Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A1267
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES VELHO
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
VENCIMENTO DA DÍVIDA
JUROS
Nº do Documento: SJ200807100012671
Data do Acordão: 07/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
- O vencimento antecipado de todas as prestações do contrato de mútuo oneroso de crédito ao consumo, pela falta de pagamento de uma delas, não implica, salvo convenção em contrário, o vencimento imediato dos juros remuneratórios incorporados em cada uma das prestações acordadas e referentes a prazo ainda não decorrido ao tempo do vencimento antecipado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - “Banco Mais, SA” intentou acção declarativa contra AA, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a importância de € 16.628,04, acrescida de € 2.726,82 de juros vencidos e € 109,07 de imposto de selo sobre estes juros, e, ainda, os juros que sobre a dita quantia de € 16.628,04 se vencerem, à taxa anual de 27,84%, desde 4 de Maio de 2006 e o imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre estes juros recair.
Fundamentando as suas pretensões, alegou, em resumo, ter celebrado com o Réu um contrato de mútuo, mediante o qual lhe emprestou € 9.845,40, com juros à taxa de 23,84% ao ano, importâncias este se obrigou a pagar em 60 prestações mensais e sucessivas, com início em 30 de Junho de 2005, mais tendo ficado acordado que a falta de pagamento de uma prestação no respectivo vencimento implicava o vencimento imediato das restantes e que, em caso de mora, seria aplicável a taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais. A 4.ª prestação não foi paga, vencendo-se, então, todas, ascendendo o débito a € 16.628,04.

A acção procedeu parcialmente com a condenação do R. no pagamento à Autora do montante correspondente à 4ª prestação e demais prestações de capital não pagas, acrescidas de juros moratórios que incidem sobre a parte do capital de todas as prestações (4ª e seguintes) desde 1/10/2005, à taxa de 27,84%, até integral pagamento e do respectivo imposto de selo, tudo a liquidar em sede de execução de sentença.

A decisão foi impugnada pela A., mas a Relação julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença.


A Autora pede revista, peticionando a procedência total da acção, ao abrigo de extensa argumentação da qual é possível extrair a seguinte síntese conclusiva:

1. É errado e infundado o “entendimento” de que o vencimento antecipado das prestações de um contrato de mútuo oneroso por via do artigo 781º do Código Civil, apenas importa o vencimento das fracções da divida de capital e não dos respectivos juros remuneratórios, porquanto o referido preceito legal não faz, nem permite fazer, qualquer distinção entre o vencimento de fracções de capital ou o vencimento de fracções de juros, bem como não diz ou sequer indicia, por exemplo, que apenas se aplica aos mútuos gratuitos e não aos mútuos onerosos, ou vice-versa.
2. O preceito legal apenas fala em “obrigação”, “prestações” e no “vencimento” de todas as prestações mediante a falta de realização de uma delas, e aplica-se a todos os tipos de mútuo, excepto se for afastada pelas partes, já que se trata de norma supletiva, pelo que não se vê, nem há, pois, qualquer fundamento para se entender que o disposto no artigo 781º do Código Civil distingue entre fracções de capital ou fracções de juros, e menos ainda, que apenas se aplica a fracções de capital ou apenas a fracções de juros.
Muito pelo contrário até.
3. Num mútuo oneroso a “obrigação” do mutuário para com o mutuante é precisamente a restituição da quantia ou da coisa mutuada, mais a retribuição do empréstimo que as partes acordaram, ou seja, habitualmente, os juros
4. Assim, no caso de mútuo oneroso liquidável em prestações, é a obrigação do mutuário (restituição da coisa mutuada + retribuição do mútuo acordada) que é repartida por tantas fracções (prestações) quantas as partes acordarem, e que, se não “ab initio”, pelo menos em caso de incumprimento de uma delas, se vencem na totalidade.
5. Pelo que, num contrato de mútuo oneroso em que as partes acordaram no cumprimento da obrigação do mutuário (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo) em prestações, é manifestamente errado e contra a própria natureza jurídica do mútuo oneroso, querer proceder-se a qualquer distinção entre “capital” e “juros”, ou melhor, entre restituição da quantia ou coisa mutuada e a respectiva remuneração do mútuo acordada, tanto mais que, pela sua própria natureza a obrigação do mutuário num mútuo oneroso é só UMA! - (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo).
6. Ao fazer-se tal distinção está-se, errada, indevida e artificialmente, a equiparar as consequências do incumprimento de um mútuo oneroso com as de um mútuo gratuito
7. Bastará ao mutuário incumprir um contrato de mútuo como o dos autos, para que esse mesmo mútuo se transforme, de facto e automaticamente, num mútuo gratuito, passando o mutuário a ter apenas de pagar então os juros moratórios sobre o capital em divida, e isto enquanto quiser, ou seja, enquanto durar a mora.
8. Ao perfilhar-se tal “entendimento”, está-se a incentivar e premiar o incumprimento do contrato de mútuo por parte do mutuário, que, assim, e por causa do seu próprio incumprimento, deixa de ter de pagar a remuneração do mútuo em que as partes acordaram, para passar a ter apenas de restituir a quantia ou coisa mutuada, o que é um perfeito contra-senso jurídico.
9. A Lei não só prevê e regula a gratuitidade ou onerosidade do mútuo, como expressamente prevê no artigo 1147º do Código Civil que “No mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro.”
10. Assim, é manifestamente errado pretender ou permitir que no caso de o mutuário incumprir o contrato não tem já que pagar os mesmos juros por inteiro.
11. É errado o “entendimento” perfilhado no acórdão recorrido no sentido de que o vencimento de todas as prestações do contrato de mútuo dos autos pela falta de pagamento de uma delas nos termos do disposto no artigo 781º do Código Civil apenas abrange a divida de capital e não também o juros remuneratórios ou outras quantias que estavam já incluídas em cada prestação e de que, de qualquer modo, o A. apenas tem direito a peticionar e receber o montante do capital “vincendo” acrescido de juros moratórios mas não já o montante correspondente a todas as prestações não pagas, por nele se incluírem os juros remuneratórios acordados.
12. Se se tiver em consideração que o que nos autos está em causa é um mútuo oneroso comercial ou, mais precisamente, bancário, e se se atentar naquilo que foi expressamente acordado pelas partes no contrato de mútuo dos autos, então é ainda mais errado aquele dito “entendimento”.
13. Com efeito, não está aqui sequer em causa a mera aplicação do artigo 781º do Código Civil.
14. Na verdade, o vencimento imediato de todas as prestações do contrato de mútuo dos autos, mediante o não pagamento de uma delas na data do respectivo vencimento, dá-se não sequer, ou apenas, por via do referido artigo 781º do Código Civil, mas sim por via do expressamente acordado entre as partes na clausula 8ª, alínea b) do contrato de mútuo dos autos.
15. Pelo que, mesmo que se entendesse que o disposto no dito artigo 781º do Código Civil distingue entre capital e juros e apenas implica o vencimento do montante do empréstimo e não da respectiva remuneração acordada (o que manifestamente não distingue e é um erro, como se procurou já explicitar), o certo é que, atento o expressamente acordado no contrato de mútuo dos autos, dúvidas não restam de que vencida uma prestação todas as outras prestações se vencem imediatamente sem qualquer distinção entre capital e juros ou montante do empréstimo e remuneração do empréstimo.
16. Aliás, o próprio Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro (arts. 2º-d) e e) e 4º, que regula os contratos de crédito ao consumo como o dos autos, prevê e estabelece o calculo do “custo total do crédito” que engloba precisamente o montante do empréstimo, os juros acordados e as restantes despesas ou encargos a cargo do mutuário, sendo que é esse montante global, desde logo achado e calculado, que é repartido em prestações uniformes que o mutuário se obriga a pagar. (cfr. artigos 2º, alínea d) e e), e artigo 4º do referido Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro), sendo que tal apenas reforça, ainda mais, aquilo que já antes se explicitou, ou seja, que tal como no mutuo oneroso meramente civil, a obrigação do mutuário fraccionada em prestações engloba o capital e a respectiva remuneração. É essa a obrigação do mutuário “ab initio”.
17. A A. é uma instituição de crédito, pelo que pode proceder à capitalização de juros, sendo que pode - como o fez - pedir juros moratórios sobre o valor total das prestações em débito, apesar de em tal total estarem já incluídos juros remuneratórios.
18. No caso dos autos, tal capitalização acontece desde logo, desde a celebração do contrato de mútuo, razão pela qual o referido Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, manda calcular desde o início e fazer constar do contrato o chamado “custo total do crédito”.
19. Não se pode, pois, pretender que não há capitalização de juros remuneratórios, porque estes não se venceram, uma vez que os mesmos estão, de uma forma ou de outra, vencidos.
20. O acórdão recorrido, ao decidir como o fez, interpretou e aplicou erradamente, o disposto nos artigos 236º, 405º, 560º, 781º, 1145º e 1147º do Código Civil, artigo 2º, alínea d) e e), artigo 4º e 9º, n.ºs 1 e 3 do referido Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, bem como os artigos 5º, 6º e 7º, do Decreto-Lei 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 83/86, de 6 de Maio, o artigo 1º do Decreto-Lei 32/89, de 25 de Janeiro, o artigo 2º do Decreto-Lei 49/89, de 22 de Fevereiro, os artigos 1º e 2º do Decreto-Lei 206/95, de 14 de Agosto, e o artigo 3º, alínea I, do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, que assim violou.

Não foi apresentada resposta.


2. - A questão decidenda, também assim enunciada pela Recorrente, é saber se o vencimento de todas as prestações do contrato de mútuo (de crédito ao consumo), pela falta de pagamento de uma delas, implica o vencimento imediato dos juros remuneratórios que, incluídos em cada uma das prestações acordadas e referentes a prazo ainda não decorrido ao tempo do vencimento antecipado, seriam auferidos com o capital.


3. - Vem assente a factualidade que segue:

a. A Autora é uma instituição de crédito;
b. No exercício da sua actividade, e com destino, segundo informação então prestada pelo Réu, à aquisição de um veículo automóvel, da marca “Nissan”, com a matrícula …-…-…, por acordo escrito datado de 7/06/2005, cuja cópia consta do doc. 1 junto com a petição inicial, a A. emprestou ao Réu € 9.845,40.
c. As Partes acordaram que a importância de € 9.845,40 seria reembolsada com juros à taxa nominal de 23,84% ao ano e com prémios de seguro de vida, em 60 prestações (do montante de € 291,72 cada uma), mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 30 de Junho de 2007 e as seguintes nos dias 30 dos meses subsequentes.
d. As Partes acordaram que a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga mediante transferência bancária a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para conta bancária indicada pela Autora.
e. As Partes acordaram, no referido contrato, que, em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada, acrescida de 4 pontos percentuais.
f. A Ré não pagou a 4ª prestação, vencida a 30 de Setembro de 2005, nem as seguintes.


4. - Mérito do recurso.

4. 1. - Embora o conjunto factual elencado pelas Instâncias o não reflicta, no contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo, celebrado entre A. e R. foi convencionado que “a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes”.

Estipularam, pois, as Partes o vencimento antecipado automático das prestações vincendas, verificada que fosse a falta de pagamento pontual, pelo mutuário, de uma das prestações vencidas.

Assim prevista, por acordo cuja validade não se questiona, a perda do benefício do prazo pelo mutuário, o vencimento da totalidade das prestações em dívida ocorreu, como situado pela A. e fixado no acórdão impugnada, em 1 de Outubro de 2005, com a falta de pagamento, em 30/9, da 4ª prestação, ficando em dívida 57 prestações, a que acresce o juro moratório estipulado à taxa de 27,84% desde a referida data.

Não interessa aqui convocar o regime legal supletivo acolhido no art. 781º C. Civil, relativo aos pressupostos de vencimento antecipado das prestações de dívida, em virtude de, como referido, o regime de vencimento se encontrar validamente convencionado.


4. 2. - Assim, tendo como adquirido que todas as prestações se venceram com o não pagamento da vencida em 30 de Setembro de 2005 – a 4.ª - , o problema que se coloca é o da determinação do conteúdo dessas prestações vencidas, nomeadamente, como dito, de nele se integrar, ou não, os juros remuneratórios convencionados, acrescendo ao capital.

Sobre este ponto escreveu-se no bem fundamentado acórdão recorrido:
(...) Consabido é que o juro é um fruto civil, que se traduz no rendimento periódico de uma obrigação de capital.
São, assim, factores determinativos do juro: o valor do capital cedido, o tempo de duração da cedência do capital ao devedor e a taxa de remuneração (que se traduz no coeficiente do rendimento da capital).
Relativamente aos juros estipulados para remuneração da cedência do capital, como retribuição do mútuo, nos termos do artº. 1145º do Cód. Civil, os mesmos vencer-se-ão findo o período por que foram convencionados.
Como assim, o crédito de juros só nasce à medida e na medida em que o tempo decorre.
E, uma vez que constitui uma remuneração pela indisponibilidade do capital mutuado, só se mantém até ao momento do vencimento da obrigação de restituição desse capital.
A obrigação de juros é consequência da obrigação de capital, mas o princípio basilar é o da autonomia daquela, de harmonia com o artº. 561º do Cód. Civil.
Assim, sublinha ALMEIDA COSTA, «a lei permite que, depois de nascido, o crédito de juros possa ter existência autónoma. Nada impede, por conseguinte, que os juros sejam devidos a terceiro, o crédito de juros seja cedido sem o crédito do capital, ou vice-versa, o crédito relativo ao capital se extinga, mantendo-se o crédito dos juros vencidos, ou se extinga este último e persista o primeiro, etc.» (in "Direito das Obrigações", 6ª ed., p. 645).
(…) Tal natureza distinta da dívida de capital e de juros leva a que «a falta de pagamento dos juros não implica o vencimento imediato da dívida de capital, visto não se tratar de fracções da mesma dívida, mas de dívidas distintas, ainda que estreitamente conexas entre si». (ANTUNES VARELA, in “Das Obrigações em Geral”,vol. II, 7ª ed., p. 54).
E, de igual forma, o vencimento da totalidade da dívida de capital - resultante da falta de pagamento de prestação fraccionada do mesmo - não implica o vencimento imediato da totalidade dos juros remuneratórios que seriam auferidos com o capital.
Visto que o seu montante varia em função do tempo de duração do mútuo, os juros remuneratórios não estão repartidos em prestações correspondentes a uma obrigação de juros fraccionada. Isto é, ao invés da obrigação de capital mutuado (que reveste a natureza de obrigação de prestação fraccionada), a obrigação de juros tem o seu conteúdo e extensão delimitada em função do tempo (de pagamento do capital), sendo, por isso, uma obrigação de prestação duradoura periódica.
Daí que, existindo uma dívida proveniente de mútuo liquidável em prestações nas quais estão incluídos juros remuneratórios, o não pagamento dos juros incluídos nessas prestações não implica o vencimento imediato dos incluídos nas prestações vincendas.
Efectivamente, vencida a obrigação de capital, deixa de haver lugar a remuneração pela indisponibilidade do capital.
Ou seja: como rendimento financeiro do capital, a obrigação de juros remuneratórios gera-se em função do tempo que vai decorrendo e só se mantém até ao momento da restituição do capital mutuado, atenta a sua natureza retributiva.
Em jeito de conclusão: com a antecipação resultante da perda do benefício do prazo, determinada pela falta de pagamento de uma das prestações, vencem-se as demais fracções da dívida parcelada, que é a dívida do capital mutuado, e não também o que, incluído nas prestações estipuladas, corresponda a juros remuneratórios, uma vez que estes, calculados em proporção ao tempo efectivamente decorrido, deixariam de corresponder – sem o decurso daquele tempo – à retribuição que, por definição, constituem.
O vencimento automático clausulado em 8. b), tal como o regime do artº. 781º do Cód. Civil, não se aplica a prestações de juros, porquanto estas só nascem com o decurso do tempo - isto é, no impressivo dizer do Ac. STJ de 12.9.2006 (acessível in www.dgsi.pt), «a obrigação de juros vai surgindo “pari passu” com o decurso do tempo, por ter como escopo “pagar” ao credor o “preço” do capital que disponibilizou durante esse período» - e não é concebível a perda automática do benefício do prazo relativamente a situações em que não exista obrigação já constituída.
(Cfr., neste sentido, por todos: Acs. STJ de 19.4.2005, de 27.4.2005, de 11.10.2005, de 7.3.2006 e de 14.11.2006, acessíveis in www.dgsi.pt)
E, uma vez que não se vencem juros remuneratórios, igualmente não há lugar à respectiva capitalização, a qual seria admissível nos parâmetros anteriormente delineados”.

Não se diverge da argumentação e da conclusão transcritas que, com excepção da posição tomada no acórdão de 22-02-2005 (proc. n.º 3747/04-1), reflectem o entendimento unânime nos já mais de vinte acórdãos, proferidos por todas as Secções Cíveis, em que este Supremo foi chamado a pronunciar-se.

Num dos acórdãos que, sobre o tema, foi proferido por esta conferência e coube relatar ao também ora relator, referiu-se, além do mais, que a aplicação do regime do art. 781º C. Civil aos juros que integram cada uma das prestações antecipadamente vencidas e não apenas à divida de capital tem que ver com a concreta natureza jurídica das parcelas que compõem cada uma das prestações, com a fonte da obrigação que reflecte essas parcelas de cada prestação.

Mantendo o que aí se escreveu, e ora se retoma, trata-se de parcelas distintas, representando uma a parte fraccionada do capital mutuado e a outra parte dos juros remuneratórios devidos pela privação do capital durante o período de execução do contrato (obrigação de capital e obrigação de juros).
A obrigação de pagamento do capital existe e é líquida, estando apenas a sua liquidação diferida nos termos do programa de pagamento das prestações. Se ocorre o fundamento de vencimento total, convencionado ou o previsto no art. 781º, nada impede a exigibilidade imediata da totalidade da dívida, justamente porque a obrigação, única, embora com cumprimento escalonado, já existia, é líquida e, por via do vencimento antecipado, se torna imediatamente exigível.

Não há identidade nem paralelismo com a obrigação de juros.
Estes estão pré-calculados e incluídos nas prestações com o capital no pressuposto do cumprimento de um programa contratual, que consiste em o mutuário ir liquidando prestações constantes, diluindo e antecipando o pagamento dos juros remuneratórios desde o momento em que passa a dispor do capital.
Mas, tal prática não contém a virtualidade de retirar aos juros remuneratórios a sua natureza de frutos civis (art. 212º-2 C. Civ.) representativos do preço de utilização do capital, sempre relacionados com o tempo dessa utilização.
Como rendimento financeiro do capital, os juros geram-se em função do decurso do tempo, do mesmo modo que só se mantêm até ao momento de restituição do capital que se destinam a remunerar.

Os juros remuneratórios abrangidos pelas prestações convencionadas são calculados tendo em conta o tempo de duração do contrato de mútuo e o seu cumprimento, como dito, um certo programa contratual.
Com a antecipação do vencimento resultante da falta de pagamento de uma das prestações, logo se vê que os juros remuneratórios, calculados para todo o período de vigência do contrato, não encontrariam correspondência ou proporcionalidade com o tempo decorrido até à exigibilidade do pagamento do capital, por perda do benefício do prazo, e a natureza retributiva indexada ao tempo que aqueles encerram.

Conclui-se, assim, que se o mutuante provoca o vencimento da totalidade das prestações, visando a recuperação imediata da totalidade do capital, seja ao abrigo de convenção nesse sentido seja no âmbito do exercício do direito previsto no art. 781º, não poderá exigir mais que o capital e a remuneração pela respectiva disponibilidade até ao momento da restituição, ou seja, dos juros remuneratórios incluídos nas prestações apenas são devidos os abrangidos pelas prestações de capital vencidas.


4. 3. - A Recorrente, fazendo apelo à sua qualidade de Instituição de Crédito, reclama o direito de capitalizar juros, pretensão que faz coincidir com o direito a pedir juros moratórios sobre o valor total das prestações em dívida, apesar de nelas estarem incluídos juros remuneratórios.


Não se questiona ter a Recorrente, no exercício da sua actividade de concessão de crédito, o poder de proceder à capitalização de juros, nos termos em que tal lhe é permitido e especialmente regulado pelo DL n.º 344/78, de 17/11 – art. 5º- 4, 5 e 6.

Só que a questão não é essa, mas, como se impõe extrair do anteriormente explanado, de não haver juros a capitalizar por, pelas razões convocadas a obrigação de juros, ligada ao tempo e programa contratual, não se ter vencido, nem ter sequer nascido.

4. 4. - Por último, a Recorrente sustenta ser errado pretender-se que o mutuário não tem que pagar os juros remuneratórios por inteiro quando incumpra o contrato, quando terá que fazer esse pagamento integral caso queira antecipar o cumprimento, como previsto no art. 1147º C. Civil.


Dispõe o preceito invocado que “no mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro”.

O regime legal dos contratos de crédito ao consumo – DL 359/91 – contém normas específicas sobre o cumprimento antecipado pelo mutuário, que lhe não impõe o pagamento integral dos juros – art. 9º.

Desde logo, tratando-se, como se trata, de normas especiais, fixando regime diferente para o crédito ao consumo do estabelecido para o contrato de mútuo em geral, não se vê como sustentar a aplicabilidade do art. 1147º.

Mas, ainda que assim não fosse, tem-se por certo reconduzirem-se a situações bem diferentes o vencimento antecipado de prestações do contrato, por via de convenção ou de actuação do art. 781º, e a antecipação de pagamento a que aludem os arts. 1147º e 9º, citados.
Aqui, é o mutuário que, unilateral e antecipadamente, impõe o cumprimento ao mutuante, o qual, deve presumir-se, está interessado em manter o contrato pelo prazo convencionado e durante ele receber a remuneração do seu capital, bem se compreendendo que se aquele quer encurtar o prazo não seria razoável que se lhe permitisse fazer recair sobre o contraente fiel os efeitos do incumprimento do programa contratual.
Além, no primeiro caso, a iniciativa de antecipação parte do mutuante que, embora fundada em comportamento faltoso (mora) do mutuário, pode não ser utilizada, aguardando o decurso do prazo normal de execução contratual.

Assim, como se faz notar no acórdão impugnado, o mutuante pode exigir o pagamento imediato das prestações parcelares subsequentes, mas continua a apresentar-se-lhe a alternativa de tolerar o atraso continuando a [ter o direito a] receber os juros pela quantia mutuada ainda não restituída, ou aproveitar-se do vencimento antecipado, perdendo o direito aos juros remuneratórios que lhe competiriam no caso de o contrato se manter até ao termo do prazo fixado.

4. 5. – Deste modo, há que responder à questão proposta no sentido de que o vencimento antecipado de todas as prestações do contrato de mútuo oneroso de crédito ao consumo, pela falta de pagamento de uma delas, não implica, salvo convenção em contrário, o vencimento imediato dos juros remuneratórios incorporados em cada uma das prestações acordadas e referentes a prazo ainda não decorrido ao tempo do vencimento antecipado, entendendo-se não merecer a decisão recorrida a censura que lhe vem dirigida.


5. - Decisão.

Pelo exposto, acorda-se em:
Negar a revista;
Confirmar o acórdão impugnado; e,
Condenar a Recorrente nas custas do recurso.


Lisboa, 10 Julho 2008

Alves Velho (relator)
Moreira Camilo
Urbano Dias