Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | HELENA FAZENDA | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL INCONCILIABILIDADE DE DECISÕES CARTA DE CONDUÇÃO INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO ANULAÇÃO DE SENTENÇA REENVIO DO PROCESSO | ||
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Data do Acordão: | 04/27/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE REVISÃO | ||
Decisão: | PROCEDÊNCIA / DECRETAMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - No regime do recurso de revisão, inexiste uma remissão para as regras gerais respeitantes à tramitação unitária dos recursos ordinários, pelo que é legalmente inadmissível a realização da audiência. II - O recorrente invoca como fundamento do presente recurso de revisão a inconciliabilidade entre duas decisões, ao abrigo do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. c), do CPP, o que resulta do facto de num caso ter sido absolvido e noutro condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, quando, em ambos, era titular de carta de condução. III - Dos autos resulta que o recorrente, à data dos factos julgados nos autos principais, era titular de licença de condução emitida pela República Federativa do Brasil, tendo sido determinado por despacho do Ministério da Administração Interna – Direção-Geral de Viação que “As carteiras nacionais de habilitação brasileiras (CNH) que se apresentem dentro do seu prazo de validade habilitam à condução de veículos em território nacional, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 125.º do Código da Estrada.” IV - Assim, os factos aqui em causa, ocorridos a 22-11-2020, estavam integrados no período de prorrogação da validade do título de condução, pelo que resulta terem sido provados factos inconciliáveis nas duas decisões, concluindo-se numa que o arguido era possuidor de título de condução e, na outra (a proferida nestes autos) que não era detentor de tal título. V - Da demostrada oposição resultam graves danos sobre a justiça da condenação, sendo, aliás, evidente a sua injustiça, pelo que se julga, pois, verificado o fundamento previsto no art. 449.º, n.º 1, al. c), do CPP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3.ª Secção, do Supremo Tribunal de Justiça:
1. Relatório
1. O recorrente AA foi condenado no processo sumaríssimo n.º 1319/20.0SILSB-A. S1, por sentença do Tribunal Judicial da Comarca ... (..., Juiz ...), de 30.04.2021, transitada em julgado a 14.06.2021, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03.01, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 5 euros.
2. Inconformado, interpôs recurso extraordinário de revisão ao abrigo do disposto no artigo 449.º, n.º 1, al. c), do Código do Processo Penal[1], tendo apresentado as seguintes conclusões: «1º — O Arguido foi condenado, no âmbito do processo Sumaríssimo à margem identificado, como autor material, na forma consumada, de 1 crime de condução sem habilitação legal, p.p. Artigo 3º, n.° 1 e 2 do Dec.-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, por sentença proferida em 30 de Abril de 2021, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de € 5, o que perfaz a quantia de € 200 e ainda nas custas do processo a qual foi fixada em 1/2 U.C. nos termos dos Artigos 513°, n.° 1 e 514°, n.° 1 do C.P.P. e da tabela III anexa ao R.G.P. a qual transitou em julgado no dia 14 de Julno de 2021 e tem o código de acessoNGG8-LLGT-JUJ3-J17C. 2º — Os factos dados como provados e que serviram de fundamento à condenação do arguido nos autos de processo Sumaríssimo à margem referenciados são inconciliáveis com os factos dados como provados no âmbito do processo Sumário n.° 324/21...., do Juízo Local de Pequena Criminalidade ... - J..., proferida em 25 de Março de 2021 e transitada em julgado, na qual, foi absolvido da prática de 1 crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos no dia 09 de Março de 2021 e tem o código de acesso ...7.... 3º — De acordo com o disposto no número 6 do Artigo 29° da Constituição da República Portuguesa os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos. 4º — O número 6 do Artigo 29° da Constituição da República Portuguesa tem desenvolvimento no Código de Processo Penal, designadamente nas alíneas a) a g) do número 1 do Artigo 449° que dispõe que a sentença transitada em julgado poderá ser revista nas situações ali previstas, entre as quais a da alínea c) aplicável neste caso: "a) (...) b) (...) c) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; d) (...) e) (...) f) (...) g) (....)" 5º — Na data em que o arguido foi detido pelo Exmo. Sr. Agente da Polícia de Segurança Pública a conduzir o ciclomotor com a matrícula ..-SG-.. este era, como é, portador do título que o habilita a conduzir o ciclomotor em causa emitido pelas autoridades competentes da República Federativa do Brasil. 6° — O Arguido é titular de carta de condução brasileira para a condução de veículos a motor da classe A e que tinha como data de validade, à data, o dia 13 de Agosto de 2020. 7º — Nos dois processos chegou-se a uma diferente conclusão porquanto nestes autos foi provado que o arguido não é portador de título de condução e como tal praticou, no passado dia 22 de Novembro de 2020 o crime de condução sem habilitação legal p.p. Artigo 3°, número 1 do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro e nos autos do processo 324/21.... o ... – Juiz l deu como provado que o arguido é portador de título de condução emitido pelas autoridades brasileiras e, como tal, absolveu-o do crime de condução sem habilitação legal p.p. Artigo 3°, número 1 do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, pelo qual vinha acusado. 8º — Da oposição dos julgados resultam graves dúvidas quanto à justiça da condenação nestes autos, pelo que se impõe a revisão da decisão condenatória, nos termos do disposto na alínea c) do número 1 do Artigo 449° do Código de Processo Penal. Face ao supra exposto e nos melhores termos de Direito que V/Exa.(s) doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, autorizando-se a revisão da decisão condenatória proferida neste processo sumaríssimo com o número 1192/20.... e os autos reenviados ao tribunal de categoria e composição idênticas às do que proferiu a decisão a rever, e que se encontrar mais próximo, com o que se fará JUSTIÇA! Mais requer o arguido, ao abrigo do disposto no número 5 do Artigo 411º do Código de Processo Penal, a realização de audiência de julgamento pretendendo ver debatidos todos os pontos da motivação do presente recurso extraordinário de revisão perante os Exmo.(s) Sr(s). Dr(s). Juízes Conselheiros do Colendo Supremo Tribunal de Justiça.» 3. Por despacho de 18.11.2021, o recorrente AA foi convidado a, no prazo 10 dias, proceder à junção aos autos de documento comprovativo de que à data dos factos – 22.11.2020 era titular de carta de condução que o habilitasse a conduzir ciclomotores em território nacional. 4. Na sequência, o recorrente veio, em 23.11.2021, juntar cópia da carta em 19 de maio de 2019, e da manifestação de interesse junto do SEF, em 12 de março de 2020, de carta de condução emitida pelas autoridades brasileiras, 4. O Magistrado do Ministério Público na 1.ª instância, respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido de ser negada a revisão, tendo concluído nos seguintes termos: “1. Veio o presente o recurso para sanar a contradição de julgados existente entre a aqui condenação nos autos principais e a absolvição naqueles com o NUIPC 324/21...., em ambos os casos pelo crime de condução sem habilitação legal, p. p. art. 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro 2. Pugna o recorrente pela verificação da previsão do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal, alegando serem inconciliáveis os factos dados como provados em cada uma daquelas sentenças. 3. Todavia, sem prejuízo do que veio alegado, inexistindo elementos que o consubstanciem inexistirá também fundamento para alterar o que aqui foi dado como provado e decidido. 4. Do que antecede, e em sucinta conclusão, à mingua de outros elementos, deverá assim manter-se o aqui decidido, improcedendo o impugnado.”
4. A Meritíssima Juiz do Tribunal Judicial da Comarca ... (Juízo Local de Pequena Criminalidade ..., Juiz ...), na informação a que alude o art. 454.º, do CPP, consignou: «Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 454º, do Código de Processo Penal, informa-se que: - salvo melhor opinião, dos autos não consta qualquer prova da qual resulta que o arguido em 22.11.2020 – data dos factos - era titular de carta de condução ou qualquer outro documento que o habilitasse a conduzir em território nacional, junta posteriormente à prolação da sentença, ou mesmo anteriormente; - a tal acresce que o arguido foi pessoalmente notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigo 396º, nº 2, alínea c) e 398º, ambos do Código de Processo Penal em 29.01.2021, tal como a então Ilustre Defensora Oficiosa, esta através do sistema citius, sendo que não foi deduziu oposição à prolação de decisão final. Nestes termos, julgamos que não se verifica qualquer dos fundamentos de admissibilidade da revisão da sentença proferida nos presentes autos – confrontar artigo 449º, nº 1, alíneas a), b), c), d), e), f) e g), nº 2, do Código de Processo Penal. Porém, V.as. Ex.as, Venerandos Srs. Conselheiros, melhor decidirão.»
5. O Senhor Procurador-Geral Adjunto no Supremo Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 455.º, n.º 1, do CPP, manifestou-se no sentido de ser negada a revisão, porquanto: “(...) Recordemos que o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 1 do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de 5,00 (cinco) Euros, o que perfaz a quantia de 200,00 (duzentos) Euros. Anteriormente ouvido em auto, confessara os factos – condução de veículo, no dia 22-11-2020, sem que fosse portador da habilitação devida – e declarara-se arrependido. Notificado, não se opôs à sanção proposta pelo Ministério Público, pelo que foi condenado por sentença, entretanto, transitada em julgado, nos termos acima referidos. Veio agora alegar, no presente recurso, a existência de uma sentença absolutória, relativa ao mesmo crime, prolatada no processo n.º 324/21...., pelo que estariam reunidos os pressupostos previstos pela al. c) do art.º 449º do Código de Processo Penal. Ora, da marcha do processo resulta que o arguido teve todas as possibilidades de indicar os meios de prova que considerasse pertinentes e, bem assim, de prestar declarações da forma que entendesse mais conveniente. Se, na altura adequada, resolveu não apresentar determinados meios de prova ou prestar depoimento num determinado sentido… sibi imputet! De resto, desconhece-se por que razão foi absolvido no processo n.º 324/21...., sendo certo que os factos dele constantes se reportam a 9-3-2021 e a sentença proferida em 25-3- 2021, por se tratar de processo sumaríssimo, não o esclarece. – cfr. ofício de 19-10-2021, referência Citius ...56. Certo é, porém, que o documento alegadamente comprovativo da sua habilitação legal para conduzir (no Brasil) tem, como data de emissão, o dia 17-3-2021, data muito posterior aos factos dos presentes autos. Em suma, dificilmente se poderá considerar que o arguido tem fundamento para suscitar a questão. Como é evidente, o recurso de revisão não se destina a colmatar estratégias de defesa que, no momento próprio, não obtiveram sucesso, por inabilidade ou desmazelo; em todo o caso, por culpa própria. Recorde-se que a revisão, tal como se escreveu no ac. STJ de 14/05/2008, “constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado, e tem como fundamento principal a necessidade de se evitar uma sentença injusta, de reparar um erro judiciário, por forma a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal.” E “assenta num compromisso entre a salvaguarda do caso julgado, que é condição essencial da manutenção da paz jurídica, e as exigências da justiça. Trata-se de um recurso extraordinário, de um “remédio” a aplicar a situações em que seria chocante e intolerável, em nome da paz jurídica, manter uma decisão de tal forma injusta (aparentemente injusta) que essa própria paz jurídica ficaria posta em causa.” – cfr. ac. STJ de 04-07-2007, Proc. n.º ...7 - ... secção” 5. Assim, os fundamentos invocados pelo arguido não parecem ser suficientemente ponderosos para suscitar graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação; pelo que, em conformidade, nos parece dever ser negada a requerida revisão.” 6. O recorrente AA foi notificado para, querendo, exercer o contraditório, e manteve o seu entendimento no sentido que entre a decisão proferida nos presentes autos e a proferida nos autos de Proc. n.º 324/21...., do ... – Juiz l, existe oposição de julgados, resultando graves dúvidas quanto à justiça da condenação nestes autos, impondo-se a revisão da decisão condenatória, nos termos do disposto na al. c), n.º 1, do artigo 449.° do CPP, devendo ser dado provimento ao recurso de revisão por si interposto. 7. Teve lugar a conferência.
II. Fundamentação 1. O recorrente AA no seu requerimento solicita, nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do CPP, a realização de audiência no Supremo Tribunal de Justiça. Cumpre apreciar: 2. Nos recursos ordinários, é possível solicitar, ao abrigo do disposto nos artigos 410.º a 426.º-A, do CPP, a realização de audiência. 3. Porém, esta possibilidade não ocorre no âmbito dos recursos extraordinários, como é o caso do recurso de revisão, ao qual se aplicam as normas previstas nos artigos 449.º, e seguintes do CPP, prevendo concretamente o artigo 455.º deste diploma legal que, depois do recurso de revisão ser recebido no STJ, é aberta vista para o MP emitir parecer, sendo posteriormente aberto termo de conclusão ao relator por 15 dias, indo após o processo a vistos do Juiz Conselheiro Adjunto e do Juiz Presidente, acompanhado do projeto de acórdão – cf.. assim citado artigo 455.º, n. os 1, 2 e 6 e artigo 435.º, ex vi artigo 455.º, n.º 6, todos do CPP. 4. Inexistindo, portanto, no regime do recurso de revisão, remissão para as regras gerais respeitantes à tramitação unitária dos recursos ordinários, conclui-se pela inadmissibilidade legal de realização da requerida audiência. 5. Em consequência, indefere-se a requerida realização de audiência no Supremo Tribunal de Justiça, por inadmissibilidade legal. 6. O recorrente AA foi condenado no processo sumaríssimo n.º 1319/20.0SILSB-A. S1, por sentença do Tribunal Judicial da Comarca ... (..., Juiz ...), de 30.04.2021, transitada em julgado a 14.06.2021, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03.01, tendo aí sido dado como provado que (transcrição): “I – Relatório: Em processo sumaríssimo o Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 392º, nº 1, do Código de Processo Penal requereu a condenação do arguido: BB, melhor identificado no Termo de Identidade e Residência, pelos factos constantes do requerimento apresentado pelo Ministério Público, cujo teor aqui se dá por reproduzido (“No dia 22.11.2020, pelas 10 horas e 30 minutos, na Estrada ..., freguesia ..., na área desta Comarca ..., o arguido, conduzia o veículo ciclomotor, da marca..., modelo “...”, com a matrícula nº ..-SG-.., sem que estivesse legalmente habilitado para a prática da condução de tal veículo com a necessária licença de condução. Agiu o arguido, deliberada, livre e conscientemente, ao conduzir o referido veículo ciclomotor sem ser titular de licença de condução, bem sabendo, que o não podia fazer naquelas condições. Bem sabendo o arguido que a sua conduta era (é) proibida e criminalmente punida), imputando-lhe a prática, em autoria material e sob a forma consumada de um crime de condução sem habilitação, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de Janeiro, propondo a pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 5,00 Euros. Cumprido o disposto no artigo 396º, nº 1, alíneas a) e b), nº 2, alíneas a), b) e c) e nº 3 e 4, do Código de Processo Penal, o arguido não se opôs à sanção. II – Decisão: Pelo exposto, valendo o presente despacho como sentença nos termos do artigo 397º, nº 1 e 2, do Código de Processo Penal, decide- se: I - condenar o arguido BB, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 1 do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de 5,00 (cinco) Euros, o que perfaz a quantia de 200,00 (duzentos) Euros. II - condenar o arguido nas custas do processo, com taxa de justiça individual que fixamos em 1/2 UC`S, nos termos dos artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo. Após trânsito: Remeta boletins à D.S.I.C. – artigo 6º, alínea a) da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio. * Notifique e deposite – artigo 372º, nº 5 e 373º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal.” 7. Inconformado, ao abrigo do disposto no artigo 449.º, n.º 1, al. c), do CPP o recorrente AA interpôs recurso extraordinário de revisão, invocando oposição de julgados entre a decisão proferida nestes autos e a proferida no Proc. n.º 324/21...., do ... – Juiz l, resultando graves dúvidas quanto à justiça da condenação nestes autos, impondo-se a revisão da decisão condenatória, nos termos do disposto na al. c), n.º 1, do artigo 449.° do CPP. 8. Consagra o artigo 29.º, n.º 6 da CRP, o direito dos cidadãos “à revisão da sentença”, estando vertidas as respetivas condições no artigo 449.º, n.º 1, do CPP. 9. Os casos de revisão de sentença e os seus fundamentos estão expressa e taxativamente previstos no citado artigo 449.º do CPP, que dispõe que: "1. A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão; b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo; c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n°s 1 a 3 do artigo 126°; f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação; g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça”. 10. Têm legitimidade para requerer a revisão o condenado ou o seu defensor, relativamente a sentenças condenatórias - cf. artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP. 11. Resulta assim que “A revisão tem a natureza de um recurso, em regra, sobre questão de facto. Não se trata de uma revisão do julgado, mas de um julgado novo sobre novos elementos. (…) Em regra, a revisão funda-se em matéria de facto e só excepcionalmente algumas legislações a admitem com base em matéria de direito. Será o caso da previsão das alíneas e), f) e g), aditadas da Lei nº 48/2007, de 29/08”[2]. 12. Breve incursão, quer na doutrina quer na jurisprudência do STJ e do Tribunal Constitucional sobre a natureza do recurso de revisão, demonstra, efetivamente, que a revisão de sentença, constitucionalmente consagrada no citado artigo 29.º, n.º 6, tem natureza excecional, integrando uma limitação clara ao princípio da segurança jurídica, o que determina que, só em casos igualmente excecionais, se consinta quebra do caso julgado. 13. Com efeito, o artigo 29.º, n.º 6, da CRP “(…) atribuiu um direito geral de revisão de sentenças em circunstâncias bem definidas, não uma porta escancarada a toda e qualquer revisão, em quaisquer situações. A CRP não deixa, aliás, quaisquer dúvidas: porquanto sublinha que o direito de revisão dos cidadãos “injustamente condenados” existe, muito concretamente: “nas condições que a lei prescrever” (…)”, claramente previstas no artigo 449.º, n.º 1, do CPP[3]. 14. Portanto, “(…) O recurso extraordinário de revisão não tem por objeto a reapreciação da decisão judicial transitada. Não é uma fase normal de impugnação da sentença penal. É um procedimento autónomo especialmente dirigido a obter um novo julgamento e, por essa via, rescindir una sentença condenatória firme (…)”[4]. 15. Aliás, o Acórdão do TC n.º 376/2000[5], aludindo ao recurso de revisão, elucida que: “(…) no novo processo não se procura a correção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou com a decisão revidenda, porque para a correção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário”, “os factos novos do ponto de vista processual e as novas provas, aquelas que não puderam ser apresentadas e apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, são indício indispensável à admissibilidade de um erro judiciário carecido de correção. Por isso, se for autorizada a revisão com base em novos factos ou meios de prova, haverá lugar a novo julgamento (…)”. 16. Por seu turno, propugna o Acórdão do STJ, de 26-09-2018[6] que “(…) do carácter excecional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respetiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários (…)” 17. Na mesma senda, o Acórdão do STJ, de 06.06.2018[7], onde se lê que “O recurso de revisão é estruturado na lei processual penal em termos que não fazem dele uma nova instância, surgida no prolongamento da ou das anteriores”. 18. Logo,” O recurso de revisão como recurso extraordinário, é um recurso apertis verbis, isso é destina-se a apreciar perante taxativos pressupostos legalmente consentidos, que sejam invocados como fundamento do recurso extraordinário e na sua apreciação, possam conduzir à revisão do julgado, se dessa apreciação, de forma séria e grave sobressair a injustiça da condenação revidenda”[8]. 19. Como se viu, o recorrente invoca como fundamento do recurso, a inconciliabilidade entre duas decisões, ao abrigo do disposto no artigo 449.º, n.º 1, al. c), do CPP. 20. Prevê esta citada disposição legal que a revisão da sentença transitada em julgado é admissível se os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. 21. Para o recorrente, a alegada inconciliabilidade resulta do facto de num caso ter sido absolvido e noutro condenado, quando, em ambos, era titular de habilitação legal para conduzir. Vertendo ao caso: 22. O recorrente AA foi condenado, nestes autos, pelo crime de condução sem habilitação legal com base na seguinte matéria de facto: “I – Relatório: Em processo sumaríssimo o Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 392º, nº 1, do Código de Processo Penal requereu a condenação do arguido: BB, melhor identificado no Termo de Identidade e Residência, pelos factos constantes do requerimento apresentado pelo Ministério Público, cujo teor aqui se dá por reproduzido (“No dia 22.11.2020, pelas 10 horas e 30 minutos, na Estrada ..., freguesia ..., na área desta Comarca ..., o arguido, conduzia o veículo ciclomotor, da marca..., modelo “...”, com a matrícula nº ..-SG-.., sem que estivesse legalmente habilitado para a prática da condução de tal veículo com a necessária licença de condução. Agiu o arguido, deliberada, livre e conscientemente, ao conduzir o referido veículo ciclomotor sem ser titular de licença de condução, bem sabendo, que o não podia fazer naquelas condições. Bem sabendo o arguido que a sua conduta era (é) proibida e criminalmente punida), imputando-lhe a prática, em autoria material e sob a forma consumada de um crime de condução sem habilitação, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de Janeiro, propondo a pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 5,00 Euros. Cumprido o disposto no artigo 396º, nº 1, alíneas a) e b), nº 2, alíneas a), b) e c) e nº 3 e 4, do Código de Processo Penal, o arguido não se opôs à sanção. II – Decisão: Pelo exposto, valendo o presente despacho como sentença nos termos do artigo 397º, nº 1 e 2, do Código de Processo Penal, decide- se: I - condenar o arguido BB, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 1 do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de 5,00 (cinco) Euros, o que perfaz a quantia de 200,00 (duzentos) Euros. II - condenar o arguido nas custas do processo, com taxa de justiça individual que fixamos em 1/2 UC`S, nos termos dos artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo. Após trânsito: Remeta boletins à D.S.I.C. – artigo 6º, alínea a) da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio. Notifique e deposite – artigo 372º, nº 5 e 373º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal”. (sublinhados nossos) 23. No proc. n.º 324/21...., do ... – Juiz l, o recorrente AA foi absolvido do crime de condução sem habilitação legal, com base na seguinte factualidade: «Realizou-se a audiência de julgamento com observância do formalismo legal conforme consta da respectiva acta inexistindo quaisquer questões prévias que cumpra conhecer desde já. Entende ó tribunal que da prova que foi produzida em audiência de julgamento não resultaram provados nenhuns dos factos descritos na acusação deduzida pelo Ministério Público. Mais entendemos que resultou provado que o arguido é titular de carta de condução brasileira, a qual consta como data de validade o dia 13 de Agosto de 2020. Resultou também provado que o arguido não tem ainda residência fixa em Portugal tendo efectuado a manifestação de interesse nesse sentido junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, processo a que deu início no mês de Março de 2020. Quanto às suas condições económicas e pessoais resultou provado que o arguido trabalha por conta própria como estafeta e que aufere mensalmente a quantia média de € 700, reside com um primo, despende mensalmente a quantia de € 185 por um quarto que ocupa. Tem o correspondente ao 12.° ano de escolaridade como habilitações literárias. Não consta dos autos que o arguido tenha quaisquer antecedentes criminais. Quanto à malha factual que se entende resulta como não provada entende o tribunal que não se provou que no dia 9 de Março de 2021, pelas 15 horas e 40 minutos, o arguido conduzia o ciclomotor na Avenida ..., em ... sem que fosse titular de carta condução válida, licença de condução ou documento que sabia necessário ao exercício do veículo, que conhecia as características e não obstante saber realizou a condução (imperceptível) legalmente permitida a quem é titular de documento, não se abstendo de o fazer, agiu de forma livre e voluntária e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. No que diz respeito à fundamentação da matéria de facto tivemos em consideração a análise ponderada de toda a prova produzida em audiência de julgamento destacando-se aqui as declarações do arguido que apresentou uma postura séria, correcta, nos explicou e apresentou a sua versão sobre os factos dizendo que tem uma carta de condução emitida pelas autoridades brasileiras e que estava convencido que a mesma era válida uma vez que no Brasil, em virtude da pandemia, resultante do novo coronavírus, foi prorrogada a validade das cartas de condução, razão pela qual a sua carta estaria válida. Por outro lado, disse-nos que ainda não tem residência fixa em Portugal pese embora já tenha feito essa manifestação de interesse, razão, e por isso, em consequência disso é que não pode fazer a troca da sua carta de condução por título português. Enaltece-se que a versão que aqui foi trazida aos autos pelo arguido é sustentada pelo, pelas fotocópias dos documentos que o mesmo juntou e que se encontram assim nos autos, desde logo a fotocópia da sua carta de condução e também do termo de manifestação de interesse sendo certo então que a forma como prestou aqui declarações fez com que as mesmas nos merecessem credibilidade desde logo à circunstância de o mesmo estar convencido de que a sua carta de condução ainda estaria válida e isto porque efectivamente à semelhança do que, eventualmente acontecerá no Brasil, a verdade é que também em Portugal foi publicada uma, foi publicado um Decreto Lei 87A/2020, de 15 de Outubro que efectuou a prorrogação da validade das cartas de condução até ao dia 30 de Março de 2021 no seguimento daquelas cartas cujo prazo expira durante o período em que se verificou a pandemia em território nacional. Portanto entendemos legítimo nesta sequência o arguido estivesse também convencido da prorrogação da validade da sua carta de condução no Brasil e que pudesse exercer a condução de veículos automóveis na via pública em Portugal. Relativamente às condições económicas e pessoais do arguido valorámos também suas declarações as quais considerámos sem reservas (imperceptível) a ausência de antecedentes criminais, provas com recurso à análise do certificado do registo criminal a folhas (13). No que diz respeito aos factos não provados entendemos que os mesmos assim resultaram porquanto não foi feita prova dos mesmos, ou seja, não se provou que a carta de condução do arguido não seja válida pois que efectivamente não foi carreado para os autos prova que permita atestar essa invalidade da carta de condução no sentido da sua prorrogação em virtude da extensão dos prazos para a sua caducidade. Por outro lado, também não resultou provado que o arguido soubesse que o seu comportamento era crime e que tenha agido de forma livre, voluntária e consciente pois efectivamente resultaram provados factos, ou seja, o tribunal formou a sua convicção sobre os factos contrários. Ou seja, que o arguido estava convencido que poderia ainda conduzir com a carta de condução de que era titular.» (sublinhados nossos). 23. Na sentença proferida no Proc. n.º 324/21...., do ... – Juiz l, emerge de forma clara, o seguinte: «Veio então assim o arguido acusado da prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p Artigo 3° número 1 do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro. O bem jurídico protegido por esta incriminação é a segurança rodoviária, é um crime de perigo abstracto (imperceptível) continuada (imperceptível) com a condução do veículo na via pública (imperceptível) sem habilitação legal para o efeito é efectivamente um crime apenas punido sob a forma dolosa em qualquer uma das suas modalidades. Ora tendo presente o enquadramento legal explanado e fazendo-se aqui também referência aquilo que se encontra disposto no Artigo 125°, número 1, 3 e 4 do Código do Estrada entendemos que não se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos tipo. Efectivamente o arguido ainda não tem residência fixa em Portugal razão pela qual não se lhe aplica o prazo de 90 dias necessário para a troca e possibilidade de troca da sua carta de condução por uma carta portuguesa. Por outro lado, atendendo a que o arguido estava convencido de que a sua carta de condução ainda era válida, agiu mesmo em erro e portanto não preenche também aqui o elemento subjectivo sendo certo que este crime apenas é punido a título doloso e não a título negligente. Efectivamente existe aqui uma falta de consciência da ilicitude pelo arguido que deverá ser ponderada então, por não se ter verificado o elemento subjectivo, qualquer elemento doloso. Atendendo a tudo o exposto o tribunal decide então absolver o arguido da prática do crime de que vinha acusado por entender não estarem preenchidos os necessários pressupostos objectivos e subjectivos.» (sublinhado nosso) 24. Concatenando os factos provados e não provados nos aludidos processos, constata-se que o facto em causa é análogo, ou seja, a condução de veículo que impõe a habilitação legal para o conduzir; sendo que nos presentes autos os factos ocorreram em 22.11.2020, e no Proc. n.º 324/21...., do ... – Juiz l, ocorreram em 09.03.2021. 25. Sem prejuízo, impõe-se questionar se os factos provados nestes autos são inconciliáveis com os constantes na sentença proferida no Proc. n.º 324/21...., do ... – Juiz l. Vejamos: 26. É indispensável que duas decisões se contradigam, que sejam proferidas contra o mesmo arguido, que os factos provados numa decisão sejam inconciliáveis com os factos provados na outra, para que, então, se possa avaliar se se trata de um caso subsumível ao disposto no artigo 449.º, n.º 1, al. c), do CPP, aditando-se que esta inconciliabilidade pressupõe que a prova de uns factos exclua a prova de outros. 27. Aliás, aquilo que diferencia as duas decisões decorre de elementos probatórios diferenciados, que necessariamente conduziram a uma dissemelhante factualidade provada. 28. A inconciliabilidade imposta no artigo 449.º, n.º 1, al. c), do CPP é uma inconciliabilidade de factos provados, sendo que a diferença que ocorre entre ambos os processos resulta do seguinte: Nestes autos, o facto provado trata-se de: “No dia 22.11.2020, pelas 10 horas e 30 minutos, na Estrada ..., freguesia ..., na área desta Comarca ..., o arguido, conduzia o veículo ciclomotor, da marca..., modelo “...”, com a matrícula nº ..-SG-.., sem que estivesse legalmente habilitado para a prática da condução de tal veículo com a necessária licença de condução.” No Proc. n.º 324/21...., do ... – Juiz l, o facto provado é o seguinte: «Mais entendemos que resultou provado que o arguido é titular de carta de condução brasileira a qual consta como data de validade o dia 13 de Agosto de 2020.» — e como facto não provado: «entende o tribunal que não se provou que no dia 9 de Março de 2021 (...) o arguido conduzia o ciclomotor (...) sem que fosse titular de carta condução válida, licença de condução ou documento que sabia necessário ao exercício do veículo». 29. É imprescindível que haja inconciliabilidade entre os factos provados nos autos sob revisão e os factos provados noutra sentença, para que esteja preenchido o requisito previsto no artigo 449.º, n.º 1, al. c), do CPP no sentido de que: “os factos que serviram de “fundamento” à condenação são os factos provados na sentença criminal”[9], pelo que, “não relevam os factos não provados enunciados na sentença condenatória”[10]. 30. Ora, in casu, resulta provado, na sentença sob recurso, que o recorrente AA conduzia sem título habilitante e na decisão proferida no Proc. n.º 324/21.... do ... – Juiz l, que o arguido era titular de título habilitante para conduzir, emitido pela República Federativa do Brasil, sendo que não se provou que conduzia sem título habilitante. 31. No caso sub judice não se provou que o arguido fosse titular de carta de condução, ao passo que na sentença em confronto- Proc. n.º 324/21...., do ... – Juiz … - ficou provado que era titular de carta de condução brasileira, contudo caducada. Vejamos: 32. Em 25.03.3021, na audiência realizada no Proc. n.º 324/21...., do ... – Juiz l, o recorrente AA exibiu a carta de condução brasileira, com validade até 13.08.2020, tendo a decisão proferida nesses autos ponderado que em 09.03.2021, data da prática dos factos, apesar da validade já ter expirado, existia a conjetura da sua validade ter sido prorrogada em conformidade com o ocorrido em Portugal, em que a validade das cartas de condução foi alargada até 30.03.2021, decorrente da pandemia e das normas excecionais publicadas em consequência) 33. Face a tal factualidade, necessário resulta concluir que a 22.11.2020, data da prática dos factos dos presentes autos, o arguido seria então portador da carta de condução brasileira cuja validade teria terminado (ou não) a 13.08.2020. 34. Portanto, no Proc. n.º 324/21...., do ... – Juiz l, teve-se conhecimento da existência de um título de condução de veículos (apesar de caducado); porém, no Proc. n.º 1319/20.0SILSB-A. S1, do Tribunal Judicial da Comarca ..., ..., Juiz ..., nada se soube 35. Numa primeira abordagem, lograríamos considerar pela inexistência de inconciliabilidade, dado que aquando da decisão proferida nestes autos não se sabia da existência de nenhum título habilitante para a condução de veículos e não se investigou saber, dado que o ora recorrente AA nada disse; porém na decisão proferida no Proc. n.º 324/21...., do ... – Juiz l concluiu-se que o arguido era titular da carta de condução brasileira. 36. No entanto, averiguando ambos os autos e fazendo uma aprofundada análise, teremos afinal de considerar que num caso é dado como provado que possui licença de condução, e não no outro caso, embora seja significativa a prova de que era titular de licença de condução emitida pela República Federativa do Brasil, tendo em consideração que, por despacho do Ministério da Administração Interna — Direção-Geral de Viação, foi determinado que “As carteiras nacionais de habilitação brasileiras (CNH) que se apresentem dentro do seu prazo de validade habilitam à condução de veículos em território nacional, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 125.º do Código da Estrada.”[11]. 37. Releva ainda a Resolução n.º 805, de 16.11.2020, do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) Brasileiro[12], que determinou que o prazo de validade dos títulos de condução foi aumentado em 1 ano, pelo que a carta de condução brasileira que tinha validade até 13.08.2020 passou a ter mais um ano de validade. 38. Pelo que os factos julgados nos autos principais (de que a revisão constitui apenso), ocorridos a 22.11.2020, estavam integrados no período de prorrogação da validade do título de condução, pelo que há-de concluir-se que, na data da. prática dos factos dos autos, o recorrente AA era titular de título habilitante de condução. 39. Face ao exposto, conclui-se que foram provados factos inconciliáveis nas duas decisões, concluindo-se numa que o arguido era possuidor de título de condução e, na outra (a proferida nestes autos) que não era detentor de tal título. 40. Da demostrada oposição resultam graves danos sobre a justiça da condenação, sendo, aliás, evidente a sua injustiça, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, por se ter considerado que “No dia 22.11.2020, pelas 10 horas e 30 minutos, na Estrada ..., freguesia ..., na área desta Comarca ..., o arguido, conduzia o veículo ciclomotor, da marca..., modelo “...”, com a matrícula nº ..-SG-.., sem que estivesse legalmente habilitado para a prática da condução de tal veículo com a necessária licença de condução.”, por o recorrente AA possuir licença de condução, conforme factualidade provada nos autos em confronto, isto é, no Proc. n.º 324/21...., do ... – Juiz l. 41. De todo o exposto, resulta, pois, verificado o fundamento previsto no artigo 449.º, n.º 1, al. c), do CPP, no que respeita à concordância deste recurso de revisão.
III. Decisão Nos termos expostos, acordam na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, autorizar o pedido de revisão formulado pelo condenado AA e, consequentemente, por força do disposto no artigo 458.º, n.º 1, do CPP, ser anulada a decisão, decidindo-se pelo reenvio do processo para o Tribunal Judicial da Comarca ... — ..., nos termos do artigo 457.º, do CPP, devendo proceder-se a novo julgamento. Sem custas – artigo Lisboa, 27 de abril de 2022 Maria Helena Fazenda (relatora) José Luís Lopes da Mota (Juiz Conselheiro Adjunto) Nuno Gonçalves (Presidente da Seção) ______ [1] Doravante CPP |