Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | SANTOS CABRAL | ||
Descritores: | ACÓRDÃO ABSOLUTÓRIO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONVERSA INFORMAL DECLARAÇÕES DO ARGUIDO DEPOIMENTO INDIRECTO LEITURA PERMITIDA DE AUTOS E DECLARAÇÕES ORGÃOS DE POLÍCIA CRIMINAL PENA PARCELAR PENA ÚNICA | ||
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Data do Acordão: | 12/12/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES. DIREITO PROCESSUAL PENAL - APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO - SUJEITOS DO PROCESSO / ORGÃOS DE POLÍCIA CRIMINAL / ARGUIDO - PROVA / MEIOS DE PROVA - MEDIDAS CAUTELARES E DE POLÍCIA - JULGAMENTO / AUDIÊNCIA / PRODUÇÃO DE PROVA. | ||
Doutrina: | - Adérito Teixeira, “Depoimento Indirecto e arguido”, Revista do CEJ 2005, p. 135 e ss.. - Damião da Cunha, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 7, fasc. 3, p. 426 e ss.. - Eurico Balbino Duarte, “Prova Criminal e Direito de Defesa”, estudos sobre a Teoria da Prova e Garantias de Defesa em Processo Criminal, p. 58 e ss.. -Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal, p. 65 e segs.. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 5.º, N.º2, 55.º, N.º 2, 59.º, N.º1, 129.º, 249.º, Nº 1 E 2, ALS. A) E B), 356.º, N.º 7, 357.º, 387.º, 400.°, N° 1, AL. D), 432°, N° 1, AL. B). CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 77.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 22/04/2004, DE 05/01/2005, DE 26/06/2006, DE 15/02/2007 E DE 07/10/2009. -*- ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO14/20013. | ||
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Sumário : | I - Admite recurso para o STJ o acórdão do Tribunal da Relação que absolveu o arguido da prática de todos os crimes pelos quais tinha sido condenado em 1.ª instância numa pena única de 9 anos de prisão, resultante das penas parcelares de 5 anos, de 3 anos e 6 meses, de 3 anos e 6 meses, de 1 ano e 6 meses e de 10 meses de prisão. II - No caso de apreciação pelo STJ duma decisão absolutória em relação à qual foi aplicada uma pena conjunta superior a 8 anos de prisão, tal pressupõe, inevitavelmente, a avaliação das penas parcelares e a apreciação dos crimes que às mesmas conduziram. III -Como se refere no Ac. do STJ de 07-10-2009, o alargamento da competência deste Supremo Tribunal à apreciação das penas parcelares (não superiores a 5 anos de prisão) nada tem de incongruente enquanto questão exclusivamente de direito, compreendida na questão mais geral da fixação da pena conjunta, a qual, nos termos do art. 77.º do CP, deve considerar globalmente os factos e a personalidade do agente. IV - O depoimento de órgão de polícia criminal pode assumir conformação diversa consoante o momento e as circunstâncias a que se reporta. V - As denominadas conversas informais com o arguido reconduzem-se: a) a afirmações percepcionadas pelo órgão de polícia criminal, enquanto cidadão comum, em momentos da vida quotidiana e nas exactas circunstâncias em que qualquer cidadão pode escutar tais declarações; b) a afirmações proferidas por ocasião ou por causa de actos processuais de recolha de declarações; c) a conversas tidas com um órgão de polícia criminal no decurso de actos processuais de ordem material, de investigação no terreno ou em acções de prevenção e manutenção da ordem pública em que aqueles são confrontados com o crime. VI - O agente de órgão de polícia criminal não pode ser inquirido como testemunha sobre o conteúdo de declarações formais que estão no processo ou de declarações informais que, devendo estar no processo por imposição legal, efectivamente não estão. VII - Para além destas situações existe uma ampla probabilidade de realidades extra processuais em que a colaboração do arguido, por actos e palavras, surge como instrumento adequado da investigação criminal e, muitas vezes, integrado num acto processual válido e relevante. VIII - Não há qualquer impedimento ou proibição de depoimento que incida sobre aspectos, orais ou materiais, descritivos ou impressivos, narrativos ou conclusivos, que a lei não obriga a estar registados em auto ou, ainda, relativamente a diligências ou meios de obtenção de prova que tenham autonomia material e jurídica, quer quanto ao meio de prova que geram, quer quanto a afirmações não retratáveis em auto que o arguido tenha proferido na ocasião da realização de diligências e meios de obtenção de prova. IX - Constitui um meio de prova válido, por se mostrar alheio ao âmbito de tutela dos arts. 129.º e 357.º do CPP, o depoimento prestado pela testemunha pertencente a órgão de polícia criminal relativo às indicações do arguido nas diligências externas a que se procedeu. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O Procurador Geral Distrital no Tribunal da Relação de Évora veio interpor recurso da decisão do mesmo Tribunal que concedeu provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, absolveu o mesmo arguido de todos os crimes por que foi condenado em primeira instância. Em sede de decisão de primeira instância, do Tribunal Judicia de Albufeira tinha sido proferida decisão que julgou parcialmente procedente por parcialmente provada a acusação e, em conformidade, condenou o mesmo arguido: Pela prática de três crimes de roubo, em co-autoria e consumados, p. e p. pelo artº 210º, nº 1 e 2, al. b) do CP, fixando as penas em 5 anos de prisão (B...), 3 anos e 6 meses de prisão (A...), 3 anos e 6 meses de prisão (P...); Pela prática de um crime de sequestro, em co-autoria e consumado, p. e p. pelo artigo 158º, nº 1 do CP, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; Pela prática de um crime de burla informática, em co-autoria e consumado, p. e p. pelo artº 221º, nº 1 do CP, na pena de 10 meses de prisão; Em cúmulo jurídico fixou-se ao arguido a pena única de 9 (nove) anos de prisão. As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: 1ª - O Tribunal a quo absolveu o arguido AA da prática em coautoria material de três crimes de roubo, p. e p. pelos artigos 210°, n° 1 e 2, alínea b), um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158°, n° 1 e um crime de burla informática, p. e p. pelo artigo 221°, n° 1, todos do Código Penal, nas penas de 5 anos de prisão, 3 anos e 6 meses de prisão e 3 anos e 6 meses de prisão, para os crimes de roubo, 1 ano e 6 meses de prisão para o crime de sequestro e 10 meses de prisão para o crime de burla informática e, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 anos de prisão, por que tinha sido condenado pelo tribunal de primeira instância. 2ª - O Tribunal a quo absolveu o arguido AA por considerar que a prova baseada no reconhecimento dos lugares onde foram perpetrados os crimes de roubo e sequestro de que o arguido AA foi coautor, não o poderia ter sido em virtude daquele não ter prestado declarações em sede de julgamento e, por isso, não poder ser confrontado com o depoimento prestado perante a Polícia Judiciária e que levou ao reconhecimento de tais lugares, nem poder serem levados em conta os depoimentos prestados pelos inspetores da Polícia Judiciária em julgamento relativamente a tal matéria, por tal lhes ser vedado pelo n° 7 do citado artigo 356°. 3ª- Igualmente, e quanto ao crime de burla informática, também o Tribunal a quo, entendeu absolver o arguido AA por considerar que este não teve qualquer participação no levantamento de dinheiro em máquina da ATM com o cartão bancário propriedade do ofendido B..., bem como das compras efetuadas com o mesmo cartão nos estabelecimentos Ourivesaria C... e R... Popular. 4ª- No que concerne aos crimes de roubo e sequestro o que está em causa não são as declarações prestadas pelo arguido AA perante a Polícia Judiciária mas sim os elementos dados por aquele e que conduziram aos locais onde crimes foram cometidos, onde o arguido teve parte ativa como coautor dos mesmos. 5ª - Não foi posto em causa que essas declarações tenham sido prestadas de modo livre e não coagidas. 6ª - Teremos que, forçosamente, separar os dois elementos referidos: por um lado, declarações formais que o arguido tenha prestado a OPC e reproduzidas em auto; por outro lado, a ida ao local dos crimes orientada pelo arguido e posteriormente reduzida a auto de reconhecimento. 7ª - A prova por reconhecimento dos locais, reduzida a auto, foi passível do contraditório por parte da defesa do arguido AA. 8ª - De igual modo, é válida a prova produzida por declarações dos inspetores da Polícia Judiciária que depuseram em audiência de julgamento sobre o referido reconhecimento pelo arguido dos locais onde ocorreram os crimes, porque também passível do contraditório. 9ª - E certo é, igualmente, que este reconhecimento é um elemento de prova legal e válido, conforme o reconhece o próprio Tribunal a quo. 10ª - No sentido exposto vejam-se os Acórdãos do STJ, de 5/1/2005, do TRC, de 16/1/2008 e 1/4/2009. 11ª - Além do exposto, resultam como prova irrefutável a existência de vestígios de ADN do arguido AA deixados na casa do ofendido B... o que permite situar a presença daquele arguido, sem margens para dúvidas, naquele local aquando da prática do crime de roubo e sequestro. 12ª - Já quanto ao crime de burla informática o Tribunal a quo considerou provado, à semelhança do tribunal de primeira instância, que "Tal indivíduo aparece, em alguns dos fotogramas, acompanhado de perto ou à distância por outro, cuja fisionomia parece coincidir sensivelmente com a do indivíduo retratado nas fotografias, que acompanham os autos de reconhecimento de locais a fls. 600 e 731 e que se sabe seguramente ser o arguido AA. Assim sendo, não há razão para pôr em dúvida identificação das pessoas que surgem nos fotogramas feita no acórdão recorrido ". 13ª - Ou seja, não se põe em dúvida que o arguido AA tenha estado presente aquando da aquisição de mercadorias na Ourivesaria C... e na R... Popular. 14ª - Para se cometer em coautoria um crime não é necessário que se pratique os precisos atos dos outros coautores, bastando tomar parte na sua execução, existindo uma decisão e actuação conjuntas - Acórdão do STJ, de 16/11/2006, sendo relator o Exmº Conselheiro Rodrigues da Costa. 15ª - Não se verifica concurso aparente, na modalidade da consumpção, dos crimes de roubo, sequestro e burla informática. 16ª - As penas de 5 anos de prisão, 3 anos e 6 meses de prisão e 3 anos e 6 meses de prisão, para os crimes de roubo, 1 ano e 6 meses de prisão para o crime de sequestro e 10 meses de prisão para o crime de burla informática e, em cúmulo jurídico, a pena única de 9 anos de prisão, aplicadas ao arguido pelo Tribunal de primeira instância mostram-se criteriosa e perfeitamente adequadas, tendo em conta nomeadamente as exigências de prevenção geral e especial e os graus elevados de intensidade do dolo e ilicitude dos factos praticados. 17ª - Com a sua decisão o Tribunal a quo violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 125°, 127°, 355°, 356°, n° 1 e 357°, n° 1, 2 e 7, a contrario, do Código de Processo Penal. 18ª - Assim sendo, revogando-se o douto acórdão recorrido e substituindo-o por outro que julgue provados os factos que determinem a condenação do arguido AA pela prática de três crimes de roubo p. e p. pelos artigos 210°, n° 1 e 2, alínea b), um crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158°, n° 1 e um crime de burla informática, p. e p. pelo artigo 221°, n° 1, todos do Código Penal, e a sua condenação nas penas aplicadas pelo Tribunal de primeira instância, se fará justiça. Respondeu o arguido AA, concluindo que: I - O recurso apresentado pelo Ministério Público não é admissível, nos termos do disposto no artigo 400.°, n.° 1, al. d), do Código de Processo Penal, com a redacção introduzida pela Lei n.° 20/2013, de 21 de Fevereiro, porquanto, II - O recorrido foi condenado, em primeira instância, nas penas parcelares de 5 anos de prisão, 3 anos e seis meses de prisão, 3 anos e 6 meses de prisão, 1 ano e 6 meses de prisão e 10 meses de prisão. E, em cúmulo jurídico na pena única de 9 anos de prisão. III - O recurso de acórdãos absolutórios proferidos pelas relações só é admissível caso a primeira instância tenha aplicado pena de prisão superior a 5 anos. IV - De acordo com a jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal de Justiça, em relação à al. f) do artigo 400.°, n° 1, do CPP, ao mesmo está vedado o conhecimento do recurso quanto aos crimes em concurso a que tenha sido aplicada pena de prisão inferior a 8 anos, na medida em que quanto a estes se formou caso julgado material, podendo apenas a actividade decisória subjacente à pena única aplicada em cúmulo, caso superior aos referidos 8 anos. V- Idêntico raciocínio terá que ser feito quanto à ai. d), do mesmo artigo, considerando que quanto aos crimes em concurso o acórdão transitou em julgado, não sendo passível de reexame no presente recurso. VI- Interpretação diferente criaria uma desigualdade de armas, desfavorecendo o arguido e beneficiando a acusação, violando, nessa interpretação das referidas normas - artigo 400.°, n.° 1, als. d) e f) - , o disposto nos artigos 13.° e 32.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, por violação material dos direitos à igualdade e de defesa no processo penal, o que, desde já, se invoca para os devidos e legais efeitos. VII - Assim sendo, deverá o recurso interposto ser rejeitado, por não ser admissível. Caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se admite, ainda se dirá: VIII - A proibição de valoração das declarações prestadas pelo arguido em sede de inquérito que atinge as declarações prestadas no interrogatório policial, deve ser considerada extensiva às informações por ele fornecidas nas diligências complementares dessa tomada de declarações, sendo esta a interpretação mais consentânea com o espírito dos artigos 355.° a 357.° do Código Processo Penal. IX - As diligências documentadas de fls. 731 a 733 e 600 a 603 e denominadas de "auto de reconhecimento a locais", não passam de um complemento às declarações prestadas no interrogatório a que o arguido foi submetido no mesmo dia, sendo tal facto admitido nos próprios documentos (fls. 731 e 600). Pelo que, X - Os referidos reconhecimentos aos locais não podem ser valorados separadamente das declarações prestadas pelo arguido em sede de interrogatório, na medida em que, tal como consta dos referidos relatórios, as mesmas visavam única e exclusivamente complementas as declarações já prestadas, permitindo identificar os locais mencionados no interrogatório. XI - Assim sendo, não podem as informações fornecidas pelo arguido nas referidas diligências ser valoradas, sob pena de violação do disposto nos artigos 355.° a 357.° do Código Processo Penal. XII - É inconstitucional toda e qualquer interpretação que permita valorar as declarações e informações transmitidas aos órgãos de polícia criminal por um arguido prestadas para efeitos de complemento ao interrogatório feito horas antes e sempre no pressuposto de esclarecer o que tinha dito em sede de interrogatório, quando em julgamento, no uso do direito previsto na alínea d) do n.° 1 do artigo 61.° do CPP e no n.° 1 do artigo 32.° da Constituição, se recusa a prestar declarações sobre o objecto do processo. Inconstitucionalidade que expressamente se invoca para todos os legais e devidos efeitos. XIII- É ainda inconstitucional o 356.°, n.° 7, do CPP, quando interpretado no sentido de permitir a inquirição dos órgãos de polícia criminal sobre declarações complementares ao interrogatório anteriormente prestadas pelo arguido, mesmo que tais declarações impliquem a deslocação ao local onde ocorreram os factos, por violar o disposto no artigo 32.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa. XIV- Por outro lado, o reconhecimento de locais de crime não tem suporte legal, apenas se podendo eventualmente assimilar à reconstituição dos factos, prevista no artigo 150.°, do CPP. XV- Contudo, a norma contida no artigo 150.° do CPP tem como pressuposto a necessidade de se apurar se determinado facto pode ter ocorrido de determinada forma e como requisito a reprodução fiel, tanto quanto possível, das condições em que o facto ocorreu e a repetição do modo de realização do mesmo. XVI- Os autos de reconhecimento de locais ora em análise retratam apenas uma espécie de visita guiada por parte da Polícia Judiciária ao arguido a determinados locais da Comarca de Albufeira, uma vez que foi o referido órgão de polícia criminal que conduziu o arguido e que o levou aos locais que bem entendeu. XVII - Os reconhecimentos de locais juntos aos autos a fls. 731 e ss, e 600 e ss, não contêm elementos, que com toda a segurança, e, em conjugação com os demais elementos de prova existentes nos autos, nos permitam afirmar que o arguido AA entrou na casa do ofendido Luciano Biondi, no Restaurante Pôr do Sol e no Supermercado Alisuper, e aí cometeu os factos que lhe foram imputados. XVIII - A informação constante no auto de reconhecimento corresponde a reprodução de declarações complementares, prestadas pelo arguido não podendo, por essa razão, ser valorada, sob pena de violação do disposto no artigo 356.°, n.° 7, do CPP. XIX - Inexiste qualquer outro meio de prova que nos permita concluir que o arguido AA teve intervenção nos factos sob análise nos presentes autos, não podendo o referido auto de reconhecimento de local ter a virtualidade pretendia pelo Ministério Público, na medida em que a reconstituição dos factos, como meio de prova, tem por finalidade verificar se um facto poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma ou supõe a sua ocorrência e na forma da sua execução. XX - Não existem nos autos quaisquer outros elementos de prova que permitam situar a presença do arguido AA na casa do ofendido Biondi. Ao contrário do alegado pelo Ministério Público no recurso apresentado, não existem vestígios de ADN do arguido AA na casa do ofendido Biondi, neste sentido, vide relatório de exame n.° 208/2010-JFC, junto a fls. 864 dos autos. XXI - Assim sendo, face ao supra exposto, o acórdão ora recorrido não é susceptível de qualquer censura. Pelo que, XXII - Deverá improceder a pretensão do Ministério Público, mantendo-se, como se impõe, o acórdão recorrido e a consequente absolvição do arguido AA. XXIII - Quanto ao crime de burla informática, tal como é referido pelo recorrente para se conter um crime em co-autoria é necessário tomar parte na sua execução, bem como que exista uma decisão e actuação conjunta. XXIV - Contudo, não foi feita qualquer prova de que o recorrido tivesse tido intervenção activa no crime ora em análise e muito menos uma participação co decisiva, em que o seu contributo tenha sido essencial e determinante para a produção do facto. XXV- Face ao supra exposto, o acórdão ora recorrido não é susceptível de qualquer censura. Pelo que, XXVI - Deverá improceder a pretensão do Ministério Público, mantendo-se, como se impõe, o acórdão recorrido e a consequente absolvição do arguido AA. Não obstante, e admitindo-se, por mera hipótese que o tribunal ad quem decida revogar o acórdão ora recorrido, o que por mero dever de patrocínio se admite, ainda se dirá: XXVII - Quanto aos crimes praticados quanto ao ofendido Luciano Biondi, nomeadamente crime de roubo, crime de sequestro e crime de burla informática, estamos na presente de um concurso aparente de crime, na modalidade de consumpção, devendo, em consequência, o arguido ser condenado unicamente pelo crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.°, n° 1 e 2, al. b), do Código Penal. XXVIII - O levantamento de quantias em dinheiro através da utilização de cartão de crédito ou o pagamento de compras utilizando o cartão de crédito, obtido juntamente com o código PIN, por meio de violência, constitui simplesmente a consumação da apropriação violenta, ou seja, é um mero acto de consumação do crime de roubo (artigo 22.°, n.° 2, al. a) do Código Penal). XXIX - A privação da liberdade do ofendido ocorreu apenas pelo período de tempo estritamente necessária e proporcional à consumação do roubo, não se verificando, por isso, os elementos do tipo do crime de sequestro. XXX - Ao contrário do alegado pelo recorrente, da análise do caso em concreto e do que resultou provado em audiência de julgamento, o ora recorrido, com o devido respeito e salvo melhor opinião, considera as penas de prisão em que foi condenado em primeira instância manifestamente exageradas e desproporcionais, atendendo aos critérios de determinação da medida de pena previstos no artigo 71° do Código Penal. XXXI - A pena aplicada em primeira instância ao arguido no que respeita aos crimes de burla informática e de sequestro são excessivamente exagerada. Sendo os referidos crimes punidos com pena de multa ou pena de prisão até três anos, não tendo o arguido antecedentes criminais quanto a estes tipos de crimes, não tendo tido intervenção directa na utilização do cartão, não tendo o domínio do facto quanto aos crimes, entendemos ser suficiente a aplicação ao arguido de pena de muita. XXXII - Em relação aos crimes de roubo, tendo em conta os factos constantes no ponto 51 da matéria de facto dado como provada, do qual consta que o arguido mostra capacidade de auto-censura e mostra-se ciente da gravidades dos actos, bem como a idade do arguido à data dos factos, e ainda a circunstância de não se ter apurado qual a concreta participação do arguido, entende-se que as penas de prisão deveriam ter sido todas fixadas próximo do limite mínimo da moldura penal. XXXIII - Em consequência, a pena única decorrente do cúmulo jurídico deverá fixar-se perto do limite mínimo legalmente admissível, nunca mais de 5 anos de pena de prisão.
Conclui no entendimento de que deverá o recurso apresentado pelo Ministério Público ser rejeitado, por não ser admissível, ao abrigo do disposto nos artigos 432°, n° 1, al. b) e 400.°, n° 1, al. d), ambos do CPP. Neste Supremo Tribunal de Justiça o ExºMº Sr Procurador Geral Adjunto emitiu proficiente parecer no sentido da procedência do recurso. Os autos tiveram os vistos legais. * Cumpre decidir Em sede de julgamento de primeira instância consideraram-se provados os seguintes factos: I. No dia 20 de Março de 2011, cerca das 17h30m, o arguido PP, acompanhado dos arguidos AA, BB e de um outro indivíduo cuja identidade se não apurou em concreto, combinaram entre si que se dirigiriam à residência de LL (sita no M..., P... – A...) e a assaltariam, apropriando-se de todos os valores que se encontrassem no seu interior, contra a vontade de quem quer que ali se encontrasse. Para o efeito, nessa data, agindo sempre de comum acordo e em conjunção de esforços, os arguidos e acompanhante introduziram-se no interior da referida residência, forçando as grades da porta da cozinha, aguardando o regresso do proprietário. Assim que este entrou, foi de imediato agredido com socos e murros e, depois de dominado, amarrado a uma cadeira onde ficou enquanto os arguidos e acompanhante, munidos de gorros que lhes tapavam o rosto e luvas, procuravam valores. Nessa busca, localizaram o cartão de crédito do ofendido que, após ser ameaçado e agredido, forneceu o respectivo código. Deste modo, do referido local retiraram e levaram consigo, nomeadamente, os seguintes objectos, que fizeram seus: 1) Um telemóvel Samsung no valor de 230€; 2) Um telemóvel Nokia no valor de 80€; 3) Um telemóvel Nokia no valor de 80€; 4) Uma câmara fotográfica no valor de 900€; 5) Um relógio no valor de 1.500€; 6) Um cartão de crédito do BCP e respectivo código; 7) Um par de calças de fato de treino da marca Nike Air, cinzento claro, com a referência Runing on Air since 87, de valor não concretamente apurado. Dos valores e objectos supra referidos só foram recuperadas as calças de fato de treino referidas em 7) que estavam na posse do arguido PP aquando da sua detenção pela PJ. De seguida, os arguidos NN e AA, munidos do cartão de crédito do ofendido, dirigiram-se ao Millennium BCP de Boliqueime, onde efectuaram levantamentos em dinheiro de uma caixa ATM no valor total de 400€. Dirigiram-se ainda ao Algarve Shopping, onde efectuaram compras de objectos de ouro na loja Joalharia Carilor, de valor não concretamente apurado mas de cerca de 1.700/1.800€ e à Rádio Popular (sita no Retail Park da Guia) onde compraram duas Playstations 3, dois comandos wireless para as referidas consolas e quatro ou cinco videojogos, de características e valor não concretamente apurado, mas não inferior a 900€. Em todas essas situações, utilizaram para os respectivos pagamentos e levantamentos em ATM o referido cartão do ofendido e o respectivo código que tinha sido entregue por este. Com a acção descrita e os comportamentos concertados e sucessivos, os arguidos PP, AA e BB e acompanhante quiseram ainda limitar a liberdade de decisão e acção do ofendido, bem como a sua liberdade de movimentos, a fim de mais facilmente conseguirem alcançar os seus objectivos, o que conseguiram. Mais quiseram os referidos arguidos e acompanhante deter o ofendido no interior da sua residência, no período e circunstâncias acima descritas e impedi-lo de usar a sua liberdade de locomoção, mantendo-o preso e impedido de sair do local, contra a sua vontade. Na verdade, os arguidos referidos e acompanhante já tinham exercido violência suficiente para atemorizar o ofendido, para que lhes desse o que pretendiam, mas ainda assim quiseram continuar a mantê-lo preso na sua própria casa apenas com o fito de lhe coarctar a sua liberdade de locomoção e impedi-lo de dali sair. Os arguidos NN e AA, ao efectuarem, em comunhão de esforço e colaboração, os factos e as descritas operações bancárias, criaram a convicção no operador bancário ATM de que eram os legítimos titulares desse cartão de crédito, bem sabendo que o mesmo lhes não pertencia e que, ao agirem do referido modo, punham em causa a fiabilidade dos dados e respectiva protecção, causando com tais condutas também um prejuízo ao ofendido no valor das aquisições e levantamentos efectuados. Os valores supra referidos não foram recuperados. II. No dia 26 de Junho de 2011, cerca das 20h15m, os arguidos BB e AA, combinaram entre si que se dirigiriam ao supermercado Alisuper (sito no Cerro Grande, Albufeira) e o assaltariam, apropriando-se de todos os valores que encontrassem no interior das instalações, contra a vontade de quem quer que ali se encontrasse. Para o efeito, nessa data, agindo sempre de comum acordo e em conjunção de esforços, os arguidos dirigiram-se ao interior do referido estabelecimento, munidos de uma pistola cromada, da marca Ekol & Voltran (modelo P29, de calibre 9mm), arma de alarme que dispara munições de gás de 9mm, mas em tudo semelhante a uma arma de fogo real. Ali chegados, taparam os seus rostos e dirigiram-se aos funcionários e clientes ordenando-lhes que se mantivessem quietos enquanto lhes apontaram a referida arma depois de efectuar um tiro para o ar. Dominados os ocupantes do estabelecimento, por se sentirem intimidados com as referidas condutas, um dos arguidos dirigiu-se a uma das caixas registadoras, de onde retirou e levou consigo, fazendo-a sua, a quantia de 505€, após o que abandonaram ambos o local. Os valores supra referidos não foram recuperados. III. No dia 20 de Setembro de 2011, cerca das 00.00h, os arguidos BB, VV e AA, combinaram entre si que se dirigiriam ao restaurante PÔR-DO-SOL (sito nas Sesmarias, Albufeira) e o assaltariam, apropriando-se de todos os valores que se encontrassem no interior das instalações, contra a vontade de quem quer que ali se encontrasse. Para o efeito, nessa data, agindo sempre de comum acordo e em conjunção de esforços, estacionaram o veículo de matrícula 39-22-JS, pertença de SS, próximo de tal restaurante, ficando a arguida VV no seu interior e ao volante do mesmo, enquanto os demais arguidos se dirigiram ao interior do referido estabelecimento, munidos da pistola cromada pistola cromada, da marca Ekol&Voltran (modelo P29, de calibre 9mm, arma de alarme que dispara munições de gás de 9mm) mas em tudo semelhante a uma arma de fogo real e de uma espingarda caçadeira de canos serrados, de características não concretamente apuradas. Ali chegados, taparam os seus rostos e dirigiram-se aos funcionários e clientes ordenando-lhes que se deitassem no chão enquanto lhes apontaram as referidas armas. Dominados os ocupantes do estabelecimento, por se sentirem intimidados com tais condutas, um dos arguidos dirigiu-se à caixa registadora, de onde retirou e levou consigo, fazendo-a sua, a quantia de 1.800€, abandonado ambos, de imediato o local. Chegados ao exterior, dirigiram-se ao supra referido veículo onde a arguida os aguardava e colocaram-se então em fuga para local desconhecido. Os valores supra referidos não foram recuperados. IV. No dia 25 de Novembro de 2011, cerca das 21.00h, os arguidos BB, VV e JJ, combinaram entre si que se dirigiriam ao Bar V... (sito na Rua Samora Barros, Albufeira) e o assaltariam, apropriando-se de todos os valores que se encontrassem no interior das instalações, contra a vontade de quem quer que se encontrasse ali. Para o efeito, nessa data, agindo sempre de comum acordo e em conjunção de esforços, os arguidos dirigiram-se ao interior do referido estabelecimento, munidos mais uma vez referida pistola cromada da marca Ekol&Voltran (modelo P29, de calibre 9mm, arma de alarme que dispara munições de gás de 9mm) em tudo semelhante a uma arma de fogo real. Ali chegados, taparam os seus rostos e dirigiram-se aos funcionários e clientes ordenando-lhes que ficassem quietos enquanto lhes apontaram a referida arma. Dominados os ocupantes do estabelecimento, por se sentirem intimidados com as referidas condutas, um dos arguidos dirigiu-se à caixa registadora, de onde retirou e levou consigo, fazendo-a sua, a quantia de 220€, abandonado ambos de imediato o local. Os valores supra referidos não foram recuperados, apesar de todos os arguidos terem sido interceptados e detidos pouco depois por militares da GNR de Albufeira que ocorreram ao local. Nessa ocasião os referidos arguidos tinham na sua posse a referida arma, que fora utilizada em todos os factos supra descritos a qual foi apreendida. O arguido AA foi detido no dia 26-3-2012, após buscas domiciliárias à sua residência e tinha consigo uma arma eléctrica taser e uma catana. Agiram os arguidos em comunhão e conjunção de esforços, em execução de um plano previamente combinado, exercendo sobre todos os ofendidos, funcionários e clientes da residência e dos estabelecimentos assaltados, acções que sabiam serem particularmente violentas e insusceptíveis de resistência, constrangendo-os e intimidando-os, com intenção de fazerem coisas suas as mencionadas quantias monetárias e valores, o que fizeram nas circunstâncias descritas, apesar de saberem que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos respectivos donos. Agiram todos os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo as suas condutas punidas por Lei Criminal. Resultou ainda apurado que, A referida espingarda caçadeira de canos serrados, cujas características não foram concretamente apuradas, não foi localizada nem apreendida nos autos. No dia 19 de Outubro de 2011, cerca das 19h27m, indivíduos cuja identidade se não apurou em concreto, combinaram entre si que se dirigiriam ao supermercado Alisuper (sito no Cerro Grande, Albufeira) e o assaltariam, apropriando-se de todos os valores que se encontrassem no interior das instalações, contra a vontade de quem quer que ali se encontrasse. Para o efeito, nessa data, agindo sempre de comum acordo e em conjunção de esforços, dirigiram-se ao interior do referido estabelecimento, munidos de uma pistola cromada, de modelo e características semelhantes à supra citada arma e em tudo semelhante a uma arma de fogo real. Ali chegados, taparam os seus rostos e dirigiram-se aos funcionários e clientes ordenando-lhes que se mantivessem quietos enquanto lhes apontaram a referida arma. Dominados os ocupantes do estabelecimento, por se sentirem intimidados com tais condutas, um dos indivíduos dirigiu-se a uma das caixas registadoras, de onde retirou e levou consigo, fazendo-a sua, a quantia de 180€, abandonado ambos, de imediato o local. Os valores supra referidos não foram recuperados. No dia 21 de Novembro de 2011, cerca das 23h10m, indivíduos cuja identidade se não apurou em concreto, combinaram entre si que se dirigiriam ao restaurante PIZZARIA F... (sito na Rua Fernando Pessoa, Albufeira) e o assaltariam, apropriando-se de todos os valores que se encontrassem no interior das instalações, contra a vontade de quem quer que ali se encontrasse. Para o efeito, agindo sempre de comum acordo e em conjunção de esforços, os referidos indivíduos dirigiram-se ao interior do referido estabelecimento, munidos de uma pistola cujas características e modelo eram em tudo semelhantes à supra citada pistola. Ali chegados, taparam os seus rostos e dirigiram-se aos funcionários e clientes ordenando-lhes que ficassem quietos enquanto lhes apontaram a referida arma. Dominados os ocupantes do estabelecimento, por se sentirem intimidados com tais condutas, um dos indivíduos dirigiu-se à caixa registadora, de onde retirou e levou consigo, fazendo-a sua, a quantia de 400€, abandonado ambos, de imediato o local. Os valores supra referidos não foram recuperados. Os arguidos não prestaram declarações em julgamento, com isso não confessando os factos constantes da acusação. O arguido PP tem inscritos no seu CRC antecedentes criminais por crime de furto qualificado tentado, cuja data dos factos remonta a 29.06.09 (proc. 153/09.2GAABF do 3º juízo deste Tribunal). De acordo com o que a DGRS apurou: vem de uma família com modestos recursos económicos, existindo notícias de actos de violência doméstica, acabando os pais por se separarem com repercussões no seu percurso pessoal e escolar, tendo abandonado a escolaridade com 15 anos e após conclusão do 2º ciclo; desenvolveu actividades laborais esporádicas e indiferenciadas, na restauração e construção civil, envolvendo-se em comportamentos marginais o que teve como consequência o distanciamento familiar; quando foi detido estava a trabalhar na zona da grande Lisboa e tinha voltado a viver com a mãe; em reclusão mostra-se organizado e comportado de acordo com as regras e colabora com as actividades de atlier de costura e sessões terapêuticas; manifesta sentido de auto-crítica, mantendo-se a mãe e irmã disponíveis para o auxiliar quando estiver em meio livre. O arguido AA tem antecedentes criminais, tendo averbada no CRC uma condenação por crime de roubo, cujos factos remontam a 30.11.07, condenado em pena de 4 anos e 6 meses de prisão, cuja execução se suspendeu sob condição (proc. 2488/07.0GBABF do 3º juízo deste Tribunal). De acordo com o que apurou a DGRS: vem de um agregado familiar de parcos recursos económicos, marcado o agregado familiar pelo abandono do lar por parte do pai, tendo a mãe que ausentar-se durante grande parte do dia de casa, o que levou a um crescimento do arguido em auto-gestão, revelando problemas de disciplina desde cedo e envolvimento com meios marginais, tendo apenas concluído o 5º ano de escolaridade, muito embora revele aptidões ao nível do desenho e informática; trabalhou de forma esporádica na jardinagem e restauração, sem regularidade; residia com a mãe à data dos factos e com um irmão gémeo; o agregado familiar depende dos rendimentos da mãe do arguido; revela capacidade de auto-censura e mostra-se ciente da gravidade dos seus actos. O arguido NN não tem antecedentes criminais averbados no seu CRC. De acordo com o que apurou a DGRS: vem de um agregado familiar de parcos recursos económicos, tendo a mãe assumido funções redobradas após o falecimento do pai do arguido; concluiu o 9º ano de escolaridade após um período de desmotivação; a uma primeira fase de instabilidade profissional seguiu-se uma fase de esforço pessoal a par de investimento numa relação familiar (que terminou) e, antes de recluso, estava a trabalhar a tempo parcial numa empresa de trabalho temporário; em Setembro reintegrou o agregado familiar da mãe que é suportado economicamente por esta; revela capacidade de análise crítica; perante a segurança social mostrou-se conformado com a situação actual e assumindo as responsabilidades que possam advir destes autos. O arguido BB tem antecedentes criminais averbados ao seu CRC por crime de ameaça agravada, cujos factos remontam a 01.05.11 (proc. 918/11.5 GBABF do 1º juízo deste Tribunal). De acordo com o que a DGRS apurou: o arguido tem nacionalidade marroquina, tendo vindo para Portugal aos 15 anos e aqui tendo casado e tem dois filhos menores; em 2008 o casal separou-se, tendo o arguido desenvolvido sempre tarefas esporádicas de venda ambulante e na construção civil; em 2011 começou a viver como sem-abrigo, integrando grupos marginais, desvalorizando os factos deste processo e desvaloriza a pertinência da intervenção do Tribunal, não tendo planos que apontem para uma vontade inequívoca de mudar de vida. A arguida VV tem antecedentes criminais averbados no seu CRC, tendo sido condenada por crime de ofensa à integridade física e por factos de 22.06.03 (proc. 310/03.5 GBCNT do 2º juízo de Cantanhede) e crime de furto por factos de 18.10.03 (proc. 1070/07.4 TBMTS do 4º juízo criminal de Matosinhos). De acordo com o que apurou a DGRS: a arguida vem de um agregado familiar com nível económico deficitário, crescendo em ambiente disfuncional, num quadro de violência doméstica com a separação precoce do casal tendo ficado aos cuidados do pai, tendo emigrado para a Bélgica aos dez anos; refere ter casado com indivíduo marroquino, relação que terminou tempestuosamente, tendo a arguida sido condenada a 8 anos de prisão pela tentativa de homicídio do marido e tendo beneficiado de liberdade condicional desde o meio da pena; tem duas filhas menores e uma nova relação afectiva, tendo regressado a Portugal há dois anos, encontrando-se desempregada à data dos factos, situação em que se mantém actualmente o que envolve precaridade económica do seu agregado familiar uma vez que o companheiro trabalha apenas parcialmente; accionou recentemente um processo de violência doméstica; revela alguma consciência de desvalor dos seus actos, legitimando-a, no entanto, com base nas dificuldades económicas vividas, revelando uma personalidade impulsiva. O arguido JJ não tem averbados antecedentes criminais no seu CRC. De acordo com o apurado pela DGRS: o arguido cresceu com a mãe, tendo o psi falecido antes do seu nascimento, autonomizando-se aos 16 anos e iniciando uma relação marital que durou até há pouco mais de um ano e tem um filho menor de idade; reside com a mãe e padrasto e iniciou nova relação afectiva há dois meses; frequentou a escola, completando o 6º ano de escolaridade, tendo começado a trabalhar aos 16 anos como barman e teve formação profissional de cozinheiro e sapateiro; está desempregado desde Setembro e tem como projecto emigrar para França para desenvolver a actividade de motorista e depende economicamente da mãe; tem capacidade para interiorizar a gravidade dos factos deste processo e tem apoio familiar. O arguido MM tem antecedentes criminais averbados ao seu CRC, tendo sido condenado por crimes de furto (proc. 1556/05.7 GBABF do 3º juízo deste Tribunal), consumo de estupefacientes (proc. 24/09.2 GASLV do 1º juízo deste Tribunal), roubo (proc. 580/09.5 GBABF do 2º juízo deste Tribunal), condução ilegal (proc. 2674/11.8 GBABF do 1º juízo deste Tribunal). De acordo com o apurado pela DGRS: o arguido provém de um agregado familiar de modesta condição económica, com valores de referência adequados, com um percurso escolar deficitário e tendo concluído o 6º ano tardiamente; manifestou desde cedo apetência pela prática desportiva, que praticou; não dispõe de qualificação profissional, pelo que trabalhou sempre indiferenciadamente e de forma irregular, apresentando comportamentos desajustados e ausência de regras, dedicando-se ao consumo de estupefacientes e convívio com grupos marginais; antes de detido vivia com o pai e irmão, tendo a mãe emigrado; vem-se desinteressando de uma vida laboram e activa de acordo com os padrões, não revelando capacidade de auto-crítica relativamente aos seus comportamentos e revelando ausência total de preocupação relativamente a terceiros afectados com os seus comportamentos. Não resultaram provados os seguintes factos: Que o arguido NN tenha estado com os restantes arguidos no interior da casa de LL, tendo contribuído para a subtracção de bens e sequestro do mesmo ofendido, actuando também quanto a isso de forma livre, deliberada e consciente. Que os arguidos PP e BB tenham ido ao Millenium de Boliqueime e às lojas supra referidas efectuar compras com o cartão daquele ofendido. Que as armas utilizadas nos assaltos, pistola e caçadeira de canos cerrados, fossem pertença do arguido MM, emprestados aos arguidos por este e para aquele efeito, não estando este licenciado para o efeito e sabendo que não podia deter essas armas, actuando quanto a isso de forma livre, deliberada e consciente. Que os arguidos BB e AA tenham tido intervenção no assalto ao Alisuper no dia 19.10.2011, actuando quanto a isso de forma livre, deliberada e consciente. Que os arguidos BB e VV tenham tido intervenção no assalto verificado na Pizzaria F... no dia 21.11.11, actuando quanto a isso de forma livre, deliberada e consciente. Qualquer facto que esteja em contradição com os factos acima provados. . * Tal matéria de facto foi alterada pelo Tribunal da Relação de Évora no sentido de que: Cumpre, então, determinar a alteração da matéria de facto provada e não provada, em consequência da procedência das impugnações da decisão sobre a matéria factual, deduzidas pelos recorrentes AA e BB: 1 – Os capítulos I, II, III e IV da matéria provada passarão a ter a seguinte redacção: «I. No dia 20 de Março de 2011, cerca das 17h30m, o arguido PP, acompanhado do arguido BB e de outros dois indivíduos cuja identidade se não apurou em concreto, combinaram entre si que se dirigiriam à residência de LL (sita no Malhão, Paderne – Albufeira) e a assaltariam, apropriando-se de todos os valores que se encontrassem no seu interior, contra a vontade de quem quer que ali se encontrasse. Para o efeito, nessa data, agindo sempre de comum acordo e em conjunção de esforços, os arguidos e os acompanhantes introduziram-se no interior da referida residência, forçando as grades da porta da cozinha, aguardando o regresso do proprietário. Assim que este entrou, foi de imediato agredido com socos e murros e, depois de dominado, amarrado a uma cadeira onde ficou enquanto os arguidos e os acompanhantes, munidos de gorros que lhes tapavam o rosto e luvas, procuravam valores. Nessa busca, localizaram o cartão de crédito do ofendido que, após ser ameaçado e agredido, forneceu o respectivo código. Deste modo, do referido local retiraram e levaram consigo, nomeadamente, os seguintes objectos, que fizeram seus: 1) Um telemóvel Samsung no valor de 230€; 2) Um telemóvel Nokia no valor de 80€; 3) Um telemóvel Nokia no valor de 80€; 4) Uma câmara fotográfica no valor de 900€; 5) Um relógio no valor de 1.500€; 6) Um cartão de crédito do BCP e respectivo código; 7) Um par de calças de fato de treino da marca Nike Air, cinzento claro, com a referência Runing on Air since 87, de valor não concretamente apurado. Dos valores e objectos supra referidos só foram recuperadas as calças de fato de treino referidas em 7) que estavam na posse do arguido PP aquando da sua detenção pela PJ. De seguida, os arguidos NN, munidos do cartão de crédito do ofendido, dirigiram-se ao Millennium BCP de Boliqueime, onde efectuou levantamentos em dinheiro de uma caixa ATM no valor total de 400€. Dirigiu-se ainda ao Algarve Shopping, onde efectuou compras de objectos de ouro na loja Joalharia Carilor, de valor não concretamente apurado mas de cerca de 1.700/1.800€ e à Rádio Popular (sita no Retail Park da Guia) onde comprou duas Playstations 3, dois comandos wireless para as referidas consolas e quatro ou cinco videojogos, de características e valor não concretamente apurado, mas não inferior a 900€. Em todas essas situações, utilizaram para os respectivos pagamentos e levantamentos em ATM o referido cartão do ofendido e o respectivo código que tinha sido entregue por este. Com a acção descrita e os comportamentos concertados e sucessivos, os arguidos PP e BB e acompanhantes quiseram ainda limitar a liberdade de decisão e acção do ofendido, bem como a sua liberdade de movimentos, a fim de mais facilmente conseguirem alcançar os seus objectivos, o que conseguiram. Mais quiseram os referidos arguidos e acompanhantes deter o ofendido no interior da sua residência, no período e circunstâncias acima descritas e impedi-lo de usar a sua liberdade de locomoção, mantendo-o preso e impedido de sair do local, contra a sua vontade. Na verdade, os arguidos referidos e acompanhantes já tinham exercido violência suficiente para atemorizar o ofendido, para que lhes desse o que pretendiam, mas ainda assim quiseram continuar a mantê-lo preso na sua própria casa apenas com o fito de lhe coarctar a sua liberdade de locomoção e impedi-lo de dali sair. Os arguidos NN, ao efectuar os factos e as descritas operações bancárias, criou a convicção no operador bancário ATM de que era o legítimo titular desse cartão de crédito, bem sabendo que o mesmo lhe não pertencia e que, ao agir do referido modo, punha em causa a fiabilidade dos dados e respectiva protecção, causando com tais condutas também um prejuízo ao ofendido no valor das aquisições e levantamentos efectuados. Os valores supra referidos não foram recuperados. II. No dia 26 de Junho de 2011, cerca das 20h15m, o arguido BB e outro indivíduo cuja identidade se não apurou combinaram entre si que se dirigiriam ao supermercado Alisuper (sito no Cerro Grande, Albufeira) e o assaltariam, apropriando-se de todos os valores que encontrassem no interior das instalações, contra a vontade de quem quer que ali se encontrasse. Para o efeito, nessa data, agindo sempre de comum acordo e em conjunção de esforços, o arguido e o seu acompanhante dirigiram-se ao interior do referido estabelecimento, munidos de uma pistola cromada, da marca Ekol & Voltran (modelo P29, de calibre 9mm), arma de alarme que dispara munições de gás de 9mm, mas em tudo semelhante a uma arma de fogo real. Ali chegados, taparam os seus rostos e dirigiram-se aos funcionários e clientes ordenando-lhes que se mantivessem quietos enquanto lhes apontaram a referida arma depois de efectuar um tiro para o ar. Dominados os ocupantes do estabelecimento, por se sentirem intimidados com as referidas condutas, o arguido ou o seu acompanhante dirigiu-se a uma das caixas registadoras, de onde retirou e levou consigo, fazendo-a sua, a quantia de 505€, após o que abandonaram ambos o local. Os valores supra referidos não foram recuperados. III. No dia 20 de Setembro de 2011, cerca das 00.00h, a arguida VV e dois indivíduos do sexo masculino, que não foi possível identificar, combinaram entre si que se dirigiriam ao restaurante PÔR-DO-SOL (sito nas Sesmarias, Albufeira) e o assaltariam, apropriando-se de todos os valores que se encontrassem no interior das instalações, contra a vontade de quem quer que ali se encontrasse. Para o efeito, nessa data, agindo sempre de comum acordo e em conjunção de esforços, estacionaram o veículo de matrícula ...-...-JS, pertença de SS, próximo de tal restaurante, ficando a arguida VV no seu interior e ao volante do mesmo, enquanto os seus acompanhantes se dirigiram ao interior do referido estabelecimento, munidos da pistola cromada pistola cromada, da marca Ekol&Voltran (modelo P29, de calibre 9mm, arma de alarme que dispara munições de gás de 9mm) mas em tudo semelhante a uma arma de fogo real e de uma espingarda caçadeira de canos serrados, de características não concretamente apuradas. Ali chegados, taparam os seus rostos e dirigiram-se aos funcionários e clientes ordenando-lhes que se deitassem no chão enquanto lhes apontaram as referidas armas. Dominados os ocupantes do estabelecimento, por se sentirem intimidados com tais condutas, um dos acompanhantes da arguida dirigiu-se à caixa registadora, de onde retirou e levou consigo, fazendo-a sua, a quantia de 1.800€, abandonado ambos, de imediato o local. Chegados ao exterior, dirigiram-se ao supra referido veículo onde a arguida os aguardava e colocaram-se então em fuga para local desconhecido. Os valores supra referidos não foram recuperados». 2 – Serão acrescentados à matéria de facto não provada os seguintes pontos: - Que o arguido AA tenha praticado os factos descritos nos capítulos I, II e III da matéria provada, actuando de concerto com os arguidos ou acompanhantes não identificados ali referidos, de forma livre, deliberada e consciente; - Que o arguido BB tenha praticado os factos descritos nos capítulos III da matéria provada, actuando de concerto com os arguidos ou acompanhantes não identificados ali referidos, de forma livre, deliberada e consciente
* A decisão de alteração da matéria de facto fundamentou-se nas seguintes considerações constantes da decisão recorrida: Parece-nos que as diligências de reconhecimento de locais efectuadas pela PJ com o concurso do arguido AA encaixarão, à partida, nesta última categoria. Não vislumbramos alguma disposição legal que possa obstar, em princípio, à consideração desse tipo de diligência como meio de prova, em processo penal. Contudo, como se trata de um meio prova pré-constituído, ou seja, não produzido em audiência, importa investigar se a sua valoração em sede de decisão final é compatível com as restrições impostas pela lei processual a esse tipo de prova. Sobre a prova que pode ser valorada na decisão da causa penal dispõe o art. 355º do CPP: 1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. 2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes. O nº 1 do art. 356º do CPP, na sua al. b), permite a leitura em audiência de autos lavrados nas fases processuais de inquérito e de instrução, «que não contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas». Acerca da utilização de declarações prestadas pelo arguido em fases anteriores do processo, o art. 357º do CPP, na redacção anterior à Lei nº 20/13 de 21/2, vigente ao tempo da prolação do acórdão sob recurso, estabelecia: 1 - A leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido só é permitida: a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou b) Quando, tendo sido feitas perante o juiz, houver contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas em audiência. 2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 7 a 9 do artigo anterior. Por seu turno, os nºs 7 a 9 do art. 356º do CPP, na mesma versão aplicável, são do seguinte teor: 7 - Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas. 8 - A visualização ou a audição de gravações de actos processuais só é permitida quando o for a leitura do respectivo auto nos termos dos números anteriores. 9 - A permissão de uma leitura, visualização ou audição e a sua justificação legal ficam a constar da acta, sob pena de nulidade. Saliente-se que não está em causa, neste momento, formular uma tese geral válida para todos casos sobre a admissibilidade da valoração como prova de autos de diligência de reconhecimento de locais, quando o arguido, em julgamento, se tenha remetido ao silêncio, mas antes, mais modestamente, ajuizar se a valoração desses elementos feita no acórdão recorrido, nas circunstâncias concretas do caso, é ou não compatível com as normas e princípios que regem tal actividade judicativa. As diligências de «reconhecimento de locais», a que nos vimos de referindo foram levadas a efeito na sequência do interrogatório a que o arguido AA foi submetido, em 26/3/12, por um inspector da PJ, formalizado no auto de fls. 727 a 730. No decurso desse interrogatório, o mesmo arguido prestou declarações em que reconheceu a prática de determinados factos e as diligências subsequentes destinaram-se a averiguar ou confirmar a localização espacial dessa factualidade. Neste contexto, as discutidas diligências surgem como um complemento do interrogatório policial e as informações prestadas pelo arguido no decurso daquelas fazem sentido no quadro das declarações proferidas neste. Como tal, a colaboração probatória concretizada nas diligências de reconhecimento de locais carece de autonomia perante as declarações prestadas no interrogatório feito pela PJ, formando um todo com estas. O interrogatório do arguido AA, vertido no auto de fls. 727 a 730, foi levado a cabo por um órgão de polícia criminal e o arguido em causa remeteu-se ao silêncio durante a audiência de julgamento. Assim, sendo, as declarações produzidas pelo referido arguido durante esse acto processual não podem ser valoradas em sede decisão final, em face do disposto no art. 357º do CPP, na redacção aplicável, e efectivamente não o foram no acórdão recorrido. Reconhecendo a delicadeza da questão e não ignorando a gravidade das consequências da posição assumida, no caso concreto, somos de entender que a proibição de valoração que atinge as declarações prestadas no interrogatório policial deve ser considerada extensiva às informações por ele fornecidas nas diligências complementares dessa tomada de declarações. Tal interpretação afigura-se-nos a mais consentânea com o espírito do normativo dos arts. 355º a 357º do CPP, delimitador dos poderes de cognição do Tribunal de julgamento, ao nível dos meios de prova, o qual é, pelo menos até à entrada em vigor da Lei nº 20/13 de 21/2, decididamente restritivo da admissibilidade da valoração de prova pessoal pré-constituída, mormente, com origem no arguido. Note-se que não está em discussão saber se o arguido AA prestou de livre vontade as informações vertidas nos autos de reconhecimento de lugares a que nos vimos referindo, porquanto, se bem entendemos, nem o próprio arguido alegou ter sido, de alguma maneira, coagido a fazê-lo. O juízo agora formulado significa apenas que os mencionados autos não reúnem as condições exigidas por lei para poderem ser valorados como prova em julgamento, independentemente da voluntariedade da colaboração que o arguido AA deu às diligências neles documentadas. A inviabilidade legal da valoração probatória dos autos de reconhecimento de lugares irá fazer-se sentir na matéria de facto julgada provada, no que se refere à intervenção que nela teve o arguido AA. Com efeito, o único elemento de prova que permitia ligar este arguido aos factos dados como provados, ocorridos na residência de LL e nos estabelecimentos «Alisuper» e «Pôr de Sol», residia justamente no conteúdo dos autos que vimos discutindo. Neste contexto, perde também eficácia probatória o depoimento testemunhal do inspector da PJ Leonel Madeira, já que do seu teor resulta claro que a razão de ciência da testemunha, relativamente à participação do arguido AA nos mesmos factos, assenta exclusivamente nas declarações por este prestadas no interrogatório policial a que foi sujeito em 26/3/12 (executado pelo mesmo inspector) e nas subsequentes diligências de reconhecimento de lugares. Dado que, conforme acabámos de verificar, a proibição de valoração que recai sobre as declarações produzidas em interrogatório deve considerar-se extensiva às informações prestadas pelo arguido nas diligências subsequentes, o depoimento da identificada testemunha, no que ao recorrente AA diz respeito, surge em colisão com a disposição proibitiva do nº 7 do art. 356º do CPP, pelo que a sua consideração na formação da convicção do Tribunal terá de ficar preterida. Segundo vimos entendendo, a valoração pelo Tribunal de julgamento, na formação da sua convicção, de meio de prova que não obedeça aos requisitos fixados pelos arts. 355º a 357º do CPP não acarreta, por via de regra, a invalidade da decisão, mas sim a «desconsideração» do meio afectado no juízo probatório, afirmativo e negativo. Nesta ordem de ideias, necessário será concluir que se encontra comprometida, por falta de meio de prova válido que a sustente, a demonstração da intervenção do recorrente AA nos factos ocorridos na residência do ofendido LL, no supermercado «Alisuper» e no restaurante «Pôr do Sol», tal como foram apurados na decisão sob recurso. Em discussão permanece a eventual intervenção do mesmo arguido nos factos ocorridos em sequência daqueles que tiveram lugar na residência do ofendido LL e que se prenderam com utilização dada a um cartão bancário a este pertencente, que então lhe foi subtraído. Tal utilização ilegítima traduziu-se em levantamentos de numerário numa caixa ATM do Millenium BCP sita em Boliqueime e em compras nos estabelecimentos «Ouriversaria Carilor» e «Rádio Popular», actividade que o acórdão recorrido imputa conjunta e indistintamente aos arguidos AA e NN. Para prova destes factos o Tribunal «a quo» considerou os fotogramas recolhidos pelos sistemas de videovigilância existentes nesses locais (fls. 697 a 711 e 769 a 799) e os depoimentos testemunhais de P..., empregada da «Carilor», e D..., trabalhador da «Rádio Popular», cujo registo sonoro escutámos. No que se refere aos fotogramas, importa ter presente que o Tribunal «ad quem» não tem contacto pessoal com os arguidos, o que, à partida, constitui um óbice quase intransponível à valoração deste tipo de prova. Contudo, ao analisar os fotogramas, na parte do acórdão dedicada à fundamentação do juízo probatório, o Tribunal «a quo» identifica um indivíduo que ali aparece frequentemente retratado e que se destaca pelo boné e os sapatos de ténis que enverga ou ainda pelo capuz que, em algumas das fotografias lhe cobre cabeça, como sendo o arguido NN. Tal indivíduo aparece, em alguns dos fotogramas, acompanhado de perto ou à distância por um outro, cuja fisionomia parece coincidir sensivelmente com a do indivíduo retratado nas fotografias, que acompanham os autos de reconhecimento de locais a fls. 600 e 731 e que se sabe seguramente ser o arguido AA. Assim sendo, não há razão para pôr em dúvida identificação das pessoas que surgem nos fotogramas feita no acórdão recorrido. Vistos os fotogramas colhidos junto da caixa ATM, no momento em que terá ocorrido o levantamento de dinheiro efectuado com uso ilegítimo do cartão bancário subtraído ao ofendido LL (fls. 709,e 769 a 772), verifica-se que em nenhum deles aparece o arguido AA e que a pessoa identificada como sendo o arguido NN é quem surge a efectuar a operação. Quanto à compra efectuada na ourivesaria «Carilor», o depoimento da empregada deste estabelecimento P... é inequívoco no sentido de que foi levada a efeito por um único indivíduo, sendo possível distinguir nos fotogramas de fls. 783 e 784 o indivíduo assinalado como o arguido NN a fazer o respectivo pagamento. Finalmente, no que se refere à aquisição efectuada no estabelecimento denominado «Rádio Popular», a testemunha D..., ao tempo dos factos empregado do mesmo, relatou como tendo sido efectuada por duas pessoas do sexo masculino, que ali compareceram conjuntamente. Contudo, resulta também do depoimento da mesma testemunha que só um desses indivíduos efectuou o pagamento da compra. Compulsados os fotogramas recebidos do sistema de vídeo-vigilância da «Rádio Popular» (fls. 789 a 799), constata-se que os dois arguidos, NN... e AA, compareceram juntos naquele estabelecimento, aquando da compra incriminada. Contudo, em nenhum desses fotogramas o arguido AA parece em atitude que denuncie um papel activo da sua parte na aquisição então levada a cabo, como seja, escolher artigos ou realizar o respectivo pagamento. Pelo contrário, nas imagens que aparentemente dirão respeito ao pagamento da transacção, é o arguido NN... que aparece a efectuá-lo sozinho. Da análise dos fotogramas e dos depoimentos das testemunhas que intervieram, como vendedores, nas compras incriminadas, é possível concluir, segundo um raciocínio lógico e à luz da experiência comum, que: Não está provado que o arguido AA tenha tido qualquer intervenção nos levantamentos de dinheiro em caixa ATM ou na compra feita na «Carilor»; Está provado que o arguido AA acompanhava o arguido NN, aquando da compra efectuada na «Rádio Popular», mas não que tenha tido intervenção no negócio ou tenha prestado ao co-arguido ajuda relevante na execução do mesmo. Nesta conformidade, não pode este Tribunal confirmar o juízo probatório formulado no acórdão recorrido acerca da intervenção do arguido AA no uso ilegítimo dado ao cartão bancário subtraído ao ofendido LL, que terá de ser dada como não provada. Por conseguinte, importa concluir que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pelo recorrente AA, relativamente à prática por parte dele dos factos integradores de todos os crimes por que foi condenado em primeira instância. Mais adiante procederemos a alteração da matéria de facto provada e não provada, em conformidade com o juízo agora emitido, depois de levada a efeito a apreciação da impugnação da decisão sobre matéria factual, que os recorrentes VV e BB igualmente deduziram *
I A primeira questão suscitada nos presentes autos centra-se na recorribilidade da decisão proferida em sede de primeira instância. No que concerne invoca o recorrente que :- I- O recurso apresentado pelo Ministério Público não é admissível, nos termos do disposto no artigo 400.°, nº 1, aI. d), do Código de Processo Penal, com a redacção introduzida pela Lei n.o 20/2013, de 21 de Fevereiro, porquanto, II - O recorrido foi condenado, em primeira instância, nas penas parcelares de 5 anos de prisão, 3 anos e seis meses de prisão, 3 anos e 6 meses de prisão, 1 ano e 6 meses de prisão e 10 meses de prisão. E, em cúmulo jurídico na pena única de 9 anos de prisão. III - O recurso de acórdãos absolutórios proferidos pelas relações só é admissível caso a primeira instância tenha aplicado pena de prisão superior a 5 anos. IV - De acordo com a jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal de Justiça, em relação à aI. f) do artigo 400.°, n.o 1, do CPP, ao mesmo está vedado o conhecimento do recurso quanto aos crimes em concurso a que tenha sido aplicada pena de prisão inferior a 8 anos, na medida em que quanto a estes se formou caso julgado material, podendo apenas a actividade decisória subjacente à pena única aplicada em cúmulo, caso superior aos referidos 8 anos. V- Idêntico raciocínio terá que ser feito quanto à aI. d), do mesmo artigo, considerando que quanto aos crimes em concurso o acórdão transitou em julgado, não sendo passível de reexame no presente recurso. VI Interpretação diferente criaria uma desigualdade de armas, desfavorecendo o arguido e beneficiando a acusação, violando, nessa interpretação das referidas normas - artigo 400.°, nº 1, ais. d) e f) - , o disposto nos artigos 13.° e 32.°, n.o 1, da Constituição da República Portuguesa, por violação material dos direitos à igualdade e de defesa no processo penal, o que, desde já, se invoca para os devidos e legais efeitos. * A redacção primitiva do artigo 400 nº1 alínea d) do Código de Processo Penal referia que não são susceptíveis de recurso os acórdãos absolutórios proferidos pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância. Por seu turno a Lei 20/2013 introduziu uma nova redacção segundo a qual são irrecorríveis os acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos. Assim, a primeira questão que emerge da nova redacção daquela norma processual penal consubstancia-se na questão de aplicação da lei no tempo. Em relação á mesma dispõe o artigo 5º do Código de Processo Penal que a lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior e, ainda, (nº2) que a lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar: a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou b) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo. Como refere Castanheira Neves (Sumários de Processo Penal pag 65 e seg) “Os actos e as situações processuais praticados e verificados no domínio da lei anterior terão o valor que essa lei lhes atribuir. Só que sendo eles actos e situações de um "processo" - a desenvolver, como tal, num dinamismo de pressuposto para consequência -, decerto que muitas vezes o respeito pelo valor desses actos e situações implicará o ter de aceitar-se o seu intencional desenvolvimento processual. E implicá-lo-á sempre que a nova regulamentação desses desenvolvimentos (os actuais) não puder integrar-se unitariamente com o sentido e valor dos actos seus pressupostos, se houver entre aquela nova regulamentação e este valor uma contradição normativa. Nesses casos o respeito pelo valor dos actos anteriores justifica uma excepção: o desenvolvimento processual desses actos continuará a ser regulamentado pela lei anterior. A menos que para a intenção de verdade e Justiça, porque esteja dominada a nova lei seja intolerável a persistência da lei anterior”. Por outras palavras a questão que se coloca é de saber se da contraposição da anterior e da actual redacção da alínea d) do artigo 400 do Código de Processo Penal se poderá afirmar a existência de um diferente tratamento da questão da admissibilidade de recurso, nomeadamente no que concerne á questão das penas parcelares pressuposto da pena conjunta. No domínio da anterior redacção da alínea d) o artigo em causa, mesmo na interpretação mais abrangente, sufragada pela interpretação literal, o recurso interposto seria de admitir. Por seu turno a actual redacção estabelece á partida uma diferença distinta para definir a admissibilidade de recurso que consiste na circunstância de o marco, e limite, ser a pena efectivamente aplicada em sede de primeira instância e que esta seja superior a oito anos. A diferente redacção apenas pode suscitar uma eventual interpretação mais benévola da situação do arguido. Sendo assim é liminar a conclusão de que a nova redacção do normativo em causa não importou qualquer agravamento da posição processual daquele pelo que se considera ser a mesma aplicável em função do artigo 5 nº2 do Código de Processo Penal. * A questão que agora se suscita é da correcta interpretação do normativo em causa, tema em relação ao qual o recorrente esgrime o paralelismo com a alínea f) do mesmo artigo em relação ao qual se encontra sedimentado o entendimento de que o recurso da decisão condenatória proferida pelo Tribunal da Relação, e que confirme a decisão de primeira instância, apenas abrange a pena parcelar, ou conjunta, superior a oito anos de prisão. Assim, somos conduzidos a uma situação de dualidade interpretativa em relação à admissibilidade do recurso pois que se podem desenhar duas diferentes perspectivas:-numa primeira estaria limitada a recorribilidade à decisão incidente sobre absolvição relativa a uma pena conjunta, ou parcelar, aplicada na primeira instância, superior a oito anos, estando vedada a apreciação das penas parcelares inferiores a tal limite. Numa outra ordem de ideias a valoração daquela pena conjunta pressuporia sempre a avaliação das penas parcelares que lhe deram origem Pensamos que tal paralelismo está incorrectamente invocado. Na verdade, como se referiu, nos termos da alínea d) do artigo 400 do Código de Processo Penal não é admissível recurso de acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, excepto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a oito anos. Existem, assim, duas situações completamente distintas assentes nas duas alíneas em causa e que radicam num dos eixos fundamentais do sistema de recursos que é o principio da “dupla conforme” condenatória. Na verdade, a irrecorribilidade da decisão do Tribunal da Relação que confirma a pena inferior ao parâmetro legal tem subjacente o facto de existir uma convergência na condenação proferida nas duas instâncias a qual se conjuga com a necessidade de reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para as questões que se entendem mais importantes aferidas em função da pena aplicada. É distinta a situação da decisão absolutória, por contraposição à condenação de primeira instância, em relação à qual, não só não se gera qualquer situação de dupla conforme em qualquer uma das suas vertentes, como são das decisões de natureza e sinal contrário em toda sua plenitude. Não existe o paralelismo de situações invocado.
Não se encontrando justificado o referido paralelismo importa relevar que, por alguma forma, o recorrente procura suportar o mesmo com a interpretação subjacente ao Acórdão de Uniformização14/20013 segundo o qual “Da conjugação das normas do artigo 400.º alíneas e) e f) e artigo 432.º n.º 1 alínea c), ambos do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão». Na verdade, tal decisão uniformadora tem subjacente o entendimento da dimensão da pena como critério de recorribilidade o que, no entender do recorrente, se projectaria no caso vertente pois que as penas parcelares não atingem aquele limite sendo certo que já a pena conjunta a excede largamente. Face a tal invocação importa chamar à colação uma outra perspectiva de análise que se prende com a específica tipologia que impende sobre a amissibilidade de recurso da decisão absolutória proferida pelo Tribunal da Relação. Na verdade, nesta decisão a verificação da sua recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça é apreciada em função da pena aplicada em sede de primeira instância. Assim, a partir do momento em que a pena que serve de suporte à definição de recorribilidade é a pena conjunta ali aplicada, por ser superior ao respectivo patamar, a sua apreciação tem, necessariamente, como pressuposto os factos que a mesma decisão considerou provados e que fundamentaram a responsabilidade criminal nos crimes que conduziram às penas parcelares. Se considerarmos que as penas parcelares inferiores a cinco anos são irrecorríveis subsistirá a decisão absolutória que foi proferida em relação às mesmas em sede de Tribunal da Relação. Porém, a pena conjunta, por superior a oito anos, será recorrível para este Supremo Tribunal de Justiça. Assim, a aceitar tal lógica argumentativa teríamos a apreciação do recurso duma pena conjunta em relação à prática de um concurso de crimes que inexistem pois que o arguido foi absolvido da sua prática. Dito por outras palavras, sendo irrecorrível a decisão recorrida proferida pelo tribunal de segunda instância no que toca às penas parcelares, subsistiria uma decisão absolutória em relação aos crimes que as fundamentaram e que levaram à concretização da pena conjunta na primeira instância. A pena conjunta, fundamento da recorribilidade, deixaria de ter qualquer suporte. A única interpretação possível, sufragada na letra da lei e emergente do pressuposto de que o recorrente não pretendeu uma solução legislativa legislativa aberrante, fora de qualquer lógica, é a de que, no caso de apreciação por este Supremo Tribunal de Justiça duma decisão absolutória em relação à qual foi aplicada uma pena conjunta superior a oito anos de prisão em primeira instância tal pressupõe, inevitavelmente, a avaliação das penas parcelares e de apreciação em relação aos crimes que às mesmas conduziram. Como se refere em acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 7/10/2009 e nesta circunstância O “alargamento” da competência do STJ à apreciação das penas parcelares (não superiores a 5 anos de prisão) nada tem de incongruente, pois se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida (isto é, integrada) na questão mais geral da fixação da pena conjunta, a qual, nos termos do art. 77º do CP, deve considerar globalmente os factos e a personalidade do agente. Sendo certo que o STJ só deve ser convocado para as causas de maior relevância, não deve ignorar-se (o intérprete também não deve fazê-lo) que o STJ tem um importante papel regulador e orientador (e garantista) da jurisprudência, um papel de “referência” para os tribunais judiciais, que não se compadece com uma excessiva parcimónia da sua intervenção processual.Sendo o STJ o tribunal vocacionado, por excelência, para “dizer o direito”, havendo dúvidas quanto à sua competência, quando se tratar de recurso exclusivamente de direito, essas dúvidas deverão ser resolvidas no sentido da sua competência. Assim, entende-se que é admissível o recurso interposto. II A questão crucial suscitada no presente recurso centra-se no depoimento do órgão de polícia criminal que “ouviu dizer ao arguido”. O mesmo depoimento pode assumir conformação diversa consoante o momento e as circunstancias a que se reporta, ou seja, as denominadas conversas “informais” mantidas com o arguido reconduzem-se a três campos distintos: a) em primeiro lugar situam-se aqueles casos que dizem respeito as afirmações percepcionadas pelo órgão de policia criminal, enquanto cidadão comum, em momentos da vida quotidiana e nas exactas circunstancias em que qualquer cidadão pode escutar tais declarações (porventura, sem saber do crime cometido ou em preparação e sem suspeita previa do seu “interlocutor”); b) no outro extremo surgem as afirmações proferidas por ocasião ou por causa de actos processuais de recolha de declarações (maxime, a saída, no decurso ou antes do interrogatório); c.) por último surgem aqueles casos, de índole intermedia, relativos a conversas (indicações de localização de produto do crime ou de outros suspeitos, explicações do facto, etc.) tidas com os membros de um órgão de polícia criminal no decurso de certos actos processuais de ordem material ou de investigação “no terreno” (buscas, vigilancias,resgate de sequestrados, socorro as vitimas, etc.), bem como em acções de prevenção e manutenção da ordem pública e são aqueles confrontados com a ocorrência de um crime, em flagrante ou não. Quanto ao primeiro leque de situações, não se vislumbra qualquer razão para não se considerar como validos os argumentos expendidos a propósito da generalidade dos testemunhos indirectos em que se conclui pela inaplicabilidade da norma do art. 129º quando a “pessoa-fonte” seja o arguido, valorando-se o depoimento “indirecto” do órgão de polícia criminal, despojado dessa qualidade, como de qualquer testemunha. Tal convicção é, aliás, reforçada em relação as declarações e conduta percepcionadas ao arguido numa fase prévia a sua constituição como tal. Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2007 pressuposto do direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido. A partir da constituição do arguido enquanto tal, ele assume um estatuto próprio, com deveres e direitos, entre os quais, o de não se auto-incriminar. A partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente. Contudo, de forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia. … Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. … O que o art. 129º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249º do CPP. Na verdade, só a partir do momento em que a suspeita passa a ser razoavelmente fundada se impõe a suspensão imediata do acto e a constituição formal como arguido nos termos do artigo 59 nº1 do Código Penal. Até esse momento o processo de obtenção de diversas declarações, incluindo as do então suspeito, e posterior arguido, logra cobertura legal nos termos dos artigos 55 nº 2 e 249 nº 1 e 2, als. a) e b) do mesmo diploma. A constituição de arguido constitui, assim, um momento, uma linha de fronteira na admissibilidade das denominadas “conversas informais”, pois que e a partir dai que as suas declarações só podem ser recolhidas, e valoradas, nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas, ou quaisquer outras provas, recolhidas informalmente. Consequentemente, não é admissível o depoimento que se reporte ao contacto entre a autoridade policial e o arguido durante o inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silencio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais, testemunhando a “confissão” informal, ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido a margem dos formalismos impostos pela lei processual, para os actos a realizar no inquérito. Precisa-se, assim, que a proibição do artigo 129 do Código Penal visa os testemunhos que visam suprir o silencio do arguido, mas não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligencias de investigação, nomeadamente a pratica das providencias cautelares a que se refere o art. 249o do CPP Na verdade, nestas providencias a autoridade policial procede a diligencias investigatórias, no âmbito do inquérito, em relação a infracção de que teve noticia. Sobre a mesma incumbe o dever de, nos termos do art. 249 do CPP, praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime. Estas “providencias cautelares” são fundamentais para investigar a infracção, para que essa investigação tenha sucesso. E daí que a autoridade policial deva pratica-las mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária para investigar (art. 249, nº 1). Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. E uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. A questão do depoimento de autoridades policiais em relação a declarações prestadas no processo não tem relevância prática em virtude da proibição de produção de prova a que se reporta o artigo 356 nº 7 do CPP.
Relativamente as restantes situações de intervenção de órgãos de polícia criminal importa precisar que a admissibilidade do testemunho do agente do órgão de polícia criminal está directamente conexionada com o nº 7 do artigo 357 do Código de Processo Penal. Consequentemente, importa que se convoquem os conceitos de “declarações formais” e “conversas informais” como termos da equação a formular. Como refere Damião da Cunha (Revista Portuguesa de Ciência Criminal ano 7 fasc. 3 pag. 426 e seg.) não parece ser possível conceber a existência processual de “conversas informais” entre o arguido e qualquer entidade processual. A função dos órgãos de polícia criminal e o de importar para o processo todos os elementos que lhes advenham de declarações do arguido – além de que vale aqui o princípio “quod non est in auto, non est in mundo” ; pela especial posição processual do arguido não pode, no que toca as suas declarações, subsistir qualquer diferenciação de importância e, por isso, as “conversas”serão sempre formais. Efectivamente só podem ser consideradas as declarações do arguido prestadas no âmbito e decurso de certo processo, em acto próprio para o efeito, de resto, redigidas em auto, de onde se possa extrair ilações sobre a regularidade do procedimento (v.g. se o arguido foi advertido de que tem, entre outros, o direito ao silencio, se foi assistido por defensor; se lhe foram comunicados os motivos da detenção e os factos que se lhe imputam, etc.) e a versão dos factos que melhor se ajusta a sua defesa, naquela altura. Decorre do exposto que o agente de órgão de polícia criminal que tiver recebido declarações, e tais declarações são aquelas a que se reporta o procedimento formal e processual adequado, não pode ser inquirido como testemunhas sobre o seu conteúdo - artigo 356 nº 7 do CPP. Porem, e aqui reside uma destrinca essencial na proibição em causa, falamos das declarações formais que estão no processo, ou das declarações informais, que, devendo estar no processo por imposição processual legal, efectivamente não estão e, como tal, inexistem.
Todavia, para além destas situações existe uma ampla probabilidade de situações e realidades extra processuais em que a colaboração do arguido por actos, e palavras, surge como instrumento adequado da investigação criminal e, muitas vezes integrado num acto processual valido e relevante. Para Damião da Cunha (ibidem) a proibição de reprodução de afirmações do arguido tem um conteúdo amplo que exclui todas as situações de declaração formal, ou informal, (No mesmo sentido Eurico Balbino Duarte-Prova Criminal e Direito de Defesa, estudos sobre a Teoria da Prova e Garantias de Defesa em Processo Criminal pag. 58 e seg). É outra a perspectiva de Adérito Teixeira (Depoimento Indirecto e arguido Revista do CEJ 2005 pag 135 e seg sequente) para quem, e contrariamente a presunção de inocência que tem uma dimensão endoprocessual e outra extra--processual, o direito ao silêncio (e seus efeitos) vale apenas no âmbito do processo. Fora deste e dos seus actos, o silencio ou a declaração não tem aquela tutela pois que rege a liberdade de expressão e inerente responsabilidade do que se afirma, ou deixa de afirmar, para todas as pessoas quer estejam quer não estejam constituídas arguidas. Adianta o mesmo Autor que, de outro modo, a prática de um crime transformar-se-ia num acto constitutivo de direitos (de liberdade de expressão) em escala a que os demais cidadãos só poderiam aspirar colocando-se em situação idêntica; e, no plano da investigação criminal, quaisquer afirmações – do tipo “matei” e “vou queimar o corpo”, ou “roubei”, ou “vendi droga”, etc. – deveriam ser tomadas como declarações não sérias, porquanto, no limite, não poderiam inserir-se processualmente como princípio de prova que conduz a outras provas e se transmitem umas e outras às fases posteriores do processo (à luz de princípios da conservação da prova ou de força consumptiva de decisões da autoridade judiciária). Nesta perspectiva não se vislumbra, assim, qualquer impedimento, ou proibição de depoimento que incide sobre aspectos, orais ou materiais, descritivos ou impressivos, narrativos ou conclusivos, que a lei não obriga a estar registados em auto ou, ainda, relativamente a diligências ou meios de obtenção de prova que tenham autonomia material e jurídica, quer quanto ao meio de prova que geram (v.g. escuta telefónica de declarações de arguido, transcritas, cuja leitura do auto e permitida, não obstante no original da declaração estar a oralidade), bem como quanto a afirmações não retratáveis em auto que o arguido tenha proferido na ocasião da realização de diligências e meios de obtenção de prova (e que contextualizam ou explicitam uma infinitude de pormenores, aparentemente, de ínfima relevância). É exactamente neste sendo que se deve interpretar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/01/2005 quando refere que, nesta perspectiva de compreensão, e vista a dimensão da reconstituição do facto como meio de prova autonomamente adquirido para o processo (artigo 150º do CPP), e a integração (ou confundibilidade) na concretização da reconstituição de todas as contribuições parcelares, incluindo da arguido, que permitiram, em concreto, os termos em que a reconstituição decorreu e os respectivos resultados, os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a reconstituição podem prestar declarações sobre os modo e os termos em que decorreu; tais declarações referem-se a elementos que ganham autonomia, e como tal diversos das declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto. Todavia –adverte-se – por força da necessária documentação processual da reconstituição, este meio deve bastar-se por si próprio enquanto meio de prova adquirido para o processo, e deve dispensar, no rigor das coisas, confirmações ou adjunções complementares¸ não estando, no entanto excluído que os intervenientes, possam prestar esclarecimentos sobre a concreta natureza e os precisos termos em que se decorreu a reconstituição (no mesmo sentido Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26/06/2006 e 22/04/2004). Conclui-se, assim, que o relato de agentes dos órgãos de policia criminal sobre afirmações e contribuições informatórias do arguido- tal como de factos, gestos, silêncios, reacções, etc- de que tomaram conhecimento fora do âmbito de diligencias de prova produzidas sob a égide da oralidade (interrogatórios, acareações etc.) e que não o devessem ser sobre tal formalismo, bem como no âmbito das demais diligencias, actos de investigação e meios de obtenção de prova (actos de investigação proactiva, buscas e revistas, exames ao lugar do crime, reconstituição do crime, reconhecimentos presenciais, entregas controladas, etc) que tenham autonomia tecnico-juridica constituem depoimento valido e eficaz por se mostrarem alheias ao âmbito de tutela dos artigos 129 e 357 do Código.
Neste sentido que perfilhamos entende-se que, tal como no caso vertente, o depoimento prestado pela testemunha pertencente ao órgão de polícia criminal e relativa às indicações do arguido nas diligências externas a que procedeu pode, e deve, ser valorada e constituem um meio de prova válido e relevante. Na verdade, discordamos do entendimento de que a indicação dada pelo arguido que, numa diligência externa, informa como a sua acção interagiu com aquele ambiente constitui um mero complemento do interrogatório policial e, como tal, é insusceptível de ser valorado em julgamento nos termos do artigo 387 do Código de Processo Penal. Bem pelo contrário, se a diligência em causa assume a autonomia inerente à circunstância de constituir uma diligência que visa uma melhor compreensão em função das concretas condições de lugar e modo, a eventual contribuição informativa do arguido efectuada de forma livre constitui uma parcela dum todo que assume independência em relação às declarações que prestou no processo e que pode suceder independentemente de tais declarações. O entendimento subscrito pela decisão recorrida corresponde a uma tendência interpretativa que visa a sobrevalorização das garantias em detrimento doutros valores igualmente importantes como é o caso da eficiência da justiça criminal. A subscrever-mos tal entendimento em toda a sua expressão seria inadmissível o depoimento do órgão de polícia que indica a forma como a declaração do arguido foi essencial na descoberta do corpo no caso do homicídio; da localização da droga no caso do tráfico etc. As consequências da interpretação da lei são um momento inultrapassável da mesma interpretação.
Consequentemente, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto e revoga-se a decisão recorrida em relação ao arguido AA no que concerne à não consideração do citado meio de prova devendo a impugnação da matéria de facto produzida em relação ao mesmo arguido, e em sede de recurso de decisão de primeira instância, ser valorada no pressuposto da legalidade do referido meio de prova. Sem custas
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