Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01S2398
Nº Convencional: JSTJ00002054
Relator: MÁRIO TORRES
Descritores: LOCAL DE TRABALHO
TRANSFERÊNCIA
CEDÊNCIA DE TRABALHADOR
SUBSÍDIO DE TURNO
RETRIBUIÇÃO
REDUÇÃO
Nº do Documento: SJ200205290023984
Data do Acordão: 05/29/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 10739/00
Data: 02/14/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: DL 358/89 DE 1989/10/17 ARTIGO 26 N2 B.
L 146/99 DE 1999/09/01.
CCIV66 ARTIGO 483.
LCT69 ARTIGO 24 N1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC2558/00 DE 2000/11/30.
ACÓRDÃO STJ PROC882/01 DE 2001/04/26.
ACÓRDÃO STJ PROC1310/01 DE 2001/06/26.
ACÓRDÃO STJ PROC589/01 DE 2001/10/30.
ACÓRDÃO STJ PROC2400/01 DE 2001/12/05.
ACÓRDÃO STJ PROC335/02 DE 2002/05/08.
Sumário : I - A deslocação em serviço consiste na realização temporária da prestação laboral fora do local habitual de trabalho.
II - A ocupação que a entidade patronal assegura ao trabalhador fora do originário local de trabalho, face à destruição das instalações da empresa , não reveste a natureza de deslocação em serviço por não se verificar o requisito essencial que a caracteriza - a temporalidade da realização do trabalho fora do local habitual.
III - A situação em causa representa uma transferência do local de trabalho, sendo irrelevante que a actividade laboral do autor (trabalhador) se desenvolva em instalações de outra empresa, por força de um contrato de prestação de serviços celebrado entre a entidade empregadora do autor e essa empresa, uma vez que se apurou que o autor continua a exercer a sua actividade por conta, sob a autoridade e a direcção da ré (empregadora).
IV - Tendo o autor concordado com a transferência do seu local de trabalho e não se verificando nenhuma situação de cedência ilícita de trabalhadores, não tem o autor direito ao pagamento das horas gastas a mais no trajecto para o novo local de trabalho como se de trabalho extraordinário se tratasse.
V - Em regra, cessada licitamente a prestação de trabalho em regime de turnos, cessa concomitantemente o direito ao subsídio que visava compensar a especial penosidade desse regime, sem que tal represente qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

1. Relatório

A intentou, em 8 de Abril de 1999, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, contra B, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe: (i) por horas gastas no trajecto para Aveiras, espera e regresso, 2819955 escudos até 31 de Dezembro de 1998; (ii) de diferenças no subsídio de turno, 33924 escudos até 31 de Dezembro de 1998, e vincendas; (iii) de prémio de regularidade, 165698 escudos até 31 de Dezembro de 1998, e vincendos; (iv) de diferenças na remuneração base resultante da Comunicação n.º 474/96, 143505 escudos até 31 de Dezembro de 1998, e vincendos; e (v) juros de mora à taxa legal a contar da citação.

Aduziu, para tanto, em síntese, que: (i) trabalha por conta, sob a autoridade e direcção da ré desde 10 de Julho de 1976, tendo actualmente a categoria de especialista qualificado; (ii) em Janeiro de 1992, autor e ré acordaram que o regime de trabalho passaria a ser de dois turnos rotativos, regime em que o autor trabalhou até Maio de 1997; (iii) em Maio de 1997, por determinação da ré, foi trabalhar para Aveiras, nas instalações de uma empresa terceira, a título temporário, por o local onde antes prestava trabalho, nos Olivais, ter deixado de existir em virtude da Expo98; (iv) na deslocação para Aveiras, o autor gasta mais três horas por dia do que antes gastava para os Olivais; (v) por determinação da ré, prestou trabalho em Aveiras no regime de trabalho normal, e não por turnos; (vi) a ré diminuiu-lhe o subsídio de turno, não lhe fez o ajustamento salarial de 2% por cada ano de trabalho em turnos até ao máximo de 10% referido na sua Comunicação n.° 474/96, não lhe pagou o prémio de regularidade em 1997 e 1998, não lhe concedeu a licença especial de 5 dias por ter completado 50 anos de idade e mais de 5 anos em trabalho por turnos.

A ré contestou (fls. 22 a 42), referindo que: (i) o autor trabalha para a ré desde 20 de Outubro de 1976 e jamais, quer na data da admissão, quer em momento posterior, a ré acordou com o autor que este passasse a trabalhar em turnos rotativos; (ii) o autor trabalhou em regime de turnos, por o interesse da ré assim o exigir, entre 7 de Setembro de 1992 e 31 de Janeiro de 1997; (iii) o autor passou a prestar trabalho em Aveiras, numa deslocação que se previa definitiva, por nisso ter mostrado interesse, porque o seu local de trabalho nos Olivais foi extinto, e por a ré dele precisar em Aveiras; (iv) a ré fornece transporte gratuito para Aveiras, o qual demora menos de uma hora.

Em articulado superveniente (fls. 50 e 51), a ré alegou que: (i) a partir de 1 de Janeiro de 1999, o autor passou a desempenhar funções no Parque do Rosairinho, Moita, para onde a ré transferiu a laboração do sector a que o autor está afecto; (ii) tal mudança ocorreu sem oposição dos trabalhadores e por ser absolutamente necessária à utilização de sinergias da empresa; (iii) a ré continua a fornecer transporte gratuito, sendo o tempo de trajecto inferior ao de Aveiras.

O autor respondeu (fls. 67), dizendo que ele e os demais trabalhadores não se opuseram à mudança para a Moita por não disporem de fundamento para tal, mas que o tempo de trajecto é agora superior ao que gastava para Aveiras.

Foi proferido despacho saneador e elaborados a especificação e o questionário (fls. 71 a 75), que não sofreram reclamações.

Realizada a audiência de julgamento, foram dados aos quesitos as respostas constantes de fls. 121 e 122, que não suscitaram reclamações, após o que foi proferida, em 20 de Julho de 2000, a sentença de fls. 124 a 135, que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré dos pedidos. Nessa sentença entendeu-se, sucessivamente, que: (i) a prestação de serviço em Aveiras, forçada pelo encerramento das instalações nos Olivais, representou uma lícita transferência de local de trabalho, e não uma deslocação em serviço nem uma cedência ocasional de trabalhadores; (ii) a passagem para o Rosairinho, Moita, também representou uma lícita transferência de local de trabalho; (iii) em ambos os casos a ré suportou os custos que o autor teria pelas transferências, colocando-lhe transporte gratuito à disposição, não tendo o autor direito à quantia pedida a título de horas gastas no trajecto para Aveiras, espera e regresso, que tinha por base a cláusula 45.ª do ACT aplicável, que apenas rege para as deslocações em serviço; (iv) o direito ao subsídio de turno cessa, em regra, quando licitamente o trabalho deixa de ser prestado neste regime, e, no caso, a ré procedeu adequadamente à progressiva absorção desse subsídio nas revisões salariais, de acordo com o disposto na cláusula 18.ª do Acordo Autónomo anexo ao Acordo de Empresa publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 34, de 15 de Setembro de 1992; (v) o autor não tem direito ao prémio de regularidade, que só é concedido aos trabalhadores que pratiquem com elevada assiduidade o regime de horário de turnos rotativos, e não àqueles que, em tempos, o praticaram; (vi) do mesmo modo, o ajustamento salarial previsto na Comunicação n.º 474/96 só se aplica aos trabalhadores de turno e não àqueles que, como o autor, noutra época o foram.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas, por acórdão de 14 de Fevereiro de 2001 (fls. 197 a 206), foi negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida e sua fundamentação: inexistência de deslocação em serviço ou de cedência ocasional de trabalhadores e licitude da cessação da atribuição do subsídio de turno, de cuja persistência dependiam as demais regalias reclamadas pelo autor.

Ainda inconformado, interpôs o autor, para este Supremo Tribunal de Justiça, o presente recurso de revista, terminando as respectivas alegações (fls. 211 a 221) com a formulação das seguintes conclusões:

"1. A transferência de local de trabalho prevista no artigo 24.º da LCT e nas cláusulas 34.ª e 35.ª do Acordo Autónomo pressupõem, como é óbvio, que a transferência se faça para local do trabalho pertencente à entidade empregadora.

2. Seja como proprietária, arrendatária, cessionária da exploração ou por qualquer outro título constitutivo de direito sobre as instalações para onde transfere o trabalhador .

3. Porém, as instalações de Aveiras para onde o trabalhador foi transferido não são pertença da recorrida, a qual nenhum direito sobre as mesmas, propriedade ou outro possui, as quais pertencem, crê-se que em propriedade, a uma terceira empresa, a C.

4. A prestação de trabalho do recorrente em tais instalações só se tornou possível mediante o contrato de prestação de serviços que a recorrida celebrou com a dita C, por virtude do qual aquela se obrigou a prestar a esta os serviços discriminados no Anexo I daquele contrato, serviços esses prestados através do recorrente e de outros trabalhadores da recorrida em igual situação.

5. A prestação de trabalho pelo recorrente em instalações de uma terceira empresa sem subordinação jurídica a esta por virtude de um contrato de prestação de serviços que com aquela celebrou a entidade empregadora, subsume-se ipsis verbis à previsão da alínea b) do n.º 2 do artigo 26.º da LTT , na redacção primitiva do Decreto-Lei n.º 358/89.

6. E se a subordinação jurídica à entidade empregadora se mantém, esta, como se vê do referido contrato de prestação de serviço, abdicou em beneficio da cessionária de parte dos seus poderes patronais, como se vê nomeadamente dos n.ºs 5, alíneas a), c) e d), e 6, alíneas e), f), g), h) e i), e alíneas c) e d) do Anexo I daquele contrato.

7. Deles resulta que a entidade empregadora operou uma cisão nos seus poderes sobre os trabalhadores a favor da C, pelo que a relação laboral se apresenta deste modo fragmentada.

8. E é isto que verdadeiramente caracteriza a cedência ocasional de trabalhadores, sendo que a maior ou menor extensão dos poderes da cessionária depende dos termos do contrato de prestação de serviços celebrado pela entidade empregadora (cfr. Pedro Romano Martinez, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 59, III, 1999, pág. 859).

9. E ainda que se entenda, como alguns autores sustentam, que a alínea b) do n.º 2 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 358/89 não continha uma verdadeira e própria cedência ocasional de trabalhador, certo é que aquele submetia aquela cedência imprópria ao mesmo regime jurídico da cedência propriamente dita.

10. É, pois, como cedência ocasional que devemos qualificar a deslocação do trabalhador recorrente para Aveiras para prestar serviço nas instalações de uma terceira empresa, a C, cedência ilícita face ao que se dispõe nos artigos 27.º e 28.º da LTT por faltar em absoluto a concordância escrita do trabalhador.

11. Em consequência o trabalhador cedido ilicitamente não pode deixar de ter direito a que a recorrida o indemnize nos termos do artigo 483.º do Código Civil pelos prejuízos que para si resultam de tal cedência, e que são as 2 horas que passou a gastar a mais com um novo percurso, e que, porque prestadas fora do seu período normal de trabalho, não podem deixar de ser pagas como trabalho suplementar.

12. O recorrente trabalhou em regime de turnos de 1 de Setembro de 1992 a 31 de Janeiro de 1997, ou seja, aproximadamente durante 4 anos e 5 meses.

13. Adquiriu direito ao subsídio de turno e ao prémio de regularidade.

14. Mas retirado do regime de turnos por iniciativa da recorrida, o direito ao subsídio de turno manteve-se por força do disposto no n.º 4 da cláusula 19.ª do Acordo Autónomo, o que aliás está perfeitamente conforme o princípio da irredutibilidade da retribuição.

15. E contra este princípio não pode valer a possibilidade da sua redução que no n.º 7 da mesma cláusula se prevê em cada revisão da remuneração certa mínima, pois de outro modo seria permitir «dar com uma mão» - actualização do salário - e «tirar com outra» - redução do subsídio de turno.

16. Aliás tal disposição atenta claramente contra o princípio da irredutibilidade da retribuição, uma vez que admite a redução como reflexo imediato da actualização salarial.

17. O acórdão violou quanto ao 1.° pedido as disposições do artigo 24.º, n.º 1, da LCT, da cláusula 44.ª do ACT Empresas Petrolíferas, dos artigos 26.º, n.º 2, alínea b), 27.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, na sua redacção original, bem como do artigo 483.º do Código Civil.

18. E quanto aos últimos pedidos violou as disposições dos artigos 82.º e 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT e cláusulas 13.ª, 16.ª e 19.ª, n.ºs 1 e 4, do Acordo Autónomo.

19. O acórdão recorrido fez uma interpretação inconstitucional do n.º 1 do artigo 24.º da LCT, violadora do princípio do Estado de Direito democrático consagrado no artigo 2.° da Constituição da República Portuguesa, na medida em que admite que transferência de local de trabalho pela entidade empregadora se possa fazer sem acordo expresso do trabalhador para as instalações de uma terceira empresa agravando sem compensação as condições de trabalho nomeadamente em termos de duração de trajecto."

A ré, ora recorrida, contra-alegou (fls. 233 a 251), concluindo:

"1.º - O autor que optou por não rescindir o contrato quando da desocupação imposta pela EXPO 98 do local de trabalho não pode, quase dois anos decorridos, exigir qualquer modificação das condições contratuais aceites;

2.º - Pelo contrário, o autor candidatou-se expressamente ao desempenho das suas funções em Aveiras, sem invocar prejuízo ou inconveniente;

3.º - A situação foi claramente de transferência definitiva, por força do encerramento provocado pela EXPO98, nunca podendo traduzir mera deslocação ou cedência ocasional;

4.º - O regime de horário fixo decorreu de imposição dos factos e ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 409/71, não obstante o que o recorrente continua a beneficiar das consequências ao anterior regime, conforme disposto no ACT e Acordo Autónomo, o que o coloca numa situação privilegiada."

O representante do Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça emitiu o parecer de fls. 258 a 260, no sentido da negação da revista, que, notificado às partes, suscitou a resposta do autor de fls. 262.

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Matéria de facto

As instâncias deram como apurada a seguinte matéria de facto, com interesse para a decisão da causa:

1) O autor trabalha por conta, sob a autoridade e a direcção da ré, desde 20 de Outubro de 1976;

2) Tem a categoria profissional de especialista qualificado;

3) É associado do SINQUIFA - Sindicato dos Trabalhadores da Química, Farmacêutica e Gás do Centro, Sul e Ilhas;

4) A ré tem por actividade a refinação de petróleos;

5) Desde, pelo menos, Setembro de 1992 que o autor trabalhou sempre em regime de dois turnos rotativos, isto, pelo menos, até 31 de Janeiro de 1997;

6) O local de trabalho do autor deixou de existir por força do encerramento das instalações, imposto pelas expropriações efectuadas para a realização da Expo98;

7) A ré previa passar a desenvolver a sua actividade em Aveiras;

8) Publicitou tal facto e solicitou aos trabalhadores que tinham trabalhado em Olivais e Cabo Ruivo (área de intervenção da Expo), que apresentassem a sua candidatura se estivessem interessados em preencher as ditas vagas;

9) O autor manifestou o seu interesse;

10) Por carta de 19 de Fevereiro de 1997, a ré comunicou ao autor que estava indicado para o provimento de um posto de trabalho nas instalações da Cem Aveiras, trabalho que seria prestado de 2.ª a 6.ª feira no regime de dois turnos rotativos, com transporte de ida e volta assegurado pela ré, tudo conforme documento de fls. 11, cujo teor se deu por reproduzido;

11) Em Maio de 1997, o autor começou a trabalhar em Aveiras, nas instalações da C;

12) Esta prestação de trabalho nas instalações da C em Aveiras foi a solução que a ré encontrou para colocar alguns dos seus trabalhadores que antes prestavam serviço nas instalações da ré nos Olivais, as quais deixaram de existir em virtude da Expo;

13) A ré necessita de ter pessoal a desempenhar funções, sob a sua autoridade e direcção, no Parque de Aveiras;

14) A ré colocou o autor em Aveiras a trabalhar em regime de horário normal, das 8 às 17 horas;

15) A ré labora e ocupa as instalações da linha de enchimento de garrafas GPL sitas no Parque de Aveiras por virtude de contrato que celebrou com a C, dona das instalações, conforme documento de fls. 83 a 98, cujo teor se deu por reproduzido;

16) Face ao contrato que a C aceitou celebrar com a ré, relativamente à linha de enchimento, mostrou-se inviável a organização do trabalho por turnos, inicialmente prevista;

17) A ré comunicou ao autor, antes de aquele iniciar a prestação no Parque de Aveiras, que, inicialmente, o seu horário passaria a ser das 8 às 17 horas, com uma hora de intervalo para refeição, mas que, num segundo momento, seria em regime de dois turnos;

18) A ré pôs à disposição do autor um autocarro que o transporta gratuitamente de Lisboa para Aveiras e vice-versa;

19) O trajecto até Aveiras é todo feito em auto-estrada e demora menos de uma hora;

20) Descontado o tempo que antes gastava para os Olivais, o autor gasta a mais, por dia (ida e volta), na deslocação para e de Aveiras cerca de uma hora e vinte minutos;

21) A ré não conta esse tempo como tempo de trabalho;

22) Na pendência da acção, a laboração do sector a que está afecto o autor passou a ter lugar no Rosairinho, Moita, tendo todos os trabalhadores, incluindo o autor, passado a desempenhar funções naquele local a partir de 1 de Outubro de 1999;

23) A ré continua a fornecer o transporte em autocarros, ida e regresso, a partir da Gare do Oriente;

24) A passagem do autor de Aveiras para a Moita foi consequência de a ré ter denunciado o contrato celebrado com a C, relativo à laboração nas suas instalações;

25) A mudança Aveiras / Moita ocorreu sem oposição dos trabalhadores e por se mostrar necessária a utilização de sinergias da empresa, objectivo que não se conseguiria atingir nas instalações da C por impedimento de ampliação de linhas;

26) O tempo de trajecto Lisboa / Moita é sensivelmente idêntico ao Lisboa / Aveiras, sendo utilizada, como é, a Ponte Vasco da Gama.

3. Fundamentação

Este Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou, repetidas vezes, sobre situações similares à ora em apreço. Fê-lo nos acórdãos de 30 de Novembro de 2000, processo n.º 2558/00, de 26 de Abril de 2001, processo n.º 882/01, de 28 de Junho de 2001, processo n.º 1310/01, de 30 de Outubro de 2001, processo n.º 589/01, de 5 de Dezembro de 2001, processo n.º 2400/01, e de 8 de Maio de 1002, processo n.º 335/02, tendo, sem qualquer discrepância, desatendido teses idênticas às agora sustentadas pelo recorrente, pelo que, perante essa jurisprudência consolidada, se compreenderá que nos limitemos a sintetizar o aí decidido.

Quanto à primeira questão, mantém-se o entendimento assim sumariado: (i) a deslocação em serviço consiste na realização temporária da prestação laboral fora do local habitual de trabalho; (ii) a ocupação que a entidade patronal assegura ao trabalhador fora do originário local de trabalho, face à destruição das instalações da empresa por efeito da realização da Expo 98, não reveste a natureza de deslocação em serviço por não se verificar o requisito essencial que a caracteriza - a temporalidade da realização do trabalho fora do local habitual; (iii) a situação em causa representa uma transferência do local de trabalho, sendo irrelevante que a actividade laboral do autor se desenvolva em instalações de outra empresa, por força de um contrato de prestação de serviços celebrado entre a entidade patronal do autor e essa empresa, uma vez que se apurou que o autor continua a exercer a sua actividade por conta, sob a autoridade e a direcção da ré; (iv) tendo o autor concordado com a transferência do seu local de trabalho e não se verificando nenhuma situação de cedência ilícita de trabalhadores, não tem o autor direito ao pagamento das horas gastas a mais no trajecto para o novo local de trabalho como se de trabalho extraordinário se tratasse.

Apenas se insistirá em que carece em absoluto de fundamento jurídico o entendimento do recorrente de que o novo local onde o trabalhador passa a exercer funções tem de pertencer à sua entidade patronal.

Por outro lado, as prerrogativas que o contrato de prestação de serviços celebrado entre a ré e a C, confere a esta são as comummente atribuídas ao beneficiário da prestação de serviços, sobretudo quando esta prestação é feita em instalações do credor, e relacionam-se com a segurança das instalações, o bom relacionamento dos trabalhadores da empresa prestadora de serviços com os trabalhadores da empresa receptora dos serviços e a fiscalização da qualidade dos serviços prestados, não se vislumbrando neles um único poder recondutível ao poder de direcção e autoridade típico da relação de trabalho subordinado. Na verdade, o próprio recorrente reconhece expressamente (cfr. n.º 3.1. da sua alegação) que a sua subordinação jurídica à ré permaneceu durante o período de prestação de trabalho em Aveiras, nenhum vínculo jurídico o ligando à C.

Improcedem, assim, as conclusões 1.ª a 8.ª da alegação do recorrente.

Invoca de seguida o recorrente um novo argumento, extraído do artigo 26.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro. Esse artigo 26.º, após proclamar, no n.º 1, o princípio geral da proibição da cedência de trabalhadores do quadro de pessoal próprio para utilização de terceiros que sobre esses trabalhadores exerçam os poderes de autoridade e direcção próprios da entidade empregadora, indica, no n.º 2, as excepções a essa proibição. Entre essas excepções figurava, na redacção originária do preceito, o "exercício de funções profissionais em instalações de terceiros, sem subordinação jurídica a esses terceiros, em execução de um contrato de prestação de serviços, em qualquer das suas modalidades" (alínea b) do n.º 2). A generalidade da doutrina criticou esta formulação por a situação prevista nesta excepção não configurar qualquer cedência ocasional de trabalhadores: cfr. Maria Regina Gomes Redinha, A Relação Laboral Fragmentada - Estudo sobre o Trabalho Temporário, Coimbra, 1995, págs. 157 e 158; Célia Afonso Reis, Cedência de Trabalhadores, Coimbra, 2000, págs. 21 e 22; e Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Coimbra, 2002, pág. 689, nota 2. Dando razão a essas críticas, o legislador, pela Lei n.º 146/99, de 1 de Setembro, eliminou essa alínea b) do n.º 2 do artigo 26.º citado. O recorrente não questiona a correcção dogmática da apontada posição da doutrina, e, de qualquer forma, o que a norma eliminada dizia era que a essa "cedência imprópria" (como o recorrente a designa) não era aplicável a regra da proibição constante do n.º 1 do preceito. Improcedem, assim, as conclusões 9.ª e 10.ª da alegação do recorrente.

Posto isto, resta salientar, como se fez nos acórdãos citados, que, inexistindo uma situação de ilícita cedência ocasional de trabalhador não existe fundamento para reconhecer ao autor direito ao pagamento das horas gastas no trajecto para Aveiras e regresso, que de resto não foi pedido com base na ilicitude da cedência. E a circunstância de a actividade laboral do autor se desenvolver em Aveiras por força do referido contrato de prestação de serviços, em instalações da C, em nada prejudica a conclusão a que se chegou porquanto aquele era o local de trabalho único a que o autor estava ligado, permanecesse nele mais ou menos tempo, inexistindo um outro como seria indispensável à demonstração de que se configurava um caso de deslocação temporária, que, nos termos convencionais, conferiria o direito reclamado. Não tem, assim, o autor direito à peticionada compensação pecuniária, quer ao abrigo das invocadas normas do Decreto-Lei n.º 358/89, quer das cláusulas 39.ª e seguintes do ACT aplicável, quer do artigo 483.º do Código Civil. Por outro lado, tendo sido considerado provado que o autor deu o seu assentimento à transferência do seu local de trabalho, não há que considerar a arguida inconstitucionalidade de uma pretensa interpretação do artigo 24.º, n.º 1, da LCT (interpretação segundo a qual a transferência de local de trabalho determinada sem acordo do trabalhador não daria lugar a compensação pelo agravamento da duração do trajecto), que não foi feita pelo acórdão recorrido nem é agora subscrita. Improcedem, assim, as conclusão 11.ª, 17.ª e 19.ª da alegação do recorrente.

Quanto à questão do subsídio de turno e outras regalias dele dependentes, bem decidiram as instâncias ao considerar que, tendo-se tornado inviável a organização de trabalho por turnos em Aveiras, inicialmente prevista (facto n.º 16), foi lícita a decisão da ré de não manter esse regime de prestação de trabalho. Em regra, cessada licitamente a prestação de trabalho nessas condições de especial penosidade, cessa concomitantemente o direito ao abono que visava compensar esse esforço acrescido, sem que tal represente qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição. Porém, no presente caso, o n.º 7 da cláusula 18.ª do aludido Acordo Autónomo manda reduzir "o valor inicial do subsídio de turno (...) em cada revisão da remuneração certa mínima, (...) em percentagem igual à do aumento que nessa remuneração se verifique, não podendo cada redução ser superior a 40% do valor naquele momento". O recorrente nunca questionou que a ré tenha procedido a esta redução gradual do subsídio de turno. O que ele pretende é que, apesar disso e além disso, continua a ter direito ao subsídio de turno por inteiro mesmo depois de ter deixado de prestar serviço nesse regime, o que é manifestamente improcedente. Assente que não assiste ao autor direito a subsídio de turno, por cessação de prestação de trabalho em regime de turnos, segue-se que também não tem direito ao reclamado prémio de regularidade, que, conforme se demonstrou nas decisões das instâncias, depende da prestação actual (e não passada) de trabalho nesse regime. Improcedem, assim, as conclusões 12.ª a 16.ª e 18.ª das alegações do recorrente.

Registe-se que o autor não manteve, no presente recurso de revista, a reclamação das demais regalias reclamadas na petição inicial.

4. Decisão

Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 29 de Maio de 2002.

Mário José de Araújo Torres,

Vítor Manuel Pinto Ferreira Mesquita,

Pedro Silvestre Nazário Emérico Soares.