No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Colectivo n.º 145/10.9JAPRT, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, integrante do Círculo Judicial de Vila Real, foram submetidos a julgamento os arguidos:
AA, natural de ... - ..., nascido a …, solteiro, desempregado, residente no Lugar do ..., em ..., ...;
BB, natural de ..., nascido a …, solteiro, desempregado, residente na Rua do ..., n.º ..., em ... - ….;
CC, natural de ..., nascido a …, casado, sem profissão, residente na Rua …, …, em ….;
DD, natural de ... - ..., nascido a …, solteiro, desempregado, residente na Lugar de …, ... - ....
Por acórdão do Colectivo competente, de 9 de Junho de 2010, constante de fls. 616 a 636, foi deliberado condenar:
a) O arguido AA, pela prática em co-autoria material e concurso real de:
- um crime de roubo agravado pela reincidência, p. e p. pelo artigo 75.º, 210.°, n.º 1 e 2, alínea b), com referência ao disposto no artigo 204.°, n.º 1, alínea f) e n.º 2, alíneas a) e f), do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão;
- um crime de detenção e uso de arma proibida (arma da classe D), p. p. pelos artigos 3.°, n.º 6, alínea a) e 86.°, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio, e artigo 75.º do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.
b) O arguido BB, pela prática em co-autoria material de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.°, n.º s 1 e 2, alínea b), com referência ao disposto no artigo 204°, nº s 1, alínea f) e 2, alíneas a) e f), do Código Penal, especialmente atenuado, pelo artigo 4º do D. L. 401/82, de 23-09, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução, mediante a obrigação do arguido se sujeitar a um plano de acompanhamento e inserção social a elaborar pelo IRS.
c) O arguido CC, pela prática em co-autoria material e concurso real de:
- um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.°, n.º 1 e 2, b), com referência ao disposto no artigo 204°, nº s 1, alínea f) e 2, alíneas a) e f), do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão;
- um crime de detenção e uso de arma proibida (arma da classe D), p. p. pelos artigos 3.°, n.º 6, alínea a) e 86.°, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio, na pena de 15 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
d) O arguido DD, pela prática em co-autoria material de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º s 1 e 2, alínea b), com referência ao disposto no artigo 204.º, n.º s 1, alínea f) e 2, alíneas a) e f), do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, sob a condição do arguido se sujeitar a um plano de acompanhamento e inserção social a elaborar pelo IRS.
Inconformados com o assim decidido, os arguidos AA e CC interpuseram recurso dirigido ao Tribunal da Relação do Porto, apresentando a motivação de fls. 644 a 652, que rematam com as seguintes conclusões (em transcrição integral, incluindo realces):
Resultam do exposto três questões essenciais a resolver:
1. - A questão da aplicação da pena de multa para os crimes de Detenção e Uso de Arma Proibida com reflexo ao nível do cúmulo jurídico.
1.1- Ao crime de Detenção e Uso de Arma Proibida previsto e punido pelos artigos artigos 3.°, n.° 6, alínea a) e 86.°, n.° 1, alínea c), da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 17/2009 de 6 de Maio - cabe a pena abstracta de prisão de 1 a 5 anos ou pena de multa até 600 dias.
1.2- Da douta decisão recorrida, salvo o devido respeito, verifica-se que não foi observado o preceituado legal do referido artigo, porquanto deveriam ter sido sancionados com pena de multa e não pena de prisão, além do que o Tribunal não se pronunciou expressamente das razões pelas quais não optava pela aplicação da pena de multa.
1.3- Pelo que, somos de parecer que ao presente processo e quanto ao crime de Detenção e Uso de Arma Proibida deveria o tribunal recorrido ter dado preferência à pena pecuniária, tendo presente o artigo 70.° do CP, e como o crime de Detenção e Uso de arma proibida pode, em alternativa, ser sancionado com pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal recorrido deveria ter dado preferência à segunda, ou seja, à pena pecuniária.
1.4 - Isto porque, os arguidos mostraram arrependimento, confessaram parcialmente, e, por outro lado, pelas circunstâncias do caso, mormente a diminuta gravidade da ilicitude, a imputabilidade diminuída por força do consumo de estupefacientes e de álcool e o tratamento de desintoxicações a que se submetem, o facto de os crimes terem sido todos cometidos no mesmo dia, hora e local, na sequência uns dos outros, com ligação ou conexão entre eles.
1.5 - Os arguidos absorveram e interiorizaram o mal do crime e estavam em prisão preventiva desde Fevereiro de 2010, pelo que, não deve de todo ser afastada a suficiência da pena de multa como adequada e suficiente para as finalidades da punição, mormente de socialização e prevenção especial.
1.6- Os arguidos têm família com a qual vivem, estão inseridos na sociedade, são sociáveis, são acolhidos dentro do seio familiar, são extremamente educados nas interacções que estabelecem com os outros, conforme se pode constatar em sede de julgamento.
1.7- Daí que a pena correspondente aos crimes de Detenção e Uso de Arma Proibida, com o devido respeito, deva ser de multa, com reflexos ao nível do cúmulo jurídico, reduzindo-o para limites em relação aos quais seja de equacionar a suspensão da execução da pena de prisão.
2. - A questão da medida da pena que os recorrentes têm por elevada e querem ver reduzida.
2.1- A medida da pena aplicada, por ser manifestamente excessiva, tem um efeito contraproducente, uma vez que em nada contribui para a reintegração dos mesmos.
2.2- Os recorrentes cumpriram já pena de prisão anterior, o que torna ainda mais dramático, traumático e penoso o cumprimento de nova pena prisão.
2.3- Não foram levadas em consideração todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor dos recorrentes. Salvo o devido respeito e melhor entendimento, parece verificar-se o contrário ou a desvalorizar-se e subvalorizar-se a prática colaborante com o Tribunal e como tal se tendeu a inverter tais circunstâncias.
2.4- Os arguidos praticaram actos irreflectidos, os actos foram praticados sob a influência de estupefacientes e de álcool.
2.5- Pelo que, as suas condutas não preenchem o normativo do n.° 1 do artigo 14.° do CP., e, como tal, deve concluir-se que não actuaram com dolo directo.
2.6- De acordo com documentos juntos aos autos tidos em conta para a motivação da questão de facto e segundo informações clínicas, as análises à urina do arguido revelam a existência de metabólitos negativos a heroína e a cocaína, bem como a sujeição destes a tratamentos de desintoxicação.
2.7- Também por aqui se demonstra a ressocialização e reintegração comunitária dos arguidos.
2.8- A medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, sendo a prevenção especial de socialização que a vai determinar, em último termo. (ac. STJ de 24 de Maio de 1995, proc. 47386/3.a).
2.9- Considerando o disposto no artigo 40.° do Código Penal, o acórdão recorrido viola em nosso entendimento, aquele preceito legal no que diz respeito às finalidades das penas, dado que não contempla as possibilidades de reintegração do agente na sociedade.
2.10- Não aceitar esta realidade, fazê-los cumprir pena de prisão, e, dessa forma, correr o sério risco de o meio prisional os voltar a contaminar, fará com toda a certeza obstar definitivamente à sua plena integração social.
2.11- Integração essa que tem vindo a fazer-se paulatinamente, com a ajuda de familiares, no seio da figura maternal e da irmã.
2.12- Por esta altura já os arguidos se encontram amargamente arrependidos de todos os actos que praticaram, sendo certo que tal revela uma postura crítica em relação aos mesmos.
2.13- Pelo exposto, o acórdão recorrido viola as disposições das alíneas a) b) d) e f) do n.° 2 do artigo 71.° do Código Penal, bem como o estabelecido no artigo 40.° e no n.° 1 do artigo 77.° do citado diploma legal.
3.- A questão da possibilidade de os arguidos beneficiarem do regime da suspensão da execução da pena de prisão, ainda que de uma forma mais plausível para o arguido CC.
3.1 - A suspensão da execução da pena de prisão compreende uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico e como tal o escopo fundamental e prioritário é a prevenção especial e só numa segunda fase a prevenção geral.
3.2 - A pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reacção penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vectores dos fins das penas.
3.3 - O tribunal recorrido, em sede de determinação da sanção, nem sequer se pronuncia sobre a questão de os arguidos deverem ou não beneficiar da possibilidade de a pena de prisão a que foram sujeitos ser sujeita a suspensão de execução nos termos do artigo 50.° do Código Penal, certamente pelo facto de ambos os cúmulos jurídicos excederem a previsão dos cinco anos, este pressuposto objectivo que resulta da Lei n.° 59/2007, de 04 de Setembro.
3.4 - A decisão recorrida deveria ter dado mais atenção não ao momento da prática do crime - como fez - mas reportar-se ao momento da decisão e aí fazer um juízo de prognose favorável relativamente aos comportamentos dos arguidos, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
3.5 - Ao invés, o acórdão recorrido dá especial enfoque às condenações anteriores do arguido e ao comportamento do arguido no momento da prática do crime.
3.6 - Quanto à toxicodependência, está assente que se encontram em tratamento de desintoxicação, ressaltando das já referidas condições pessoais e inserção familiar que as exigências de prevenção geral ou de protecção de bens jurídicos não impõem o efectivo cumprimento de pena de prisão.
3.7 - Pelo exposto, somos de parecer que se o Tribunal aplica uma pena de prisão ainda que superior a cinco anos, tem o Tribunal superior a possibilidade de reduzir a pena aos arguidos para que possa apreciar fundamentadamente a possibilidade de suspender a respectiva execução, pelo que, não pode deixar de indagar pela verificação das respectivas condições (prognose e necessidades de prevenção) e fazer reflectir o resultado dessa indagação, decidindo em conformidade.
3.8 - Conclui-se que, atendendo à personalidade dos agentes, às condições da sua vida -económica, social, cultural, escolar - à sua conduta posterior aos crimes e às circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo, pois, de reduzir o cúmulo jurídico a que foram condenados ao mínimo legal de cinco anos e dessa forma suspender a execução da pena de prisão, por igual período.
3.9 - Realizando-se o cúmulo jurídico de tais condenações e renovando as considerações que, anteriormente e a propósito foram expendidas, somos de entendimento, que se considera adequado, atendendo à imagem global da ilicitude, (...) nomeadamente, o grau de violência utilizado não foi elevado" (...), condenar OS arguidos numa pena única de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução.
No provimento do recurso pedem a revogação do acórdão recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro, no qual se condene os arguidos na pena de multa pelos crimes de detenção e uso de arma proibida e não na pena de prisão efectiva, com reflexos ao nível do cúmulo jurídico. Não sendo considerada suficiente a aplicação da pena de multa, deverá a pena de prisão ser reduzida ao limite legal de cinco anos nos termos do artigo 50.° do CP. de modo a ser suspensa na sua execução, por igual período, mormente quanto ao arguido CC.
O Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu, dirigindo-se ao Supremo Tribunal de Justiça, consoante fls. 664 a 670, concluindo ser de negar provimento aos recursos, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 671.
O processo foi remetido ao Tribunal da Relação do Porto, onde o Exmo. Procurador – Geral Adjunto emitiu parecer, desde logo defendendo que o recurso deveria ter sido remetido ao Supremo Tribunal de Justiça, por ser o competente, e ainda para o caso de assim não ser entendido, defendeu a improcedência dos recursos.
Por despacho do Exmo. Desembargador titular do processo, de 07-09-2010, proferido a fls. 689, tendo em conta que os recursos são interpostos de acórdão de Tribunal Colectivo, tendo os arguidos sido condenados a pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito, considerou competente para conhecer dos recursos este Supremo Tribunal, ordenando a remessa dos autos.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça, a fls. 702 a 711, emitiu parecer, que termina, sintetizando a sua posição, da forma seguinte:
«1º - Os arguidos-recorrentes põem em causa a determinação das circunstâncias atenuantes, bem como a determinação da medida das penas parcelares e da pena conjunta. Entendemos que foram valoradas todas as circunstâncias.
2º - Entendemos que as penas parcelares aplicadas não se mostram desproporcionadas, nem contrárias às regras da experiência, situando-se dentro da área da culpa.
3º - Entendemos que a pena unitária determinada de acordo com o que dispõe o art. 77.° n.° l e 2 se mostra mais proporcionada às regras da experiência e à culpa revelada pelo arguido/recorrente, AA, porém quanto ao arguido/recorrente CC esta deve ser fixada em valor não inferior a cinco anos e quatro meses de prisão.
4º - Pelo exposto, em nosso parecer, o recurso deve merecer parcial provimento, quanto ao recurso interposto pelo arguido CC.
5º - Entendemos, neste quadro factual, atento o parecer dado, que não se questiona a suspensão da execução das penas aplicadas aos arguidos/recorrentes, nem o Tribunal “a quo” o fez. Nesta matéria corroboro a posição do magistrado do MP da 1.ª instância a fls. 648 e 649».
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, os recorrentes silenciaram.
Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.
Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no DR, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ n.º 450, pág. 72), que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.
Questões a decidir
Atentas as conclusões apresentadas pelos recorrentes, que traduzem de forma condensada, as razões de divergência com a decisão impugnada, são as seguintes as questões a debater e decidir:
I – Escolha da espécie de pena prevista para o crime de detenção de arma proibida - Opção pela pena de multa? - Questão suscitada na conclusão 1.ª - pontos 1.1 a 1.7
II – Medida da pena – Redução - Conclusão 2.ª - pontos 2.1 a 2.13.
III - Suspensão da execução da pena – Conclusão 3.ª - pontos 3.1 a 3.9.
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Factos Provados.
Lida a narrativa da facticidade dada por provada, verifica-se que a mesma padece de alguns lapsos - manifestos - de escrita, que impõem correcção, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código de Processo Penal.
No ponto de facto provado n.º 5 situa-se a prática do assalto levado a cabo pelos arguidos, em 20 de Janeiro de 2010, quando no n.º 4 dos factos provados, a acção imediatamente anterior, se situa em 29 do mesmo mês, o que se deve, obviamente, a lapso de escrita manifesta, aliás, vindo já do despacho de acusação, e de que se não cuidou de reparar, no tempo e no modo adequados (de igual modo, aliás, quanto a horas - a acção anterior teria tido lugar às 23,45 horas, e a seguinte, às 23,30 horas (!) … ; só que aqui a correcção não pode ser efectuada nestes moldes).
Relativamente a ambos os arguidos, algumas condenações surgem com datas anteriores à da prática dos factos (!), o que manifestamente só se pode dever a meros lapsos de escrita, que urge corrigir, a partir de documentos autênticos - artigos 362.º, 363.º, n.º s 1 e 2, 369.º e 371.º do Código Civil - que fazem prova plena das declarações neles insertas, como são os certificados de registo criminal, que estiveram na base de tais inserções de matéria de facto reportada a “conduta anterior ao facto”, o que constitui um dos critérios de determinação concreta da pena previstos no artigo 71.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal.
Concretizando.
No ponto de facto provado n.º 5 situa-se a prática do assalto perpetrado nos autos em 20 de Janeiro de 2010, quando no n.º 4, a acção imediatamente anterior se situa em 29 do mesmo mês, o que se deve a lapso de escrita manifesta.
Na parte final do ponto de facto provado n.º 30, respeitante ao recorrente AA, consta o seguinte: “ (…) em 20.06.07, factos de 15.09.07, pela prática de um crime de receptação, na pena de multa”.
E no ponto de facto provado n.º 38, relativo ao recorrente CC, ocorrem dois lapsos de escrita quanto a datas de prática dos factos, como se vê do seguinte trecho:
“O arguido CC foi condenado em 2.2.00, factos de 14.08.04, pela prática de um crime de furto simples, na pena de multa (…); em 18.01.02, factos de 04.02.02 pela prática de um crime de condução ilegal, furto simples, na pena única de 13 meses de prisão, suspensa a sua execução pelo período de 3 anos”.
Corrigindo.
Quanto ao ponto de facto provado n.º 5
Como resulta do contexto, o assalto teve lugar, efectivamente, em 29, e não em 20 de Janeiro de 2010, pelo que em vez de “20” deve passar a ler-se “29”.
Quanto ao ponto de facto provado n.º 30
Como claramente resulta do certificado de registo criminal de fls. 78 (2.º boletim) e repetido a fls. 231 - a partir de fls. 279 há erro de paginação – (1.º boletim), o recorrente AA foi condenado por crime de receptação, por sentença de 20-06-2007, transitada em julgado em 05-07-2007, por factos praticados em 15-09-2001, e não, obviamente, em 15-09-2007, pelo que deverá passar a ler-se, em vez de “15-09-2007”, como real data da prática dos factos a de “15-09-2001”.
Quanto ao ponto de facto provado n.º 38
Como claramente se mostra pelo 2.º boletim do certificado de registo criminal de fls. 233, o arguido foi condenado em 02-02-2000 por sentença, transitada em julgado em 17-02-2000, por crime de furto simples em pena de multa, por factos praticados em 14-08-1994 e não em 14-08-2004, pelo que deverá passar a ler-se em vez de “14-08-04”, como data da prática dos factos “14-08-1994”.
E como se vê do certificado de registo criminal a fls. 236 (2.º boletim), por sentença de 18.01.02, transitada em julgado em 04.02.02, foi condenado por factos praticados em 13-06-1997 e não em 04-02-2002, que é a data do trânsito em julgado, pelo que em vez do consignado “em 18.01.02, factos de 04.02.02”, deverá passar a ler-se “em sentença de 18.01.02, transitada em julgado em 04.02.02, factos de 13-06-1997).
Feitas estas correcções, vejamos a matéria de facto definitivamente assente, por no caso não se verificar qualquer dos casos de vício da decisão da matéria de facto, previstos no artigo 410.º, n.º 2, nem qualquer das nulidades previstas no artigo 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, ambos cognoscíveis, oficiosamente, por este Supremo Tribunal:
1) O arguido AA, conhecido como "T...", no ano de 2005, exerceu funções de vendedor na Firma "...", sito no interior do Armazém nº …, …., em …, Vila Real.
2) O arguido AA, foi restituído à liberdade em 18 de Agosto de 2009, após cumprimento, em cúmulo jurídico, da pena única de 40 meses de prisão, pela prática de um crime de “Trafico de menor gravidade”, p. e p. pelo artigo 25°, al. a), do Decreto Lei 15/93, de 22/01, na pena de 18 meses de prisão, em concurso com um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 6°, nº 1, da Lei 22/97 de 27 de Junho, na pena de 6 meses de prisão - Processo 386/05.0PBVRL 3° Juízo do Tribunal de Vila Real); e um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 203°, 204°, nº 1, al. a), do Código Penal, na pena de 20 meses de prisão e um crime de Roubo, p. e p. pelo artigo 210°, nº 1, do Código Penal, na pena de 30 meses de prisão, em cúmulo na pena de 38 meses de prisão - processo 1276/05.2GBAMT - 3° Juízo do Tribunal de Amarante).
3) Os arguidos AA, CC, BB, DD são amigos, encontram-se desempregados e são dependentes de drogas - heroína e cocaína e consomem por dia uma média de estupefaciente que pode variar entre os €10,00 e pelo menos os 20,00€ cada um.
4) No dia 29 de Janeiro de 2010, pelas 23.45 horas, os arguidos AA, CC, BB, DD encontraram-se na cidade de Marco de Canavezes, acabando por decidirem deslocar-se à cidade de Amarante, na qual adquiriram e consumiram produto estupefaciente e aí acabaram por combinar, após sugestão do arguido AA, deslocarem-se a Vila Real, à Sede da antiga entidade patronal do AA e aí fazerem um assalto, recorrendo nomeadamente ao uso de uma arma de fogo, que dias antes fora subtraída ao seu proprietário pelos arguidos AA e DD.
5) Pelas 23.30 horas, da referida noite de 20 (devendo ler-se 29) de Janeiro 2010, os arguidos CC, AA, BB e DD, chegaram então ao armazém da firma "...", sito no interior do Armazém nº …, …, em …, Vila Real.
6) Uma vez ai, o arguido AA determinou aos demais arguidos que saíssem da viatura, o que estes fizeram.
7) Por sua vez, o arguido CC pegou na arma de fogo – caçadeira - que era transportada nos pés do passageiro do banco da frente, e o arguido AA foi estacionar a viatura no lugar de Vila Nova, próximo do cruzamento para a localidade de ..., área desta comarca de Vila Real, regressando em seguida para junto dos demais arguidos.
8) Uma vez todos juntos, o arguido AA determinou ao arguido (BB e DD, que se deslocassem ao armazém com a desculpa de pretenderem adquirir "cones crocantes" e assim se aperceberem quantas pessoas estavam no local.
9) Uma vez verificado que apenas se encontrava no local o ofendido, os arguidos BB e DD saíram do armazém e informaram os demais arguidos, sendo que em seguida todos entraram no referido armazém, permanecendo o arguido DD de vigia junto ao portão e os demais, subiram as escadas em direcção ao escritório onde se encontrava o ofendido, sendo que seguia na frente e de arma empunhada, o arguido CC, sendo seguido de imediato pelo AA e BB.
10) Por sua vez, o ofendido ao ouvir barulhos, abriu a porta do escritório e ao deparar-se com o arguido CC reagiu e agarrou o cano da arma por este empunhada, sendo que de imediato os arguidos AA e BB deferiram sobre o ofendido socos e deitaram-no contra o solo ao mesmo tempo que todos afirmavam tirar-lhe a vida, mantendo o CC a arma de fogo para si apontada.
11) Com tais comportamentos os arguidos lograram apoderar-se de €25,00 a €30,00 que retiraram directamente ao ofendido EE, bem como o seu telemóvel pessoal, e do escritório da firma retiraram:
a) um telemóvel da firma,
b) as chaves do carro do ofendido e de um Opel Corsa da Firma,
c) a quantia de €790,00 em notas e moedas BCE, referente às vendas do dia.
12) Assim como acabaram por levar a sua (do ofendido) viatura pessoal da marca Audi A3 Sportback, matrícula ... no valor atribuído de €25.000,00, com a qual se puseram em fuga, sendo a viatura conduzida pelo arguido AA.
13) Durante o assalto os arguidos CC e BB actuaram praticamente de rosto descoberto, embora tivessem o cuidado de tentar esconder parcialmente o rosto com gorro e cachecol, enquanto o AA se tapou com o capuz do casaco.
14) As quantias monetárias das quais se apoderaram foram divididas equitativamente, tendo parte sido gasto em despesas comuns, assim como na aquisição de produto estupefaciente (cocaína e heroína) de que são consumidores.
15) A GNR de Amarante localizou e recuperou o veículo Audi A3 Sportback, matrícula ..., na zona do Marco de Canavezes, no dia 01/02/2010, cerca das 18h30, quando este se encontrava estacionada na Av. …, na Cidade do Marco de Canaveses.
16) Por indicação do arguido AA, veio a localizar-se numa escapatória da variante Marco Canaveses - ..., na estrada nacional nº, 321-1, ao Km 0, no chão, envolta num pano verde, por detrás de mato denso, o local onde se mostrava escondida a arma utilizada no roubo, vulgo caçadeira, sem qualquer tipo de munição introduzida nas almas dos canos.
17) Realizado auto de exame a essa arma, observou-se tratar-se de uma arma de caça de calibre 12, com dois canos paralelos, de dois gatilhos, com 71cm de cano e nº de série ….
18) No Marco de Canaveses, num descampado sito na estrada que segue para a localidade de Vila Meã - Amarante, a cerca de cem metros de distância do entroncamento desta com a estrada nacional Amarante Penafiel, foi localizado e apreendido um cartucho de calibre 12, de cor branco, malha de chumbo "8", que se encontrava oculto por debaixo de mato rasteiro, local indicado pelo arguido AA como sendo o primeiro local onde havia largado a arma caçadeira após o assalto.
19) Realizado exame a este objecto, resultou tratar-se de uma munição de arma de fogo, de calibre 12, aparentando ter todos os componentes e estar em condições de ser imediatamente disparada.
20) Já na cidade de Vila Real, concretamente no Lugar de Vila Nova, no sentido Aeródromo - Vila Real, foi localizado e apreendida a viatura automóvel da marca e modelo Ford Escort, de matrícula ..., propriedade do arguido AA, carro utilizado pelos arguidos na deslocação de Marco de Canaveses para a cidade de Vila Real.
21) No interior desta viatura automóvel foi encontrada e apreendida uma bolsa/saco própria para acondicionar arma de fogo (caçadeira), que se encontrava no chão do lugar da frente do passageiro, pertença da arma utilizada no assalto.
22) O ofendido apenas entregou aos arguidos as quantias monetárias e artigo em causa e estes apenas lograram tirar-lhes tais artigos, em virtude de se sentir assustado, impedidos de reagir, pois temia pela sua pessoa, por causa da exibição de uma arma de fogo.
23) Os arguidos bem sabiam que as quantias em dinheiro e os artigos em questão não lhes pertenciam.
24) Actuando com o propósito de os integrarem nos seus patrimónios.
25) E agiram cientes de que o faziam contra a vontade do dono e convictos de que não lograriam tirar ao ofendido as quantias monetárias e artigos em questão caso não usasse a intimidação, mormente pelo recurso à exibição de uma arma de fogo, fazendo-o recear pela sua pessoa e impedindo-o de qualquer reacção.
26) Bem sabiam os arguidos AA e CC não estarem habilitados a deter/utilizar arma de fogo / espingarda de caça calibre 12.
27) Os arguidos agiram livre e conscientemente em conjugação de esforços e vontades.
28) Bem sabendo que as suas condutas eram punidas por lei.
29) O arguido AA pouco tempo depois da extinção de pena de prisão efectiva, foi restituído à liberdade em 18 de Agosto de 2009, após cumprimento, em cúmulo jurídico, da pena única de 40 meses de prisão, relativo aos processos abaixo descritos, pela prática de um crime de “Trafico de menor gravidade”, p. e p. pelo artigo 25°, al. a), do Decreto Lei 15/93, de 22/01, na pena de 18 meses de prisão, em concurso com um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 6°, nº 1, da Lei 22/97 de 27 de Junho, na pena de 6 meses de prisão - Processo 386/05.0PBVRL 3° Juízo do Tribunal de Vila Real); e um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 203°, 204°, nº 1, al. a), do Código Penal, na pena de 20 meses de prisão e um crime de Roubo, p. e p. pelo artigo 210°, nº 1, do Código Penal, na pena de 30 meses de prisão, em cúmulo na pena de 38 meses de prisão - processo 1276/05.2GBAMT - 3° Juízo do Tribunal de Amarante) e tal como supra se expôs, retomou a conduta delinquente demonstrando total desrespeito pelas normas jurídicas e demonstrando ainda que a punição de que foram alvo não lhe fez integrar os valores da vida em sociedade, como se pretendia.
30) O arguido AA foi condenado em 12.01.06, factos da mesma data, pela prática de um crime de falsidade de testemunho, na pena de 5 meses de prisão; em 15.12.06, factos de 11.11.05, por um crime de roubo e um crime de furto qualificado, na pena única de 38 meses de prisão; em 20.06.07, factos de 15.09.07 (deverá passar a ler-se como data da prática dos factos “15-09-2001”), pela prática de um crime de receptação, na pena de multa.
31) O arguido AA é o mais novo de uma fratria de 10 irmãos.
32) O arguido é solteiro, encontrava-se desempregado, vivia com os pais, tem o 9º ano de escolaridade, consome estupefacientes desde os 20 anos de idade e encontra-se a fazer um tratamento de desintoxicação e tem tido bom comportamento no EP.
33) O arguido BB é solteiro, tem o 6º ano de escolaridade, vivia com a mãe e o padrasto, consumia estupefacientes desde os 14 anos de idade (cocaína e heroína), encontra-se a fazer tratamento de desintoxicação.
34) O progenitor tem hábitos etílicos e de violência o que levou à separação dos pais, tendo a progenitora ficado sozinha quando o arguido ainda era criança.
35) O arguido começou a ter problemas comportamentais desde os 8 anos de idade, tendo praticado furtos e roubo e em 2004 esteve internado em regime fechado no Centro Educativo de Santo António, estado
36) A família vive com baixos rendimentos, €673,00 da mãe e padrasto, despendem €150,00 em renda de casa.
37) O arguido já foi objecto de punições disciplinares no EP.
38) O arguido CC foi condenado em 2.2.00, factos de 14.08.04 (deverá passar a ler-se em vez de “14-08-04”, como data da prática dos factos “14-08-1994”), pela prática de um crime de furto simples, na pena de multa; em 06.11.00, factos de 17.05.99, pela prática de um crime de condução ilegal, furto qualificado, desobediência, na pena única de 2 anos e 10 meses, suspensa a sua execução por 3 anos; em 26.06.01, factos de 18.12.99, pela prática de um crime de condução ilegal, na pena de multa; em 04.10.00, factos de 16.08.00, pela prática de um crime furto qualificado, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão; em 13.07.00, factos de 09.07.00, pela prática de um crime de condução ilegal, na pena de multa; em 18.01.02, factos de 04.02.02 (deverá passar a ler-se “em sentença de 18.01.02, transitada em julgado em 04.02.02, factos de 13-06-1997), pela prática de um crime de condução ilegal, furto simples, na pena única de 13 meses de prisão, suspensa a sua execução pelo período de 3 anos.
39) O arguido é operário da construção civil, aufere €3.000,00 mensais, encontra-se separado de facto da mulher, viva com a mãe e 2 irmãos, tem o 6º ano de escolaridade encontrando-se a fazer o 9º ano de escolaridade.
40) O arguido consumia cocaína e heroína desde os 16 anos de idade, encontrando-se a fazer um tratamento de desintoxicação.
41) O pai caracterizava o seu comportamento pelo excessivo consumo de álcool, tendo os pais se separado quando tinha 10 anos de idade.
42) O arguido DD foi condenado em 23.11.09, factos de 23.06.08, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de multa.
43) O arguido DD é o penúltimo de uma fratria de 12 irmãos, sendo sustentados com o trabalho da lavoura.
44) O arguido começou a consumir heroína e cocaína aos 17 anos de idade.
45) O arguido encontrava-se desempregado e vivia com a mãe de 71 anos de idade, a qual auferia €200,00 mensais de pensão de sobrevivência.
46) O arguido encontra-se a frequentar um curso de formação profissional de electricidade no EP e encontra-se inserido num programa de desintoxicação.
Da contestação:
47) Os arguidos antes dos factos tinham consumido drogas e uma garrafa de vinho moscatel e de vinho do Porto, cujo rótulo dizia ter 100 anos.
48) A arma vinha desmontada e sem cartucho na câmara.
49) A aludida arma vinha no mesmo local da bolsa para acondicionar a arma.
50) Durante a abordagem do ofendido a arma não se encontrava carregada.
Apreciando.
I Questão – Escolha da espécie de pena prevista para o crime de detenção de arma proibida – Opção pela pena de prisão, ou pela pena de multa?
Na conclusão 1.ª – plasmada nos pontos de discordância 1.1 a 1.7 - , os recorrentes suscitam a questão da errada opção pelo Colectivo de Vila Real, em eleger para a punição deste crime, a pena de prisão, em detrimento da igualmente prevista, em alternativa, pena de multa.
O Tribunal a quo, quanto a esta problemática, ficou-se sem dúvida, por um rotundo zero, pois que não tomou efectivamente uma posição explícita sobre o tema, não assumindo uma opção definida e clara sobre a disjuntiva simples, que se colocava na escolha da espécie de pena – pena de prisão ou pena de multa?
Apenas a fls. 630, in fine, diz «“In casu”, a conduta dos arguidos é especial e socialmente censurável, atento o alarme social, o tipo de ilícitos cometidos, a forma de actuação e as consequências nefastas que tal tipo de crime geralmente produz».
Em causa está a detenção e uso de uma arma de fogo (espingarda caçadeira descrita no ponto de facto provado n.º 17), subtraída pelo ora recorrente AA e co-arguido DD, alguns dias antes dos factos, conforme resulta do ponto n.º 4 dos factos provados, sendo tal arma usada no assalto perpetrado pelos arguidos.
De acordo com o artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23-02, com a redacção dada pela Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio, ao crime em questão é aplicável a pena de prisão de 1 a 5 anos ou pena de multa até 600 dias.
O critério da escolha da pena prevista em alternativa encontra-se estabelecido no artigo 70.º do Código Penal, o qual sob a epígrafe “Critério de escolha da pena”, dispõe que «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Tais finalidades são, de acordo com o artigo 40.º do Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Conforme explicita Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 497, pág. 331), o critério geral de escolha (entre penas alternativas) e de substituição da pena é o seguinte: «o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação», e acrescenta - § 498, pág. 332 - bem se compreender que assim seja: “sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena”.
Quanto à função – inteiramente distinta - que as exigências de prevenção geral e de prevenção especial exercem neste contexto, esclarece este Autor que «Prevalência decidida não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão», acrescentando que «o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa (ou de uma pena de substituição) quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela(s) pena(s); coisa que só raramente acontece se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração» (ob. cit., § 500, págs. 332-333).
Quanto ao papel da prevenção geral acentua que “deve surgir aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico (…), como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa (ou a pena de substituição) só não será(ão) aplicada(s), se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias (ibidem, § 501, pág. 333).
No caso presente, o preceito incriminador, com base no qual foram aplicadas aos recorrentes as penas de prisão questionadas, prevê uma dualidade de punição, não em registo cumulativo, como acontecia com as antigas penas compósitas (ou penas mistas, prevendo cumulativamente penas de prisão e de multa complementar) herdadas do regime punitivo anterior, mas sobreviventes ainda em 1995 (e daí a necessidade da norma transitória do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03), mas antes em disjuntiva, ou em alternatividade, sendo tal novidade introduzida com a 3.ª alteração do Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03, com o abandono das penas mistas ou compósitas, em cumulação de penas de prisão e de multa, e com a adopção de outras medidas tendentes a reforçar o respectivo campo de aplicação, como a impossibilidade de suspensão da sua execução - artigo 50.º do C Penal - mesmo nos casos em que subsistiam penas compósitas.
Como se vê da Lei de autorização legislativa n.º 35/94, de 15-09, de onde emergiu a reforma de 1995, de entre as soluções preconizadas estava a valorização da pena de multa; a primazia da pena não privativa de liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; em todos os tipos legais de crime, eliminar a prescrição cumulativa das penas de prisão e de multa e, sempre que esta houvesse de se articular com a prisão, sê-lo-ia como alternativa e a consagração como princípio geral da previsão da multa como alternativa da prisão até 3 anos, tudo conforme artigo 2.º, c) e artigo 3.º, n.º s 36, 86 e 87 e para além das disposições transitórias dos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 48/95.
Ora tal alternatividade supõe, necessariamente, uma necessidade – passe o pleonasmo – de escolha entre os dois termos em equação, mais concretamente, no caso ora em apreciação, a opção entre uma pena de prisão de 1 a 5 anos, ou de uma pena de multa até 600 dias.
À luz do critério estatuído no artigo 70.º do Código Penal, sendo aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda (multa como alternativa à pena de prisão, “a forma por excelência de previsão da pena pecuniária”, na expressão de Figueiredo Dias, loc. cit. §137, pág. 124), sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Perante duas penas principais previstas em alternativa, a primeira operação consistirá na escolha, em determinar qual das duas espécies de penas eleger no caso concreto, após o que competirá proceder à determinação da medida concreta da espécie de pena já escolhida.
No caso presente será ajustada, adequada e suficiente a aplicação de uma pena de multa, como pretendem os recorrentes?
Face ao contexto do caso, não se estando face a uma conduta isolada, a resposta será negativa.
A pena não privativa de liberdade só será preferível se realizar de forma adequada e suficiente as finalidades preventivas da punição, casos havendo em que a execução da pena de prisão é exigida por razões de prevenção, por se mostrar necessário que só a execução da prisão permite dar resposta às exigências de prevenção.
Há que ter em conta o critério da adequação e suficiência, atento o bem jurídico protegido, uma das finalidades a que alude o artigo 40.º e atentas as razões de prevenção geral que se impõem nestes casos não é excessivo a opção recair na pena privativa, tendo em conta as necessidades de assegurar a paz comunitária.
O crime em questão constitui crime de perigo comum, aliás de acordo com a designação legal prevista na secção I (Responsabilidade criminal e crimes de perigo comum) do Capítulo X da Lei n.º 5/2006, alterada e republicada pela Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio.
A propósito dos crimes de perigo comum, lia-se no ponto 23 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23-09, que aprovou o Código Penal de 1982, que o novo Código acolheu duas grandes tendências do moderno pensamento penal, sendo uma num forte sentido da descriminalização e outra uma vocação para a neo-criminalização, sendo esta quase exclusivamente restrita aos crimes de perigo comum.
No ponto 31, a propósito dos crimes de perigo comum, assinala-se que «O ponto crucial destes crimes (…) reside no facto de que condutas cujo desvalor é de pequena monta se repercutem amiúde num desvalor de resultado de efeitos não poucas vezes catastróficos. Clarifique-se que o que neste capítulo está primacialmente em causa não é o dano, mas sim o perigo. A lei penal, relativamente a certas condutas que envolvem grandes riscos, basta-se com a produção do perigo (concreto ou abstracto) para que dessa forma o tipo legal esteja preenchido. O dano que se possa vir a desencadear não tem interesse dogmático imediato. Pune-se logo o perigo, porque tais condutas são de tal modo reprováveis que merecem imediatamente censura ético - social. Adiante-se que devido à natureza dos efeitos altamente danosos que estas condutas ilícitas podem desencadear, o legislador penal não pode esperar que o dano se produza para que o tipo legal de crime se preencha. Ele tem de fazer recuar a protecção para momentos anteriores, isto é, para o momento em que o perigo se manifesta».
Os crimes de perigo caracterizam-se pela não exigência típica de efectiva lesão do bem jurídico tutelado, razão pela qual a consumação se basta com o risco (efectivo ou presumido) de lesão do bem jurídico, risco que se consubstancia numa situação de perigo, a qual só por si é objecto de tutela.
O crime em causa é um crime de perigo comum; de perigo, porque não existe ainda qualquer lesão efectiva para a vida, a integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor; e de perigo comum, porque é susceptível de causar um dano incontrolável sobre bens juridicamente tutelados de natureza diversa.
Na apreciação do caso não pode a análise alhear-se do contexto em que foi usada a arma, pois não está em causa uma mera detenção, sem quaisquer consequências.
Certamente não se estaria aqui a discutir a questão se estivéssemos perante um acto de detenção de arma proibida isolado, sem mais.
Como bem se compreenderá, situação diversa ocorre quando, não só a medida mas a própria escolha da espécie da pena a aplicar, deve ter na base elementos que se prendem com o conjunto das circunstâncias que enformam o facto total submetido a julgamento.
A punição a fazer da concreta conduta não será certamente nos mesmos moldes em que o seria se se figurasse caso de nada mais estar em julgamento, ou seja, não pode ser descontextualizada do trecho de vida dos arguidos espelhado no dia 29-01-2010, e que foi trazido a julgamento, recaindo a observação sobre os comportamentos em conjunto, entre si conexionados pelo elo do móbil de todos os arguidos em obter dinheiro por via da ameaça e da força.
O crime de detenção de arma proibida, de perigo abstracto, acautela os valores da ordem, segurança, e tranquilidade públicas.
No roubo, com uso de arma de fogo, a vítima torna-se mais vulnerável à apropriação violenta, provocando justo receio de ser lesado na sua integridade física e saúde, havendo que ter em consideração a crescente tendência de aumento de situações semelhantes de criminalidade especialmente violenta, definida como tal, no artigo 1.º, alínea l), do Código de Processo Penal, como aquela de que trata os autos.
A opção pela pena de multa, em alternativa à de prisão, não daria satisfação aos fins das penas numa área de criminalidade violenta, ofensiva de uma pluralidade de bens jurídicos, de primeira grandeza, respeitando a integridade física, a liberdade de movimentos e de decisão - roubo – do qual não pode ser dissociado, para além da ordem, segurança e tranquilidade públicas, esbarrando necessariamente com inarredáveis sentimentos de intervenção punitiva reclamados ao nível comunitário contra os crimes de roubo, cada vez mais frequentes e sofisticados, por forma a garantir a segurança dos locais de trabalho (no caso em reapreciação, a vítima, o lesado directo, era chefe de escritório de um armazém), que o pagamento de uma simples multa, a ser efectivada, de pronto, ou voluntariamente, ou em pagamento diferido, ou em prestações, ou em sede executiva – conforme depois viesse a ser requerido e deferido - , obviamente, não aplaca.
Encarando o crime de detenção de arma proibida de per si não pode esquecer-se, por outro lado, que o próprio legislador em 2009 sentiu a necessidade de imprimir maior severidade no tratamento punitivo.
Desde logo, no aumento do limite mínimo da pena de prisão prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 86.º, que passou do mínimo geral de 1 mês (artigo 41.º, n.º 1, do Código Penal) para 1 ano e do limite máximo previsto na alínea d) do mesmo n.º 1, que passou de 3 para 4 anos.
Bem como no aditamento ao artigo 86.º dos n.º s 3, 4 e 5, com agravamento de 1/3 dos limites mínimo e máximo das penas aplicáveis a crimes cometidos com arma, e com a adição da mediação, a par do tráfico de armas, no artigo 87.º.
E ao aditar o artigo 95.º-A, prevendo a possibilidade de detenção e prisão preventiva em flagrante delito pelos crimes previstos nos artigos 86.º, 87.º e 89.º e pelos crimes cometidos com arma puníveis com pena de prisão, o legislador dá outro sinal de endurecimento da luta contra o uso de armas potencialmente letais, cuja utilização se tem vindo a amostrar mais frequente e intensa.
Noutra perspectiva, não pode esquecer-se igualmente a censurabilidade da conduta do arguido AA, ao agir em instalações de anterior entidade patronal, ofendendo o chefe de armazém onde trabalhara em 2005, bem como as advertências anteriores com condenações em penas de prisão efectiva em 2006, por duas vezes, sendo a pena suspensa, aplicada em 12-02-2008, englobada na pena única de 40 meses de prisão efectiva, tendo sido condenado no processo n.º 386/05.0PB por factos de Setembro de 2005, incluindo similar crime de detenção ilegal de arma, p. p. à data dos factos pelo artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27-06, e aplicada por mais favorável do que a posterior lei, e tendo cumprido penas de prisão, de forma ininterrupta, ao longo de 3 anos e 9 meses, de 18-11-2005 a 18-08-2009.
No que toca ao recorrente CC, conforme ponto de facto provado n.º 38, o mesmo foi condenado por diversas vezes por vários crimes, incluindo furto qualificado, tendo sido condenado em prisão efectiva.
Sobre o tema em equação – aplicação do artigo 70.º do Código Penal, com escolha entre pena de multa ou de prisão -, compulsados os volumes da CJSTJ, de 1993 a 2009, podem ver-se os seguintes acórdãos:
Acórdão de 24-01-2002, processo n.º 3128/01-5.ª Secção, in CJSTJ 2002 tomo 1, pág. 188, com dois votos de vencido, em que se afirma que por não ter a recorrente antecedentes criminais quando foram proferidos os acórdãos objecto de recursos, a arguida não tinha, no rigor técnico do conceito, antecedentes criminais; no caso, considerou-se possível, dar preferência à aplicação das penas alternativas de multa, por realizarem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Acórdão de 06-01-2005, processo n.º 4204/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 165, onde, em caso de ilícitos fiscais, é defendida a opção por pena de prisão, dadas as fortes razões de prevenção geral e benefício ilegítimo obtido pelo arguido com o correspondente prejuízo para o Estado.
Acórdão de 20-01-2005, processo n.º 4322/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178, donde se extrai: “No processo de escolha entre pena de prisão e pena não privativa da liberdade, apenas será de optar por aquela por razões de prevenção especial, nomeadamente, de socialização ligada à prevenção da “reincidência” ou então por razões de prevenção geral de tutela do ordenamento jurídico (no caso concreto considerou-se que o arguido à data dos factos apreciados no processo era priDD).
No acórdão de 10-01-2008, processo n.º 3227/07-5.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 187 (196), a opção recaiu em pena de prisão, em caso de crime de subtracção de menor.
No acórdão de 25-10-2006, processo n.º 3042/06-3.ª Secção, em que a opção tem lugar relativamente a aplicação de pena por crimes de coacção, de falsificação de documento e de detenção ilegal de arma, todos puníveis com pena de prisão ou de multa – todos em concurso real com um crime de roubo agravado -, a escolha recaiu na pena de prisão, por no caso concreto e atenta a frequência da prática criminosa descrita, ser “aquela que se apresenta com maior potencial dissuasor, respondendo ao pragmatismo que lhe é próprio, à protecção dos bens jurídicos violados (art. 40.º n.º 1, do C P), além de desempenhar uma função retributiva, na forma de interiorização do mal causado, sendo a aconselhável em nome de uma incontornável e premente prevenção geral”.
E mais à frente, diz-se que “A prevenção especial cabida no caso não se basta com uma mera advertência sob o modelo da pena de multa, mas antes exige e impõe pena de prisão, como forma de emenda cívica”.
No acórdão de 28-11-2007, processo n.º 3294/07-3.ª, por nós relatado, a preferência recaiu sobre a pena de prisão.
A disponibilidade de uma arma – detenção, porte e uso de arma proibida (de fogo) -, sendo o bem jurídico protegido, em última análise, a segurança da comunidade face aos riscos da detenção e uso ilegal de uma arma, instrumento que na definição do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03, pode ser utilizado como meio de agressão, e que no caso concreto, foi-o efectivamente, não se compadece com a aplicação de uma mera pena de multa.
Ressalta como evidente que a aplicação de uma pena de multa, no contexto da ora apreciada conduta ilícita global, em que o uso da arma caçadeira, subtraída fraudulentamente ao legítimo proprietário, por dois dos co-arguidos – um deles o recorrente AA -, alguns dias antes do assalto, serviu o modo de execução do agravado crime de roubo, e olhando a vida pregressa dos arguidos, nomeadamente, o arguido AA, não atingiria, não satisfaria, as finalidades de punição, as necessidades de prevenção geral e especial, já que não se está perante um ilícito isolado, anódino (o que não significa, obviamente, a ausência do perigo, que justifica, no tipo, a antecipação da tutela), de menor dimensão, de uma qualquer “bagatela penal”, sem consequências, sem desvalor de resultado, antes devendo ser contextualizado no âmbito concreto de uma ilicitude maior, na indução de um grau de lesividade de bens jurídicos mais acentuado, porque mais abrangente, em que deixa de estar em causa apenas a mera tutela da ordem, tranquilidade e segurança públicas, mas reflexamente, porque usada a arma em roubo, de direitos de personalidade e direitos patrimoniais, impondo-se que a escolha recaia, sem margens para quaisquer dúvidas, sobre a pena detentiva.
Pela frequência da prática criminosa descrita, a pena de prisão é aquela que se apresenta com maior potencial de êxito, de sucesso, ao nível dissuasor, respondendo à protecção dos bens jurídicos violados, além de desempenhar uma função retributiva, na forma de interiorização do mal causado, sendo a pena preferível, elegível e aconselhável, em nome de prementes necessidades de prevenção geral.
Os recorrentes ainda não compreenderam o desvalor dos resultados das suas condutas anteriores, pelas quais cumpriram penas de prisão efectivas, em ordem a conformarem a sua conduta de acordo com os ditames da lei.
No caso especial do recorrente AA, este pontificou em toda a acção predadora, pois conhecia o local, onde dantes trabalhara (pontos 1 e 4 dos factos provados), e para além de sugerir e dar ordens (pontos de facto n.º s 6 e 8), comparticipou materialmente, e de forma activa, no assalto.
No caso em apreciação, a conduta provada não se ficou por um perigo potencial de uso da arma, antes actuante, pois que efectivamente usada na execução do roubo.
A moldura de prevenção de defesa do ordenamento jurídico é no nosso caso a de prisão, sendo fortíssimas as razões de prevenção especial de socialização, estritamente ligadas à prevenção da reincidência (no caso do arguido AA já declarada), atento o passado criminal de ambos os recorrentes, tendo, inclusive, o arguido AA sido condenado por idêntico crime praticado em Setembro de 2005 em pena de prisão, então suspensa na sua execução, depois englobada em cúmulo, em pena conjunta, que cumpriu, o que aponta claramente para o desprezo pelo ordenamento jurídico vigente e pela necessidade de afirmação da sua validade.
Improcede, pois, esta pretensão dos recorrentes.
II Questão – Medida da pena - Redução
Os arguidos pedem a redução das penas aplicadas, embora sem adiantar qualquer pena concreta pelo crime de roubo agravado, defendendo que na hipótese de quanto ao crime de detenção de arma proibida não ser considerada suficiente a aplicação da pena de multa, “deverá a pena de prisão ser reduzida ao limite legal de cinco anos nos termos do artigo 50.° do Código Penal, de modo a ser suspensa na sua execução, por igual período, mormente quanto ao arguido CC”.
Ao crime de roubo agravado, p. p. pelo artigo 210.º, n.º 2, do Código Penal, cabe a moldura penal abstracta de 3 a 15 anos de prisão, e ao crime de detenção de arma proibida, p. p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações da Lei n.º 17/2009, de 06-05, cabe a penalidade de prisão de 1 até 5 anos ou pena de multa até 600 dias.
Tais penalidades são agravadas pela qualificativa da reincidência quanto ao arguido AA.
Em função da presença desta agravativa, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, do Código Penal, as penalidades a considerar são:
Para o crime de roubo agravado - 4 a 15 anos de prisão;
Para o crime de detenção de arma proibida - 16 meses a 5 anos de prisão.
Dentro destas molduras cabíveis funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
- A intensidade do dolo ou da negligência;
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
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No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição os acórdãos de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 19-12-1994, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 38627 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42.
Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 277, págs. 210/211.
A refutação de tal critério foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e Alfredo Gaspar, em anotação ao acórdão de 02-05-1985, in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, in Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73.
Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255. E no acórdão de 27-02-1991, in A. J., n.º 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar.
Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g., os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de 17-10-1991, BMJ n.º 410, pág. 360.
Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.
Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).
A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena.
A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40.º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado.
Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».
Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP).
Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:
1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.
2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.
3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
No dizer de Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, 1998, AAFDL, pág. 25 «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».
Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção.
Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.
Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.
Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.
Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.
Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, págs. 217/8, defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito.
Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista.
Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
Ainda de acordo com o mesmo Professor, nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida (sentido estrito ou de «determinação concreta») da pena.
As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».
Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.
Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:
“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.
E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.
Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão de 10-04-1996, processo n.º 12/96, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “ O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva. Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”.
Ainda do mesmo relator, e a propósito de caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, processo n.º 356/97-3.ª, in SuDDs de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social” - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial».
Uma outra formulação, em síntese, na esteira de Figueiredo Dias, “As consequências jurídicas do crime 1993”, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do STJ de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos publicados in SuDDs de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”. No sentido deste último segmento, ver do mesmo relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in SuDDs de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.
A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de 09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00-5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01-5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01-5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5.ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º .../08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª.
Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.°, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se no entanto de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido.
O limite mínimo da pena a aplicar é assim determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e ss..
Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou como diz o acórdão de 22-09-2004, processo n.º 1636/04-3.ª, in ASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.
Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste STJ de 16-01-2008, processo n.º 4565/07 - 3.ª: «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.
O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição.
O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente».
Revertendo ao caso concreto.
Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão recorrida, que recolheu os elementos necessários e suficientes para o efeito e teve em vista os parâmetros legais a observar.
Sobre a determinação da medida das penas aplicadas, ponderou o acórdão do Colectivo de Vila Real:
«2.3.1. A questão da determinação da sanção.
(…)
“In casu”, a conduta dos arguidos é especial e socialmente censurável, atento o alarme social, o tipo de ilícitos cometidos, a forma de actuação e as consequências nefastas que tal tipo de crime geralmente produz.
Ponderando todas as circunstâncias, nomeadamente, o grau de violência utilizado não foi elevado, o valor dos objectos subtraídos é alto, além do dinheiro ainda o veículo automóvel que veio a ser recuperado cerca de uma semana depois.
Os arguidos actuaram em conjunto. (…)
Os arguidos AA e CC confessaram parcialmente, não tendo havido, quaisquer outros actos de arrependimento como reparação dos danos.
Os arguidos AA e CC já sofreram várias condenações. (…)
A favor dos arguidos o facto de serem todos de baixa condição sócio-económica, terem baixas habilitações literárias, consumidores de estupefacientes. (…)»
O Tribunal atendeu ainda «à actuação dolosa directa, o grau da ilicitude (aferido pelo valor dos bens em causa), as consequências danosas da actuação, a forte necessidade de prevenção geral e especial de tal tipo de ilícitos».
*****
Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado nos tipos legais em causa, remetendo-se no que tange ao crime de detenção de arma proibida para o que acima consta a propósito da questão da escolha da espécie de pena, evitando-se repetição escusada, restando o crime de roubo.
Na sistematização do Código Penal o crime de roubo enquadra-se na categoria dos crimes contra o património e mais especificamente dos crimes contra a propriedade.
Em função do fim do agente o roubo é um crime contra a propriedade, assumindo, no entanto, outros contornos para além desta vertente; estando em causa valores patrimoniais está também em jogo a liberdade e segurança das pessoas, assumindo o elemento pessoal particular relevo com a violação de direitos de personalidade.
Como refere Conceição Cunha, no Comentário Conimbricense ao Código Penal, tomo II, pág. 160, a ofensa aos bens pessoais surge como meio de lesão dos bens patrimoniais, sendo o furto o crime - fim do roubo.
Nesta análise importará reter que o crime de roubo é um crime complexo, (porque segundo Luís Osório contém um crime contra a liberdade e um crime contra o património), de natureza mista, pluriofensivo, em que os valores jurídicos em apreço e tutelados são de ordem patrimonial - direito de propriedade e de detenção de coisas móveis – e abrangendo sobretudo bens jurídicos de ordem eminentemente pessoal – que merecendo protecção ao nível da incriminação, entre outros, no que ao caso importa, através do crime de roubo, merecem tutela a nível constitucional – artigos 24.º, 25.º, 27.º, 64.º da Constituição da República – e da lei civil, no reconhecimento dos direitos de personalidade - artigo 70.º do Código Civil –, como o direito à liberdade individual de decisão e acção, à própria liberdade de movimentos, à segurança (com as componentes do direito à tranquilidade e ao sossego), o direito à saúde, à integridade física e mesmo a própria vida alheia – acórdãos do STJ, de 30-11-1983, BMJ, n.º 331, pág. 345; de 15-11-1989, BMJ, n.º 391, pág. 239; de 04-04-1991, BMJ, n.º 406, pág. 335; de 04-02-1993, BMJ, n.º 424, pág. 369; de 15-02-1995 (dois), CJSTJ1995, Tomo 1, págs. 205 e 216; de 18-05-2006, CJSTJ2006, Tomo 2, pág. 185; de 24-05-2006, processo n.º 1049/06 – 3.ª; de 25-10-2006, processo n.º 3042/06-3.ª; de 24-01-2007, processo n.º 4066/06-3.ª; de 03-10-2007, processo n.º 2576/07-3.ª; de 13-12-2007, processo n.º 3210/07-3.ª; de 17-04-2008, processo n.º 1013/08-3.ª; de 16-10-2008, processo 221/08-5.ª; de 26-11-2008, processo n.º 3548/08-3.ª, em que se define o roubo como crime complexo e estruturalmente um furto qualificado, como infracção complexa em que coexistem afectados bens pessoais, como meio de execução, e patrimoniais, como realização da finalidade do agente; de 27-01-2009, processo n.º 3853/08-3.ª; de 07-04-2010, processo n.º 113/04.0GFLLE.E1.S1-3.ª; de 12-05-2010, processo n.º 51/08.7JBLSB.S1-5.ª; de 20-10-2010, processo n.º 845/09.6JDLSB-3.ª.
Para José António Barreiros, Crimes contra o património, Universidade Lusíada, 1996, pág. 85, o roubo constitui categoria típica autónoma, a comungar de características de furto e de extorsão, sendo sui generis o tipo face a eventualidade do duplo modo alternativo de comissão.
Da caracterização específica do roubo deriva que há que ter em conta, em cada caso concreto, a extensão da lesão e o grau de lesividade das duas componentes.
No que respeita às consequências do roubo, há que distinguir as duas vertentes que o integram.
O valor da coisa roubada não pode deixar de ter alguma influência na determinação da medida da pena, embora possa ser neutralizada pelo grau da violência ou da ameaça exercida pelo agente contra a vítima.
Pretendendo-se com a punição do crime de roubo também a tutela da propriedade, estando em causa valores de quantitativo variado, a intensidade da agressão ao património variará de acordo com o valor objectivo dos bens de que o proprietário é desapossado, sendo diverso o grau de lesividade consoante esse valor, e daí o legislador distinguir entre o valor diminuto, o elevado e o consideravelmente elevado - artigos 202.º, alíneas a), b) e c) e 204.º, n.º 1, alínea a), n.º 2, alínea a) e n.º 4, distinção que releva no crime de roubo qualificado, por força do disposto no artigo 210.º, n.º 2, alínea b),todos do Código Penal.
Sob esta perspectiva da componente patrimonial, em termos puramente objectivos são de considerar os valores apropriados ao lesado directo chefe de escritório, de no mínimo € 25, 00 em dinheiro, para além de um telemóvel, de valor não apurado, e do carro daquele, no valor de 25.000,00 €, e ainda a quantia de 790,00 €, pertença da empresa cujas instalações foram assaltadas - pontos de factos provados n.ºs 11 e 12 .
Neste particular, a colisão do vector pessoal, com violação de direitos de personalidade, como o direito à integridade física do dito lesado, são de ter em consideração, pois foi ameaçado com a caçadeira que lhe foi apontada, atirado ao chão e atingido com socos, conforme ponto de facto provado n.º 10.
A ilicitude da conduta vista na sua globalidade é significativa e muito elevada, pois foi dirigida contra um acervo de bens jurídicos de carácter pessoal e patrimonial, como ocorre com o roubo, atentando-se contra direitos de personalidade e património alheios.
É elevado o grau de ilicitude, integrando-se o roubo agravado no conceito de “criminalidade especialmente violenta” definido no artigo 1.º, alínea l), do Código de Processo Penal, tratando-se de crime doloso dirigido contra a liberdade das pessoas e eventualmente da integridade física e mesmo da vida, punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos.
No caso em apreciação, a intensidade do dolo dos recorrentes é a correspondente ao dolo directo.
No que respeita ao modo de execução, não há dúvidas de que na prática dos factos, escolhendo a hora e local, actuando com a utilização da caçadeira, os arguidos demonstraram alguma desenvoltura e atrevimento.
Demonstraram, igualmente, ser motivados pela obtenção de dinheiro para compra de droga.
Releva no modo de execução a circunstância de o roubo ter sido praticado por quatro pessoas em assalto previamente planeado, em conjugação de esforços, introduzindo-se próximo da meia noite em estabelecimento comercial, actuando, com utilização de arma de fogo, agindo com maior grau de segurança a fim de serem atingidos os objectivos.
O arguido AA pontificou em toda a acção, municiou-se, em conjunção com o co-arguido DD da arma de fogo, que viria a ser utilizada no assalto, alguns dias antes (ponto 4.º dos factos provados), sugeriu e deu ordens (pontos de factos provados n.ºs 6 e 8) e comparticipou na acção e obtendo, pela repartição com os demais co-arguidos, o produto do roubo.
As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de crime gerador de grande e forte sentimento de insegurança na população, sendo o roubo delito altamente reprovável na comunidade e elevado o grau de alarme social que a prática deste tipo de actuações criminosas vem causando, com repercussões altamente negativas também em sede de prevenção geral, justificando resposta punitiva firme, impondo-se assegurar a confiança da comunidade na validade das normas jurídicas.
Neste segmento, em sede de prevenção, procura-se alcançar a neutralização dos efeitos negativos da prática do crime.
Como expende Figueiredo Dias em O sistema sancionatório do Direito Penal Português inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.
Como se expressou o acórdão do STJ de 04-07-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 225, com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.
Deverá atender-se às necessidades de prevenção especial (ou de socialização exercida sobre o delinquente), as quais têm em vista uma contribuição para a reinserção social do arguido e avaliam-se em função da necessidade de prevenção de reincidência, tratando-se de considerar a personalidade dos arguidos no contexto dos efeitos previsíveis da pena sobre o seu comportamento futuro, de forma a que moldem com a pena a sua vida futura, dúvidas não havendo de que os recorrentes carecem de socialização, tendo-se em vista a prevenção de reincidência.
Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.
Não teve lugar qualquer reparação do mal causado com o crime, pois nada foi devolvido e o carro foi recuperado alguns dias depois do assalto pela autoridade policial, sem intervenção espontânea e directa dos arguidos.
Os arguidos beneficiam da atenuante da confissão, pois como decorre da fundamentação da decisão da matéria de facto provada, a postura dos arguidos foi relevante para a fixação desta, pois que confessaram, como decorre do seguinte trecho da decisão recorrida: “Quanto à forma como os factos ocorreram temos, desde logo, as declarações dos arguidos AA e CC, os quais confessaram a maior parte dos factos, tendo acolhido a versão dos mesmos de que não levavam a arma carregada e de que a arma seguia no lado do condutor”.
A ter em conta a existência de antecedentes criminais, com maior relevo no caso do arguido AA.
Ambos os arguidos haviam tido anteriormente intersecções com o sistema de justiça, pois foram condenados o AA por quatro vezes e o CC por oito, embora a maioria crimes menos graves.
Relativamente ao arguido AA releva o constante dos factos provados n.º s 29 e 30, sendo que, para além do crime de receptação, por factos de 2001, em que foi condenado em pena de multa, por factos praticados em Setembro de 2005, foi condenado por tráfico de menor gravidade e igualmente de detenção ilegal de arma, em pena de prisão com execução suspensa e em Novembro de 2005, por furto qualificado e igualmente por roubo, em pena de prisão efectiva, e em 12-01-2006, por crime de falso testemunho, igualmente em pena de prisão efectiva, sendo que a pena suspensa foi englobada em cúmulo jurídico em pena conjunta de 40 meses de prisão, que cumpriu (veja-se a informação de fls. 121 e 122).
O recorrente AA é reincidente, e tendo saído em liberdade em 18 de Agosto de 2009, após reclusão de três anos e nove meses, logo cerca de cinco meses após, reentra na senda do crime, o que significa que as anteriores condenações não tiveram efeito dissuasor, no sentido esperado de o alertar contra a prática de novas infracções, constituindo uma solene advertência para o futuro, antes sucumbindo, mostrando-se não preparado para uma nova vida, incapaz de inverter, inflectir, o rumo da sua vida, de se mostrar fiel ao direito.
Após um ciclo de vida que se fechou com os factos cometidos em Setembro e Novembro de 2005 e com a prática do crime de falso testemunho de 12-01-2006, a que se seguiu o cumprimento de pena de prisão por 3 anos e 9 meses, de 18 de Novembro de 2005 a 18 de Agosto de 2009, outro se iniciou, prosseguindo o recorrente na actividade delituosa, retomando-a sem quebra e abandono das anteriores, de nada servindo as admonições anteriores que se revelaram um fracasso.
A recidiva significa que a admonição não funcionou, que o arguido prosseguiu na mesma via, apesar do aviso.
Relativamente ao recorrente CC, não sendo reincidente, a condenação presente segue-se a várias outras anteriores, algumas em prisão efectiva, tendo praticado os factos dos autos inseridos em linha de continuidade com os anteriores, de nada servindo igualmente as anteriores condenações.
Os recorrentes alegam toxicodependência e consumo de drogas nas conclusões 2.6 e 3.6 e a essa realidade referem-se os factos dados por provados nos pontos de facto n.º s 3, 4, 32, 40 e 47.
Como refere o já citado acórdão de 25-10-2006, processo n.º 3042/06-3.ª secção, “ A toxicodependência tem sido encarada predominantemente por este Supremo Tribunal de Justiça “in malam partem” do agente, porque sendo fruto de um consumo prolongado no tempo, além de facto atentatório da lei, retrata culpa na formação da personalidade, ausência de esforço de reversão ao “status quo ante” geradora da prática de crimes a montante, ofensivas do património alheio, e vastas vezes - é tempo de reconhecê-lo, e antes, de afirmá-lo, sem rebuço e tergiversação - de roubos, de forma a buscar satisfação de necessidades próprias, sem olhar a meios.
Não se tratando de um fatalismo intransponível, a recidiva quer no consumo de drogas, quer no cometimento de crimes que se lhe associam, está sempre pendente sobre o tóxico-dependente”.
Por todo o exposto, afiguram-se-nos adequadas e equilibradas as penas aplicadas a ambos os recorrentes.
De resto, sempre será de realçar que as penas aplicadas aos arguidos se mostram muito próximas dos limites mínimos das penalidades a ter em consideração, quer para um, quer para outro dos recorrentes.
Da pena conjunta
No que toca às penas únicas aplicadas, o acórdão recorrido não deixou de ter em consideração o disposto no artigo 77.º do Código Penal, ponderando os factos presentes, coevos, e aliás, estreitamente relacionados entre si, pois que a detenção da arma caçadeira foi instrumental, enquanto dirigida ao cometimento do roubo, e a personalidade de ambos os arguidos, visto o modo de vida e condições pessoais relatadas supra e atenta a vida pregressa de ambos.
Efectivamente, a justificar a pena conjunta aplicada, adiantou o acórdão recorrido quanto ao arguido AA, que «em cúmulo jurídico, consideram-se os factos e a personalidade do arguido, nos termos acima referidos, isto é, já sofreu várias condenações entre as quais crime de roubo, detenção ilegal de arma, furto qualificado, mostra indiferença pelas condenações anteriores, os crimes praticados, com especial relevo o de roubo, tem uma especial exigência de prevenção geral, atenta a frequência de tal tipo de crimes, tendo apenas a seu favor o facto de ter confessado, tem bom comportamento no EP e é de baixa condição sócio-económica».
E quanto ao arguido CC referiu: «Em cúmulo jurídico, consideram-se os factos e a personalidade do arguido, nos termos acima referidos, isto é, já sofreu várias condenações entre as quais, furto simples, condução ilegal, furto qualificado e desobediência.
O arguido também denota uma certa indiferença pelas condenações anteriores, os crimes praticados, com especial relevo o de roubo, tem uma especial exigência de prevenção geral, atenta a frequência de tal tipo de crimes, tendo apenas a seu favor o facto de ter confessado, é de baixa condição sócio-económica e desde cedo ligado ao consumo de estupefaciente».
Tendo em conta as molduras abstractas de cúmulo - de 6 anos a 7 anos e 6 meses de prisão, no caso do arguido AA, e de 5 anos a 6 anos e 3 meses, quanto ao arguido CC -, a compressão operada nas penas do crime de detenção de arma proibida, num e noutro caso, mostram-se adequadas, nada havendo a alterar.
Concluindo:
Ponderando todos os parâmetros já analisados no acórdão recorrido, considerando que a aplicação de penas tem como primordial finalidade a de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico penal, não devendo ultrapassar o grau de culpa, entende-se ser de manter as penas parcelares e conjuntas aplicadas a ambos os recorrentes, não se justificando uma intervenção correctiva deste Supremo Tribunal, já que as penas aplicadas são de ter por adequadas, pois não afrontam os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da CRP –, nem as regras da experiência comum, antes são equilibradas e proporcionais à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassam a medida da culpa dos recorrentes.
Em suma: As penas parcelares respondem à culpa e finalidades de prevenção e a unitária à valoração, no seu conjunto e inter conexão, dos factos e personalidade do arguido, pelo que nada há a alterar, não se mostrando, pois, necessária, intervenção correctiva deste Supremo Tribunal de Justiça.
III Questão - Suspensão da execução da pena
Os arguidos na conclusão 3.ª, pontos 3.1 a 3.9, defendem a suspensão da pena, o que pressuporia o vencimento da pretensão prévia de redução da medida das penas aplicadas.
Ora, importa ter em consideração que, mantendo-se, porque confirmadas, as penas parcelares e únicas impostas no acórdão recorrido, tendo sido os arguidos condenados, o AA, numa pena única de 6 anos e 6 meses e o CC, na de 5 anos e 6 meses prisão, não se coloca a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão, conforme pretensão dos recorrentes, por se mostrar in casu ultrapassado o limite máximo da pena concreta a considerar para efeitos de aplicação da medida de substituição, que nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, é de cinco anos, sendo legalmente inadmissível a ponderação da suspensão.
Improcede, pois, esta pretensão.
Decisão
Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA e CC, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes, nos termos dos artigos 513.º, n.º 1, e 514,º do Código de Processo Penal e 8.º do Regulamento de Custas Processuais, sem prejuízo do apoio judiciário concedido a fls. 653 a 655 e 656 a 659.
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Lisboa, 10 de Novembro de 2010
Raul Borges (Relator)
Henriques Gaspar