Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
619/22.9JAFUN-E.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO RATO
Descritores: HABEAS CORPUS
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
VIOLAÇÃO
ABUSO SEXUAL DE PESSOA INCAPAZ DE RESISTÊNCIA
CRIMINALIDADE VIOLENTA
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 06/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO
Sumário :

I –Integrando-se a conduta do arguido fortemente indiciada na previsão do artigo 215º, n.ºs 1, als. a) a d), e 2, do CPP, os prazos máximos da prisão preventiva aí previstos são de, respetivamente, 6 (seis) meses sem que tenha sido deduzida acusação, 10 (dez) meses sem que tenha sido proferida decisão instrutória, 1 (um) ano e 6 (seis) meses sem que tenha havido condenação em 1ª instância e 2 (dois) anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.


II – Pelo que, tendo-lhe sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva no dia 10.12.2022, substituída sem interrupções pela de obrigação de permanência na habitação, em 9.01.2023, o Ministério Público deduzido contra ele acusação no dia 6.06.2023, imputando-lhe a prática de crime integrável nas referidas normas, e o tribunal proferido acórdão condenatório por crime também aí integrável, em 1912.2023, o prazo máximo daquelas medidas de coação a considerar no caso em apreço é o de 2 (dois) anos, que se esgotará apenas no dia 10 de dezembro de 2024.


III – A tando não obsta a circunstância de, entretanto, o acórdão condenatório ter sido parcialmente anulado pelo tribunal de recurso, que ordenou a reabertura da audiência para cumprimento do procedimento omitido, uma vez que, como tem sido entendimento uniforme na doutrina e na jurisprudência, o prazo de duração das medidas de coação de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação é único, embora ampliado em cada uma das sucessivas fases do processo.


IV – E a eventual nulidade, de um dos atos erigidos como marcos delimitadores da sua duração em cada fase processual não se confunde com a sua inexistência jurídica. Por isso que uma vez chegado o processo à fase do julgamento e proferida decisão condenatória, o prazo de duração máxima daquelas medidas de coação é o resultante da ampliação legalmente estipulada para esse marco temporal e processual, sem retorno ao da fase anterior para a qual foi reenviado o processo em função da anulação parcial da decisão, por persistir o seu efeito jurídico de acesso a essa fase e da manutenção daquele prazo.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 619/22.9JAFUN-E.S1


(Habeas corpus)


5ª Secção Criminal


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório


I.1. O arguido, AA, de nacionalidade portuguesa, nascido em ... de ... de 1974, com os demais sinais dos autos, com o patrocínio do deu defensor, no âmbito do processo-crime acima referenciado pendente no Juízo Central Criminal do Funchal – JCCFUN – J ., atualmente sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação à ordem daquele processo, nos termos dos artigos 31º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) e 222.º n.ºs 1 e 2, al. c), do Código de Processo Penal (doravante CPP), apresentou a seguinte petição de habeas corpus:


« Exmº Senhor


Dr- Juiz Conselheiro


Presidente do Supremo do Tribunal de Justiça


AA, arguido nos autos à margem referenciados promovidos por MP Vem :I -A providência de habeas corpus Atento na lei 222.º, n.º 2, do CPP


O arguido foi preso preventivamente e permanece nos termos do artigo 215 nº 8 do CPP ate ao dia de ontem um ano e oito meses


No artigo 215 nº 1 alinea d) CPP um ano e seis meses - Sem que tenha havido condenação sem transito em julgado o que é o caso


No caso vertido o arguido já ultrapassou os prazos da prisão preventiva.


Assim o arguido encontra-se em prisão ilegal formulando nos termos do artigo 222 nº 2 alínea c) manter-se para alem dos prazos fixados – Excede o limite do prazo da prisão preventiva No artigo 215 nº 1 alinea d) CPP


Por ser ilegal excedendo o respectivo prazo a Prisão preventiva requer-se a devolução do arguido à liberdade de imediato.


Pede Deferimento


O Advogado


(…)»


I. 2. Aquele Juiz ..., com funções de presidente do tribunal coletivo, por despacho de 11 de junho de 2024, mandou remeter a petição ao Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ), instruída com certidão das peças processuais que considerou mais relevantes e passíveis de evidenciar o estado dos autos e as vicissitudes do estatuto processual do arguido, nomeadamente, da apresentação do arguido detido a primeiro interrogatório, do auto deste interrogatório, dos despachos judiciais que o sujeitaram e reviram às medidas de coação de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação, com sujeição a vigilância eletrónica, da acusação deduzida pelo Ministério Público (MP) e do acórdão condenatório, acompanhada da informação prevista no artigo 223º, n.º 1, do CPP, nele contida.


O Despacho é do seguinte teor:


«Autue por apenso.


Remeta o expediente anterior ao Supremo Tribunal de Justiça, por se tratar de habeas corpus, nos termos do disposto no art. 223º, nº1 do Código de Processo Penal, com a seguinte informação:


O arguido AA foi preso preventivamente à ordem do processo nº 619/22.9JAFUN no dia 8 de dezembro de 2022 no Estabelecimento Prisional ... e posteriormente colocado em OPHVE.


Por acórdão proferido em 19 dezembro de 2023, o requerente foi condenado, além do mais, numa pena de 5 anos e 6 meses de prisão.


Nos termos do art. 215.º, n.º 1 d) e 2 do Código de Processo Penal, o prazo máximo de duração da medida de coação aplicada ao arguido é de 2 anos “sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado”.


O arguido interpôs recuso para o Tribunal da Relação de Lisboa, não tendo ainda sido proferida decisão com transito em julgado.


Pelo exposto, não se mostrando excedido o prazo máximo da OPHVE mantém-se a referida medida de coacção aplicada, a qual só atingirá o seu termo em 8 dezembro de 2024.


Uma vez que o autos ainda se encontram no tribunal da Relação, instrua os autos com certidão do presente translado.


(…)»


1. 3. A que foi ainda junta cópia do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) que julgou parcialmente procedente o recurso do arguido e ordenou a reabertura da audiência para cumprimento do procedimento previsto no artigo 358º, n.ºs 1 e 3, do CPP


***


Convocada a secção criminal, notificados o MP e o defensor, realizou-se audiência, tudo em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP.


Terminada a audiência, a secção reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que se seguem.


II. Fundamentação


II. 1. Os factos relevantes e necessários para apreciação e decisão da providência sub judice mostram-se enunciados na própria petição e na informação judicial antes transcritas, suportados e em conformidade com o teor da certidão e demais elementos juntos, de que se destacam os seguintes:


a) O arguido foi detido em cumprimento de mandados de detenção fora de flagrante delito emitidos pelo MP, no dia 8.12.2022;


b) Foi sujeito a 1º interrogatório judicial de arguido detido no dia 10.12.2022, sob imputação da prática de um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164º, n.º 2, al. a), do Código Penal (CP);


c) Na sequência desse interrogatório, por despacho judicial da mesma data ficou, entre o mais, sujeito à medida de coação de prisão preventiva, por se terem considerado fortemente indiciados os factos que lhe eram imputados e, consequentemente, a prática do referido crime, e verificados os perigos previstos nas alíneas b) e c) do art.º 204º do C.P.P;


d) Essa medida de coação foi revista e substituída pela de obrigação de permanência na habitação, sujeita a vigilância eletrónica, por despacho judicial de 9.01.2023, a qual, regularmente revista, foi mantida inalterada até ao presente momento;


e) O MP, em 6.06.2023, deduziu contra o arguido acusação em que lhe imputou o referido crime;


f) Submetido a julgamento, por acórdão de 19.12.2023, foi o arguido condenado numa pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses, pela prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo artigo 165º, n.º 2, do CP, em resultado da alteração da qualificação jurídico-penal dos factos imputados e provados nele operada;


g) Deste acórdão interpôs o arguido recurso para o TRL, que, por acórdão de 2.05.2024, lhe deu parcial provimento e ordenou a reabertura da audiência no JCCFUN – J ., para cumprimento do procedimento previsto no artigo 358º, n.ºs 1 e 3, do CPP, determinação cuja execução se aguarda.


II. 2. Como a generalidade da doutrina e da jurisprudência vêm repetidamente afirmando, o habeas corpus, segundo o seu atual desenho constitucional e legal estabelecido nos artigos 31º da CRP e 220º a 224º do CPP, consubstancia uma providência fundamentalmente destinada a garantir o direito à liberdade consagrado no artigo 27º da CRP.


Não se confunde com os meios ordinários de reação e de impugnação das decisões judiciais, nomeadamente com o recurso, mas pode com eles coexistir, destinando-se unicamente a resolver e reverter as situações de detenção ou prisão grosseiramente ilegais, ostensivas, evidentes e atuais, ou seja, que traduzam um abuso de poder por detenção ou prisão ilegal.


No que à prisão ilegal concerne, as situações cabíveis na providência são as que se encontram taxativamente elencadas nas três alíneas do n.º 2 do artigo 222º do CPP, cuja apreciação e conhecimento é da competência das secções criminais do STJ, mediante requerimento da própria pessoa privada da liberdade ou de qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, em procedimento caraterizado pela simplicidade e celeridade do qual estão excluídas as questões de natureza processual e material que extravasem daquele circunscrito objeto.


Tudo como melhor pode ver-se, v. g., nos acórdãos do STJ, de 20.10.2022, proferido no processo n.º 801/10.1JDLSB-G.S1, relatado pelo Conselheiro António Gama, e de 22.03.2023, proferido no processo n.º 22/08.3JALRA-I.S1, relatado pela Conselheira Ana Barata Brito1.


Em suma, trata-se de uma providência de natureza excecional e não recursiva, reservada para situações de flagrante, ostensiva e inequívoca ilegalidade da prisão, passíveis de apreciação e decisão céleres - 8 dias, nos termos do artigo 31º, n.º 3, da C.R.P. -, por isso incompatíveis com o escrutínio do mérito da ou das decisões judiciais subjacentes e das questões de facto e jurídicas que não se mostrem incontroversas, é dizer que não estejam estabilizadas e não sejam consensuais, outrossim dos eventuais vícios geradores de irregularidades ou nulidades do processo ou de algum dos seus atos, aspetos, em princípio, reservados para os meios ordinários de impugnação das decisões judiciais, como são os recursos, as reclamações e a simples arguição, como se observou no acórdão do STJ, de 01.02.2007, proferido no processo 353/07, citado por Maia Costa, in ob. e loc. referenciados em rodapé 2 3.


II. 3. Vejamos então se, no caso em apreço, estão verificados os pressupostos necessários à concessão do habeas corpus peticionado pelo arguido.


Não restam dúvidas quanto à tempestividade da petição, considerando que o arguido e requerente se encontra privado da liberdade à ordem do processo no qual lhe foram aplicadas as medidas de coação de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação que a substituiu, sem interrupções, nela reputada de ilegal, nem quanto à sua legitimidade para requerer a providência, considerando o teor literal dos artigos 31º, n.º 2, da CRP e 222º, n.ºs 1 e 2, do CPP.


*


II. 3. 1. Decorre da petição apresentada que a ilegalidade da privação da liberdade em que o requerente funda o pedido de concessão da providência se limita à situação prevista na alínea c) do n.º 2 do citado artigo 222º do CPP, inquestionavelmente aplicável à medida de coação de obrigação de permanência na habitação4, excluindo-se, por conseguinte, as das correspondentes alíneas a) e b) respeitantes à incompetência da entidade que a efetuou ou ordenou e ao motivo baseado em facto pelo qual a lei a não permite.


Circunstâncias cuja não verificação no caso em apreço se afigura indiscutível, na medida em que, por um lado, a prisão preventiva do arguido e a obrigação de permanência na habitação, que se lhe seguiu, foram ordenadas por um juiz, titular do processo e do tribunal material e territorialmente competente para nele as decretar, e executadas pelas competentes autoridades policiais e prisionais em cumprimento das ordens/mandados judiciais baseados naquelas decisões, e, por outro, estas se fundamentaram na existência de fortes indícios da prática pelo mesmo de crime doloso punível com pena de prisão superior a 8 (oito) anos, designadamente os de violação e de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência p. e p., respetivamente, pelos artigos 164º, n.º 2, al. a), e 165º, n.º 2, do CP [artigos 202º a 205º, 210º e 211º da CRP e 1º, als. a ), b), c), j) e l), 8º a 18º, 194º, 202º, n.º 1, als. a) e b), 201º, 268º e 323º e ss. do CPP, e 2º, 23º, 24º, 43º, 79º e ss., 116º, 117º, 119º a 121º e 135º da Lei n.º 62/2013, de 26.08 (LOSJ)];


Assim sendo e considerando a natureza taxativa da previsão legal quanto às situações que admitem o habeas corpus por prisão ilegal, importa apreciar o pedido à luz da alínea c) do n.º 2 do artigo 222º do CPP, cuja redação é a seguinte:


Artigo 222.º


Habeas corpus em virtude de prisão ilegal


1 – (…)


2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos (…) e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:


a) (…);


b) (…); ou


c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.


(…)


II. 3. 2. Apreciemos, pois, os factos acima considerados apurados e estabilizados em resultado dos fundamentos da petição e da informação, certidão e demais elementos com que foi instruído o processo.


O requerente funda a sua pretensão na circunstância de o prazo legal das medidas de coação de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação cabível neste caso ter sido excedido na data da sua apresentação, por ter já decorrido 1 (um) ano e 8 (oito) meses desde o respetivo decretamento e início de execução, sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado e, assim, sido ultrapassado o prazo de 1 (um) ano e 6 (seis) meses da duração máxima consentida pelos artigo 215º, n.º 1, al. d), do CPP.


Será que lhe assiste razão?


Vejamos.


O requerente não discute a qualificação jurídico-penal dos factos que lhe foram imputados e judicialmente considerados fortemente indiciados como crime de violação e/ou de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência p. e p., respetivamente, pelos artigos 164º, n.º 2, al. a), e 165º, n.º 2, do CP, a que correspondem, em abstrato, penas de prisão de 3 e 2 (três e dois) a 10 (dez) anos, a qual, na verdade, não merece censura.


Sendo assim, a sua conduta fortemente indiciada integra-se nas categorias/conceitos de criminalidade violenta e especialmente violenta previstos no artigo 1º, als. j) e l), do CPP, respetivamente.


Ora, nessas situações os prazos máximos das medidas de coação de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação são os previstos nas disposições conjugadas dos artigos 215º, n.º s 1, als. a) a d), e 2, e 218º, n.º 3, do CPP, pelo que, na presente situação, o seu prazo máximo é de 2 (dois) anos e não de apenas 1 (um) ano e 6 (seis) meses a contar da data da respetiva aplicação, como se refere na informação prestada pelo juiz a quo.


Logo, tendo a detenção do arguido ocorrido no dia 8.12.2022 e a prisão preventiva sido decretada, após interrogatório judicial, no dia 10.12.2022, substituída pela de obrigação de permanência na habitação, em 9.01.2023, não se mostra excedido o prazo máximo dessas medidas ali estabelecido, a coberto do disposto nos artigos 27º e 28º da CRP.


Tal prazo, se até lá não for proferido e transitar em julgado novo acórdão condenatório, só se esgotará, portanto, no dia 10 de dezembro de 2024.


Conclusão igualmente inevitável, ainda que o pedido tivesse por fundamento, que não tem, o pressuposto de que o prazo aplicável seria o do artigo 215º, n.ºs 1, al. c) e 2, do CPP, considerando a anulação parcial do acórdão prolatado pelo JCCFUN decretada pelo TRL, com reabertura da audiência, com a consequência de fazer retornar o processo à fase de julgamento, anulando os efeitos antes produzidos a este nível pela prolação do anterior acórdão condenatório.


Com efeito, o acórdão condenatório já prolatado pelo JCCFUC, apesar da sua parcial nulidade, não é inexistente, pelo que a sua invalidade parcial não apaga todos os seus efeitos jurídicos, nomeadamente aquele de o processo ter acedido à fase do recurso, ou seja, posterior à sua prolação, e, em consequência, o prazo máximo de duração da medida de coação de privação da liberdade a que se encontra sujeito a considerar não ser o previsto no artigo 215º, n.ºs 1, al. c), e 2, do CPP, mas antes o estabelecido na al, d) do n.º 1, por referência ao n.º 2, do mesmo preceito, cujo esgotamento, como dito, só ocorrerá no dia 10 de dezembro de 2024, se até lá não for proferida e transitar em julgado nova decisão condenatória.


Com efeito, como tem sido entendimento uniforme na doutrina e na jurisprudência, o prazo de duração da medida de coação de prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação é único, embora ampliado em cada uma das sucessivas fases do processo.


Daí que se entenda que uma vez chegado o processo a uma dada fase, o prazo de duração máxima da prisão preventiva é aquele resultante da ampliação legalmente estipulada para essa fase, sem retorno ao das fases anteriores para a qual seja eventualmente reenviado em função da anulação de um ou vários atos praticados, nomeadamente da sentença/acórdão ou da decisão instrutória, porque, embora nulas, persistem alguns dos seus efeitos jurídicos, entre os quais o de o processo ter de facto entrado na fase correspondente e da manutenção dos inerentes prazos de duração máxima daquelas medidas de coação.


Neste sentido podem ver-se, Maia Costa5 e Elisabete Ferreira e Paulo Pinto de Albuquerque6, e os acórdãos do STJ de 28.04.2005, 7.06.2017, 18.10.2017 e 18.05.2023, relatados pelos Conselheiros Pereira Madeira, Manuel Augusto de Matos, Helena Moniz e José Eduardo Sapateiro, nos processos n.ºs 05P1692, 881/16.6JAPRT-AD.S1, 595/15.4PAVFX-Bj, e 4982/18.8T9LSB-B,S1, respetivamente7.


*


À luz de tais factos e considerações, inevitável se torna concluir que a prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação do requerente não excedeu o prazo legal máximo admissível nesta fase processual, sendo manifestamente improcedente o fundamento previsto na al. c) do n.º 2 do artigo 222º do CPP em que o requerente estribou a requerida providência de habeas corpus.


Nenhuma ilegalidade da prisão enquadrável nas situações taxativamente previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 222º do CPP se verifica, portanto, no presente caso, devendo, por isso, recusar-se a concessão da providência requerida, por manifesta falta de fundamento.


III. Decisão


Em face do exposto, acorda-se em:


a) Indeferir, por manifesta falta de fundamento, a providência de habeas corpus requerida pelo arguido AA (artigo 223.º, n.ºs 4, al. a), e 6, do CPP);


b) condenar o requerente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigos 524º do CPP e 1º, 2º, 6º e 8º, n.º 9, do RCP, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26.02, e Tabela III ao mesmo anexa), a que acrescerá o pagamento de uma soma de 10 UC, nos termos do artigo 223º, n.º 6, do CPP.


Lisboa, d. s. certificada


(Processado e revisto pelo relator)


João Rato (Relator)


Jorge Bravo (1º Adjunto)


Celso Manata (2º Adjunto)


Helena Moniz (Presidente da Secção)





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1. Ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

2. No mesmo sentido, vide acórdão do STJ, de 26.06.2003, proferido no processo n.º 03P2629, relatado por Simas Santos, também disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

3. Para maiores desenvolvimentos sobre a origem, natureza, pressupostos, fins e âmbito de aplicação do habeas corpus, podem ver-se, em acréscimo aos acórdãos antes mencionados e à doutrina e jurisprudência neles referenciada, Maia Costa, Habeas corpus: passado, presente, futuro, Revista Julgar n.º 29, Maio-Agosto de 2016, pg. 219 e ss., e comentários aos artigos 219º a 224º no Código de Processo Penal Comentado, de Henriques Gaspar et al., 3ª Edição Revista, 2021 Almedina, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 1993, pg. 260 e ss., Pedro Branquinho Ferreira Dias, Comentário a um acórdão, Revista do Ministério Público, Ano 28, n.º 110, pg. 216 e ss., Tiago Caiado Milheiro, anotações aos artigos 220º a 224º, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, António Gama... [et al.]. —2º ed. — v. 3: Almedina, 2022, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, em anotações aos artigos 31º e 27º, e os acórdãos do TC e do STJ neles resenhados, assim como nos referidos comentários de Maia Costa.↩︎

4. Assim, por todos, Maia Costa, em anotação ao preceito, conjugado com os artigos 215º a 218º, n.º 3, do CPP, no “Código de Processo Penal Comentado” referenciado na nota anterior.↩︎

5. Em anotação ao artigo 215º, in ob. e loc, cit.↩︎

6. Em anotação ao artigo 215º do “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos”, org. [de] Paulo Pinto de Albuquerque, UCP Editora, vol, 1, Lisboa, 2023↩︎

7. Disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, salvo o terceiro, que é inédito.↩︎