão de investir – pode e deve considerar-se assente, ao contrário do que entende o recorrente, e como se confirma através da leitura da passagem relevante do Acórdão recorrido, pelo que não se verifica a pretendida contradição com o AUJ n.º 8/2022 e, consequentemente, o presente recurso não é admissível.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, confirma-se o despacho reclamado e mantém-se a decisão de inadmissibilidade da revista.


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Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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Lisboa, 23 de Abril de 2025

Catarina Serra (relatora)

Carlos Portela

Maria da Graça Trigo

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1. Sublinhados nossos.

2. Sublinhados nossos.

3. Expressão usada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.03.2021 (Proc. 9726/17.9T8CBR.C1.S1), onde pode ler-se: “A estrutura lógica das presunções judiciais é própria da chamada indução reconstrutiva, através da qual se permite comprovar a realidade de um facto (facto presumido) a partir da prova da existência de um outro facto (facto-base, instrumental ou indiciário), funcionando as regras da experiência e da probabilidade como seu fundamento lógico”.