Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2416/16.1T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: HELDER ALMEIDA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
DANO BIOLÓGICO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 10/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3.ª Edição, Almedina, p. 135 e ss. e 272;
- Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, C. Editora, p. 378 e ss.;
- Manuel Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I Volume, 9.ª Edição, Almedina, p. 628 e 630;
- Manuel de Oliveira Matos, Código da Estrada Anotado, 6.ª Edição, Almedina, p. 464;
- Vaz Serra, Boletim n.º 83, p. 83.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, N.º 3, 494.º, N.º 3 E 496.º, N.º 3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 639.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 09-01-1979, IN BOLETIM N.º 283, P. 260;
- DE 10-02-1998, IN CJSTJ, TOMO I, P. 67;
- DE 16-03-1999, IN CJSTJ, TOMO I, P. 167;
- DE 06-07-2000, IN CJSTJ, TOMO II, P.145;
- DE 06-07-2000, IN CJSTJ, TOMO II, P. 144;
- DE 23-10-2003, IN CJSTJ, TOMO III, P. 111;
- DE 27-01-2005, PROCESSO N.º 04B4135, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-09-2005, IN CJSTJ, TOMO III, P. 39;
- DE 02-10-2007, IN CJSTJ, TOMO III, P. 70;
- DE 05-11-2009, PROCESSO N.º 381/02, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-10-2010, PROCESSO N.º 272/06, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 24-10-2013, PROCESSO N.º 225/09, IN SASTJ, 2013, P. 662;
- DE 24-02-2015, PROCESSO N.º 2147/07, IN SASTJ, FEV./2015, P. 48;
- DE 12-03-2015, PROCESSO N.º 1988/05, IN SASTJ, MAR./2015, P. 23;
- DE 17-12-2015, PROCESSO N.º 3558/04, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 06-12-2017, PROCESSO N.º 559/10, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17-05-2018, PROCESSO N.º 952/12, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A doutrina e a jurisprudência vêm distinguindo no âmbito dos danos não patrimoniais diversas vertentes, parâmetros ou modos de expressão, entre eles avultando, pelo seu significado ou relevância, o “quantum doloris” – que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária –, o “dano estético” – que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima –, o “prejuízo de afirmação social” – dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural e cívica) – o “prejuízo da saúde geral e da longevidade” – aqui avultando o dano da dor e o défice de bem estar, valorizando-se os danos irreversíveis na saúde e no bem estar da vítima e corte na expectativa da vida – e, por fim, o “pretium juventutis” – que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida.

II - Sendo os danos não patrimoniais, pela sua específica natureza, insusceptíveis de medida certa e absoluta, o art. 496.º, n.º 3, do CC manda fixar o quantitativo da indemnização que lhes corresponde segundo critérios de equidade, devendo atender-se, para tanto, às circunstâncias enunciadas no art. 494.º, n.º 3, do CC e a determinados elementos de referência, entre os quais os padrões geralmente adoptados na jurisprudência.

III - Não traduzindo a aplicação de puros juízos de equidade a resolução de uma questão de direito, não compete ao STJ, quando é chamado a pronunciar-se sobre o cálculo da indemnização que neles tenha assentado, a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo.

IV - Considerando os gravosos ferimentos sofridos pelo autor em consequência do acidente de viação de que foi vítima, as suas repercussões, a circunstância de o mesmo ter sido sujeito a três intervenções cirúrgicas e de, em virtude das sequelas, ter deixado de desenvolver a actividade profissional que sempre desenvolveu e de que tanto gostava, é de concluir que a fixação, pela Relação, do quantum indemnizatório, a título de danos não patrimoniais, em € 30 000 se situou aquém do que impunham os referidos limites e pressupostos, devendo antes o mesmo ser fixado, num adequado juízo prudencial e casuístico, em € 40 000.

V - Nos danos patrimoniais estão em causa os rendimentos futuros perdidos como directa e imediata consequência da afectação da capacidade de ganho (tendo em conta a remuneração auferida à data do sinistro) e o dano biológico ou funcional associado à incapacidade físico-psíquica, determinativo de restrição ao futuro exercício de actividades profissionais demandantes de esforços acentuados – “capitis deminutio” –, sem olvidar o inevitável acréscimo de esforço ou penosidade que o eventual desempenho de tais actividades acarretarão.

VI - Apresentando-se o cômputo dos danos patrimoniais futuros muito difícil e contingente, dada a natural incerteza dos factores com que se tem de entrar em linha de conta, é de há muito pontificante na jurisprudência o entendimento de que a indemnização em causa deve ser calculada com referência ao tempo provável de vida activa da vítima por forma a representar um capital que se extinga no fim desse período, capital esse produtor de um rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, até ao final do referido período, que seja susceptível de garantir as prestações periódicas correspondentes aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

VII - Para tanto, têm os tribunais recorrido a vários critérios, entre os quais se destacam as tabelas financeiras e, bem assim, as fórmulas matemáticas que, embora estejam longe de ser decisivas e muito menos sejam vinculativas, não deixam de propiciar uma certa e sempre desejável uniformidade (art. 8.º, n.º 3, do CC), constituindo um precioso guia na utilização, essa sim legalmente imposta, da equidade, em ordem à colocação do lesado, na medida do possível, na situação em que efectivamente se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano.

VIII - Tendo ficado provado que: (i) as sequelas advenientes do acidente de viação em que o autor foi interveniente lhe determinaram um défice funcional da integridade físico-psíquica de 8 pontos; (ii) sendo, em termos de repercussão permanente da actividade profissional, impeditivas do exercício da sua profissão habitual (oleiro/rodista), mas compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional; (iii) o autor nasceu em 14-02-1965; (iv) à data do acidente (03-06-2013) auferia um rendimento mensal de € 880,00; (v) recebeu da entidade patronal a remuneração dos meses de Setembro de 2013 a Janeiro de 2014; (vi) depois de Janeiro de 2014 não mais trabalhou, não tendo até hoje conseguido encontrar ocupação remunerada compatível com a sua capacidade restante; e (vii) recebeu da seguradora do trabalho, a título de capital de remição, a quantia de € 8 672,37, é de fixar o quantum indemnizatório dos danos patrimoniais futuros em € 120 000 (e não em € 55 000 como decidiu a Relação), dado que, não obstante o défice funcional da integridade físico-psíquica se traduzir em 8 pontos, considerando a idade do autor de praticamente 49 anos em Janeiro de 2014, muito dificilmente o mesmo logrará aceder a nova ocupação profissional.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]



I – RELATÓRIO


1. AA instaurou a presente acção declarativa, que corre termos no Juízo Central Cível de …, contra BB - Companhia de Seguros, S.A., formulando os pedidos de:

"(…) condenação da demandada a pagar ao demandante a quantia de € 505.525,50 através de cheque cruzado emitido a favor do demandante e sem a inscrição não à ordem ou não endossável.

O demandante pode optar entre o pedido de uma indemnização actualizada nos termos do artigo 566.º n.º 2 do Código Civil ou o pedido em juros de mora a contar da citação, nos termos do artigo 805.º, n.º 3 do mesmo Código, mesmo com referência a danos não patrimoniais (Ac. S.T.J. de 12.3.98 - Relator Cons. Martins da Costa) Assim, opta pelos juros de mora a partir da citação."

Alegou, em síntese, que a 3 de Junho de 2013 ocorreu um acidente de viação na E.N. 205, ao km 32,240, sito em …, Barcelos, em que foram intervenientes o ciclomotor ...-CG-..., por si conduzido, e o veículo pesado de mercadorias de matrícula ...-...-CB. Este acidente, que foi causado pelo condutor do ...-...-CB, originou-lhe diversos danos que pretende ver indemnizados. Nessa data, a responsabilidade civil por danos causados pelo ...-...-CB encontrava-se transferida para a Ré por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 96…7.

A Ré contestou reconhecendo a responsabilidade do condutor do veículo por si segurado na produção do acidente, mas impugnado alguns dos danos alegados pelo A..


2. Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença, finda com o dispositivo seguinte:

- "Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada, e, em consequência, decide-se condenar a ré BB - Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao autor a quantia global de € 133.047,63 (cento e trinta e três mil e quarenta e sete euros e sessenta e três cêntimos), acrescida de juros, sobre a quantia de € 88.047,63 (a título de danos patrimoniais), desde a data da citação e até efectivo pagamento, e sobre a quantia de 45.000,00 € (de danos não patrimoniais), contados desde a presente data e até efectivo pagamento."


3. Inconformados, A e Ré a Ré interpuseram competentes recursos de apelação para a Relação de …, a qual, por Acórdão de fls. 337 e ss., decidiu nos termos que seguem:

 - “Com fundamento no atrás exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso pelo que:

a) revoga-se a decisão recorrida nas partes em que condenou a ré a pagar ao autor a quantia total de € 133 047,63 e juros sobre € 88 047,63 e € 45 000,00;

b) condena-se a ré a pagar ao autor o montante global de € 93 047,63, acrescido de juros sobre a quantia:

- de € 63 047,63 contados desde a data da citação e até efectivo pagamento da dívida;

- de € 30 000,00 contados desde a data da sentença do tribunal a quo e até efectivo pagamento da dívida.

c) mantém-se no mais a sentença recorrida.”


4. De novo inconformado, o A. interpôs o vertente recurso de revista, o qual encerra com as seguintes conclusões:

1.ª O presente recurso versa sobre o quantum que foi atribuído pelo Tribunal da Relação de … para a compensação do dano não patrimonial sofrido e para a indemnização pela perda futura de ganho.

2.ª Com efeito, e iniciando-se pela compensação que foi atribuída ao recorrente a título de dano não patrimonial, importa referir que nenhum facto, absolutamente nenhum, que foi tido por provado em sede de decisão de 1ª Instância sofreu qualquer alteração em consequência do recurso de apelação que foi interposto pela aqui recorrida.

3.ª Por isso, e atendendo aos pontos 12 a 33, 36 e 37 dos factos provados facilmente se percebe que o recorrente sofreu, sofre e irá continuar a sofrer um fortíssimo e grave dano não patrimonial.

4.ª E não tivesse sido essa matéria de facto dada por provada e, seguramente, jamais a Meritíssima Juíza de 1ª Instância teria arbitrado a esse título uma compensação de 45.000,00 €, e muito menos teria fundamentado essa sua decisão do seguinte modo:

No geral, importa atender ao facto de ao autor ter sido imposta, para toda a sua vida, uma diminuição da sua qualidade de vida (não só menor desfrute dos prazeres da vida, como maiores sacrifícios físicos e psíquicos no normal acontecer dos dias).

(...) Com este argumento, pretende significar-se que em casos como o dos autos, a indemnização por danos não patrimoniais pode alcançar a sua função, em toda a plenitude, qual seja a de o próprio lesado (a pessoa que é atingida nos seus direitos absolutos) ver esse mal contrabalançado com outros benefícios que, ele próprio, vai gozar – mas só alcança essa sua função se o seu montante for adequado e proporcionado a, efetivamente, contrabalançar o mal sofrido, o que implica que se atenda, primacialmente, à gravidade do dano (o sublinhado e destacado é nosso).

5.ª Não nos esqueçamos que o recorrente, em consequência das lesões sofridas no acidente dos autos, foi submetido a três intervenções cirúrgicas, sofreu um défice profissional total de 653 dias e que ficou, com 49 anos de idade, totalmente incapaz para o exercício da sua profissão habitual de …/…, única profissão que conheceu na sua vida.

6.ª E isto mesmo é realçado no acórdão recorrido quando ali se pode ler que “no caso dos autos, são significativos os danos sofridos pelo autor, dos quais se destacam os que se encontram nos factos 12 a 14, 17 a 20, 23 a 27, 29 e 30, designadamente as três intervenções cirúrgicas a que foi submetido e o quantum doloris de grau 5 na escala de 1 a 7 (o sublinhado é, de novo, nosso).

7.ª Mas ainda assim, foi capaz, e mal, com o devido respeito, de, desvalorizando em absoluto o que acabou de se referir, de reduzir a compensação arbitrada ao recorrente da quantia de 45.000,00 € para a quantia de 30.000,00 €, certamente por entender – e, de novo mal – que esta seria suficiente para contrabalançar o mal com que o recorrente teve de passar a viver e que o acompanhará até ao fim dos seus dias (com tendência natural para se agravar com o avançar da idade).

8.ª A Justiça do caso concreto impõe, como é sabido, que se indemnize igual o que é igual, e se indemnize de forma diferenciada o que é diferente; e se tivéssemos apenas como ponto de partida para a fixação do dano não patrimonial o dano morte, então uma de duas:

a) – ou o dano morte teria de passar a ser, necessariamente, muitíssimo mais valorizado

b) – ou um paraplégico, um tetraplégico ou um amputado teria de receber muitíssimo menos do que aquilo que, feliz e justificadamente, lhes vai sendo atribuído pelas mais diversas decisões dos nossos Tribunais, bem acima do dano morte.

9.ª Daí que os factos tidos por provados a este respeito e já elencados na conclusão 3ª permitem, de forma serena, segura, justa, equitativa, ponderada e equilibrada, concluir que a quantia que foi arbitrada ao recorrente a título de compensação pelo grave, permanente e penoso dano não patrimonial sofrido em 1ª Instância não merece o mais ténue reparo, devendo, por isso, manter-se inalterada.

10.ª Quanto ao dano patrimonial, na vertente da perda futura de ganho (seja ela tout court seja ela também com apelo ao dano biológico, que no caso dos autos é de fortíssima intensidade), com o devido respeito, pior andou o Tribunal da Relação de ….

11.ª Antes de mais, e com muito respeito que nos merecem todos os nossos Tribunais, é Jurisprudência unânime, sedimentada e esclarecida aquela que entende – e muito bem – que sempre que exista concorrência entre uma incapacidade parcial para o trabalho e uma incapacidade total para a profissão habitual, é por esta última que deve ser calculada a perda futura de ganho, o que vai na esteira do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.10.1992 in Colect. Jurisp. – Ano XVII – Tomo VI, págs. 29 e ss.

E em nome da Justiça que se busca nos Tribunais, não poderia ser de outra forma.

12.ª Assim, e tendo sido dado como provado que o recorrente auferia a quantia mensal de 880,00 €, 14 vezes por ano (facto 34), exercendo a profissão de oleiro/rodista (facto 33), deveria o Tribunal da Relação de … ter efectuado a seguinte operação matemática:

880,00 € x 14 x 100% x 21,884385,

o que o levaria a concluir por uma quantia de 269.122,82 € correspondente à perda futura de ganho.

13.ª Mas não; sabendo que o recorrente padece de uma incapacidade total para o exercício da sua profissão habitual, calculou, e mal, a perda futura de ganho levando em linha de conta uma I.P.G. de 8 pontos, o que, seja visto à luz de que princípio for, vai contra a Jurisprudência dos nossos Tribunais.

E diga-se em boa verdade que dispunha aquele Tribunal da Relação de … de outros factos tidos por provados que contrariam aquelas suas “contas”, nomeadamente o facto de o recorrente nunca mais ter trabalho a partir do mês de Janeiro de 2014 (facto 36) e que até hoje (por referência à data da prolação da decisão de 1ª Instância, o que ainda se mantém) o recorrente ainda não encontrou uma ocupação remunerada compatível com a capacidade restante (facto 37).

14.ª Não coloca o recorrente em crise que resultou do exame médico-legal a que se submeteu que as sequelas de que ficou a padecer definitivamente lhe provocam uma incapacidade total para o exercício da sua profissão habitual de oleiro/rodista, sendo que é compatível com o exercício de outras profissões dentro da sua área de preparação técnico-profissional, ou seja, que poderá, teoricamente, encontrar outra ocupação dentro da olaria.

15.ª Vejamos, a este propósito, que tipo de actividades se podem desenvolver no exercício da olaria:

a) – o ... é aquele que, à roda, puxa o barro ou fabrica qualquer peça em barro;

b) – o enfornador/desenfornador é o trabalhador que, fora ou dentro dos fornos, coloca e retira os produtos a cozer ou cozidos (encaixados ou não) nas vagonetas, prateleiras, placas ou cestos;

c) – o vidrador, é aquele trabalhador que tem à sua responsabilidade a vidragem de todas as peças cerâmicas;

d) – o oleiro asador é aquele que prepara o barro e fabrica as asas ou bicos procedendo à sua colocação e acabamento.

16.ª Como se percebe destas simples definições, a função que, ainda assim, exige menos esforço, se assim se pode dizer, no exercício da profissão de oleiro é a de rodista.

Todas as outras implicam o transporte, a carga de objectos pesados, tudo aquilo que o recorrente não pode fazer em consequência das sequelas de que ficou a padecer definitivamente e que foram tidas por provadas nos pontos 23º a 26º dos factos provados, e que levaram, aliás, o médico que realizou a perícia médico-legal a que foi submetido o recorrente a considerá-lo impedido de exercer a sua actividade profissional habitual.

17.ª Por outro lado, e para que se perceba a “injustiça” quer da atribuição da quantia de 80.000,00 €, quer a quantia de 55.000,00 € para indemnizar o recorrente pela perda futura de ganho, respectivamente, na decisão de 1ª Instância e do Tribunal da Relação de ..., fazendo a correcção da esperança de vida dos 25 para os 29 anos (como é do conhecimento geral, pois a esperança de vida, em Portugal, para os homens já ronda os 80 anos de idade), façamos as seguintes “contas”, tendo em consideração o princípio que subjaz a esta indemnização, ou seja, o de que a quantia arbitrada a título de perda futura de ganho deve, com o passar dos meses e anos, chegar ao fim da vida activa do lesado igual a zero.

18.ª Para a quantia de 80.000,00 € que foi arbitrada ao recorrente em 1ª Instância para uma esperança de vida de, pelo menos, 29 anos (e não 25 anos, como foi calculado quer pela 1ª Instância, quer pelo Tribunal da Relação de Guimarães), teríamos um capital mensal disponível (pensado para aquele período temporal de 29 anos de vida activa) de apenas 197,04 €, 14 vezes por ano ou 229,88 €, 12 vezes por ano.

(80.000,00 € : 29 anos = 2.758,62 €;

  2.758,62 € : 14 meses = 197,04 €

  ou

  2.758,62 € : 12 meses = 229,88 €,

o que, seja visto à luz de que princípio for, representa cerca de ¼ do rendimento mensal que o recorrente auferia à data do acidente (14 vezes por ano) e que ficou impedido definitivamente de o fazer.

19.ª E, como se antevê, pior será a situação em que o recorrente teria de viver com uma indemnização pela perda futura de ganho, como o fez e mal, o acórdão recorrido no valor de 55.000,00 €.

E tendo essa quantia sido pensada para uma esperança de vida de, pelo menos, 29 anos (e não 25 anos, como foi calculado quer pela 1ª Instância, quer pelo Tribunal da Relação de Guimarães), teríamos um capital mensal disponível de apenas 135,47 €, 14 vezes por ano ou 158,04 € 12 vezes por ano.

(55.000,00 € : 29 anos = 1.896,55 €/ano;

   1.896,55 € : 14 meses = 135,47 €

   ou

   1.896,55 € : 12 meses = 158,04 €),

o que representa que, para o Tribunal da Relação de …, o recorrente iria ter de passar a viver mensalmente, na melhor das hipóteses, com 158,04 € por mês, ou seja, com 1/5 do seu rendimento mensal habitual até ao momento do acidente dos autos.

20.ª E para que se perceba a justeza e equilíbrio da quantia que deveria ter sido arbitrada a este título ao recorrente, atendendo a que ficou totalmente incapaz de exercer a sua profissão habitual, e que acima já se adiantou (269.122,82 €), façamos a mesma operação:

269.122,82 € : 29 anos = 9.280,10 €;

9.280,10 € : 12 meses = 773,34 €

ou

9.280,10 € : 14 meses = 662,86 €,

ou seja, fosse a 12 ou 14 meses por ano, o recorrente disporia de um rendimento que se aproximava em muito daquele que auferia até à data do acidente e que ficou impedido de o fazer por força das sequelas de que ficou a padecer definitivamente e que o impedem de exercer a sua profissão habitual.

21.ª E nem sequer o facto de receber aquela quantia de uma só vez, com a “explicação” de que a poderá aplicar financeiramente, faz qualquer sentido, pois todos sabemos que as entidades bancárias e financeiras praticam juros de zero ou abaixo de zero, já não nos surpreendendo notícias que escutamos todos os dias e nos dizem que os juros se encontram em patamares negativos.

Tivéssemos as taxas de juros que já tivemos no nosso país há muitas décadas atrás, e aí sim o recebimento de uma só vez poderia criar alguma espécie de enriquecimento pois os juros produtores de capital assim o permitiriam.

22.ª E se ocorresse essa “subtracção”, sempre se estaria e encurtar o período para o qual a referida quantia foi pensada, pois, como dissemos, os juros bancários nos níveis em que se encontram, não permitiriam – como não permitem – ao recorrente ou a qualquer um de nós fazer uma aplicação bancária ou financeira que lhe permitisse “recuperar” essa quantia que lhe tivesse sido descontada àquele título.

23.ª E se se mantivesse qualquer das quantias já arbitradas ao recorrente a título de indemnização pela perda futura de ganho e ele dali retirasse o equivalente ao rendimento mensal que auferia no momento do acidente dos autos e apenas disporia de meios financeiros para “viver”, respectivamente, durante 7 anos e cinco meses ou 5 anos e dois meses.

É caso, por isso e com o devido respeito, para perguntar qual a equidade ou ponderação na atribuição de uma quantia que poderia apenas valer ao recorrente durante, na melhor das hipóteses, pouco mais de 7 anos, quando tem ainda uma esperança de vida de 29 anos?

De que viveria?

Ou teria de se contentar em viver com pouco mais de 150,00 € por mês?!

As respostas parecem-nos, com o devido respeito, particularmente óbvias, se nos colocarmos na concreta situação do recorrente...!

24.ª Daí que, repita-se, por tudo quanto foi tido por provado e que não sofreu qualquer alteração em sede de recurso, a quantia adequada para indemnizar o recorrente pela perda futura de ganho decorrente da incapacidade de que ficou a padecer em consequência do acidente dos autos é a que foi referida na conclusão 12ª, ou seja, a quantia de 269.122,82 € (880,00 € x 14 x 100% x 21,884385)

Conclui no sentido de se dever o acórdão recorrido ser revogado, e em sua substituição proferido acórdão por este Supremo Tribunal de Justiça que condene a Recorrida a pagar ao Recorrente a quantia de 45.000,00 € a título de compensação pelo dano não patrimonial, e a quantia de 269.122,82 € pela perda futura de ganho decorrente da incapacidade de que ficou a padecer definitivamente.


5. A Ré A. apresentou, por sua vez, contra-alegações, pugnando pelo improvimento do recurso e consequente confirmação do Acórdão recorrido.


Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


II – FACTOS

    - No Acórdão foram inscritos como provados os seguintes:

 1. Cerca das 12h00 do dia 3 de Junho de 2013 ocorreu um acidente de viação na E.N. 205, ao Km 32,240, sito em Lama - Barcelos, em que intervieram os veículos ...-CG-..., ciclomotor, conduzido pelo autor, seu proprietário e ...-...-CB, pesado de mercadorias, propriedade de CC, Lda e conduzido por DD.

2. O ciclomotor ...-CG-... circulava pela referida E.N. no sentido Barcelos - Prado, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido.

3. Circulava a velocidade de cerca de 40 km/h.

4. O autor pretendia mudar de direcção para a sua esquerda, para passar a circular pela rua do ..., que ali entronca do seu lado esquerdo.

5. Para esse efeito, aproximou-se do eixo da via e sinalizou essa sua intenção quer através do sinal luminoso de mudança de direcção para a esquerda, quer através da extensão do braço esquerdo, reduzindo a já baixa velocidade a que circulava.

6. O autor iniciou a mudança de direcção para a sua esquerda de um modo sensivelmente perpendicular ao eixo da via e, quando estava já na metade esquerda da via foi colhido na parte lateral esquerda do ciclomotor ...-CG-... pela parte da frente do lado direito do veículo ...-...-CB.

7. O veículo ...-...-CB circulava pela E.N. 205, no mesmo sentido e atrás do ciclomotor do autor.

8. Mas o seu condutor fazia-o sem atenção à sua condução, ao que se passava na estrada à sua frente e ao restante trânsito.

9. O local configura um entroncamento que se encontra sinalizado, quer por placas verticais, quer pela marca M1 (linha contínua),

10. O condutor do veículo ...-...-CB iniciou a manobra de ultrapassagem do ciclomotor do autor, quando este já havia iniciado a manobra de mudança de direcção, transpondo a linha longitudinal contínua existente no eixo da via,

11. O embate ocorreu na metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido Barcelos - Prado.

12. Em consequência do acidente o autor sofreu:

1. - traumatismo do ombro direito, com luxação acrómio-clavicular;

2. - fractura de 6 arcos costais (4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º e 10.º), com dificuldades respiratórias;

3. - feridas corto-contusas em ambos os pés, na face e no tronco.

13. Do local do acidente foi transportado para o S.U. do Hospital de …, onde foi observado e submetido a estudo radiológico, após o que ficou ali internado no Serviço de Ortopedia.

14. O autor teve alta hospitalar no dia 11.6.2013.

15. No dia 9.7.2013 regressou ao S.U. daquele Hospital por apresentar queixas de tonturas, motivo por que realizou TAC cerebral, que não evidenciou qualquer alteração, após o que foi medicado e teve alta hospitalar,

16. Porque o acidente foi simultaneamente de viação e de trabalho, passou a ser seguido pelos Serviços Clínicos a cargo da Companhia de Seguros EE (seguradora do trabalho), quer na FF, onde realizou durante vários meses tratamento fisiátrico, quer no Hospital de … - Porto, onde era observado.

17. No dia 3.6.2014 o autor foi submetido a intervenção cirúrgica para fixação acrómioclavicular, com enxerto retirado da inserção inferior dos músculos isquiotibiais esquerdos.

18. No dia 14.10.2014, por recidiva dessa luxação, o autor foi novamente submetido a outra intervenção cirúrgica, com utilização da placa fixada à clavícula.

19. No dia 20.1.2015 foi submetido a intervenção cirúrgica, desta vez para extracção da placa que lhe tinha sido colocada na intervenção cirúrgica de Outubro de 2014, intervenções cirúrgicas realizadas no Hospital de … - Porto, a cargo da Companhia de Seguros EE, seguradora do trabalho.

20. Nos períodos compreendidos entre intervenções cirúrgicas o autor foi submetido a tratamento fisiátrico na FF.

21. No dia 12.2.2015 efectuou RX à clavícula esquerda que revelou diástase da articulação acrómioclavicular por exérese cirúrgica da extremidade externa da clavícula esquerda.

22. O autor teve alta definitiva dos Serviços Clínicos a cargo da Companhia de Seguros EE (seguradora do trabalho) no dia 4.12.2013.

23. Em consequência do acidente o demandante ficou a padecer definitivamente:

- Tórax: cicatriz do tipo cirúrgico, de orientação transversa à região clavicular esquerda com 11 cm.

- Membro superior esquerdo: dismorfia do ombro pós luxação acrómio – clavicular, com ressecção da extremidade distal da clavícula, que não impede de levar a mão esquerda ao ombro contralateral, nuca e região lombar.

24. A data da consolidação das lesões foi fixada em 17.04.2015, lesões que lhe determinaram:

- um défice funcional temporário total de 17 dias;

- um défice funcional temporário parcial de 302 dias;

- um período de repercussão temporária na actividade profissional total de 683 dias.

25. O demandante sofreu um quantum doloris de grau 5 numa escala de 1 a 7.

26. As lesões provocam-lhe um dano estético de grau 2 numa escala de 1 a 7.

27. As referidas sequelas determinam-lhe um défice funcional da integridade físico-psíquica de 8 pontos.

28. Em termos de repercussão permanente da actividade profissional, as sequelas são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional.

29. As sequelas de que ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar.

30. O autor nasceu no dia 14 de Fevereiro de 1965.

31. À data do acidente era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre, trabalhador e jovial.

32. Em consequência das sequelas de que ficou a padecer o demandante deixou de desenvolver a actividade profissional que sempre desenvolveu e de que gostava.

33. À data do acidente o autor era oleiro/rodista.

34. Auferia um rendimento mensal de € 880,00.

35. O Autor recebeu da entidade patronal a remuneração correspondente aos meses de Setembro de 2013 a Janeiro de 2014.

36. Depois de Janeiro de 2014 o autor não mais trabalhou.

37. O autor até hoje não conseguiu encontrar uma ocupação remunerada compatível com a sua capacidade restante.

38. O demandante recebeu da Companhia de Seguros EE (seguradora do trabalho), a título de capital de remissão a quantia de € 8 672,37.

39. O demandante gastou € 175,00 numa consulta de avaliação de dano corporal; € 10,00 em taxas moderadoras relativas a consultas realizadas em 09.04.2014 e 28.04.2014 e € 340,50 na avaliação da possibilidade de exercício da profissão habitual efectuada pelo C.R.P.G.

40. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 96…37 a ré assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo pesado de mercadorias ...-...-CB, propriedade de CC e Cª Lda.


III – DIREITO

1. Como é sabido, e flui do disposto nos arts. nos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Cód. Proc. Civil, o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões da alegação do recorrente, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas, sendo certo que o conhecimento e solução deferidos a uma(s) poderá tornar prejudicada a apreciação de outra(s).

     De tal sorte, e tendo em mente esse conjunto de finais proposições com que o A. ultima as respectivas alegações, surge de apurar, em suma, qual o quantitativo global a arbitrar à A., tendo em conta os danos patrimoniais e os danos não patrimoniais por ele sofridos com o ora ajuizado acidente.

        Vejamos, pois.


  2. No que tange aos danos não patrimoniais, havendo a Relação reduzido a respectiva valoração operada pela 1.ª Instância de € 45.000,00 para € 30.000,00, o A./Recorrente, contra tal se insurgindo, propugna dever ser reposta aquela primeira cifra, por ser a que devidamente se ajusta à natureza e extensão de tais danos de que vem sendo vítima.

   2.1. Designados de danos não patrimoniais, por isso que insusceptíveis de avaliação ou medição pecuniária, não se ignora que a indemnização a eles referente não visa a reposição das coisas no “statu quo ante”, mas tão só dar ao lesado uma satisfação ou compensação pelos padecimentos sofridos, traduzindo-se por isso na atribuição de uma quantia em dinheiro que permita a aquisição de bens materiais ou a satisfação de prazeres que de algum modo compensem ou neutralizem tais padecimentos – neste conspecto, cfr. Vaz Serra, in Bol. n.º 83, p. 83, Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 7ª ed., C. Editora, pp. 378 e ss, e, i. a., Ac. do STJ de 24.02,2015, proferido no Proc. n.º 2147/07 e acessível in Sumários, Fev./2015, p. 48.

   Demais, visa ainda tal indemnização reprovar ou castigar no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente – vide, por todos, Manuel Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, I Vol., 9 ª ed., Almedina, p. 630 e, entre outros, Ac. do STJ de 10-2-98, in Col./STJ, Tomo I, p. 67.

    Segundo o art. 496º, nº 1, do Cód. Civil, apenas são atendíveis, para efeitos de ressarcimento, os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, ou seja –conforme explicita Dario Martins de Almeida [2]- “aqueles que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade moral”, que o mesmo é dizer, evidenciem algum tipo de dor, angústia, desgosto ou sofrimento, inexigíveis em termos de resignação.

Conforme desde o paradigmático Ac. do STJ de 6-7-2000[3] se passou a ver insistentemente proclamado, a doutrina e a jurisprudência vêm distinguindo no âmbito do dano em presença várias vertentes, parâmetros ou modos de expressão, entre eles avultando, pelo seu significado ou relevância, o “quantum doloris” – que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária - , o “dano estético” – que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima - , o “prejuízo de afirmação social” – dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica) - , o “prejuízo da saúde geral e da longevidade” – aqui avultando o dano da dor e o défice de bem estar, valorizando-se os danos irreversíveis da saúde e bem estar da vítima e corte na expectativa de vida - , e, por fim, o “pretium juventutis” – que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida.

E consoante também se elucida nesse douto aresto, esta actualmente tão detalhada visão do dano não patrimonial “é o resultado dos avanços do conhecimento do ser humano, em matérias como a medicina, a psicologia, a sociologia, a antropologia, contribuindo para uma mais conscienciosa ponderação dos efeitos danosos do acto gerador de responsabilidade.”

Ora, como facilmente se alcança, estes danos não patrimoniais são pela sua específica natureza (imaterial) insusceptíveis de medida certa, absoluta, e uma vez que não têm valor venal, o chamado dano de cálculo não funciona em relação a eles.

Como judiciosamente se expende no Ac. deste Supremo de 12.03.2015[4], “[o]s interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis - a vida, a integridade física, psíquica, sexual, a saúde, a liberdade, o bem-estar físico e psíquico, a alegria de viver, a beleza – e não podem ser reintegrados por equivalente; não se calcula um “preço da dor” ou um “preço da incapacidade” ou a falta de saúde, mas visa-se proporcionar, à pessoa lesada, uma satisfação que, em certa medida, possa contrabalançar aquele dano.”

E por assim ser, o art. 496º, nº 3, do Cód. Civil , manda fixar o quantitativo da indemnização correspondente aos enfocados danos segundo critérios de equidade, devendo atender-se às circunstâncias enunciadas no art.º 494º, nº 3 e, designadamente, a determinados elementos de referência ou índices, entre os quais, os padrões geralmente adoptados na jurisprudência, a flutuação do valor da moeda, etc, tudo como fundamental expressão “das regras de boa prudência, de bom sendo prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” - A. Varela, in ob. cit., pág. 628.

     E tudo também, e por fim, nuclearmente endereçado a alcançar a compensação apropriada, a justa indemnização, que, como vem sendo veementemente salientado - por todos, Ac. do S.T.J. de de 27-01-2005[5] -, jamais se poderá inspirar numa óptica miserabilista, conducente a valores puramente simbólicos e, para inaceitável prejuízo dos lesados, totalmente desfasados da realidade.

     Bem ao invés, e como outrossim vem sendo assinalado pela nossa jurisprudência, e até assumido a nível do Parlamento Europeu, a indemnização pelos prejuízos em foco deve traduzir o prestígio dos valores e direitos fundamentais [dignidade] da pessoa humana.


 2.2. Traçado, “grosso modo”, este quadro legal e doutrinário relativo à caracterização/valorização dos danos não patrimoniais, e volvendo ao caso “sub judice”, constatamos que no Acórdão recorrido, após nele se verter, ainda que de forma sumária, mas no fundamental, todos esses considerandos acima vertidos, passou-se a considerar as circunstâncias do caso versado, consignando:

    - “[…] são significativos os danos sofridos pelo autor, dos quais se destacam os que se encontram nos factos 12 a 14, 17 a 20, 23 a 27, 29 e 30, designadamente as três intervenções cirúrgicas a que foi submetido e o “quantum doloris” de grau 5 numa escala de 1 a 7.”

    E apelando a tudo o assim exposto – “estas premissas” [sic] – e ao decidido por este Supremo em múltiplos arestos que devidamente se identificam – procedimento este manifestamente ditado pelo desiderato de dar concretização ao ditame feito verter no próprio sumário: “No juízo de equidade, para além dos contornos concretos do caso em apreciação, deve também ter-se em consideração o princípio da igualdade e, nessa medida, procurar-se uma uniformização de critérios, para o que são relevantes as decisões dos tribunais superiores, com particular destaque para as do STJ.” - , concluiu-se no sentido de se afigurar adequado e equilibrado fixar, como quantitativo indemnizatório dos danos em apreço, o de € 30.000,00.


      3.2. Pois bem.

     Na esteira do decidido no Ac. deste Alto Tribunal de 24.10.2013[6], é também nosso modesto entendimento que “[s]e o STJ é chamado a pronunciar-se sobre o cálculo de uma indemnização assente em juízos de equidade, não lhe compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, mas tão somente a verificação exacta acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo.”[7]

Este mesmo douto entendimento vê-se replicado em diversos arestos do mesmo Tribunal, ensejando-se-nos convocar ainda o Ac. de 17.12.2015[8] [citando o congénere Acórdão 28.10.2010[9], este, por sua vez, em parte fazendo-se eco do acórdão do mesmo Tribunal de 5.11.2009[10] - nele se lendo que “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito”; [pelo que o STJ ] se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar […], mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»[11]”.


    3.3. Ora, tendo em mente tudo o acima explicitado a respeito do modo e do labor argumentativo que conduziram a que no Acórdão em exame se fixasse a indemnização ao aqui A./Recorrente nesse mencionado “quantum” - € 30.000,00 –, não podemos deixar de concluir, que, havendo essa fixação nuclearmente assentado – como se impunha - na aplicação de juízos de equidade, a concretização da mesma, salvo o muito e devido respeito, situou-se aquém do que impunham os limites e pressupostos que – nos termos supra expendidos – ao caso se afiguram quadráveis.

E isso, tomando nomeadamente em conta, além dos gravosos ferimentos sofridos pelo A. e suas repercussões, a circunstância – não obstante também relevada no Acórdão – de o mesmo haver sido sujeito a três intervenções cirúrgicas, e bem assim que - “ut” Facto 32 – em consequência das sequelas de que ficou a padecer o mesmo deixou de desenvolver a actividade profissional que sempre desenvolveu e de que tanto gostava.

    Como assim, tudo ponderado, afigura-se-nos que, em suma, é a quantia de € 40.000,00 que melhor traduz e possibilitará realizar, em adequado juízo prudencial e casuístico, a devida compensação por esses tão relevantes danos padecidos pelo A. e aqui Recorrente

Quantia que, por isso, e para tal efeito, ora se fixa.


      4.1. Incidindo agora a nossa atenção sobre os danos patrimoniais, temos que havendo o Acórdão fixado a indemnização relativa aos mesmos em € 55.000,00, o A./Recorrente, dissentindo desse veredicto, sustenta dever essa indemnização ser superiormente quantificada em € 269.122,82.

            Que dizer? Vejamos.


      4.2. Ora em causa estão, em razão dos danos e sequelas advenientes para o A. do ajuizado acidente, os rendimentos futuros perdidos pelo mesmo como directa e imediata consequência da afectação da sua capacidade de ganho – tendo em conta a remuneração auferida à data de tal sinistro - , e o dano biológico ou funcional associado à sua incapacidade fisico-psiquica, determinativo de restrição ao futuro exercício de actividades profissionais demandantes de esforços físicos acentuados – “capitis deminutio” -, sem olvidar ainda o inevitável acréscimo de esforço ou penosidade que o eventual desempenho de tais actividades lhe acarretarão.

       Com efeito, e passando em revista o acima inscrito elenco de factos provados, constata-se, com relevo para a questão em exame, que:

  - As referidas sequelas determinaram-lhe um défice funcional da integridade físico-psíquica de 8 pontos – Facto 27;

- Em termos de repercussão permanente da actividade profissional, as sequelas são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional - Facto 28;

- O autor nasceu no dia 14 de Fevereiro de 1965 – Facto 30;

- Em consequência das sequelas de que ficou a padecer o demandante deixou de desenvolver a actividade profissional que sempre desenvolveu e de que gostava – Facto 32;

- À data do acidente o autor era oleiro/rodista - Facto 33;

- Auferia um rendimento mensal de € 880,00 - Facto 34;

- O Autor recebeu da entidade patronal a remuneração correspondente aos meses de Setembro de 2013 a Janeiro de 2014 - Facto 35;

- Depois de Janeiro de 2014 o autor não mais trabalhou - Facto 36;

- O autor até hoje não conseguiu encontrar uma ocupação remunerada compatível com a sua capacidade restante. - Facto 37;

- O demandante recebeu da Companhia de Seguros EE (seguradora do trabalho), a título de capaital de remissão a quantia de € 8.672,37 - Facto 38;


   4.3. De posse destes elementos, importa antes de mais referir que - como fácil é de antever e à saciedade se vê afirmado -, o cômputo de danos patrimoniais futuros apresenta-se sempre muito difícil e contingente, dada a natural incerteza dos factores com que se tem de entrar em linha de conta – a este propósito, vd. Dario Martins de Almeida, in ob. cit., pp. 135 e ss..

Em tal conformidade, é de há muito pontificante na jurisprudência – proferido que foi o Ac. do STJ de 9.01.1979[12]- , o entendimento de que a indemnização em causa deve ser calculada com referência ao tempo provável de vida activa da vítima, por forma a representar um capital que se extinga no fim desse período, capital esse produtor de um rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, até ao final do referido período de vida activa, e que seja susceptível de garantir as prestações periódicas correspondentes aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão [cfr., a título meramente exemplificativo, os Acs. do STJ de 6.07.2000, 23.10.2003, 22.09.2005 e 2.10.2007, in Col./STJ, Tomo II, p. 144, III, p. 111, III, p. 39 e III, p. 70, respectivamente].

Mais recentemente - na sequência da prolação do Ac. do S.T.J. de 28.9.1995[13] - , este entendimento foi objecto de ligeira alteração ou precisão, no que concerne às situações de incapacidade permanente e relativamente ao quadro temporal a tomar como referência para o cômputo da indemnização, passando para tal efeito a considerar-se não só aquele confinado período de vida laboral activa, mas todo o ainda esperado tempo de (sobre)vida do lesado, na medida em que – consoante os dizeres do precitado aresto - “...finda a vida activa do lesado, não é razoável ficcionar que também a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as necessidades do lesado” - entre muitos outros, cfr., outrossim, os Acs. do STJ de 16.031999, in Col./STJ, Tomo I, pág. 167 e de 6.12.2017, proferido no Proc. n.º 559/10, e acessível in dgsi.pt..

Como profusamente se ilustra naquele Ac. do STJ de 6.07.2000[14], com vista à concretização do prefalado entendimento, e determinação da nuclear cifra de capital nele reportada, nos nossos tribunais tem-se feito recurso a vários critérios, entre os quais nitidamente se destacam as tabelas financeiras e, bem assim, as fórmulas matemáticas.

Estes métodos, estando longe de ser decisivos, e muito menos vinculando os tribunais, não deixam de irrecusavelmente propiciar uma certa e sempre desejável uniformidade - cfr. art. 8º, n.º 3, do Cód. Civil - , a par de que constituem um elemento de trabalho pleno de utilidade; já que, possibilitando uma aproximação – Sousa Dinis[15] em impressiva expressão fala em “sintonia” - do cálculo do valor da indemnização a arbitrar, constituem um precioso guia [elemento informador] na utilização, essa sim legalmente imposta, da equidade, em ordem à realização do fim último em vista, seja, colocar o lesado, na medida do possível, na situação em que efectivamente se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano - cfr., uma vez mais, o predito Ac. do STJ de 6.07.2000.

                                                                                        

 4.4. Vertidas estas considerações, demandadas pela cabal apreciação do presente “thema decidendum”, revertendo ao contexto dos autos, verifica-se que no Acórdão recorrido, em vista à determinação da indemnização a arbitrar ao A. pelos danos em foco, se tomou em consideração, além dos teóricos postulados acima plasmados, que – e passamos a citar - , “o autor tem um défice funcional permanente de 8 pontos e um rendimento anual de [880,00 X 14] € 12 320,00.”

   E prosseguindo: “Face à inflação dos últimos cinco anos e às taxas de juro e de remuneração praticadas por instituições bancárias e financeiras, considerar-se-á uma taxa de juros de capital de 1,5%.

Então, se o seu défice funcional se traduzisse numa perda efectiva de rendimento em igual proporção, a perda salarial anual do autor seria de (12 320,00 x 0,08=) € 985,60.”

   De seguida, e lançando-se mão de um dos instrumentos auxiliares acima mencionados, passou a consignar-se:

  - “Aplicando uma regra de três simples para determinar qual o capital necessário para, ao indicado juro de 1,5%, se obter o rendimento anual de € 985,60, chega-se ao seguinte resultado:

100 -----------------1,5

X ------------€ 985,60

Isto é: 985,60 x 100/1,5 = 65 706,66.

Desta forma chegamos a um valor referência de € 65 706,66.”

E este valor obtido, mais se ponderou:

- “Na situação em análise regista-se a particularidade de o défice funcional de 8 pontos, de que padece o autor, ser impeditivo do exercício da sua actividade profissional, mas não o impossibilita de exercer "outras profissões da área da sua preparação técnico profissional". Significa isso que o autor ficou com o leque das actividades profissionais por que pode optar limitado, o que é, por si só, susceptível de reduzir a sua efectiva capacidade de ganho. Por outro lado, se o autor vier a exercer uma outra profissão, na "área da sua preparação técnico profissional" é possível que não se concretize qualquer real perda de rendimentos, mas, em tal cenário, aquele défice, com elevada probabilidade, sempre o obrigará a um esforço suplementar. Merece ainda particular relevo o facto de autor até hoje não ter conseguido "encontrar uma ocupação remunerada compatível com a sua capacidade restante" “

Daqui se partindo para concluir:

- “Assim, perante este concreto contexto, a previsibilidade de poder trabalhar até aos 70 anos e o facto de o capital ser pago antecipadamente e de uma só vez, e não em diversas parcelas ao longo do tempo, afigura-se como adequada uma indemnização no valor de € 55 000,00.”


4.5. Não nos suscitando qualquer especial reparo estas doutas reflexões, todavia – e na linha do A./Recorrente – afigura-se-nos que o modo de quantificação da indemnização a atribuir ao mesmo surge – sempre salvaguardando o muito respeito - manifestamente redutor, insuficiente, fincando a nossa atenção no teor dos acima elencados Factos 28, 32, 36 e 37.

Na verdade, desse quadro fáctico resulta que, a despeito do défice funcional da integridade físico-psíquica do A. se traduzir em 8 pontos, as sequelas respectivas, além de impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual – pelo que deixou de desenvolver a actividade laboral que sempre desenvolveu - , ainda que compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional, determinaram-lhe que depois de Janeiro de 2014 não mais trabalhasse, sendo que até hoje não conseguiu encontrar uma ocupação remunerada compatível com a sua capacidade restante.

E contando o A. a essa data de Janeiro de 2014 praticamente 49 anos de idade, tendo em mente não só as actuais, como previsíveis condições do mercado de trabalho a nível global – pense-se, entre o mais, na cada vez mais potenciada automação - , não se afigura absoluto despautério considerar que, embora não de todo inviável, muito dificilmente o mesmo – presente ainda toda essa diminuição de capacidades somático-psíquicas - logrará aceder a nova ocupação profissional.

Assim, pensamos que, ainda que não excluindo de todo a virtualidade de o mesmo vir a conseguir novo emprego, não podemos, no entanto, deixar de equacionar a possibilidade desse negativo cenário, por isso se nos perspectivando curial não nos quedarmos, tão só, por esse défice funcional de 8 pontos [com previsível viabilidade de desempenho de novo “munus”], mas diferentemente ir mais além, e assentar numa ponderação que ”abra a porta” - considere - , a efectiva ocorrência de tal cenário negativo.

Só assim, estamos modestamente em crer, se poderá “in casu” dar execução, com um módico de plausibilidade, a esse imperativo ditame ínsito no art. 562.º do Cód. Civil – “reconstituição da situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”


4.6. Desse modo, e endereçados a tal almejado apuramento indemnizatório, é tempo de, nessa conformidade, passar a considerar os resultados propiciados pelo aludido elemento orientador utilizado no Acórdão ora em crise – regra de três simples - , mas também outros a que os nosso tribunais vêm lançando mão, com vista a obviar o mais possível a subjectivismos conducentes a naturais e indesejáveis discrepâncias, tendo porém sempre em mente – insista-se - que o factor último e decisivo é aquele que deflui do disposto no n.º 3, do art. 566.º, do Cód. Civil – o juízo de equidade.

Pois bem.

Como já visto, considerando esse elemento – fórmula matemática – em função do qual se operou no douto Acórdão, e com base na soma de vencimentos anualmente percebida pelo A. - € 12.320,00 -, bem assim o seu o défice funcional – 8% - , e a taxa de juros de capital presumivelemente praticada pelas instituições financeiras – 1,5% - , alcançou-se o valor de referência de € 65.706,66.

Se em vez de “confinados” a esse défice funcional – pressupondo, por isso, sempre, uma nova ocupação propiciadora de rendimentos para o A. - , se considerasse a ocorrência de uma completa e permanente inactividade, com perda total de ganhos, e mantendo eses demais dados, obter-se-ia sem mais, mediante esse adjuvante elemento, o valor de € 821.333,33.

Outros métodos ou instrumentos de cálculo, se mostram, porém, e como dito, convocáveis.

Desde logo, as tabelas financeiras, na linha do explanado no Código da Estrada – Anotado, de Manuel de Oliveira Matos, 6.ª ed., Almedina, p. 464.

Atendo-nos a essas tabelas, há que ter em mente, à partida, que como limite para a vida activa profissional vem sendo, em geral, considerada a idade de 65 anos, pelo que, no caso do A., tendo deixado de trabalhar em Janeiro de 2014, data em que recebeu da entidade patronal a correspondente remuneração, o seu tempo de vida activa laboral ainda se estenderia por mais 16 anos. Também,e por outro lado, que segundo os últimos dados estatísticos, a esperança média de vida dos indivíduos do sexo masculino, residentes em Portugal, se situa à volta dos 75 anos de idade; donde, ao A. ainda restariam, previsivelmente, 26 anos de vida.

Tendo, pois, por pressupostos estes elementos, e reputando como mais ajustada, em face da latitude temporal a levar em conta, a taxa de juros anual de 2%, considerando a incapacidade parcial do A. – 8% - , teríamos, em face do previsível tempo de vida activa, o valor de € 13.382,18, e com base no tempo de vida esperada, o de € 19.831,29.

Tomando, de outro modo, como referente a incapacidade total do A., e mantendo os mesmos pressupostos, obteríamos, respectivamente, os valores de € 167.277, 37 e € 247.891,16.

Recorrendo, por sua vez, como outro e alternativo instrumento, à fórmula matemático-financeira precursoramente veículada pelo Ac. da R.C. de 4.04.1995 [16], afigurando-se-nos de considerar, além de tais factores temporais e pressuposta taxa de juro anual de 2%, uma taxa anual de crescimento da pensão de 1%, obteríamos, com referência a essa incapacidade parcial do A., e a um e outro desses factores, os valores de € 15.178,24  e € 23.474,97, respectivamente.

Considerando, enfim, como referente a incapacidade completa do A., e sempre com a inalteração desses pressupostos, os valores alcançados cifrar-se-iam então, respectivamente,em  € 189.728,00 – vida activa ‑ e 293.437,20 - sobrevida.


4.7. Alçados a todo este manancial de resultados, de pronto de constata que, sendo diferentes os respectivos valores em função dos métodos ou instrumentos de cálculo utilizados, tal divergência claramente se avantaja consoante se tenha em consideração, no tocante à incapacidade laboral do A., essa objectivamente determinada de 8%, ou –  como vimos não ser, bem ao invés, terminantemente de excluir – uma outra tendo por limite o seu grau máximo.

Ora, e como se salientou, não só esses métodos se consubstanciam, para o escopo visado, em meros elementos orientadores ou auxiliares, nada – insista-se – lhes assitindo de impositivo, como também, no tocante àquela incapacidade, sabemos não nos poder quedar, em recta visão das coisas, por um ou outro desses limites que “prima facie” se apresentam possíveis.

Como assim, lançando mão do imprescindível juízo equitativo, vendo-nos deste modo conduzidos à opção por um valor tendencialmente intermédio de tal incapacidade, e tendo em mente todo esse leque de obtidos valores de referência, bem ainda como a inevitável alteração das condições económicas e financeiras, com especial saliência para a decorrente flutuação do valor da moeda, afigura-se-nos, em prudente arbítrio, fixar o “quantum indemnizatur” pelos danos sofridos pelo A. e ora em atinência na importância de € 120.000,00.


5. A este ponto chegados, tendo em conta que ao A. se acha já definitivamente arbitrada a quantia de € 16,720,00, por danos emergentes resultantes do não percebimento de salários e subsídios de férias e de Natal, e que o mesmo embolsou de capital de remissão a importância de € 8.672,37, em derradeiras contas, conclui-se que se cifra em € 168.047,63 o montante global ora a arbitrar ao mesmo [€ 120.000,00 + € 16.720 – € 8.672,37 + 40.000,00], sendo € 128.047,63 [€ 120.000,00 + € 16.720 – € 8.672,37], a título de danos patrimoniais e € 40.000,00, a título de danos não patrimoniais.


    Tudo visto, resta, pois, findar com a seguinte


  IV – DECISÃO

  Termos em que, concedendo parcialmente a revista, decide-se:

1) - revogar o Acórdão ora recorrido nas partes em que condenou a Ré a pagar ao A. a quantia total de € 93 047,63 e juros sobre € 63 047,63 e € 30 000,00 e, em consequência:

a) condenar a Ré a pagar ao A. o montante global de € 168.047,63, acrescido de juros sobre a quantia:

- de € 128.047,63, contados desde a data da citação e até efectivo pagamento da dívida;

- de € 40.000,00, contados desde a data da sentença da 1.ª Instância e até efectivo pagamento da dívida.

2) – No mais, manter o referido Acórdão inalterado.


Custas por A./Recorrente e Ré/Recorrida, na proporção do vencido.

                                                                       *

                                                                       *

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 25 de outubro de 2018


Helder Almeida (Relator)

Oliveira Abreu

Ilídio Sacarrão Martins

_______

[1] Rel.: Helder Almeida
   Adjs.: Exm.º Conselheiro Oliveira Abreu e
              Exm.º Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins.
[2] Cfr. Manual de Acidentes de Viação, 3.ª ed., Almedina, p. 272.
[3] Cfr. Col./STJ, Tomo II, p.145.
[4] Proferido no Proc. n.º 1988/05, e acessível in Sumários, Mar./2015, p. 23.
[5] Proferido no Proc. nº 04B4135, e acessível in dgsi.pt.
[6] Proferido no Proc. n.º 225/09, e acessível in Sumários, 2013, p. 662.
[7] Sublinhado nosso.
[8] Proferido no Proc. n.º 3558/04, e acessível in dgsi.pt.; como último de que se tem conhecimento, vide, ainda, o Ac. de 17.05.2018, proferido no Proc. n.º 952/12, e acessível in dgsi.pt.
[9] Proferido no Proc. n.º 272/06, e acessível in dgsi.pt.
[10] Proferido no Proc. n.º 381/02, e acessível in dgsi.pt.
[11] Sublinhado nosso.
[12] In Bol. n.º 283, p. 260.
[13] In Col./STJ, Tomo III, p. 36.
[14] De igual modo, veja-se também, o prestimoso trabalho do emérito Senhor Conselheiro Sousa Dinis, intitulado “Dano Corporal em Acidentes de Viação”, in Col./STJ, Ano 2001, Tomo I, pp. 8 e ss..
[15] Cfr. ob. cit., pp. 9 e ss..
[16] Cfr. Col., Tomo II, p. 23.