Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | ISABEL PAIS MARTINS | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO IDENTIDADE DO ARGUIDO RECTIFICAÇÃO RETIFICAÇÃO CORRECÇÃO DA DECISÃO CORREÇÃO DA DECISÃO | ||
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Data do Acordão: | 10/15/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE REVISÃO | ||
Decisão: | DENEGADA A REVISÃO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CRIMES CONTRA O ESTADO / CRIMES CONTRA A REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA. DIREITO PROCESSUAL PENAL - SENTENÇA ( CORREÇÃO DA SENTENÇA ) - RECURSOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / REVISÃO / RECURSO DE REVISÃO / FUNDAMENTOS DA REVISÃO. | ||
Doutrina: | - M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, “Código de Processo Penal” Anotado, II volume, 2.ª edição, em anotação ao artigo 468.º, 1099, 1042-1043, em anotação ao artigo 468.º, 1100-1101. - Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal” Anotado, 3.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, em anotação ao artigo 468.º, 598. - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, Universidade Católica Editora, anotação 16, ao artigo 449.º, 1210. - Vinício Ribeiro, “Código de Processo Penal” Notas e Comentários, 2.ª edição, Coimbra Editora, anotação ao artigo 449.º, 1449. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 72.º, 380.º, 449.º, N.º1, 450.º, 457.º, N.º 1. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 359.º, N.ºS 1 E 2. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 29.º, N.º5. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 20/02/2003, PUBLICADO NA COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA, ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ANO XXVIII, TOMO I, PP. 218-220. -DE 24/02/2005, PROCESSO N.º 654/05 – 5.ª SECÇÃO. -DE 11/05/2006, PROCESSO N.º 1171/06 – 5.ª SECÇÃO. -DE 30/04/2009, PROCESSO N.º 243/06.3SILSB-A.S1 – 5.ª SECÇÃO, EM WWW.DGSI.PT . -DE 01/06/2007, PROCESSO N.º 06P1936, EM WWW.DGSI.PT . -DE 28/04/2010, PROCESSO N.º 25/08.8GTLRA-A.S1 – 3.ª SECÇÃO, EM WWW.DGSI.PT . -DE 26/01/2012, PROCESSO N.º 31/10.2GTCBR-A.S1– 5.ª SECÇÃO, 31/10.2GTCBR-A.S1, EM WWW.DGSI.PT . | ||
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Sumário : | I - Não há lugar a revisão da sentença penal condenatória quando o condenado é a pessoa física que foi julgada e que cometeu o crime objecto da condenação, embora identificada com os elementos de identidade relativos a outra pessoa, pois a descoberta dessa falsa identidade não gera dúvidas sobre a justiça da condenação da pessoa física que foi submetida a julgamento. II - O reenvio do processo, para a realização de um segundo julgamento (art. 457.º, n.º 1, do CPP) dessa pessoa física pelos mesmos factos, afrontaria o principio non bis in idem, consagrado no n.º 5 do art. 25.º da CRP. III - De igual forma, não se pode conceber um “novo julgamento” de quem não foi submetido a julgamento e só numa pura ficção (simulando-se que quem foi julgado no processo foi a pessoa de cujos elementos de identificação a pessoa efectivamente julgada se serviu para se identificar, falsamente) poderia assentar, o que, ademais, implicaria, contra a lei, o julgamento de uma pessoa relativamente à qual não há qualquer suspeita de ter praticado o crime. IV - Nessa situação, feita a prova da verdadeira identidade do condenado, deve ser oficiosamente ordenada a correspondente correcção da sentença, nos termos do art. 380.º do CPP, e providenciar-se pela “correcção”, em conformidade, dos elementos remetidos ao registo criminal. | ||
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Decisão Texto Integral: |
I Fundamenta o pedido na alínea c) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, porquanto, na sentença proferida a 03/02/2014, no processo n.º 5585/09.3TDLSB, do 5.º Juízo Criminal de Lisboa, que condenou o arguido BB, pela prática de um crime de falsificação de documento, deu-se como provado que o arguido se apoderou da certidão do assento de nascimento do referido AA e, com ela, obteve na Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa o Bilhete de Identidade n.º ..., que passou a usar desde Outubro de 1996 até 3 de Março de 2011, renovando-o, por duas vezes. Concluiu que, por isso, os factos dados por provados na sentença proferida naquele processo n.º 5585/09.3TDLSB (usurpação da identidade de AA) são inconciliáveis com os que serviram de fundamento à condenação do mesmo AA, no sentido de ter sido ele a incorrer na prática de um crime de condução sem habilitação legal, suscitando-se, pois, graves dúvidas sobre a justiça dessa condenação. 2. O recurso foi instruído com certidão das peças processuais pertinentes. 3. Notificado, o arguido não ofereceu resposta. 4. A informação a que se refere o artigo 454.º do Código de Processo Penal, reiterando os fundamentos de facto em que se alicerça o pedido de revisão, foi em sentido favorável à respectiva autorização. 5. Nesta instância, o Exm.º Procurador-geral-adjunto pronunciou-se, em suma, e concluindo, nos seguintes termos: «(…) «III Afigurando-se-nos, igualmente, que os factos de uma e outra decisão são inconciliáveis, apenas se deve questionar se o recurso de revisão é o processo adequado para corrigir o confronto. A jurisprudência deste STJ tem acolhido maioritariamente o entendimento de que se a pessoa física que foi condenada for efectivamente a que cometeu o crime, embora erradamente identificada, não há lugar a revisão da sentença, devendo proceder-se às necessárias rectificações e correspondentes averbamentos nos certificados de registo criminal dos visados (tese que acompanhamos, igualmente, defendida no parecer de 10 de Novembro de 1949 da Procuradoria Geral da República, e por Maia Gonçalves, 2005, anotação 8ª ao artigo 449.º). «No caso, mostra-se evidenciado, por provado, que o arguido BB usurpou a identidade de AA, logrando obter um BI falso, com a sua fotografia e elementos identificadores do mesmo AA. «Mostra-se igualmente demonstrado que uma pessoa, identificada como AA, com o BI ..., que exibiu na prestação de TIR (fls. 28) foi julgada e condenada nos presentes autos pela prática de um crime de condução sem habilitação legal. Tal pessoa, com residência na Av.ª 25 de Abril, n.º 91, r/c esq. Corroios, foi detida para comparência em audiência (fls. 27). «Posteriormente, por não ter efectuado o pagamento da multa em que foi condenado, foi emitido mandado de detenção para cumprimento da prisão subsidiária. «Como estava indocumentado, a sua identificação foi confirmada e atestada por CC, sua companheira, que se encontrava devidamente identificada (fls. 58). «Por sua vez, no processo 5585//09…, na busca efectuada na morada acima referida como sendo a de AA (fls. 71 e 71), o suspeito afirmou que a sua verdadeira identidade era BB, sendo-lhe apreendidos os documentos aí mencionados, nomeadamente o BI constante do TIR prestado pelo arguido AA no processo. Na referida residência, onde se encontrava a companheira do identificado BB, a referida CC, foram igualmente apreendidos documentos de identificação do filho de ambos, figurando como pai o nome de AA. «Perante estes elementos é evidente e certo que a pessoa que foi julgada nestes autos, que esteve presente em julgamento, foi detido e posteriormente preso para cumprimento da prisão subsidiária é BB, aí identificado como AA… «IV Assim, seguindo-se a tese jurisprudencial exposta, não há, no caso, lugar à revisão, devendo o Ex. mo Juiz proceder às correcções da sentença no que respeita à identificação do arguido, bem como nos averbamentos dos CRC s.» 5. Embora não se mostre observado o disposto no artigo 452.º do CPP, como os autos contêm todos os elementos necessários à apreciação e decisão do recurso, foram colhidos os vistos, com projecto de acórdão, e realizou-se a conferência. Dos trabalhos da mesma procede o presente acórdão.
II
1. Dos elementos com que o recurso foi instruído pode ter-se por assente que a pessoa que foi acusada, submetida a julgamento e condenada, pela prática, em 28/01/2006, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, no processo n.º 202/06.6PAMTA, do, então, Tribunal da Moita, identificada como sendo AA, solteiro, nascido a ..., em ..., filho de... e ..., titular do BI n.º ..., era, afinal, BB, solteiro, nascido em ..., natural da ..., condenado no processo n.º 5585/09.3TDLSB, da comarca de Lisboa, por sentença de 03/02/2014, transitada em julgado em 07/0472014, pelo crime de falsificação de documento, consubstanciado, justamente, no facto de ter obtido o BI n.º ..., em nome de AA, por este se fazendo passar, para o obter e, a partir de Outubro de 1996 até 03/03/2011, utilizando-o, com ele se identificando. Há, por conseguinte, elementos probatórios que revelam ser BB quem conduzia o veículo, quem foi submetido a julgamento e, finalmente, quem foi condenado pelo crime de condução sem habilitação legal, no processo. Verificando-se, porém, que ele [BB], em todos os momentos em que teve de se identificar, forneceu uma falsa identidade, identificando-se como sendo AA, ou seja, atribuindo-se a si próprio a identidade de AA. Nomeadamente, na audiência de julgamento, em que BB tinha o dever de se identificar, com verdade, sob pena de incorrer em responsabilidade penal (artigo 342.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal), conduta passível de integrar o crime p. e p. pelo artigo 359.º, n.os 1 e 2, do Código Penal (falsidade das declarações do arguido sobre a sua identidade). Em suma, o arguido condenado no processo (a pessoa física que teve a qualidade de arguido e foi condenada) foi BB só que, em virtude de ele ter prestado declarações falsas sobre a sua identidade, foi cometido um erro de identificação do arguido, designadamente na sentença, dela constando a (falsa) identificação, como arguido, de AA. 2. A questão que deve ser resolvida consiste, por conseguinte, em saber se o recurso extraordinário de revisão é o meio próprio de “corrigir” o erro quanto à identidade do arguido que consta da sentença. A resposta a essa questão não pode deixar de ser negativa, a nosso ver. 2.1. No domínio do CPP de 1929, a jurisprudência divergia sobre o modo de resolver os casos em que o arguido, condenado em processo penal, havia usado identificação falsa: tanto considerava que o recurso de revisão era o meio processual adequado, como entendia que a questão devia ser resolvida no âmbito do próprio processo, através do incidente a que aludia o art. 626.º desse código. O § único do art. 626.º, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 185/72, de 31 de Maio [«Quando seja certa a pessoa que foi réu no processo, mas insuficiente ou inexacta a sua identificação, proceder-se-á à rectificação desta nos autos, depois de realizadas as diligências necessárias.»], veio pôr termo a essa divergência jurisprudencial, passando a ser adoptada a segunda daquelas orientações. 2.2. O actual CPP não contém disposição expressa idêntica. No entanto, quer Maia Gonçalves[1] quer M. Simas Santos e M. Leal-Henriques[2] defendem que, apesar da omissão, deve continuar a proceder-se do mesmo modo. Solução para que apontava, decisivamente, o Decreto-Lei n.º 381/98, de 27 de Novembro, que regulamentava a identificação criminal e de contumazes, quando, no artigo 6.º, n.º 4, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 288/2009, de 8 de Outubro, estabelecia: «4 – Se depois da remessa do boletim se apurar que o arguido a quem o mesmo respeita forneceu uma identificação falsa, ou que não eram correctos os elementos de identificação, preenche-se outro boletim com a identificação correcta, que é remetido com a respectiva nota de referência, para a substituição do anterior.»[3] 2.3. Podem detectar-se, na jurisprudência deste Supremo Tribunal, duas correntes: uma, que considera que a verificação de erro na identificação da pessoa condenada, cuja identidade foi assumida por outrem, constitui facto novo ou novo meio de prova, que é fundamento do recurso de revisão; outra, que reduz a questão a uma situação em que se impõe a necessidade de rectificação da sentença condenatória, a levar a efeito nos termos do art. 380.º do CPP[4]. Contudo, nos tempos mais recentes, tornou-se claramente dominante a posição jurisprudencial que considera não constituir fundamento de revisão o falseamento da identidade do arguido presente na audiência. Segundo essa posição, se a pessoa julgada é efectivamente o arguido, que se identificou com os elementos de identificação de outra pessoa, há apenas que corrigir os elementos de identificação na sentença, com os consequentes cancelamento e averbamento nos registos criminais do arguido e da terceira pessoa. A título meramente exemplificativo, cita-se o acórdão de 20/02/2003[5], onde se concluiu: «Não há lugar a revisão de sentença penal quando o condenado é a pessoa física, embora identificada com outro nome, que cometeu o crime objecto de condenação. «Em tais situações, haverá, simplesmente, que averiguar incidentalmente, a verdadeira identidade do condenado e, uma vez feita a prova, ordenar oficiosamente as correspondentes rectificações (na sentença) e cancelamentos (ao registo criminal).» Podendo, ainda, referir-se, com destaques dos respectivos sumários: i) O acórdão de 24/02/2005 (Processo n.º 654/05 – 5.ª Secção) «I – Não há lugar a revisão da sentença quando é condenada a pessoa física que cometeu um crime, embora identificada com outro nome. «II – Em tal situação, depois das necessárias diligências, o que importa é que se proceda à rectificação da decisão condenatória, substituindo pelo nome verdadeiro do arguido condenado o nome que, por erro, figura naquela decisão.» ii) O acórdão de 11/05/2006 (Processo n.º 1171/06 – 5.ª Secção) «I – A revisão extraordinária de sentença transitada em julgado não pode ser concedida senão em situações devidamente clausuladas, pelas quais se evidencie ou pelo menos se indicie com uma probabilidade muito séria a injustiça da condenação, dando origem, não a uma reapreciação do anterior julgado, mas a um novo julgamento da causa (art. 449.º, n.º 1, do CPP). «II – No caso em que a pessoa que foi condenada foi o verdadeiro agente da infracção e em que apenas a sua identidade foi falseada pela indicação de sinais identificativos não correspondentes aos da pessoa em causa, haverá lugar à rectificação oficiosa dos dados de identificação do condenado, não existindo fundamento para a revisão da decisão condenatória.» iii) O acórdão de 30/04/2009 (Processo n.º 243/06.3SILSB-A.S1 – 5.ª Secção) «II – O mecanismo do recurso extraordinário de revisão responderia se LS tivesse sido condenado na sua pessoa, e se se viesse a verificar, posteriormente, que à data da prática dos factos se encontrava preso, não podendo, por isso, ter cometido o crime. «III – Mas, no caso presente, a pessoa física que cometeu a infracção criminal foi a mesma que foi julgada e condenada e a quem foi imposta a pena; ou seja, verdadeiramente não foi LS quem foi condenado como autor do crime, mas a pessoa física que, dando o nome daquele, foi detida em flagrante delito. «IV – Deste modo, não há lugar a revisão da sentença penal, havendo, simplesmente, que averiguar, incidentalmente, a verdadeira identidade do condenado e, uma vez feita a prova, ordenar oficiosamente as correspondentes rectificações (na sentença) e cancelamentos (no registo criminal).» E, finalmente, o acórdão de 26/01/2012, proferido no processo n.º 31/10.2GTCBR-A.S1[6], no qual se concluiu: «Não há lugar a revisão da sentença penal condenatória quando o condenado é a pessoa física que foi julgada e que cometeu o crime objecto da condenação, embora identificada com os elementos de identidade relativos a outra pessoa. «Nessa situação, feita a prova da verdadeira identidade do condenado, deve ser oficiosamente ordenada a correspondente correcção da sentença, nos termos do artigo 380.º do CPP, e remeter-se, com a respectiva nota de referência, outro boletim ao registo criminal, com a identificação correcta, para substituição do anterior, nos termos do artigo 6.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 381/98, de 27 de Novembro.» 2.4. Solução diferente foi acolhida no acórdão de 28-04-2010 (Processo n.º 25/08.8GTLRA-A.S1 – 3.ª Secção). Aí, a situação materialmente subjacente não era inteiramente coincidente com a que, no caso, se verifica, pois, como consta do respectivo sumário, «no caso dos autos, figura como acusado, como tendo sido julgado na ausência e como tendo sido condenado pela prática de um crime de condução de veículo automóvel sem para tal estar legalmente habilitado, o cidadão que se identificou como sendo A; todavia, noutro processo, foi julgado provado que o autor desse facto foi B que, no acto da fiscalização pela GNR e no de prestação de TIR, forneceu os elementos identificativos do seu irmão – A – vindo então a ser condenado, pela prática de um crime de denúncia caluniosa, em concurso real com um crime de condenação sem habilitação legal». Reconhecendo-se, como ainda consta do respectivo sumário, que «a situação desenhada nos autos não é, materialmente, a do julgamento e condenação de duas pessoas diferentes pelos mesmos factos. Em ambos os processos, o arguido foi o cidadão B quem conduzia naquele dia, hora, local e circunstâncias o automóvel, foi ele quem foi autuado e detido por não estar legalmente habilitado a conduzi-lo, foi ele quem foi constituído arguido, foi ele quem prestou o TIR, foi ele quem foi pessoalmente notificado para comparecer para ser julgado em processo sumário, com a advertência de que o julgamento se faria mesmo que não comparecesse. Só que, então, declinou identificação que não era a sua, atribuindo a si próprio a identificação do sujeito A». Foi, no entanto, afastada a via da correcção da sentença por rectificação da identificação do arguido, ao que conseguimos detectar, ainda do respectivo sumário, em síntese, por três ordens de argumentos. Por um lado, impor-se-ia o recurso de revisão quando «o recorrente, mais concretamente o MP ou o assistente (cf. art. 450.º do CPP), precisamente por causa da falsa identificação, atacam a justiça da condenação porque, referida a pessoa diferente do verdadeiro arguido, relevou factos pessoais que lhe são estranhos (eventuais álibis, antecedentes criminais, percurso e modo de vida, condições pessoais, comportamento, que podem ter sido ou terão mesmo sido deturpados enquanto referidos a outra pessoa)». Por outro lado, a simples correcção da sentença em causa não seria «susceptível de resolver de forma eficaz e expedita, todo o problema suscitado pela condenação que acabou por recair sobre o sujeito A, pois que ainda pudesse desonerá-lo da condenação, cancelando-se correspondentemente o registo criminal, já não se mostraria capaz de o restituir de forma cabal e plena à situação jurídica anterior à condenação, como tem direito, nos termos dos arts. 461.º e 462.º do CPP: direito a ver publicamente reparada a sua imagem, nos termos amplos previstos no n.º 2 do primeiro daqueles preceitos; direito a indemnização a pagar pelo Estado (n.os 1 e 2 do art. 462.º); direito à restituição das importâncias que suportou em custas e multa (n.º 1 do mesmo artigo)». Finalmente, a simples correcção da sentença por rectificação da identificação do arguido «conduziria ainda, a resultados ofensivos de direitos e garantias constitucionalmente consagrados, designadamente no n.º 1 do art. 32.º e no n.º 5 do art. 29.º da CRP ou, quando não, à constatação de que o tribunal não acautelou convenientemente a protecção desses direitos e garantias». Este último argumento, que radica no princípio non bis in idem, não se projecta, no caso em apreço, uma vez que não se verifica a situação de BB ter sido condenado, noutro processo, pelos mesmos factos. De todo o modo, será oportuno, aqui, recordar que, como se sustentou no acórdão deste Tribunal, de 01/06/2007 (Processo n.º 06P1936): «I – Apurando-se que o arguido foi julgado e condenado duas vezes pelo mesmo facto, em ordem a dar sem efeito uma dessas condenações não cumpre socorrer do recurso de revisão, pois a situação não preenche nenhuma das hipóteses enunciadas no artigo 449.º, n.º 1, do CPP. «II – Naquela situação, cumpre recorrer à aplicação do art. 675.º, n.º 1, do CPC, socorrendo-nos do disposto no art. 4.º do CPP: cumprir-se-á a decisão que passou em julgado em primeiro lugar.» 2.5. A finalidade e os pressupostos do recurso extraordinário de revisão não acolhem a pretensão do recorrente de, por via deste meio processual, ser corrigido o erro na identificação do arguido condenado. Porque do que se trata – como, antes, já deixamos esclarecido – é de um erro na identificação do arguido. Quem foi julgado e condenado foi quem praticou os factos objecto da condenação, dando-se, simplesmente, a circunstância de a pessoa física autora dos factos ter sido identificada erradamente, em virtude da falsidade, por ela cometida, quanto aos seus elementos de identificação. 2.5.1. O artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República, prescreve que «os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos». Na concretização desse princípio, o Código de Processo Penal, entre os recursos extraordinários, consagra o de revisão, nos artigos 449.º e ss., que “se apresenta como um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”[7]. “Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade e, através dela, a justiça, o legislador escolheu uma solução de compromisso que se revê no postulado de que deve consagrar-se a possibilidade – limitada – de rever as sentenças penais.”[8] O recurso de revisão é, assim, um meio processual especialmente vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça. Ora, no caso, relativamente ao arguido – e arguido, no processo, foi BB – não foi cometida qualquer injustiça porque a condenação decorre de ter sido ele o autor dos factos por que foi condenado. Por outro lado, em relação àquele cuja identidade foi falsamente assumida, como sendo a sua, pelo arguido BB também não foi cometida qualquer injustiça, pela razão óbvia que não foi ele [AA] quem foi constituído arguido, quem foi submetido a julgamento e, finalmente, quem foi condenado. 2.5.2. Na solução legislativa, só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, sendo, ademais, taxativas as causas da revisão elencadas no n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal. A revisão de sentença transitada em julgado é admissível (só é admissível) quando: «a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão; «b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo; «c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; «d) se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; «e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º; «f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação; «g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.» De acordo com o fundamento invocado pelo recorrente – a alínea c) do n.º 1 do artigo 449.º – é necessário que se verifique inconciliabilidade dos factos que serviram de fundamento à condenação com os dados por provados noutra sentença e que dela resultem dúvidas graves sobre a justiça da condenação. Só que, tendo sido condenado, como foi, BB, embora sob uma falsa identidade, a descoberta de que ele usava e forneceu uma falsa identidade não gera dúvidas sobre a justiça da sua condenação (da condenação da pessoa física que foi submetida a julgamento). E, bem vistas as coisas, também tal descoberta não se repercute na pessoa de AA pela razão óbvia de que não foi ele quem, realmente, foi condenado no processo. 2.5.3. Finalmente, a decisão de autorização de revisão tem como primeira consequência o reenvio do processo para realização de novo julgamento (artigo 457.º, n.º 1, do CPP). Ora, no caso, “novo julgamento de quem?” Novo julgamento do arguido condenado, não. Porque ele já foi julgado e condenado e um novo julgamento estaria em clara oposição com a razão de ser do recurso de revisão uma vez que, quanto a ele, não há quaisquer dúvidas quanto à justiça da condenação. Acresce que um segundo julgamento do arguido condenado – e, insiste-se, o arguido condenado foi BB não obstante se tenha identificado como sendo AA –, pelos mesmo factos, afrontaria o princípio non bis in idem, consagrado no n.º 5 do artigo 29.º da Constituição [«Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime»]. Novo julgamento da pessoa que não foi arguido no processo e não foi condenada no processo, também não. Não se pode conceber um “novo” julgamento de quem não foi submetido a julgamento e só numa pura ficção (simulando-se que quem foi julgado no processo foi a pessoa de cujos elementos de identificação a pessoa efectivamente julgada se serviu para se identificar, falsamente) poderia assentar. Ficção que, ademais, implicaria, contra a lei, o julgamento de uma pessoa relativamente à qual não há qualquer suspeita de ter praticado o crime. Razões bastantes para se rejeitar a ficção de um “novo julgamento” da pessoa cuja identificação o arguido julgado e condenado usou, como se fosse a sua. E nem mesmo as “vantagens” assinaladas no segundo argumento do acórdão de 28/04/2010 (processo n.º 25/08.8GTLRA-A.S1-3.ª secção), antes transcrito, poderão levar à aceitação, no caso, do recurso de revisão porque isso representaria a degradação do recurso extraordinário de revisão num mero expediente para que a pessoa cuja identificação o arguido julgado e condenado falsamente utilizou obtivesse a compensação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos. De todo o modo, ao lesado com essa actuação do arguido sempre restará a possibilidade de reclamar a indemnização pelos danos sofridos ou no processo que vier a ser instaurado contra o arguido, pelo crime p. e p. pelo artigo 359.º, n.os 1 e 2, do Código Penal, ou em acção civil autónoma, nos termos do artigo 72.º do CPP. 2.5.4. Em suma: Não há lugar a revisão da sentença penal condenatória quando o condenado é a pessoa física que foi julgada e que cometeu o crime objecto da condenação, embora identificada com os elementos de identidade relativos a outra pessoa. Nessa situação, feita a prova da verdadeira identidade do condenado, deve ser oficiosamente ordenada a correspondente correcção da sentença, nos termos do artigo 380.º do CPP, e providenciar-se pela “correcção”, em conformidade, dos elementos remetidos ao registo criminal.
III
Pelo exposto, denega-se a revisão pedida pelo Ministério Público. Sem custas, por delas o Ministério Público estar isento (artigo 4.º do RCP).
Supremo Tribunal de Justiça, 15/10/2015
Isabel Pais Martins
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