Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | SANTOS CABRAL | ||
Descritores: | CONHECIMENTO SUPERVENIENTE CÚMULO JURÍDICO FINS DAS PENAS FUNDAMENTAÇÃO IMAGEM GLOBAL DO FACTO MEDIDA DA PENA PENA ÚNICA | ||
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Apenso: | CONHECIMENTO SUPERVENIENTE CÚMULO JURÍDICO FINS DAS PENAS FUNDAMENTAÇÃO IMAGEM GLOBAL DO FACTO MEDIDA DA PENA PENA ÚNICA | ||
Data do Acordão: | 03/04/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES. | ||
Doutrina: | - Carmona da Mota, em intervenção no Supremo Tribunal de Justiça, no dia 3 de Junho de 2009, no colóquio subordinado ao tema "Direito Penal e Processo Penal". - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentários ao Código Penal, anotação ao artigo 77.º. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 71.º, 72.º, 77.º, 78.º | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 19/06/1996, DE 20/05/1998 E DE 20/12/2006. -DE 09/05/2002, DE 24/11/2005 E DE 26/02/2009. -DE 13/9/2006. -DE 30/03/2007. -DE 29/10/2008 E DE 22/02/2007. | ||
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Sumário : | I - Após o estabelecimento da moldura legal a aplicar, em função das penas parcelares, a pena conjunta deve ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e de prevenção. II - Porém, a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais de medida da pena, um critério especial, consagrado no art. 77.º do CP e que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente. III - Na formação da pena conjunta é fundamental a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse bocado de vida criminosa com a personalidade do agente. IV - Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponde uma nova culpa, mas agora culpa pelos factos em relação. V - Esta concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, de modo a evitar que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo ou puramente mecânico e arbitrário, embora se aceite que o dever de fundamentação não assuma aqui nem o rigor nem a extensão pressupostos pelo art. 71.º do CP. VI - É o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade ─ unitária ─ do agente releva, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso é cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. VII - Na aplicação de uma única pena no concurso de infracções desenham-se duas correntes no STJ: a tradicional que efectua a valoração conjunta dos factos e da personalidade do agente sem recurso a regras matemáticas; a outra que faz intervir ingredientes de natureza percentual ou matemática dentro da nova moldura penal. VIII - Sem prejuízo da não aceitação de critérios matemáticos alheios duma valoração normativa, não repugna que a convocação dos critérios de determinação da pena conjunta tenha como coadjuvante, não mais do que isso, a definição dum espaço dentro do qual as mesmas funcionem. IX - Deste modo, admite-se que, conforme uma personalidade mais ou menos gravemente desconforme com o direito, o tribunal determine a pena única somando à pena concreta mais grave entre 1/2 e 1/5 de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA veio interpor recurso da decisão que, em sede de cúmulo jurídico, o veio condenar na pena conjunta de seis anos de prisão. São as seguintes as razões aduzidas pelo recorrente em sede de conclusões do respectivo recurso: I - No cúmulo das penas emanado da decisão em crise, a moldura do concurso tem como limite máximo 7 anos e 9 meses de prisão (soma de todas as penas parcelares), tanto quanto somam as penas parcelares respectivas, e como limite mínimo 3 anos e 4 meses de prisão (pena parcelar mais elevada), medida da mais elevada delas. II - Estão em causa três crimes contra o património de mediana dimensão que o acórdão recorrido qualifica como de alguma gravidade. III - Vislumbra-se manifesta conexão temporal entre os vários crimes em concurso, praticados entre 7 e 28 de Novembro de 2012, que apresentam uma relação de afinidade e de continuidade naquele concreto e curto período de tempo e correspondem invariavelmente a crimes por pequenos furtos de que resultaram danos de pequena dimensão e todos eles impelidos por um circunstancialismo comum proveniente da toxicodependência a que o condenado estava então sujeito e que esteve na génese dos delitos praticados. IV - A gravidade global dos factos é, no contexto da moldura do concurso, mediana, pois, decorre essencialmente da pena do furto qualificado aplicada nos autos de processo comum com o nº 438/12.0T3STC, que fixa o limite mínimo dessa moldura (3 anos e 4 meses de prisão). V - Deve por isso entender-se que a culpa pelo conjunto dos factos, ou o grau de censura a dirigir ao condenado por esse conjunto, e a medida das exigências de prevenção geral, no apontado contexto, se situam no mesmo patamar, mediano, não permitindo aquela e não impondo esta que a pena se fixe mais perto do limite máximo previsto do que do mínimo. VI - O Acórdão em crise não levou em devida conta a conexão temporal dos factos em concurso aglutinados num curto período de tempo (21 dias), no reduzido valor dos danos causados com a acção do condenado e o facto dos crimes estarem intimamente ligados à dependência do consumo de estupefacientes em que então o condenado estava enredado situação que está em fase de superação. VII - O condenado está em situação de reclusão há cerca de 2 anos e tal como consta do relatório social revela actualmente alguma evolução intrínseca, expressando saturação em relação às consequências da problemática aditiva que lhe está associada e desejo de mudança, tendo retomado tratamento de substituição opiácea á base de metadona. VIII - Registou ainda o Tribunal a quo que na audição do condenado se evidenciou a consciência dos actos que praticou, assim como a manifestação de assumir, quando em liberdade, uma vida em conformidade com as normas de convivência social, dando importância à sua vivência familiar e social. IX - Este comportamento equivale a uma manifestação de profunda interiorização dos males praticados e firme determinação de quando em liberdade, se pautar por uma vida em conformidade com as normas de convivência social, dando importância à sua vivência familiar e social. X – Porém, na determinação concreta da medida única aplicada o tribunal recorrido não deu qualquer relevo a circunstâncias impostergáveis para a determinação da pena única desprezando a consideração da globalidade dos factos (o ilícito global), em conexão com a personalidade do agente. XI – Como se respiga do entendimento perfilhado no Ac. do STJ de 6/10/2010, p. 107/08.6GTBRG.S1, 3ª sec. O modelo de fixação da pena no concurso de crimes rejeita, pois, uma visão atomística dos vários crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação entre si para a necessária relação de todo esse pedaço de vida criminosa com a personalidade do seu agente. Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares crimes, cabe ao tribunal, na moldura do concurso definida em função das penas parcelares, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos que determinam as penas parcelares por cada crime. Nesta segunda fase, quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que (esteve) na base da construção da moldura e atentar na unidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos antes a converte numa nova conexão de sentido. XII - A pena cumulatória de 6 anos (seis anos) de prisão aplicada ao recorrente mostra-se, excessiva e desajustada à culpa pelo conjunto dos factos e à medida das exigências de prevenção geral ultrapassando os limites impostos pelo princípio de ressocialização do delinquente e da sua preparação para que uma vez em liberdade possa ter uma vida lícita, isenta da prática de crimes, pelo que o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação, o disposto no art.° 77.° n.° 1 do C.P. XIII - Em caso algum a pena pode ultrapassar o limite da culpa. Sendo que a aplicação das penas visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração no agente da sociedade. Ao aplicar a pena cumulatória de 6 anos de prisão, o Tribunal irá impedir a reintegração do agente na sociedade, pelo que a recorrida decisão violou, também por erro interpretativo, o disposto no art.° 40.° n.° 1 do Código Penal. XIV - Caso se tivesse sopesado, com razoabilidade e rigor a globalidade dos factos em apreço com a personalidade do agente a medida da pena única aplicada ao condenado não ultrapassaria seguramente uma pena de prisão compreendida entre 4 anos e 6 meses e os 5 anos, cumprindo-se assim, sem desvios, o disposto nos artigos 40º nº 1, 71º nº 1 e 77º nº 1 do CP. Conclui apostrofando pela procedência do recurso determinando-se, por consequência, a substituição do Acórdão recorrido por decisão que de forma ponderada, sábia e justa fixe a medida concreta da pena aplicada ao condenado pelo concurso de crimes numa pena única entre 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e 5 (cinco) anos. Respondeu o Ministério Publico referindo que: 1ª O arguido AA foi condenado pelo Ex Mº Colectivo na pena única de 6 (seis) anos de prisão, em cúmulo jurídico com as penas aplicadas nos processos nºs 688/12.0GHSTC e 649/12.9GHSTC, para além dos presentes autos supra identificados. 2ª - Insurge-se o arguido quanto a esta medida da pena, alegando, para tanto e em síntese, que as penas parcelares aplicadas situam-se entre os 3 anos e 4 meses e os 7 anos e 9 meses, pelo que se mostra exagerada a pena única de 6 anos, sendo violado o disposto no artº 77º, nº1 do Código Penal; O tribunal “a quo” não teve em consideração, a conexão temporal dos factos e a condição de toxicodependência do arguido; A medida das exigências de prevenção geral situam-se num patamar mediano, tal como a gravidade dos factos, pelo que a pena se deve situar mais próximo do limite mínimo. 3ª - Entende o Ministério Público que não assiste razão ao arguido, ora recorrente. 4ª - A determinação da medida concreta da pena é determinada em função da culpa do agente e tendo em conta as exigências de prevenção de futuros crimes - artºs 71º, nº1 do Código Penal. E deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as aludidas nas várias alíneas do nº2 daquele normativo. 5ª - Há ainda que atender ao critério especial previsto no nº1 do artº 77º do Código Penal, o qual impõe que “Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. 6ª - Estamos perante crimes contra o património, mais concretamente de furtos qualificados (um deles na forma tentada), cujas penas parcelares são de 3 anos e 4 meses, 2 anos e 2 anos e 5 meses de prisão, tendo sido considerado médio o grau de ilicitude, sendo intenso o dolo porque directo. 7ª - São também fortes as exigências de prevenção geral, atento o número de ilícitos da mesma natureza praticados nesta comarca, sendo de aplicar a este caso e semelhantes, penas concretas bem acima dos níveis mínimos da penalidade, a fim de se restaurar, na medida do possível, a segurança e o respeito pela tranquilidade das pessoas e segurança de bens de cada um. 8ª - Quanto às razões de prevenção especial, as mesmas também são prementes, face aos antecedentes criminais, inclusive por crime de idêntica natureza (furto e roubo), e outros conforme se infere do elenco do seu crc, bem como o seu problema de adição de estupefacientes que condiciona a sua inserção familiar e laboral. 9ª - O arguido revela uma personalidade com dificuldade e resistência em adoptar uma conduta conforme com os valores sociais e propensão para a prática de ilícitos desta natureza. 10ª - As finalidades da punição são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração dos arguidos na sociedade. 11ª - É certo que o arguido é consumidor de substâncias estupefacientes. Todavia já cumpriu pena de prisão efectiva e tal não o demoveu de práticas idênticas no futuro. 12ª - Assim sendo, existindo manifesta superioridade de agravantes, em relação às atenuantes, a medida concreta da pena deve ser superior ao meio da pena abstracta, pelo que se considera adequada a aplicação de uma pena única de 6 (seis) anos de prisão 13ª - Face ao exposto, não se mostram violadas quaisquer normas jurídicas. Termina pedindo que seja negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra o acórdão do Tribunal Colectivo
O ExªMº Sr Procurador Geral Adjunto emitiu proficiente parecer referindo que: 2.1.1 – Liminarmente, que os crimes indicados no acórdão condenatório, ora impugnado, se encontram, na verdade, numa relação de concurso, impondo-se por isso, tal como ocorreu, o cúmulo das respectivas penas, nos termos dos arts. 77.º e 78.º do Código Penal. Constata-se, com efeito, que o trânsito da primeira condenação ocorreu em 2 de Janeiro de 2013, no âmbito do processo n.º 688/12.0GHSTC, e todos os demais crimes foram praticados antes desta data. 2.1.2 – Esclarecido assim este ponto, e equacionando agora a questão que vem colocada [reexame da medida concreta da pena única aplicada], há que começar por evidenciar que também a nós se nos afigura, com o recorrente, que o Tribunal “a quo” terá empolado desmesuradamente, em clara violação do princípio da “proporcionalidade” e da “proibição do excesso” a medida da pena do concurso, tanto mais que, como vem dizendo o STJ, com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de “per si” considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção – síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos os vários crimes. Como é por demais sabido e vem sendo repetidamente afirmado, aliás, pela Jurisprudência e pela doutrina, a medida concreta da pena do concurso – que se constrói, dentro da moldura abstracta aplicável definida no n.º 2 do art. 77.º do CP, a partir das penas aplicadas aos diversos crimes – é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em linha de conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1, segundo segmento, do CP). O que vale por dizer, pois, que à visão atomística inerente à determinação das penas singulares, sucede agora uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detectar a gravidade desse ilícito global enquanto enquadrada na personalidade unitária do agente. Isto é, e como ensina Figueiredo Dias , «tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique». Nesse exercício, há que considerar que o “ilícito global” – constituído, como vimos, por 3 crimes de furto qualificado, um dos quais na forma tentada, cometidos num período de, apenas, quinze dias, sendo que 2 deles dentro de estaleiros de obras em construção e o outro dentro de um estabelecimento comercial, onde o arguido penetrou sempre por arrombamento –, não pode deixar de considerar-se de média gravidade, tanto mais que são muito pouco significativos os valores globais dos bens envolvidos, da ordem dos 900 a 1.000 euros, e até dos prejuízos causados, que a decisão nem sequer quantifica. É, assim, mediana a gravidade dos factos vistos na sua globalidade, do que resulta que tanto a culpa do arguido por esse conjunto, como as exigências de prevenção geral se situam em idêntico patamar: média criminalidade, não violenta. Por outro lado, se é certo que os antecedentes criminais do arguido, que agiu no quadro da toxicodependência, não podem deixar de projectar a sua importância , quer na medida da pena, quer na culpa, quer nas exigências de prevenção, certo é também que não pode ignorar-se, noutra perspectiva, o seu provado empenho na tentativa de abandono do consuma de estupefacientes (para o que decidiu retomar o tratamento de substituição opiácea à base de metadona) – o que pode evidenciar estar disposto a inverter a sua atitude e a procurar tornar-se um cidadão válido e integrado na sociedade –, tal como ainda, repete-se, a relativamente reduzida importância e impacto económico do conjunto dos crimes, que atingiu, como vimos, valores globais da ordem dos € 1.000,00. 2.1.3 – Neste quadro, tendo em conta a moldura penal do concurso, que tem como limite mínimo 3 anos e 4 meses de prisão [pena parcelar mais elevada], e como limite máximo 7 anos e 9 meses de prisão [soma de todas as penas parcelares e art. 77º, n.º 2 do CP]; atendendo por outro lado quer à proximidade das datas da prática dos crimes: de 7 a 28 de Novembro de 2012, quer à medida da pena parcelar mais elevada – 3 anos e 4 meses de prisão –, tudo a apontar no sentido de que os crimes em causa, apenas três, se não revestem apesar de tudo de significativa gravidade objectiva; ponderando ainda a ilicitude do crime unificado, a sua conexão com a personalidade do agente e o grau de culpa, e sem descurar por último que está em causa pequena e média criminalidade , não violenta, bem como as exigências de prevenção geral [face à frequência e perturbação social sempre decorrentes deste tipo de criminalidade], e prevenção especial positiva [obstar a que o recorrente continue a delinquir], afigura-se-nos ser de fixar a pena única em medida que propomos próxima da pedida pelo recorrente: entre os 4 anos e 6 meses e os 5 anos de prisão, medida esta, a nosso ver, ainda adequada à culpa e potenciadora da sua reintegração social. *** Termina considerando que seja reduzida a pena única do concurso de crimes, operado pela 1.ª Instância, para a medida acima proposta e pedida pelo recorrente. Os autos tiveram os vistos legais. * Cumpre decidir. Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade: O arguido sofreu as seguintes condenações, transitadas em julgado: Por acórdão proferido em 10.12.2013, nos presentes autos, transitado em julgado em 03.02.2014, por factos reportados a 22/23 de Novembro de 2012, pela prática do crime de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 203º n° 1, 204º, nº 1, al. f), 75º e 76º, todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão. Por acórdão proferido no processo nº 688/12.0 GHSTC do Juízo de Instância Criminal do Tribunal Judicial de Santiago do Cacém em 29.11.2012, transitada em julgado em 02.01.2013, por factos reportados a 28.11.2012, pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada p. e p. pelo art. 203º, nº 1, 204º, nº 2, al. e), por referência ao art. 202º, al. d), 22º e 23º, todos do Cód. Penal, foi condenado na pena de 2 (dois) anos de prisão. Por acórdão proferido no processo nº 649/12.9 GHSTC do Juízo de Instância Criminal do Tribunal Judicial de Santiago do Cacém em 11.07.2013, transitada em julgado em 27.09.2013, por factos reportados a 07.11.2012, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º nºs 1 e 104º, nº, nº 2, al. e) do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão. * Com base na motivação constante em cada uma das decisões proferidas são Factos Provados. Nos presentes autos: “1. Em hora não concretamente determinada da noite de 22 para 23 de Novembro de 2012, AA dirigiu-se ao estaleiro sito Rua …, em Porto Covo, onde estão a ser construídas vivendas pela sociedade "Terras de BB, S.A.", o qual se encontra inteiramente vedado com chapas metálicas em torno das vivendas; 2. Aí chegado e usando da força, AA desviou uma das chapas metálicas que vedam o estaleiro e entrou no seu interior; 3. Do interior desse estaleiro, AA retirou diversas peças metálicas que faziam parte dos sistemas de canalização, climatização e eléctricos, designadamente as seguintes, cujo valor total ascende a € 558,97 (quinhentos e cinquenta e oito euros e noventa e sete cêntimos): - 6 dispositivos para activação de descargas de água (castelos em latão) e respectivos espelhos, no valor total de € 30,00; - 2 bichas para ligação de água ao esquentador; - 10 torneiras de segurança e respectivos espelhos, no valor total de € 50.00; - 1 espelho; - 2 botões; - 5 tampas de torneira de segurança (retentores), no valor total de € 5,00; - 4 tampões (bujões), no valor total de € 4,00; - 1 borne de terra para ligação de fios eléctricos, em cobre; - 32 fusíveis de terra em cobre, com o valor total de € 160,00; - 19 cabos de cobre revestidos com plástico verde, amarelo castanho e azul, no valor total de € 170,80; - 3 molhos de cabo descamado, com o valor total de € 104,65; - 13 tubos de cobre, com o valor total de € 34,52; - 1 lavatório em inox; - 1 ventoinha com fio eléctrico, da marca SP. 4. Nessa noite, cerca das 4,45 horas, uma patrulha da GNR interceptou AA junto àquele estaleiro, quando carregava cabos eléctricos e tubos de cobre para o seu veículo automóvel de matrícula "…-…-DF; 5. No interior do mencionado veículo, AA transportava os seguintes objectos, os quais foram apreendidos: i) dentro de um saco da TMN, colocado no banco do pendura: - 1 serra de cortar ferro; - 5 alicates; - 1 x-acto; - 2 chaves de fendas; - 2 pares de luvas; - 1 bolsa de cor cinzenta; - 1 conjunto de 5 chaves sextavadas; - 1 tampa plástica preta; - 1 borracha preta; - 1 peça de desapertar porcas com respectivo plástico preto'; . - 1 borne de terra para ligação de fios eléctricos, em cobre; - 1 porca com a inscrição "Conex Sanbra 16rnm EN 254"; - 1 anilha; - 1 moeda de 1 cêntimo; - 1 fio de cor azul com as pontas castanhas, sendo tais objectos utilizados para a prática dos factos descritos de 1. a 3., ii) dentro da bagageira: - uma mochila preta que continha 6 dispositivos para activação de descargas de água (castelos em latão) e respectivos espelhos; 2 bichas para ligação de água ao esquentador; 10 torneiras e respectivos espelhos; 1 espelho; 2 botões; 1 tubo em cobre; - 5 tampas de torneira de segurança (retentores); 4 tampões (bujões); 1 pilha da marca "extrastar"; e 32 fusíveis de terra em cobre; - 10 cabos de cobre revestidos com plástico verde e amarelo; - 4 cabos de cobre revestidos com plástico azul; - 5 cabos de cobre revestidos com plástico castanho; - 3 molhos de cabo descamado; - 12 tubos de cobre; e - 1 ventoinha com fio eléctrico, da marca SP, tendo estes objectos sido subtraídos da referida obra. 6. Junto à vedação da obra foi ainda encontrado e apreendido um lavatório em inox , que AA já não teve tempo de colocar no seu automóvel. 7. Os sistemas de canalização, climatização e eléctricos das mencionadas moradias em construção foram inutilizados, tornando-se necessário instalar novos canos de cobre e novos cabos eléctricos, bem como instalar novos conjuntos completos de torneiras de segurança; AA sabia que entrava no interior de um estaleiro de construção civil devidamente fechado, sem o consentimento e contra a vontade do seu proprietário, o que fez com a intenção de se apropriar dos bens que aí se encontrassem e que sabia não lhe pertencerem, resultado que logrou alcançar; AA agiu sempre de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.” Do processo nº 688/12.0 GHSTC do Juízo de Instância Criminal do Tribunal Judicial de Santiago do Cacém “1) No dia 28 de Novembro de 2012, cerca das 01:00, o arguido dirigiu-se ao estaleiro pertencente a CC, destinado a guardar material de construção civil e restauração, sito no Monte …, Porto Covo, o qual se encontrava vedado e o respectivo portão de entrada, fechado com corrente e cadeado; 2) Aí chegado, o arguido cortou o cadeado que fechava o portão e introduziu- se no interior do estaleiro, causando prejuízos de valor não determinado, o que fez com o intuito de retirar daí todos os objectos que tivessem valor comercial, intento que não logrou concretizar por ter sido interceptado e perseguido pelo filho do proprietário (o Sr. DD), e depois pelos Militares da GNR, que o detiveram já na cidade de Sines, cerca das 01h30; 3) No local encontravam-se diversos objectos pertencentes ao ofendido de que o arguido podia facilmente apropriar-se, todos com valor superior a €102,00, como, por exemplo, 5 peças de inox, 12 tubos galvanizados e fios de cobre que o arguido já retirara do lugar em que se encontravam guardados e transportara para outro local, a fim de os colocar e transportar no seu veículo automóvel de matrícula …-…-DI; 4) Na sua posse, o arguido tinha uma luva, guardada no interior da roupa interior, que se destinava à concretização do furto; 5) O arguido actuou da forma descrita, bem sabendo que entrava no interior de um estabelecimento comercial, por arrombamento, sem o consentimento e contra a vontade do seu proprietário, o que fez com a intenção de se apropriar dos bens que aí se encontrassem e que sabia não lhe pertencerem, resultado que não logrou alcançar por razões alheias à sua vontade; 6) Agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.” Do processo nº 649/12.9 GHSTC do Juízo de Instância Criminal do Tribunal Judicial de Santiago do Cacém “1. No dia 07.11.2012, cerca das OSH, os arguidos dirigiram-se às instalações da “EE, Lda", sitas na ZIL 2, …., em Sines, as quais se encontram vedadas com rede metálica, e introduziram-se no seu interior, saltando a vedação; 2. Após, os arguidos cortaram uma parte da rede metálica que veda as referidas instalações, provocando danos cujo valor de reparação não se apurou, e retiraram os seguintes objectos, dos quais se apropriaram: - fio e cabo de cobre, de peso total não concretamente apurado mas não inferior a 80,5 kg e valor total não inferior a € 331,50; - 1 radiador de automóvel em alumínio, com o peso de 4 kg e o valor estimado de 7,50€; e - 1 caldeira de máquina de café industrial em cobre e bronze, com o peso de 10 kg e o valor estimado de 28€; 3. De seguida, utilizando o veículo automóvel de matrícula …-…-DI, pertencente ao arguido AA, os arguidos levaram tais objetos para a residência do arguido FF, na ZIL 2, lote …, Sines; 4. Nesse mesmo dia, os arguidos dirigiram-se às instalações da "GG - Comércio de metais, Ldª", sitas em Sines, e venderam a mencionada caldeira e parte do cobre; 5. Ainda nesse mesmo dia, cerca das 15H35m, o arguido AA foi encontrado na residência do arguido FF a descarnar o remanescente do mencionado fio de cobre; 6. Após, cerca das 17H, o arguido AA dirigiu-se novamente às instalações da "GG, Lda", onde vendeu o radiador e 7 kg de fio de cobre; 7. Feita busca no veículo automóvel do arguido AA, no porta-bagagens foram encontrados 21 kg de fio de cobre; 8. O remanescente do fio de cobre foi encontrado na residência do arguido FF, aquando da realização de busca; 9. Foram apreendidos e entregues à "EE, Lda", o radiador e a caldeira e mais de 28 kgs de cabo de cobre, ficando por restituir, pelo menos, 52,50 de cabo de cobre no valor de € 209,20; 10. Os arguidos agiram em conjugação de esforços e vontades, com a intenção de se apropriarem de bens que sabiam não lhes pertencerem, bem como sabiam que para o conseguir penetravam num espaço vedado dependente de um estabelecimento comercial fechado e cortaram a vedação que o cercava, contra a vontade do seu proprietário e causando-lhe prejuízo, o que quiseram e conseguiram; 11. Os arguidos agiram sempre de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”; Apurou-se ainda que: AA é o terceiro de cinco filhos do casal de progenitores. Cresceu inserido num agregado familiar com uma dinâmica equilibrada que se esforçou por lhe transmitir normas e valores socialmente ajustados. Esta família, que se fixou inicialmente em Sesimbra, dispunha de uma condição económica equilibrada, assente nos rendimentos proporcionados pela atividade de armador e de pescador, que o pai exerceu durante vários anos e, posteriormente, através da actividade de comerciante, que passou a exercer e que ainda mantém. AA abandonou a frequência escolar durante o 8°.ano (que não chegou a completar), em consequência da desmotivação que revelava para a aprendizagem e o elevado absentismo que registava. Pouco tempo depois, passou a colaborar na actividade piscatória de alto mar, gerida pelo pai, tendo revelado, competências e capacidade para o desempenho desse ofício, que manteve até aos 20 anos de idade. Em 1998 e depois do pai ter cessado a actividade de armador de pesca, a família deslocou-se para Porto Covo com o objectivo de gerir uma marisqueira, projecto que envolveu AA e grande parte dos elementos que constituíam o agregado familiar, que residiam no mesmo edifício onde exploravam o referido estabelecimento comercial. AA iniciou aos 18 anos uma relação de namoro que progrediu para uma união marital, estabelecida já em Porto Covo, dois anos mais tarde. Desta união o arguido tem uma filha, de 12 anos de idade, entregue à guarda da respectiva mãe após a separação do casal, ocorrida por volta de 2009, aparentemente como consequência do desgaste provocado pela problemática aditiva associada ao arguido. AA envolveu-se no consumo de estupefacientes aos 20 anos de idade, em contexto de convívio com outros jovens do meio de residência; foi intensificando o uso de heroína., revelando também progressivamente dificuldade em assumir as responsabilidades profissionais que lhe cabiam; Apesar de muitas vezes ter desiludido e por vezes prejudicado os familiares devido ao descontrole comportamental associado à toxicodependência, foi beneficiando de suporte por parte dos mesmos, que apoiaram e acompanharam de forma próxima algumas iniciativas/tentativas de recuperação da problemática que realizou anteriormente, nomeadamente na sequência da primeiras condenações penais que sofreu; Em 2008, o arguido recaiu no consumo de estupefacientes e de forma progressiva voltou a manter um modo de vida condicionado por essa adição; Em Junho de 2008 foi condenado numa pena de 2 anos e 4 meses de prisão pela prática de crime de roubo e ofensas à integridade física, tendo revelado ao longo do cumprimento dessa pena um comportamento instável em meio prisional que não possibilitou a concessão de medidas flexibilizadoras da pena de prisão, tendo saído em termo de pena do E.P. de Pinheiro da Cruz em 02.11.2010; Após o cumprimento da pena de prisão o arguido reintegrou temporariamente o agregado familiar de origem, tendo estabelecido, um mês mais tarde, urna nova união marital, Passou a residir, com a companheira, em Vila Nova de Mil Fontes e voltou a trabalhar junto do progenitores na marisqueira em Porto Covo, tendo aderido a tratamento de substituição opiácea à base de metadona. Conseguiu corresponder com as suas obrigações profissionais até Julho de 2012, momento em recaiu no consumo de estupefacientes, recaída que ocorre pouco tempo depois de ter terminado a relação marital que mantinha e que manifestou ter valorizado; Apesar de ter reintegrado o agregado de origem a recaída no consumo de estupefacientes, determinou a retirada de algum suporte (a nível económico) por parte do progenitor e de forma gradual voltou a manter um modo de vida condicionado pelo consumo de estupefacientes, envolvendo-se também no consumo de cocaína; Ao nível das características e competências pessoais demonstrou facilidade de raciocínio na interacção com o interlocutor e revelou reconhecer o valor das principais regras sociojurídicas. No entanto, já demonstrou, em vários momentos do seu percurso de vida, dificuldade em lidar com a frustração, tendência para agir de forma impulsiva e reduzida capacidade de pensamento alternativo e consequencial; Os progenitores do arguido denotam acentuado desgaste emocional em relação ao percurso que o mesmo tem realizado. O arguido revela actualmente alguma evolução intrínseca, expressando saturação em relação às consequências da problemática aditiva que lhe está associada e desejo de mudança, tendo retomado tratamento de substituição opiácea à base de metadona. No E.P. encontra-se a frequentar o ensino com o objectivo de obter o 7º, 8º e 9º ano. Recebe visitas dos seus familiares. Pretende voltar a trabalhar com o pai, quando em liberdade. Mais se apurou que o arguido tem mais os seguintes antecedentes criminais: Foi condenado, por sentença proferida em 31.03.2004, no âmbito do processo n.º 529/98.9GASSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Sesimbra, transitada em julgado em30.04.2004,por factos reportados a 17.09.1998, na pena de 8 (oito) meses de prisão, perdoada nos termos do art. 1.0, da Lei n." 29/99, de 12.05., sob condição, pela prática, no dia 17.09.1998, de um crime de furto simples p. e p. pelo art. 203º do Cód. Penal. Foi condenado, por sentença proferida em 5.11.2004, no âmbito do processo n." 18/03.1GBSTB, do Tribunal Judicial da Comarca de Sesimbra, transitada em julgado em 22.11.2004, por factos reportados a 06.06.2003, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco), pela prática, no dia 5.11.2004, de dois crimes de furto qualificado p. e p. pelo art. 204º do Cód. Penal e de um crime de falsificação p. e p. pelo art. 256º do Cód. Penal. Foi condenado, por sentença proferida em 9.07.2007, no âmbito do processo n." 213/06.1GASSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Sesimbra, transitada em julgado em 24.07.2007, por factos reportados a 27.04.2006, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, pela prática, no dia 27.04.2006, de um crime de recetação p. e p. pelo art.231º do Cód. Penal. Foi condenado, por sentença proferida em 27.05.2008, no âmbito do processo n." 336/06.7GHSTC, do Tribunal Judicial de Santiago do Cacém, transitada em julgado em 30.06.2008, por factos reportados a 01.10.2006, na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, pela prática de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo art. 143º do Cód. Penal. Foi condenado, em cúmulo jurídico, por Sentença proferida em 8.01.2009. no âmbito rio referido processo com a pena aplicada no processo e no processo n.º 52/07.2GBSTC - na pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão; I Em sede de determinação da medida da pena refere a decisão recorrida que: - o conjunto dos factos que subjaz às condenações em que o arguido incorreu reveste alguma gravidade, face ao número de condenações e à mesma natureza dos crimes pelos quais foi condenado. - a personalidade do agente, reveladora de impermeabilidade aos comandos normativos no período a que se reportam os factos, sendo de assinalar a dependência do consumo de produtos estupefacientes, a qual, como é sabido, anda intrinsecamente ligada à prática de crimes contra o património. Importa, também, considerar, os antecedentes criminais do arguido, tendo já cumprido penas efetivas de prisão, situação que não determinou o seu afastamento da prática de novos crimes. Há que atender ao acompanhamento familiar, pese embora o natural e compreensível desgaste dos seus pais em face dos sucessivos atos delituosos que o arguido pratica, não agarrando as sucessivas' oportunidades de reintegração que lhe foram concedidas. Não se descura que, da audição do arguido se evidencia a consciência dos atos que praticou, assim como a manifestação de vontade de assumir, quando em liberdade, uma vida em conformidade com as normas de convivência social, dando importância à sua vivência familiar e social. As finalidades de prevenção geral e especial que subjazem à aplicação das penas. Releva ter em consideração a idade atual do condenado, assim como a idade nas datas da prática dos factos. Importa igualmente tomar em consideração todos os fatores de enquadramento jurídico e de determinação das penas parcelares considerados nas diversas condenações Em razão do exposto, entende o Tribunal Coletivo que a pena de prisão deve ser fixada em 6 (seis) anos de prisão. A questão colocada nos presentes autos perfila-se, na sua singeleza, como um caso exemplar de pena conjunta derivada do concurso de infracções. No que respeita, e repristinando o teor de Acórdão de 30 de Março de 2007, é uniforme o entendimento de que, após o estabelecimento da respectiva moldura legal a aplicar, em função das penas parcelares, a pena conjunta deverá ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e prevenção. Porém, como afirma Figueiredo Dias nem por isso dirá que estamos em face de uma hipótese normal de determinação da medida da pena uma vez que a lei fornece ao tribunal para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72 do Código Penal um critério especial que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade. Conforme se refere no aplicável ao caso, como o vertente, de “conhecimento superveniente do concurso”, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que esteve na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido. Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a avaliação conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP. Tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso… só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz… – ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo artº 71º. Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». Como referem Maurach; Gossel e Zipf a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos (Schonke-Schrôder-Stree), “a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também o receptividade á pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.” Também Jeschek se situa no mesmo registo referindo que a pena global se determina como acto autónomo de determinação penal com referência a princípios valorativos próprios. Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve reflectir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspectiva de existência de uma pluralidade de acções puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Dada a proibição de dupla valoração na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas individuais Em relação ao nosso sistema penal é o Professor Figueiredo Dias quem traça a síntese do “modus operandi” da formação conjunta da pena no concurso de crimes. Refere o mesmo Mestre que a existência de um critério especial fundado nos factos e personalidade do agente obriga desde logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso: a tanto vincula a indispensável conexão entre o disposto nos arts. 78. °-1 e 72.°-3, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo - da «arte» do juiz uma vez mais - ou puramente mecânico e portanto arbitrária. Sem prejuízo de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. 72. ° nem por isso um tal dever deixa de surgir como legal e materialmente indeclinável. Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) Importa ainda precisar que merece inteira sintonia o entendimento de que a substituição daquela operação valorativa por um processo de índole essencialmente aritmética de fracções e somas torna-se incompatível com a natureza própria da segunda fase do processo. Com efeito, fazer contas indica voltar às penas já medidas, ao passo que o sistema parece exigir um regresso aos próprios factos. Dito de outro modo as operações aritméticas podem fazer-se com números, não com valorações autónomas. II Sem embargo, importa salientar, recorrendo ao estudo profundo do Juiz Conselheiro Lourenço Martins sobre esta matéria retém-se a ideia de que na aplicação de uma única pena no concurso de infracções se desenham hoje duas correntes no Supremo Tribunal de Justiça: uma delas (a tradicional) efectuando a valoração conjunta dos factos e da personalidade do agente sem recurso a regras aritméticas, a outra, fazendo intervir, dentro da nova moldura penal, ingredientes de natureza percentual ou matemática. Como exemplos das duas orientações convocadas para a resolução da questão adianta o mesmo autor os seguintes acórdãos que no seu entender são paradigmáticos de duas diferentes concepções:-.Corrente tradicional-Indiciador da tese que denominámos de tradicional se apresenta o ac. STJ, de 19-06-1996, o ac. de 20-05-1998 ou mais recentemente o ac. STJ, de 20-12-2006: - Como exemplo da refutação do apelo à tese dos critérios matemáticos (ou simplesmente aritméticos), o ac. ST J, de 29-10-2008 ou o acórdão de 22-02-2007 Diversamente, convocando a coadjuvação de critérios complementares de natureza logarítmica ou matemática e, nomeadamente, uma denominada «compressão» que deve fazer-se entre o mínimo e máximo da moldura penal especifica prevista no artigo 77 do Código Penal se situa o ac. STJ, de 09-05-2002; No mesmo sector mas, numa formulação mitigada, encontra-se o ac. STJ, de 24-11-2005 e o ac. de 26-02-2009. Após sintetizar as posições em confronto Lourenço Martins encontra algum conforto na tese do recurso à complementaridade, mas suportando esta em algo de mais substancial do ponto de vista dogmático do que a mera necessidade em igualização de penas em teros de obediência ao principio da igualdade. Defende o mesmo a «adição de uma proporção do remanescente das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 e 1/5 e acrescenta que se bem que a corrente, que se poderia designar do «factor percentual de compressão», possa relutar a um Julgador cioso do poder discricionário (aqui, aliás, mais vinculado que discricionário), desde que o seu uso não se faça como ponto de partida mas como aferidor ou mecanismo de controlo, não nos parece que deva, sem mais, ser rejeitada. Representa um esforço de racionalização num caminho eriçado de espinhos, desde que afastada uma qualquer «arbitrariedade matemática» ou uma menor exigência de reflexão sobre os dados. O direito, como ciência prática e não especulativa nunca atingirá a certeza das matemáticas ou das ciências da natureza, mas a jurisprudência deve abrir-se ao permanente aperfeiçoamento. Colocada, assim, a questão, e repetindo a nossa posição de princípio da não aceitação de quaisquer critérios matemáticos alheios duma valoração normativa, não repugna que a convocação dos critérios de determinação da pena conjunta tenha como coadjuvante, e não mais do que isso, a definição dum espaço dentro do qual as mesmas funcionam. Na verdade, como se referiu, a certeza e segurança jurídica podem estar em causa quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, conduzindo a uma indeterminação. Recorrendo ao princípio da proporcionalidade não se pode aplicar uma pena maior do que aquela que merece a gravidade da conduta nem a que é exigida para tutela do bem jurídico. Assim, Para evitar aquela vacuidade admite-se o apelo a que, na formulação da pena conjunta e na ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade, se considere que, conforme uma personalidade mais, ou menos, gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determine a pena única somando à pena concreta mais grave entre metade e um quinto de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso (Confrontar Juiz Conselheiro Carmona da Mota em intervenção no STJ no dia 3 de Junho de 2009 no colóquio subordinado ao tema "Direito Penal e Processo Penal", igualmente Paulo Pinto de Albuquerque Comentários ao Código Penal anotação ao artigo 77). Na definição da pena concreta dentro daquele espaço e um dos critérios fundamentais na consideração daquela personalidade, bem como da culpa, situa-se a dimensão dos bens jurídicos tutelados pelas diferentes condenações. Na verdade, não é raro ver um tratamento uniforme, destituído de qualquer opção valorativa do bem jurídico, e este pode assumir uma diferença substantiva abissal que perpassa na destrinça entre a ofensa de bens patrimoniais ou bens jurídicos fundamentais como é o caso da própria vida. A utilização de tal critério de determinação está relacionada com uma destrinça fundamental que é o tipo de criminalidade evidenciada. Na operação de cálculo importa considerar a necessidade de um tratamento diferente para a criminalidade bagatelar, média e grave, de tal modo que, como refere Carmona da Mota, a “representação” das parcelares que acrescem à pena mais grave se possa saldar por uma fracção cada vez mais alta, conforme a gravidade do tipo de criminalidade em julgamento Paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa, sobretudo, ver se nos encontramos perante uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se aquilo que se evidencia uma mera pluriocasionalidade, que não radica na personalidade do arguido. Este critério está directamente conexionado com o apelo a uma referência cronológica pois que o concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes ou uma referência quantitativa pois que o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes. Como é bom de ver, as necessidades de prevenção especial aferir-se-ão, sobretudo, tendo em conta a dita personalidade do agente. Nela, far-se-ão sentir factores como a idade, a integração ou desintegração familiar, com o apoio que possa encontrar a esse nível, as condicionantes económicas e sociais que tenha vivido e que se venham a fazer sentir no futuro. Igualmente importante é consideração da existência de uma manifesta e repetida antipatia na convivência com as normas que regem a vida em sociedade, quando não de anomia, e que é a maior parte das vezes evidenciada pelo próprio passado criminal III Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa em sentido global dos factos é o da determinação da intensidade da ofensa, e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que, em nosso entender, assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados á dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência. Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a actividade criminosa expresso pelo número de infracções; pela sua perduração no tempo; pela dependência de vida em relação àquela actividade. Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado. Recorrendo á prevenção importa verificar em termos de prevenção geral o significado do conjunto de actos praticados em termos de perturbação da paz e segurança dos cidadãos e, num outro plano, o significado da pena conjunta em termos de ressocialização do delinquente para o que será eixo essencial a consideração dos seus antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto dos factos. Serão esses factores de medida da pena conjunta que necessariamente deverão ser tomados em atenção na sua determinação sendo então sim o pressuposto de uma adição ao limite mínimo do quantum necessário para se atingir as finalidades da mesma pena. É exactamente nessa perspectiva que deverá ser equacionada a formulação do cúmulo jurídico no caso vertente. Importa ter em atenção tal como refere o Exº Mº Sr. Procurador Geral Adjunto que há que considerar que o “ilícito global” – constituído, como vimos, por 3 crimes de furto qualificado, um dos quais na forma tentada, cometidos num período de, apenas, quinze dias, sendo que 2 deles dentro de estaleiros de obras em construção e o outro dentro de um estabelecimento comercial, onde o arguido penetrou sempre por arrombamento –, não pode deixar de considerar-se de média gravidade, tanto mais que são muito pouco significativos os valores globais dos bens envolvidos, da ordem dos 900 a 1.000 euros, e até dos prejuízos causados, que a decisão nem sequer quantifica. É, assim, mediana a gravidade dos factos vistos na sua globalidade, do que resulta que tanto a culpa do arguido por esse conjunto, como as exigências de prevenção geral se situam em idêntico patamar: média criminalidade, não violenta. Por outro lado, se é certo que os antecedentes criminais do arguido, que agiu no quadro da toxicodependência, não podem deixar de projectar a sua importância, quer na medida da pena, quer na culpa, quer nas exigências de prevenção, certo é também que não pode ignorar-se, noutra perspectiva, o seu empenho na tentativa de abandono do consumo de estupefacientes (para o que decidiu retomar o tratamento de substituição opiácea à base de metadona) – o que pode evidenciar estar disposto a inverter a sua atitude e a procurar tornar-se um cidadão válido e integrado na sociedade –, tal como ainda, repete-se, a relativamente reduzida importância e impacto económico do conjunto dos crimes, que atingiu, como vimos, valores globais da ordem dos € 1.000,00. A ponderação dos factores de medida da pena supra elencados e a necessidade de repristinar aquilo que atrás se salientou como as exigências impostas pela certeza e segurança conjugados com o recurso ao referido critério complementar de definição da pena conjunta em termos de factor de compressão levam a representar como adequada uma pena de cinco anos de prisão. Termos em que se julga procedente o recurso interposto por AA e, em consequência, se condena o mesmo na pena de cinco anos de prisão. Sem custas Lisboa, 04 de Março de 2015 Santos Cabral (Relator) Oliveira Mendes |