Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
673/18.8JALRA.E1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
CÔNJUGE
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
ERRO DE JULGAMENTO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
VÍCIOS DO ART.º 410 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 12/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:

§1. – RELATÓRIO.

Empós a audiência de julgamento, foi, no Tribunal da Comarca  ….– Juízo Central Criminal – proferida decisão em que, julgando, provada a acusação, nos termos indicados infra, decidiu, absolver e condenar, respectivamente, a arguida AA, filha de BB e de CC, natural da freguesia e concelho …., nascida em ………1975, ……, ….., residente na Rua …, nos termos que a seguir se deixam transcritos (sic): “a) Absolver a arguida da prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido, conjugadamente, pelo artigo 131.° e pelo art.° 132.°, nº 1 e nº 2, alíneas e) e j), ambos do Código Penal;

b) Condenar a arguida pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido, conjugadamente, pelo artigo 131º e pelo art. 132º, n° 1 e nº 2, alínea b) do Código Penal na pena de 19 (dezanove) anos de prisão;

c) Declarar, em conformidade com o disposto no artigo 69º-A do Código Penal, a indignidade sucessória da arguida, nos termos e para os efeitos previstos na alínea a) do artigo 2034.° e no artigo 2037.° do Código Civil, no que se refere à herança aberta por morte de DD;

d) Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização cível deduzido pelo assistente EE e pela demandante FF contra a arguida, absolvendo esta do pedido”.

Interposto recurso para o Tribunal da Relação …, por acórdão de 24 de Março de 2020, decidiu (sic): “Por todo o exposto e pelos fundamentos indicados acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.”

Em dissenso com o julgado prolatado pelo Tribunal da Relação …, recorre a arguida para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo dessumido a prolixa fundamentação, no epítome conclusivo, que a seguir queda extractado.

§1.(a). – Fundamentação (Conclusões) do recurso e respostas.

§1.(a).(i). – Do recorrente.

1. A decisão ora recorrida mantém a decisão proferida em primeira instância em toda a sua extensão, não efectuando, na nossa óptica, a sindicância requerida e imposta inclusivamente pela consagração constitucional de um duplo grau de jurisdição.

2. A violência doméstica vem atingindo, na nossa sociedade, números incrivelmente elevados. Assustador é somar a esses números conhecidos o número incalculável de casos desconhecidos, de homens e mulheres que sofrem em silêncio como a Recorrente, até ao fatídico dia … .08.2018, data na qual se fez ouvir da forma mais desesperada possível.

3. Pese embora a Recorrente tenha procurado contar a sua história, repetidamente, ao Tribunal, a sensação com que se fica é que, por ser demasiado conveniente face ao quadro dos factos que lhe são imputados, não convence, e vem tarde. Mas, diremos nós, não fosse esse enquadramento por si relatado, nada faria sentido. O resultado está à vista: um acórdão que contém lacunas factuais que não são ultrapassáveis pelo homem médio. Porque a quem quer que sejam contados os contornos deste crime, plasmados na factualidade provada, a primeira questão que um qualquer leitor/receptor da mensagem faz, perante uma descrição factual pincelada pelo desespero, é: o que é que ele (vítima) lhe fez? Esta pergunta foi colocada ao ora signatário mais do que uma vez. E a resposta existe. A resposta foi dada pela Recorrente. Mas o Tribunal, por motivos com os quais se discorda, não atendeu à mesma, e nem se deixou interpelar pela pergunta – ao arrepio das regras da experiência comum e do próprio texto, como cuidaremos de ver.

4. E chegamos ao Supremo Tribunal de Justiça sem que conste da decisão o motivo que levou uma …, de 44 anos, com dois filhos e uma vida (exteriormente) estável a praticar tal acto, não se procurando sequer apurar a motivação desta mulher, considerando-se dispor dos elementos para subsumir a sua actuação a um tipo de crime legalmente previsto, com uma pena tão pesada como a que foi aplicada!

5. No que concerne à omissão de pronúncia, nos termos conjugados dos artigos 410.º n.º 3 e 379.º n.º 1 al. c), ex vi art. 434.º do C.P.P., concretamente quanto ao segmento da impugnação da matéria de facto, a Recorrente deixou claro na sua peça recursiva que pretendia recorrer da decisão sobre matéria de facto nos termos do art. 412° n° 3 do C.P.P. o que expressamente enunciou no seu requerimento de interposição de recurso – a esse ponto dedicou toda a parte III), ao longo de 49 páginas, indicando nos termos do artigo 412° n° 3 alínea a) do C.P.P. os “Pontos de Facto” que considera incorrectamente julgados, apontando, nos termos da respectiva al. b), as provas que impõem decisão diversa da recorrida e, tratando-se de prova gravada, fez a respectiva transcrição dos depoimentos por reporte à acta, em estrito cumprimento do nº 4 do mesmo artigo.

6. O espanto da Recorrente face à apreciação efectuada pelo T.R…. inicia-se logo no 4.º parágrafo do ponto 2.4.1., na página 81, em que, escrevendo a propósito do artigo 412.º n.º 3 do C.P.P., diz, entre travessões, que “no caso em análise não o fez”.

7. Honestamente, não se compreende o reparo ante a exposição de tal segmento recursivo, parecendo que o Tribunal a quo não ficou esclarecido com a forma pela qual a Recorrente se expressou, pois escreve, acima, que não impugnou a matéria de facto, e na página 82 diz que apenas “questiona a matéria de facto”. A Recorrente não questiona. IMPUGNA!

8. De forma inelutável, - conforme excertos transcritos no recurso - o Acórdão recorrido fecha a porta a qualquer possibilidade de configuração de que aquilo que a Recorrente pretendeu foi impugnar a matéria de facto, insistindo que se trata de uma crítica à valoração da prova...

9. É certo que o Tribunal de recurso pode pactuar, ou não, com a impugnação da matéria de facto levada a cabo pelos recorrentes, consoante entenda, ou não, que a prova elencada impõe decisão diversa. Coisa distinta é o que se lê na fundamentação do Acórdão recorrido, que põe em causa a formalidade seguida pela Recorrente - diremos apenas formalidade porque o Tribunal recorrido nunca especifica nenhum excerto recursivo para concretizar a sua posição a qual, entendemos, é manifestamente infundada se atendermos ao teor do recurso.

10. Se bem entendemos os trechos referenciados e transcritos no corpo do recurso, na óptica do T.R…., como o Tribunal de recurso apenas pode afastar-se do juízo do julgador do tribunal a quo quando não tenha por base os princípios da imediação e oralidade, a maior parte dos “problemas” deverão reconduzir-se ao vício de falta de fundamentação. Todavia, se a Recorrente entendesse que o Acórdão proferido em primeira instância estava enfermado da nulidade de falta de fundamentação, isso mesmo teria arguido. E por isso foi impugnada a matéria de facto que, em face do texto da decisão recorrida, fica por apreciar!

11. Não se acompanha, com o devido e merecido respeito, a conclusão do T.R…. de que “não é suficiente especificar, de forma sectorial, algum ou outro, elemento da prova. Só a especificação de todos eles, os indicados pelo tribunal e os que se entende não foram tidos em conta, pode impor decisão diversa.”, porquanto esta leitura, – na forma como a percepcionamos, relevando eventual lapso de interpretação da nossa parte - é inclusivamente contra legem ao postulado no artigo 412.º n.º 3 alínea b) do C.P.P., sob pena de não ser necessário destacar qualquer prova pois a que estaria em causa seria sempre toda aquela que foi produzida em audiência e discutida no Acórdão! Aliás, o entendimento acima sufragado não se coaduna com o remédio jurídico que é o recurso na sindicância de uma decisão com a qual a Recorrente não se conforma, que não visa um segundo julgamento – o que reforça o entendimento de que não se deve proceder a uma reanálise de toda a prova – mas, tão somente dos pontos de facto concretamente individualizados.

12. Antes destina-se a obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão, na forma como o tribunal recorrido apreciou a prova, quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O que se visa é uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorrectamente julgados, através da avaliação das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa.

13. Limitou-se o T.R…. a tecer um juízo de valor quanto à totalidade da matéria levada à impugnação que diz ter sido bem valorada pelo Tribunal de primeira instância, que beneficiou dos princípios da imediação e da oralidade, pelo que torna impraticável a impugnação da matéria de facto, como faz crer o excerto da página 86 onde se lê “A análise do acórdão recorrido demonstra que o mesmo se baseou numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto.”. Esta consideração antecipa a desconsideração das motivações apresentadas pela Recorrente, através de uma convicção pré formulada da globalidade da prova!

14. O que é certo é que, invariavelmente (e lamentavelmente), os tribunais vêm respondendo com a insusceptibilidade de produção de efeitos da impugnação da matéria de facto escudando-se na ausência de imediação e oralidade, tornando, assim, a decisão da matéria de facto inatacável! Considerar que esses princípios obstam à reapreciação da matéria de facto, constitui clara violação do disposto no art. 412° do C.P.P., como viola as garantias de defesa.

15. O C.P.P. ao exigir, no recurso da matéria de facto, a listagem das provas que justificam decisão fáctica diversa, pressupõe a efectiva apreciação pelo tribunal de recurso do juízo de ponderação efectuado quanto a esses meios de prova. Não deve, por isso, o Tribunal ad quem bastar-se com um juízo de legalidade ou regularidade dos meios de prova ou da sua forma de produção perante o Tribunal a quo. Deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelos recorrentes e que estes consideram imporem decisão diversa.

16. Impõe-se, assim, uma análise de substância quanto à adequação dos meios de prova para concluir sobre a sua suficiência para os factos provados, o que não é levar a um novo julgamento, mas conferir, nos segmentos da decisão impugnados, a validade dos argumentos.

17. Diga-se que, aquando da leitura do Acórdão recorrido, por força da formatação do texto, pareceu à primeira vista que o Tribunal a quo havia incorrido no vício de excesso de pronúncia. Porém, após confrontar o Acórdão da Relação …. com o texto do Acórdão do Juiz Central Criminal de … e com a Resposta aí apresentada pelo Ministério Público, constatou que o excesso, é apenas de transcrição, o que trazemos à evidência nas motivações de recurso.

18. A verdade é que as decisões tomadas pelos tribunais visam os destinatários aí concretamente identificados e que pretendem ver respondidas em concreto as razões da procedência ou não procedência dos pedidos individualizados submetidos. Com a decisão proferida que põe em causa a impugnação efectuada pela Recorrente, respondendo ademais com a decisão proferida que, pasme-se, é a decisão com a qual não concorda, o Tribunal recorrido dispensou-se de apreciar concretamente os pontos de impugnação aduzidos pela Recorrente. E a sua resposta nunca poderia estar constante no texto da decisão que é a base do recurso.

19. Dizer simplesmente que determinada decisão de facto não merece reparo porque tudo apreciado, na sua globalidade, foi bem atendido, mais se ancorando nas palavras da decisão recorrida, não é, salvo melhor opinião, fazer o reexame crítico que o processo penal confiou à segunda instância. Deveria o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pela Recorrente e que este considera imporem decisão diversa.

20. Se assim não fosse, mal se perceberiam os apertados requisitos constantes do art. 412º nº 3 do C.P.P., nomeadamente as als. a) e b) donde constam os adjectivos “concretos” e “concretas”, e que exige do julgador uma resposta também ela individualizada para as questões suscitadas.

21. Se à Recorrente não é suficiente dizer que o acórdão do Tribunal em primeira instância enferma de erro de julgamento evidente para que o mesmo seja apreciado, também ao tribunal ad quem não basta dizer que a decisão de facto do tribunal recorrido não merece reparo sem especificar e criticar em concreto os pontos de facto autonomizados pelo recorrente.

22. A dissonância entre o Recurso interposto e o Acórdão em crise denota-se, logo, pela prova destacada pela Recorrente que impunha decisão diversa. Do texto “original”, chamemos-lhe assim (da lavra do T.R….) não se consigna qualquer análise da prova elencada pela Recorrente, a saber: - Para impugnação do facto provado 25): Declarações da Arguida, em três segmentos identificados; Depoimento de GG; - Para impugnação do facto não provado O.: Declarações da Arguida, em três segmentos identificados; Depoimentos de HH, II; JJ; LL; MM; - Para adição do facto provado proposto – “A partir do ano de 2005, DD, em número não concretamente apurado de vezes, exercia maus tratos psicológicos e verbais sobre a Arguida, chamando-lhe nomes, distratando-a e inferiorizando-a, sem qualquer motivo.”: Declarações da Arguida, em três segmentos identificados; Depoimentos de HH, II, JJ, LL, MM.

23. Dos excertos que o T.R…. destaca da decisão de primeira instância, coincidem alguns depoimentos da prova referida pela Recorrente. Mas não são apreciadas as partes concretas referidas pela Recorrente na qual entende nascer a imposição de decisão em sentido diverso. Por outro lado, é transcrita a análise de prova que não é referida pela Recorrente (NN, OO, PP, QQ, RR, Inspector SS, TT, UU) de onde resulta evidente a mera colagem do entendimento sufragado em primeira instância, e não uma análise da impugnação da matéria de facto, o que ressalta pela total ausência de análise, por exemplo, os excertos invocados dos depoimentos das testemunhas MM ou HH.

24. A final, o que se retira do acórdão recorrido é a remissão para a fundamentação de facto em primeira instância e a prova aí destacada, não apreciando em concreto os pontos de facto sindicados pela Recorrente, pois em momento ou lugar algum da decisão recorrida se faz apelo ou se contradita a análise de cada meio de prova e da respectiva concatenação no resultado decisório, em momento ou lugar algum se analisa, ou se desvaloriza as provas indicadas, com intenção de justificar uma decisão fáctica diversa da que foi produzida pelo Tribunal recorrido.

25. É no recurso da matéria de facto que se define a essência do recurso, porque é o único meio que assegura as garantias de defesa do arguido já que permite, através da análise dos meios de prova produzidos, sindicar o processo de formação da convicção do tribunal. Todos os outros meios de recurso, seja os vícios previstos no art. 410° do C.P.P., seja as nulidades ou ilegalidades alegáveis em sede de matéria de direito, estão limitados por critérios substancialmente formais, pois são vícios que devem resultar do próprio texto ou conteúdo da decisão recorrida.

26. O erro de julgamento, de análise e ponderação da prova só pode ser atacado e corrigido por via do recurso de matéria de facto, representando a possibilidade da respectiva interposição e subsequente decisão a mais eficaz garantia contra o arbítrio, o excesso de convicção, o voluntarismo e o justicialismo traduzidos em condenações sem prova ou contra a prova.

27. A ausência de apreciação do recurso de matéria de facto por Tribunal da Relação constitui, por tudo isto, nas palavras de Ac. do STJ, Processo 02P3130 de 07/11/2002, "uma violação insuprível do direito ao recurso na dimensão que hoje, inequivocamente, comporta, de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, e, por essa via, do artigo 32º, nº 1, da Constituição da República, e, mesmo, dos direitos de defesa, também ali garantidos, a demandar por essa via a correspectiva nulidade dos actos ofensivos".

28. A verdade é que tem-se assistido a um “fenómeno”, dir-se-ia mesmo a uma “nova corrente jurisprudencial” das Relações, que de forma sumária e liminar rejeitam por completo os recursos de matéria de facto apresentados pelos recorrentes – como antecipadamente o Acórdão recorrido referiu ser possível fazer - com base em duas ordens de ideias interdependentes entre si: a primeira, que se prende com a alegada sindicância da convicção do julgador, isto é, querem as Relações propositadamente confundir os recursos interpostos pelos arguidos sobre a matéria de facto, onde os recorrentes indicam as provas incorrectamente julgadas e as que impunham decisão diversa, com a valoração que alegadamente os recorrentes fazem da prova produzida em audiência – formação da convicção do julgador (como já acima abordámos, e como assim responde o T.R….); a segunda, conexa com a primeira, prende-se com a alegada impossibilidade de apreciação da matéria de facto impugnada pela ausência do princípio de imediação e da oralidade (como acima demonstrámos ter sido parte da resposta dada pelo T.R….).

29. Desta forma, o Tribunal da Relação está a votar à partida os recursos de matéria de facto ao insucesso, violando o segundo grau de jurisdição contemplado pelo art. 32.º n.º 1 C.R.P..

30. O que a Recorrente fez foi indicar ao tribunal de recurso as provas que não foram consideradas pelo tribunal recorrido no que concerne especificamente aos factos impugnados – por indicação dos respectivos suportes magnéticos, quando se tratava de prova testemunhal. Não se trata de uma questão de convicção, mas de um desatendimento a determinadas provas (ou segmento das mesmas, quando a credibilidade não é posta em causa) que não foram considerados e que impunham decisão diversa.

31. O simples facto de o Tribunal elencar como coadjuvantes para a decisão determinada prova, não bloqueia, por si só, a possibilidade de impugnação da matéria de facto, quando se verificar que nessa mesma prova (exemplo: excertos de depoimentos de uma testemunha que não são postos em causa em particular, nem a credibilidade da testemunha é questionada, em geral) resultar flagrante elemento que impõe decisão diversa. Damos, como exemplo, a testemunha assinalada pela Recorrente, HH, sobre quem o Tribunal de primeira instância escreve que depôs “de modo circunstanciado, com a cadência típica de quem diz a verdade e sem dar mostras de qualquer animosidade em relação à arguida”, que às páginas tantas revela que relatou o mau estar da Recorrente com a vítima, e a relação conturbada inclusivamente com o filho QQ; a testemunha GG, nos concretos termos em que explica que a vítima ainda respirava quando a Recorrente pediu socorro, o que é corroborado pelo documento também desatendido de comunicação da notícia do crime a fls. 2 onde se pode ler “a vítima ainda viva” e auto de diligência a fls. 49 de onde resulta que esta última testemunha relata que “Esteve 20 minutos com a vítima nos braços, a respirar”.

32. Impossibilitar a apreciação da matéria de facto pelo tribunal de recurso pela constatação evidente que o princípio da imediação e oralidade se perdem com um segundo grau de jurisdição, é reduzir esse direito constitucional à sua expressão mínima. A este propósito, transcrevemos parte de um brilhante aresto deste Supremo Tribunal nesta matéria – Proc. 06P4044 de 30-11-2006, in www.dgsi.pt –, que de forma exemplar e consciente desta nova corrente jurisprudencial dos tribunais da Relação, a propósito da recondução constante dos recursos de matéria de facto à convicção do julgador, tece notáveis e pertinentes comentários.

33. Assim, ao não conhecer do recurso de matéria de facto interposto pela Recorrente, omitindo-lhe qualquer análise ou referência em concreto às questões de facto suscitadas, o Venerando T.R…. incorreu na nulidade de omissão de pronúncia prevista no art. 379.° al. c) do C.P.P. devendo, em consequência, ser declarada tal nulidade do respectivo acórdão, bem como declarada a  inconstitucionalidade por violação do direito ao recurso e ao duplo grau de jurisdição salvaguardados pelo art. 32° n° 1 da C.R.P., a qual  desde já se invoca e argui a referida inconstitucionalidade quer para apreciação por esse S.T.J. quer, se necessário, pelo Tribunal Constitucional. Como lapidarmente se afirma em decisão do Tribunal Constitucional citada no Aresto do STJ supra referido "A plenitude das garantias de defesa, emergente do artigo 32º, nº 1 do texto Constitucional, significa o assegurar em toda a extensão racionalmente justificada de "mecanismos" possibilitadores de efectivo exercício desse direito de defesa em processo criminal incluindo o direito ao recurso (o duplo grau de jurisdição) no caso de sentenças condenatórias”.

34. Já a propósito da omissão de pronúncia cometida aquando do conhecimento do vício do erro notório na apreciação da prova, também não se afigura suficiente afirmar a bondade da fundamentação expendida pelo Tribunal a quo, pois que, também aqui, refere o T.R…. que do aglomerado de prova e do texto da decisão, referindo-se inclusivamente à “audição do registo da prova” não há reparos a fazer, apesar de tal vício ter que resultar (como resulta) do texto da decisão.

35. Todas as considerações expendidas são genéricas – conforme demonstramos no corpo do recurso – não descendo o Tribunal ao caso concreto, ou aos argumentos recursivos.

36. Um dos pontos salientados no recurso atinha-se à parte do texto de primeira instância (transcrito no presente), onde se refere, sinteticamente, que a Arguida confessou os factos provados 2) a 8) e 19) a 21) dizendo, outrossim, que a versão apresentada não trazia robustez em termos de credibilidade para o Tribunal que diz, enfim, não conseguir “seccionar o depoimento da arguida de molde a credibilizar uma parte e a descredibilizar outra”. E o próprio Tribunal que assume esta impossibilidade, descredibilizando a Arguida, dá aqueles factos acima referenciados – e desfavoráveis à Arguida – como provada, por reporte, pasme-se, às suas declarações! Esta falta de coesão e de lógica é ignorada no Acórdão recorrido.

37. Porque os factos não provados L. e M., que referiam que a vítima agrediu a Recorrente, foram por si relatados, mas o Tribunal de primeira instância, seccionou o seu depoimento e a estes já não deu qualquer credibilidade violando, de forma grosseira, o princípio in dubio pro reo.

38. Uma outra questão também referida e que não é decidida pelo T.R…., é quando configura que não, e crível, “DD ter agredido a esposa de modo absolutamente gratuito, sem que tivesse existido qualquer discussão prévia entre o casal” mas não é já improvável o contrário, que mereceu assento nos factos provados e motivação, quando pelos vistos já não é estranho que a Recorrente tenha agredido o seu marido, de forma tão violenta, sem qualquer “motivo”, de forma gratuita, com a possibilidade de os seus filhos assistirem a tal situação, o que é contrário às regras de experiência comum.

39. Recorde-se que suportava ainda esta questão o facto de se referir que a testemunha HH e LL dizerem que assistiram a vítima “a chamar a arguida de estúpida, incompetente e deficiente”, a que somamos o facto provado 29) (…)”DD torceu o braço à arguida na cozinha da casa do casal.”

40. Contrário ainda às regras da experiência comum, é dizer-se que isto configura uma “aparência de normalidade relativamente à vida familiar do casal”.

41. Nesta óptica, salientou ainda a Recorrente que o Tribunal de primeira instância decidia contra as regras da experiência comum ao exigir que aquela admitisse imediatamente o trauma, demonstrando-se, com recurso à literatura, que a normalidade conta-nos outra história.

42. Fica também por merecer qualquer palavra do T.R…. não ter assento no facto 14), a expressão “Olha a faca AA”, mas apenas “Olha a faca DD”, sendo que a fonte desta expressão é a mesma daqueloutra, a saber, prova testemunhal XX e UU – o que configura uma leitura tendencial da prova, contra a Arguida, contra a prova, demonstrando-se o erro no próprio texto da decisão!

43. Prosseguindo, a decisão de primeira instância fazia ainda constar que a testemunha JJ não encontrou na Recorrente índices de stress pós-traumático 2, aqui se baseando para referir que não seria vítima de violência doméstica, quando a inexistência daquele indício não é sintomática da inexistência da situação de violência doméstica, afirmação que é, também, contrária às regras da experiência comum.

44. No que concerne à omissão de pronúncia, nos termos conjugados dos artigos 410.º n.º 3 e 379.º n.º 1 al. c), ex vi art. 434.º do C.P.P., concretamente quanto ao segmento da subsunção dos factos ao Direito, a mesma ocorre quando o Tribunal a quo se centra num único ponto, como anuncia na página 102, ao escrever que “a arguida insurge-se contra a condenação pelo crime de homicídio, pois entende que, caso improcedam as nulidades invocadas, deveria ter sido condenado pela prática de um crime de homicídio privilegiado, p. e p. pelo art.º 133º, do Código Penal. No que concerne à invocação da integração da actuação da arguida na previsão do art. 133º, do CP (…)”.

45. É certo que a Recorrente defende essa posição, mas também explora duas outras vertentes que não vêem a luz do dia no Acórdão recorrido, a saber: a posição de que, inexistindo uma vontade de matar, isto é, não agindo enformada por um dolo de homicídio, deveria a sua actuação ser reconduzida ao crime de ofensas à integridade física agravadas pelo resultado morte, nos termos e para os efeitos conjugados dos artigos 144.º al. d) e 147.º n.º 1 do C.P.; e no último ponto, discute a qualificação mecânica efectuada pelo Tribunal de primeira instância do crime, pelo simples facto de a Recorrente saber que a pessoa que atacara se tratava do seu cônjuge.

46. É certo que o Acórdão recorrido discorre acerca do dolo na perspectiva geral do crime de homicídio, apreciando o privilegiamento, tout court. Não procede, porém, a qualquer discussão jurídica sequer de afastamento da aplicabilidade do crime de ofensas à integridade física, e não pode o destinatário da decisão ver-se respondido de forma implícita a uma qualquer questão suscitada em recurso.

47. A Recorrente insiste ainda numa análise ancorada em doutrina que demonstra, à saciedade, que situações há em que, não existindo já a “exigência intensificada de respeito” que caracteriza a comunhão de vida, pode ser derrogada a figura qualificadora que é a alínea b) do artigo 132.º n.º 2 do C.P..

48. No Acórdão recorrido, na pág. 104, após analisar as cláusulas de valoração contidas no artigo 133.º do C.P., conclui “Afastada está, pois, a previsão dos art.º 133.º do Código Penal.”, parecendo encerrar a análise. Porém, quando a seguir se propõe a analisar a intenção criminosa, faz uma transcrição (extensa) do Acórdão de primeira instância, esclarecendo, na pág. 107, que “É óbvio que se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs. 131º e 132º n.ºs. 1 e 2, al. b)(…)”. Na pág. 108 lê-se “Portanto, no caso ‘sub judice’ não se mostra verificada nenhuma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, nomeadamente a legítima defesa” Após, dedica toda a página à discussão da legítima defesa, sendo certo que, pese embora essa questão tenha sido discutida em primeira instância, não foi suscitada pela Recorrente em sede de recurso – incorrendo em excesso de pronúncia!

49. Apenas na parte final resgata o Tribunal a quo uma parte do recurso para rematar, sem desnatar qualquer linha de argumentação, que “Sem razão, todavia, pelos motivos já referidos. Pois que, o dolo, na sua actuação de homicida, é notório. A sua intenção de matar o marido é óbvia” e em seguida, cita novamente o Acórdão de primeira instância.

50. Ou seja, para o Tribunal a quo é óbvio e notório. Porquê? Por causa do texto do anterior Acórdão. Mas e a discussão jurídica que a Recorrente entende ter falhado no texto da primeira instância? E os factos que a Recorrente entende consubstanciarem uma falha na decisão?

51. Como é evidente a Recorrente bem sabe que os tribunais de recurso podem concordar com a decisão recorrida. O que não podem é furtar-se ao conhecimento das questões concretas suscitadas pelos recorrentes que, diremos, in casu, eram absolutamente pertinentes e que, em prol da Justiça e da boa decisão da causa, deveriam ser conhecidas.

52. Nestes termos devem V. Exas. declarar a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia prevista no artigo 379° al. c) do C.P.P quer quanto à omissão de pronúncia no que concerne à impugnação da matéria de facto, quer no que respeita ao erro notório na apreciação da prova e ainda quanto à subsunção dos factos ao direito, e em consequência ordenar ao T.R… que se pronuncie, em concreto sobre todas as questões de facto suscitadas pela Recorrente, isto é, com efectivo julgamento do recurso da matéria de facto e apreciação do erro notório na apreciação da prova e dos enquadramentos jurídico-penais invocados pela Recorrente, que se acham violados, porquanto o acórdão recorrido não procede ao reclamado “juízo crítico substitutivo” sobre todas e cada uma das questões suscitadas pela Recorrente como as que acima se evidenciaram – violando o disposto nos artigos 425º nº 4, e 379º nº 1 al. c) do C.P.P., assim incutindo ao respectivo acórdão o vício da nulidade.

53. É hoje pacífico na jurisprudência que, mesmo nos casos em que o tribunal de recurso esteja limitado ao conhecimento de questões de Direito (estando vedado o exame da matéria de facto), se do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, resultar um dos vícios elencados no art. 410º n.º 2 do C.P.P., não pode aquele tribunal furtar-se à apreciação de tal matéria. Aliás, tratando-se o vício do erro notório de apreciação da prova de conhecimento oficioso, nem necessário seria que a Recorrente ao mesmo fizesse expressa referência, até porque foi, oportunamente, suscitado junto do T.R … ..

54. Quando o T.R …. não satisfaz a pretensão recursiva a propósito da impugnação da matéria de facto, mantém o mesmíssimo vício, pela violação do princípio in dubio pro reo e regras da experiência comum.

55. O que a Recorrente sente relativamente a ambos os textos decisórias por ora proferidos, é que toda esta questão prévia da vontade de tirar a vida a DD é um pressuposto tido por assente pura e simplesmente na crença alcançada pelos colectivos que até agora sobre estas questões se debruçaram. Todavia, essa livre convicção (e não crença) tem que ter respaldo em fundamentos que não choquem com as regras de experiência comum e, ademais, entende-se, com alguma coesão interna da decisão. Isto é, lendo a matéria dada como provada e, após a motivação, tem que ser perceptível ao visado e ao público em geral, a fundamentação do Tribunal e a apreciação que o mesmo faz dos elementos carreados para o processo.

56. Devendo a decisão fazer sentido, era necessário que fosse apresentada a fundamentação para a decisão sendo que, pelo contrário, o que se constata é um salto ilógico sem que se compreenda o caminho.

57. Indícios são circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra. Esta prova é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto e, sendo vários, estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência.

58. O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência, cfr. excerto do Acórdão deste S.T.J. de 11-07-2007, processo n.º 07P1416, no corpo recursivo.

59. No Acórdão recorrido – e mantendo, em todo o momento, a consciência de que a resposta dada pela Relação …. à impugnação sobre a matéria de facto é omissa para a sua finalidade - o Tribunal a quo envereda por uma série de justificações referentes à prova e à análise da mesma que, salvo o devido respeito, contendem com os princípios elementares de exame da prova e, bem assim, com as regras de experiência comum como sucede, por exemplo, aquando da apreciação das declarações da testemunha JJ, extraindo-se que, não demonstrado a Recorrente indícios de SPT tipo 2, comum em vítimas de violência doméstica, então não seria a Recorrente vítima desse crime. Ora, se vamos avaliar o que é ou não comum, diremos que esta conclusão é contrária às regras da experiência comum e à literatura médica propalada quanto a esta temática.

60. Depois, nos excertos transcritos das páginas 87, 93 e 89, concluímos que dá-se como provado o facto provado 25) porque não são credíveis as declarações da Recorrente; dão-se como não credíveis 5 (cinco) testemunhas que relatam a violência doméstica sofrida pela Recorrente por reporte às declarações desta, em que diz não as ter contado a ninguém; e dão-se como provados os factos 19), 20) e 21) por via, exclusivamente, das declarações prestadas pela Recorrente. Constam, ademais, como não provados os factos C), D) e H), não servindo aqui o depoimento da Recorrente para se demonstrar que a mesma era vítima de violência doméstica, ou os factos não provados L) e M) que descreviam que foi a agressão da vítima que despoletou o ataque sem prova que a descredibilizasse, antes arrogando-se de competências psiquiátricas, conforme escreve na página 87, de que a vítima de violência doméstica até seria DD.

61. A propósito das testemunhas acima referidas que foram descredibilizadas, escreve o Tribunal na página 89 que foi decisivo a Recorrente referir que nunca contou a ninguém episódios de violência.

62. Exmos. Srs. Juízes Conselheiros: em que ficamos? As declarações da Recorrente devem ou não ser credibilizadas? O que se fez foi utilizá-las consoante encaixavam ou não na versão que, a final, se construiu.

63. Ademais, admite-se então uma condenação por homicídio qualificado – crime para o qual o nosso sistema jurídico-penal atribui a moldura penal mais grave –, sem cuidar de averiguar a motivação da Recorrente? Falamos de um crime doloso, e que, ademais, o Tribunal recorrido considerou ter sido executado com dolo directo – a modalidade mais grave de dolo – e, ainda assim, basta-se o Tribunal com a mera asserção de que esse dolo terá existido, sem qualquer elemento que o motive? A leitura dos factos provados e, concretamente, do conjunto dos factos 7) a 10), resulta como absolutamente esdrúxula.

64. Entende-se que o Tribunal não cuidou de analisar todos os elementos necessários à descoberta da verdade material, desvelando-se que, na óptica da decisão recorrida, a Recorrente, de forma absolutamente gratuita e imotivada, limitou-se a dar um conjunto de 85 (oitenta e cinco) pancadas de martelo e facadas à vítima, matando-a. Ora, em face desta leitura, e amparados por critérios de normalidade, ou a Recorrente se encontrava num estado anormal, em termos psiquiátricos, ou existia uma motivação que o Tribunal não cuidou de apurar – porque é o próprio que não acredita, à partida, na violência gratuita.

65. De todo o modo, num e noutro caso, nunca podia o Tribunal recorrido manter a condenação da Recorrente com base nos elementos fácticos e probatórios constantes do Acórdão em crise pois a entender a versão assente então aquela teria que padecer de alguma doença do foro psiquiátrico. E aqui incumbia ao Tribunal diligenciar por uma perícia sobre a personalidade da Recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 160.º do C.P.P..

66. A Recorrente não consentiu na realização de um tal exame (a fls. 357), numa fase inicial, tendo o então Mandatário da Recorrente justificado a posição assumida por desconhecimento do conteúdo dos autos, sendo que, após a consulta os autos, foi requerida a realização da mesma, a qual foi indeferida por despacho de fls. 472 e ss.. O referido indeferimento funda-se na ausência de indícios de que a Recorrente pudesse padecer de qualquer anomalia psíquica – veja-se, a este propósito, o excerto no corpo do presente do Acórdão do T.R.... de 27-06-2017, processo n.º 265/13.8PACTX-B.E1..

67. Havendo dúvida sobre as características psíquicas da Recorrente, impunha-se ordenar a realização da referida perícia, cujo critério subjacente é o de necessidade para a boa decisão da causa (neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, p. 455).

68. Em não havendo essa dúvida, então entramos no domínio dos dados objectivos. E que dado nos confere o elemento “motivação”? Nenhum. A decisão confessa não se ter apurado qualquer justificação, qualquer móbil, para o crime praticado. Ora, se assim é, ou o Tribunal teria diligenciado por apurar o estado psiquiátrico da Recorrente ou – sob pena de cairmos no âmbito do incompreensível –, se entende que não há essa necessidade, porque haverá um móbil que, uma vez mais, também não foi devidamente explorado pelo Tribunal.

69. Salvo o devido respeito, dir-se-ia que as regras de experiência comum ditam exactamente o oposto daquele que é o sentido da decisão parecendo mais conforme às regras da experiência comum e ao homem médio que a sua actuação tenha sido em reacção a alguma atitude da vítima, do que a tese do Acórdão em crise de que a Recorrente pura e simplesmente tenha decidido atacar o seu marido com tamanha agressividade.

70. Em momento algum o Tribunal recorrido levantou essa questão, em manifesta oposição com a prova e até com os factos provados, por exemplo, 29) e 30) sendo que, ficamos a saber que para o Tribunal isto configura “aparência de normalidade relativamente à vida familiar do casal”. Esta conclusão é contrária à prova e, queremos ainda acreditar, às regras da experiência comum!

71. O Tribunal acusa as testemunhas arroladas pela Recorrente de serem tendenciosas, pelas “relações de proximidade”, sendo que os vizinhos GG e UU “não se aperceberam de qualquer facto que indicasse a existência de um conflito”. O facto de não se aperceberem, prova que não existia? E não seria mais normal conhecerem esses contornos pessoas próximas da Recorrente ao invés de vizinhos? Sendo certo que os sinais de normalidade indicam que não existem testemunhas presenciais de violência doméstica, aqui há indícios: a fissura anal, as nódoas negras e marcas relatadas pelas testemunhas; os insultos, etc.

72. Depois entramos naquela que, do ponto de vista da Recorrente, é um dos – se não mesmo O – principais problemas do Acórdão em crise, e que advém de um erro notório da apreciação do Tribunal recorrido, e até de uma certa contradição com a unidade do próprio Acórdão. Vejamos:

73. Perscrutando os factos provados, é exposta a versão dos acontecimentos, sem nunca resultar desse elenco qualquer elemento objectivo que aponte para a vontade ou representação da Recorrente no sentido de matar DD, e, após a leitura dos primeiros 24 factos, surge, ali desgarrado, o facto 25, absolutamente infundamentado pelos restantes. Há como que uma cisão entre aquele que vinha sendo o raciocínio do Tribunal no sentido da lesão corporal de DD por parte da Recorrente, e o momento em que se insere o facto 25. Entende-se que este salto ilógico não pode passar despercebido, assim desvirtuando a lógica de subsunção dos factos ao direito, na medida em que não existem factos objectivos que permitam extrair o dolo de homicídio. Há como que uma cisão entre aquele que vinha sendo raciocínio do Tribunal no sentido da lesão corporal de DD por parte da Recorrente, e o momento em que se insere o facto 25.

74. Uma condenação como a que ora analisamos – e pelo tipo de crime mais gravoso no nosso sistema judicial – não pode bastar-se com a invocação de um tipo subjectivo sem qualquer elemento objectivo que para ele apontasse. Aliando esta questão à absoluta ausência de uma motivação por parte da Recorrente – como refere o Tribunal – a questão fica ainda mais intrincada e de difícil compreensão.

75. Entende a Recorrente que não existem factos objectivos que permitam extrair o dolo de homicídio, posto que, até ao momento do facto 25 (o qual é, de si mesmo, uma construção jurídica tendente ao preenchimento do elemento subjectivo do tipo), não há um único facto de onde se possa extrair o elemento volitivo da actuação da Recorrente, e não foi sequer apurada a causa da actuação da arguida.

76. Todos estes elementos compilados, levantam a necessária conclusão de que, em termos lógicos, a conclusão retirada pelo Tribunal, quer para inserção do facto provado 25, quer para motivação da própria decisão, não faz sentido, e não surge fundada na prova produzida nestes autos e destacada no texto que vimos assinalando.

77. Pelo simples facto de a vítima ter morrido, não quer dizer que a Recorrente tenha tido intenção de a matar. Aliás, muito menos quer dizer que se demonstrou de onde nasce a intenção de praticar tais actos, o que motivou os mesmos. Tanto é que o sustentáculo do facto provado 25 retira sabe-se lá de onde, tendo a Recorrente actuado nesse sentido sabe-se lá porquê! Veja-se que, para haver privilegiamento do homicídio por emoção violenta é necessário que o agente se encontre dominado por emoção violenta, que tal emoção seja compreensível, mas também que seja tal emoção a causadora do acto criminoso (o nexo causal entre a emoção e o crime é bem expressa pela expressão “é levado a matar”).

78. Era imperioso apurar-se a causa, quando a mesma foi ademais reiteradamente apresentada pela Recorrente, quanto mais não seja para permitir a correcta subsunção dos factos ao direito.

79. Tendo em mente tudo quanto se articulou supra, entende a Recorrente que foi exactamente nesta ponte de motivação/suporte dos factos provados e não provados, e, concretamente os factos provados 9.), 12.) a 14.) e 25), e factos não provados L., M., N., O., P. e Q., tendo por base a prova coligida nos autos, que falhou a análise crítica do Tribunal, por tudo quanto se foi analisando acima.

80. Entende-se, assim, que o Tribunal incorreu num erro de julgamento, pois não tinha elementos de onde retirar a convicção segura da participação e móbil da Recorrente, não podendo, na dúvida inultrapassável, condená-la pela prática do crime de homicídio qualificado, incorrendo assim no vício de erro notório da apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.º, n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal, devendo o Acórdão recorrido ser declarado nulo e substituído por outro que ABSOLVA a Recorrente da prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2 alínea b) do Código Penal.

81. A Recorrente sempre relatou: episódios de violência, física, psicológica e sexual, por parte do Sr. DD em relação a ela e aos seus filhos; a combinação do encontro com a sua amiga, HH, para, na noite dos eventos, os filhos de ambas irem jogar …… ao Parque; o colocar os filhos no carro; o ir à casa-de-banho, estender a roupa, o Sr. DD vir em direcção a ela, dizer-lhe para ir ao Parque porque vinha de lá “mais viçosa”, o facto de se ter sentido ameaçada, a joelhada desferida, o envolvimento entre ambos com o martelo e a faca; o seu estado de extrema ansiedade e temor referente ao Sr. DD; a sucessão de eventos como muito confusa, referindo que não consegue explicar o que aconteceu, que não se revê no que fez, que terá entrado num estado que não se consegue relatar, com o qual não se consegue relacionar; que após tudo isto “despertou”, dando a tal ideia de um estado de “transe” em que se encontrava.

82. No momento do despertar, descreve que ficou desesperada, que pediu por socorro, que só queria reanimar a vítima e ajudar, que nunca foi sua intenção matar ninguém, que não consegue descrever.

83. A descrição dos factos é sempre a mesma. Sempre envolvida, é certo, num grande estado de desespero e confusão, mas isso, dizemos nós, parece-nos algo evidente em face dos eventos traumáticos por que a Recorrente passou.

84. As decisões anteriores julgam improvável e incoerente que a vítima tenha agredido a Recorrente de um “modo absolutamente gratuito”, mas não se julga já improvável o contrário.

85. Face tudo o que acima se expôs, a propósito do enquadramento do sucedido, ante a disfuncionalidade do casal e os episódios de violência, há que rever a subsunção jurídica da factualidade em causa, nos seguintes termos:

86. Entende a Recorrente que o Tribunal errou na subsunção dos factos ao elemento tipo do crime homicídio, limitando-se a descartar que a Recorrente agisse dominada por emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral que diminuam sensivelmente a sua culpa. 

87. A propósito do tipo homicídio, do qual o tipo qualificado bebe os requisitos, destacámos no corpo do presente um pequeno trecho doutrinário de Jorge de Figueiredo Dias que nos traz duas considerações que temos por essenciais e que, salvo o devido respeito, se entende que foram descuradas também pelo T.R….: a análise da motivação e consequente incongruência entre os tipos objectivo e subjectivo; a distinção entre o homicídio doloso e a ofensa à integridade física grave agravada pelo resultado morte.

88. O T.R….. deixa de fora da análise, num tratamento absolutamente parcial, determinados elementos que urgia apreciar neste concreto ponto Os dados objectivos e fácticos decorrem dos factos provados 20 a 22, que saltam para o facto infundado n.º 25, mas sobretudo ante o facto 20), não se compreende como pode o Tribunal construir uma subsunção jurídica tendente ao homicídio, quando ali se diz, de forma expressa, que, pese embora se apercebendo que a vítima se encontrava viva, a respirar e acordada, a Recorrente virou costas, e, após, tenha ido gritar por socorro [facto 21)]. Se a Recorrente queria efectivamente matar a vítima, então porque abandonou o local com ela ainda viva? Porque chamou por socorro, adivinhando a possibilidade de alguém poder chegar em tempo útil de evitar o resultado morte? Porque é que, apercebendo-se que a vítima ainda respirava, e que se encontrava no chão, sem reacção defensiva (nesse concreto momento), não desferiu uma facada num local vital?

89. Veja-se que se escreve “não obstante o auxílio prestado pelos vizinhos”. Quem chamou os vizinhos? A Recorrente, tendo gritado socorro, quando a vítima estava viva! Qual foi a percepção das testemunhas? Conforme resulta da prova constante nos autos, especificamente a comunicação da notícia do crime a fls. 2 onde se pode ler “a vítima ainda viva” e auto de diligência a fls. 49 de onde resulta que esta última testemunha relata que “Esteve 20 minutos com a vítima nos braços, a respirar,”

90. Ademais, na transcrição do texto da primeira instância, o T.R….. faz constar, na página 105, que DD, “em voz alta, pedia que o acudissem…” Compulsado o texto da primeira instância, esse excerto não termina em reticências, mais se escrevendo “que o acudissem, tendo ainda proferido, por várias vezes, as frases “Ó AA, olha a faca, AA” e “Olha a faca AA, olha a faca”. E se confrontarmos adicionalmente estes trechos com a prova, concretamente na página 41 do Acórdão de primeira instância, lemos o seguinte: “Igualmente o vizinho XX – que, ouvindo gritos de socorro por parte da vítima e as expressões “olha a faca, DD, olha a faca AA”. Salvo o devido respeito, é aqui que peca, em muito, a construção do Tribunal: na lógica da execução.

91. Mais uma vez – e sem pôr em causa o devido respeito que nos merece o Tribunal a quo – nas páginas 106 e 107 transcrevem-se excertos das páginas 63 a 65 do Acórdão de primeira instância, para referir que “É óbvio que se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131º e 132º .ºs 1 e 2, al. b), ambos do aludido compêndio substantivo.” A Recorrente era já conhecedora do sentido da decisão proferida em primeira instância. Mais uma vez, responder com a argumentação tecida no primeiro grau de jurisdição e concluir apenas que é óbvio que se decidiu bem, não satisfaz a pretensão de recurso. Muito menos se compreende o juízo de valor efectuado ao escrever “Nada justifica a actuação brutal desumana e criminosa da arguida. Outra conclusão não se poderá tirar a de que a arguida cometeu o crime de homicídio, nos termos referidos no douto acórdão em causa”. A Recorrente não a queria justificar. Queria, sim, explicar, e discutir o enquadramento jurídico-penal dado a essa actuação, no sentido de ser subsumido ao crime tipificado de homicídio, ou não, e não adjectivar a sua conduta. Os adjectivos não preenchem a tipologia criminal. Essa adjectivação não colmata a ausência de um elemento fundamental, dado que inexiste uma vontade de matar e, em consequência, inexiste o dolo de homicídio. Este é o ponto essencial. Não pode haver condenação pelo crime de homicídio, quando um dos seus elementos do tipo não se encontra preenchido.

92. E são vários os elementos probatórios, fácticos e jurídicos que se aglomeram para esta conclusão, desde logo, a comunicação de notícia do crime, a fls. 1-A e ss. dos autos, na qual se lê: “Chegados ao local depararam-se com a vítima ainda viva nas traseiras da habitação, apresentando o corpo e cabeça com sinais de ter sido agredida com um martelo, bem como, tinha espetada uma faca na coxa da perna direita. No local compareceu uma equipa do INEM, tendo prestado assistência médica à vítima, não tendo, contudo, aquela resistido aos ferimentos, acabando por falecer.”.

93. Também nas declarações da Recorrente, resulta evidente que nunca a própria assume a vontade de matar DD, antes discorrendo que essa vontade não existia, nem, na verdade, foi perspectivada pela Recorrente, tanto mais que esta refere, por várias vezes, “eu só queria que ele parasse”. Existem determinados pontos do corpo humano, conhecidos do comum cidadão que, alvo de lesões, fazem com que exista uma maior probabilidade de criar risco de vida (como lesões no crânio e coluna vertebral, traumatismos crânio-encefálicos, no pescoço, afectando a artéria carótida ou a veia jugular - atento o grande volume hemorrágico -, no tórax, parte esquerda, com perfuração da aorta ou dos pulmões (com entrada de ar). Transcorrendo os factos provados 10), 11), 15) e 18), temos que a grande maioria das lesões se concentra no tronco, de forma superficial ou de menor teor hemorrágico. Obviamente, não desconstruindo o número, salta à evidência uma tamanha gravidade que, uma vez desconstruído, se compreende não ser aquela que inicialmente se diria, ainda mais se atentarmos ao próprio relatório de autópsia, a fls. 973 v.: “pelo menos durante algum tempo, [a vítima] reagia ao ataque infligido”, ou seja, encontrava-se, viva, activa e reactiva. Após as primeiras sete pancadas de martelo na cabeça, descreve a matéria provada que a vítima ficou “atordoada”; nesse momento, de especial vulnerabilidade da vítima, e usando da sua superioridade, não fazia sentido que, tendo o dolo directo do crime de homicídio, a Recorrente desferisse uma facada ou pancada num sítio vital? Faria sentido desferir inúmeras facadas e pancadas de forma superficial se o objectivo fosse matar de forma imediata? Mas mais: qual foi o móbil da Recorrente?

94. Na lógica do Tribunal – ancorada nos factos 8 a 10 -, a Recorrente, sem aparente razão, limitou-se a colocar os filhos no carro e desferir inúmeras pancadas e facadas na vítima. Sendo que, aquando do preenchimento do elemento subjectivo, o Tribunal se limita a construir o dolo por via dos elementos fácticos, ou seja, refere que é óbvio que a Recorrente actuou com dolo porque desferiu 7 pancadas de martelo na cabeça da vítima e 79 facadas. Fá-lo enquanto elementos consequentes, não cuidando de respeitar a autonomia e preenchimento do elemento subjectivo de per se. Acresce que, perante todo o conjunto de elementos fácticos constantes dos autos, o Tribunal, ainda assim, descurou a “consideração global dos elementos típicos objetivos e subjetivos” a que alude Figueiredo Dias.

95. Considerando essa imagem global, entende-se que o caminho “escolhido” pelo Tribunal deveria ter sido o da ofensa à integridade física grave, agravada pelo resultado morte, nos termos e para os efeitos conjugados dos artigos 144.º alínea d) e 147.º, n.º 1 do Código Penal – ponto concreto sobre o qual o T.R….. omite pronúncia, nos termos acima escalpelizados – neste sentido, e a propósito da agravação contida no art. 147º C.P. veja-se a posição de Paula Ribeiro Faria transcrita no recurso.

96. Ora, obviamente que se dirá – na linha do Tribunal – que o elevado número de facadas desatende à negligência requerida para efeitos da subsunção do comportamento da Recorrente a este tipo de ilícito, e não já ao crime de homicídio. Todavia, e uma vez mais apelando a uma visão de conjunto, também não se poderá desatender à proximidade temporal das pancadas e facadas, e, bem assim, às lesões em si, isto é, não só a sua grande maioria é superficial como é feita em locais não vitais; de igual forma, não se poderá desatender ao facto de a Recorrente se ter apercebido que a vítima não estava morta e, ainda assim, ter abandonado as suas acções e gritado por socorro. Todos estes elementos se convocam para o afastamento do ilícito típico homicídio; apelando, antes, para o tipo que ora analisamos.

97. Esta posição soçobra no Acórdão do T.R….. que, conduzido pelo que apelida de comportamento brutal desumano e criminoso, não admite a subsunção a qualquer outro crime, antes discorrendo sobre a existência de um dolo de homicídio, pura e simplesmente, tendo por base os elementos objectivos; não há um único indício subjectivo de que a Recorrente tivesse agido enformada por um dolo de homicídio. Antes pelo contrário, entende-se que das declarações da Recorrente – única forma de obter contacto mais directo com o elemento subjectivo –, e dos elementos objectivos (concretamente dos factos provados supra citados), resulta sim que existe um dolo de ofensa à integridade física. 

98. Desta forma, resulta à evidência que V. Exas. não poderão secundar a condenação da Recorrente pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p., conjugadamente, pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2 al. b), ambos do C.P., por impossibilidade legal, devendo do mesmo ser absolvida, devendo a sua condenação ser substituída pela prática do crime de ofensas à integridade física graves agravadas pelo resultado morte (art. 144.º alínea d) e 147.º, n.º 1 do C.P.).

99. Caso assim não se entenda, mantendo V. Exas. o panorama do tipo de ilícito homicídio, o que se concebe sem conceder, sempre se dirá que a verdade é que, ainda assim se entende que andou mal o Tribunal a quo ao não valorar correctamente, para efeitos de subsunção dos factos ao crime de homicídio qualificado, os factos dados como provados.

100. No que concerne à possível verificação dos elementos típicos – objectivo e subjectivo – do crime de homicídio privilegiado, o T.R….. limita-se a afastá-los por reporte às considerações que são feitas quanto ao homicídio qualificado, referindo, neste conspecto, o seguinte (transposto da decisão de primeira instância): “Ante o discreteado, ocioso se torna afirmar que, ao contrário do propugnado pela defesa em sede de alegações, não existem quaisquer elementos que, ante a matéria de facto dada como provada, permitam concluir que a arguida tenha agido movida por compreensível emoção violenta, desespero ou motivo de relevante valor moral e com a sua conduta haja preenchido o crime de homicídio privilegiado, previsto e punido pelo artigo 133.º do Código Penal.”. Salvo o devido respeito, não pode a Recorrente concordar com tal recusa liminar, pois que, ao contrário do ali referenciado, entende que existem, sim, inúmeros dados fácticos e probatórios que impunham decisão diferente.

101. O T.R….. transcreve, na pág. 99, um excerto das páginas 53 e 54 do Acórdão de primeira instância, segundo o qual “Do mesmo modo, o Tribunal não ficou razoavelmente convencido de que a arguida tivesse atuado com o móbil de causar sofrimento ao então marido. (..)”

102. Cumpre completar aquele excerto, para melhor apreensão do que se dirá: “Na ausência de um plano homicida por parte da agente e da identificação de um motivo claro para a sua atuação, o elevadíssimo número de facadas desferidas é suscetível de ter tido a sua génese num estado de alteração emocional profunda da arguida, antes que num tal propósito.”.

103. É o próprio Tribunal de primeira instância que abre a porta para a possibilidade da génese da actuação, atento o número de facadas, ter assim origem numa “alteração emocional profunda da arguida”. Curiosamente, não se encontra qualquer referência a esta consideração no Acórdão do T.R…., constando do mesmo (pág. 104 e 105) que “atenta a matéria de facto dada como provada, nos termos retro enunciados, não ficou provado que a vítima tivesse qualquer comportamento violento para com a arguida. Portanto, teremos de considerar que a arguida não agiu “…dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa…”. O que é certo, é que, dos factos dados como provados, resultam elementos que podem precisamente demonstrar esse estado de emoção violenta, como salienta o Tribunal de primeira instância, como, por exemplo, o número de facadas! Foi a primeira instância a abrir o caminho para aquilo que, entendemos, é, neste conspecto, bastante acertado.

104. Só assim se justifica a dinâmica do “ataque”, a aparente ausência de motivação (que se assume não ter sido apurada), e o elevado número de facadas desferidas. Não se compreende, todavia, como é que o Tribunal não atendeu a este segmento da decisão de primeira instância (apesar de este não retirar as devidas consequências da expressão que o mesmo convoca) e não discute este circunstancialismo, dando por certo que o mesmo não se verificou. O Tribunal de primeira instância diz que se verificou!

105. Estaríamos, in casu, perante uma situação de actuação sob uma “compreensível emoção violenta” para efeitos do art. 133.º do C.P. – veja-se neste sentido o Acórdão do S.T.J. de 20-06-2012, proc. n.º 416/10.4JACBR.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt e ainda a posição de  Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão em DIAS, Jorge de Figueiredo, BRANDÃO, Nuno, in DIAS, Jorge de Figueiredo (et alii.), Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 81 e 83.

106. O homicídio privilegiado surge como uma forma atenuada do crime de homicídio simples, pois que deriva de uma diminuição sensível da culpa, de uma menor exigibilidade de um comportamento fiel ao direito, atentas as circunstâncias estabelecidas no artigo 133.º C.P..

107. Concretamente quanto à compreensão emoção violenta, escrevem os Autores acima referenciados que «’Compreensível emoção violenta’ (…) é um forte estado de afeto emocional provocado por uma situação pela qual o agente não pode ser censurado e à qual também o homem normalmente ‘fiel ao direito’ não deixaria de ser sensível. Não se trata aqui de qualquer valoração social ou (muito menos) moral do estado de afeto, mas apenas da sua verificação nos termos preditos.» (DIAS, Jorge de Figueiredo, BRANDÃO, Nuno, in DIAS, Jorge de Figueiredo (et alii.), Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, p. 85).

108. Percorrendo os elementos probatórios e fácticos dos autos, dispomos de elementos suficientes para formar a personalidade da Recorrente e do seu contexto pessoal e social. Dos factos provados 27) a 48) retira-se, de forma evidente, o perfil da Recorrente, no sentido de ser aquilo que podemos designar uma mulher “média”, absolutamente enquadrada pessoal, social e profissionalmente. Uma pessoa “tranquila, apaziguadora, íntegra”, e que revela inúmeras preocupações com os seus filhos, dando muita relevância ao seu papel de mãe, sendo vista como “boa mãe”. Tudo isto conflui para a imagem de um agente fiel ao direito, cumpridor. Tanto mais que a Recorrente não tem quaisquer antecedentes criminais, e, ademais, tem consciência dos seus actos e das consequências jurídico-penais dos mesmos.

109. Todo esse percurso vê-se, depois, desviado, coarctado, por este acto violento, de onde decorre o sentido de convocar o conceito de “compreensível emoção violenta”, dado que, tendo para nós que a Recorrente se enquadra no nominativo de agente fiel ao direito, o desvio do seu percurso terá que ter ocorrido por uma forte emoção que a fez “esquecer”, “diluir” a sua personalidade cumpridora. Restando, para nós, averiguar se também outros agentes fiéis ao direito seriam sensíveis a essa mesma emoção. A doutrina tem até convocado este tipo de situações (em que existem maus tratos ou abusos) como os exemplos paradigmáticos de preenchimento do sobredito conceito – donde mais uma vez fazemos referência a um excerto transcrito no corpo do presente dos Autores Figueiredo Dias e Nuno Brandão.

110. Assim, na avaliação de conjunto da situação que se impõe fazer, entende-se que andou mal o Tribunal em descurar a subsunção da actuação da Recorrente ao homicídio privilegiado, posto que se encontram elementos suficientes para determinar a verificação dos elementos típicos do referido ilícito.

111. Razão pela qual se entende que deverá a Recorrente ser absolvida da prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2 alínea b), ambos do Código Penal, devendo, antes, e a final, ser condenada pela prática de homicídio privilegiado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 133.º do Código Penal.

112. Caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, sem se conceder, sempre se dirá ainda que não procedendo qualquer dos vícios ou posições acima assumidas, não se pode qualificar o tipo de ilícito homicídio. Essa desqualificação, quanto a nós, sempre ocorrerá, concorrendo quanto a ela dois elementos essenciais: em primeiro lugar, a não verificação do elemento-padrão constante da alínea b) do n.º 2 do art. 132.º do C.P.; em segundo lugar, o não preenchimento da cláusula geral contida no n.º 1 do referido artigo.

113. Com o devido respeito do que se faz constar na decisão recorrida, não resulta à saciedade qualquer elemento que permita concluir que a Recorrente representou e quis tirar a vida ao seu marido, antes pelo contrário. Se assim fosse, não constaria da matéria provada que, pese embora se tenha apercebido que a vítima continuava viva, a Recorrente nada tenha feito.

114. O art. 132.º do C.P. congrega um dúplice critério, por via dos seus n.ºs 1 e 2 – o princípio da culpa agravada/especial e a técnica dos exemplos-padrão. A este propósito referem Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão o seguinte: «(…) a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos relativamente indeterminados: a “especial censurabilidade ou perversidade” do agente referida no n.º 1; verificação indiciada por circunstâncias ou elementos, uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplificativamente elencados no nº 2. Elementos estes assim, por um lado, cuja verificação não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; e cuja não verificação, por outro lado, não impede que se verifiquem outros elementos substancial e teleologicamente análogos (…) aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador. Técnica legislativa que, com SILVA DIAS, Crimes Contra a Vida e a Integridade Física 2007 § 4 2, pode sintetizar-se na fórmula ‘não só, nem sempre’. Deste modo devendo afirmar-se que o tipo de culpa supõe a realização dos elementos constitutivos do tipo orientador (…) que resulta de uma imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa tido em conta no art. 132º-2 (…). É exato, como de resto resulta do que se dirá infra § 12 ss., que muitos dos elementos constantes das diversas alíneas do art. 132º-2, em si mesmos tomados, não contendem diretamente com uma atitude mais desvaliosa do agente, mas sim com um mais acentuado desvalor da ação e da conduta, com a forma de cometimento do crime. Ainda nestes casos, porém, não é esse maior desvalor da conduta o determinante da agravação, antes ele é mediado sempre por um mais acentuado desvalor da atitude: a especial censurabilidade ou perversidade do agente, é dizer, o especial tipo de culpa de homicídio agravado. Só assim se podendo compreender e aceitar que haja hipóteses em que aqueles elementos estão presentes e, todavia, a qualificação vem em definitivo a ser negada. Tido isto tudo na conta devida, não haverá objeções de princípio a que se defenda que – em consonância com a ‘imagem global do facto’ – a agravação da culpa é em todos os casos suportada por uma correspondente agravação (gradual-quantitativa) do conteúdo do ilícito. (…)» 

115. A propósito do tipo de culpa, escrevem os Autores: «Parece ser outro, todavia, o pensamento da lei e, na verdade, o de pretender imputar à “especial censurabilidade” aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refração, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à ‘especial perversidade’ aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta diretamente na documentação no facto de qualidade da personalidade do agente especialmente desvaliosas. (…) Convém enfatizar ainda que a existência do tipo de culpa em que assenta a qualificação do homicídio deve supor uma avaliação conjunta dos factos integrantes do exemplo-padrão e das características relevantes do agente, só dessa avaliação conjunta – dessa ‘imagem global do facto’ – podendo resultar fundamentada a conclusão sobre a verificação ou não da especial censurabilidade ou perversidade do homicídio cometido.»

116. Concretamente quanto à alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, escrevem ainda os Autores o seguinte: «O efeito qualificador conferido à circunstância de a vítima ser cônjuge do agente ou de com ele manter relação análoga à dos cônjuges, independentemente da natureza heterossexual ou homossexual da relação, decorre de uma exigência intensificada de respeito pela vida do outro com quem se resolveu constituir família ou formar uma comunhão de vida. A morte dolosa do cônjuge ou do companheiro comporta, em regra, uma quebra radical da solidariedade que é em princípio devida pelo agente à vítima. O que normalmente será suscetível de indiciar uma especial perversidade, fundada num pesado desvalor de atitude revelado por esta perversão da relação dialógica do ‘ser-com-o-outro’ e do ‘ser-para-o-outro’. Trata-se, não obstante e como sempre, de um indício que carece de confirmação pela imagem global do facto, sendo as relações conjugais um campo privilegiado para a derrogação da força qualificadora do exemplo-padrão. Seja porque a morte é dada por razões de solidariedade e de compaixão, como sucede de modo paradigmático no caso daquele que tira a vida ao cônjuge para o libertar de sofrimento e dores atrozes e irreversíveis; seja porque a própria vítima tudo fez para desmerecer a solidariedade do agente, sujeitando-o com regularidade a maus tratos e humilhações, aparecendo o homicídio, na perspetiva do cônjuge maltratado, como um meio, porventura único, de se libertar da opressão a que se encontra sujeito.».

117. Pese embora em termos objectivos e formais se preencha a alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do C.P., referindo, como refere o Tribunal a quo que é “incontestável que a arguida praticou os factos contra aquele que era, à data, seu cônjuge”, não menos incontroverso é o facto de não estarmos perante uma relação matrimonial em que imperasse o respeito e a solidariedade, bem pelo contrário. O cenário descrito pela Recorrente determina-nos a uma ideia completamente distinta, isolando-se no nosso pensamento a ideia de que a Recorrente não matou o seu cônjuge, mas sim DD, ideia que nos é trazida em vários níveis diferentes na descrição fáctica carreada para os autos pela Recorrente e bem assim pelo depoimento de várias testemunhas (o filho QQ, a mãe CC, PP, OO, NN, MM, HH, II, LL) que nos dão uma imagem daquilo que era a visão do casamento por parte da Recorrente. Independentemente da credibilidade dada àquelas testemunhas, a verdade é que os mesmos não deixam de permitir ao Tribunal a quo formar a imagem global do facto a que alude a doutrina e jurisprudência a propósito da densificação e preenchimento das várias alíneas do n.º 2 do artigo 132.º C.P.

118. De facto, e como bem referem Figueiredo Dias e Nuno Brandão, o facto de a alínea prever as situações de conjugicídio, não quer dizer que todas as situações, em que um cônjuge mate o outro, caiam, automaticamente, na alínea. E isso é exactamente aquilo que faz o Tribunal a quo, ao classificar de incontestável que aquele era seu cônjuge, bloqueando, sem fundamento, qualquer explanação acerca do “preenchimento” da situação típica descrita na alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do C.P., limitando-se o Tribunal a quo a afirmar a sua aplicação, por silogismo lógico ante o casamento.

119. Aí reside o erro, ficando o Tribunal aquém daquilo que a realidade probatória permitia, através do relato da Recorrente e dos elementos concretos e objectivos que impunham que o Tribunal fosse mais longe, pelo menos questionando-se sobre a real e concreta situação da Recorrente.

120. Repare-se, mesmo que nos atenhamos só à matéria dada como provada, não podemos descurar que nos factos 29), 30) e 31) constam episódios de violência física e psicológica da vítima em relação à Recorrente e ao seu filho mais velho, com apenas 14 anos de idade! Factos esses que, salvo o devido respeito, parecem ter passado ao Tribunal a quo como normais, não retirando uma única consequência.

121. E mesmo admitindo a verificação da alínea b) do n.º 2 do art. 132.º do C.P. (o que não se concede, apenas se concebendo por efeitos de exposição), incumbia ainda ao Tribunal recorrido a tarefa de perscrutar os elementos constituintes do especial tipo de culpa do n.º 1.

122. Com base na argumentação que temos vindo a desenvolver, entende-se que houve um facto provocador – a agressão à vítima, num contexto de agressões continuadas no tempo - que, por si só, retiraria a especial censurabilidade ou perversidade à conduta da Recorrente. Face à conduta da vítima (quer no dia em questão, quer as reiteradas no tempo, que nos dão um contexto daquela que serviu como trigger naquele dia, apenas querendo a Recorrente que ele parasse), se permite afastar a agravação.

123. Não haveria desproporção entre o bem jurídico atacado e salvaguardado, uma vez que não nos parece ilegítimo que a Recorrente tenha temido, também ela, pela sua vida, quando uma e outra vez sofreu agressões e ataques. Os elementos constantes dos autos terão sempre que concorrer para a imagem global do facto, e, no caso concreto, para o afastamento de um especial tipo de culpa por parte da Recorrente.

124. Em consequência do supra referido, entende-se que não existem nos autos elementos que permitam qualificar o tipo de ilícito homicídio, razão pela qual deverá a Recorrente ser absolvida da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2 alínea b), ambos do Código Penal, devendo, ao invés, ser condenada pela prática de um crime de homicídio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 131.º do Código Penal.

125. A propósito da medida concreta da pena, o T.R…. utiliza para corroborar a pena aplicada um Acórdão do S.T.J., de 09.07.2014, como se de situação semelhante se tratasse, quando existem diferenças nevrálgicas, como por exemplo: a utilização de um martelo que, in casu, relembramos, a Polícia Científica não conseguiu determinar um qualquer perfil determinante, não permitindo excluir quer a Recorrente quer a vítima, o que faz crer que a versão da Recorrente de que ambos agarraram o martelo, em momentos distintos, não é assim tão dissonante da realidade; e bem assim o local onde foram desferidas as pancadas – no acórdão citado as pancadas foram desferidas na cabeça escrevendo-se “A escolha da cabeça como zona privilegiada para objeto da agressão, a intensidade desta e a sucessão dos golpes revelam um dolo intensíssimo.”, quando in caso, dos factos provados 10), 11), 15) e 18), temos que a grande maioria das lesões se concentra no tronco, e a maioria é superficial ou de menor teor hemorrágico (de que são exemplo as feridas corto-perfurantes).

126. Dependendo do caminho que seja tido por juridicamente mais correcto, por parte de V. Exas., também diferente será a ponderação a título de medida concreta da pena.

127. No contexto do privilegiamento do homicídio, nada mais haverá a apontar quanto a outros possíveis elementos que concorram para uma especial atenuação da pena, posto que o tipo-ilícito é, já de si, por via da culpa, especialmente atenuado.

128. Entendemos que o Tribunal a quo descurou determinadas partes do contexto global concreto do crime, que apontariam, indubitavelmente, para um diferente tipo de ilícito penal ou, no limite, para uma especial atenuação da pena. – cfr. considerações a este respeito de Figueiredo Dias, nas motivações.

129. Na esteira do referenciado doutrinariamente e do art. 72.º do C.P., dúvidas não restam que existem, nestes autos, circunstâncias que alteram a moldura penal, baixando-a nos seus limites, máximo e mínimo. Não podem, nomeadamente, restar dúvidas de que a Recorrente agiu motivada por um contexto de violência doméstica prolongado no tempo, que inferiorizou – e muito – a sua capacidade de motivação pela norma. E ao fazê-lo, isto é, ao actuar movida por esse estado, não pode o sistema jurídico-penal ficar-lhe alheio, pesando quanto ao ilícito penal em causa.

130. Todavia, e caso assim não se entenda, enveredando este Tribunal pela via das ofensas à integridade física graves agravadas pelo resultado morte ou homicídio simples, terão que ser sopesados os elementos atenuantes que concorrem para a determinação da pena, minorando-a.

131. A actuação sob o efeito da perturbação causada pela própria vítima, levará a que o Tribunal tenha que atenuar especialmente a pena, pois que diminui, por forma acentuada, a culpa da Recorrente e, em rigor, a necessidade punitiva, dado que qualquer homem médio, colocado na mesma situação, poderia responder da mesma forma.

132. Desta forma, deverão V. Exas. aplicar uma pena especialmente atenuada, por via do disposto no artigo 72.º, n.º 1 do Código Penal.

133. Quando não se entenda nesse sentido, ainda assim, andou mal o Tribunal recorrido na determinação da medida concreta da pena, a qual fixou de forma excessiva, não cuidando de olhar para o plano específico da Recorrente que se lhes apresentava à sua frente, em violação do disposto do art. 71.º n.º 1 e 2 do C.P., atendendo apenas à vertente repressora da pena, tendo em conta o alarme social provocado pelo tipo de crime em questão e para as possíveis consequências advenientes para a sociedade, descurando a vertente da reintegração do agente na sociedade. O fundamento legitimador da pena é a prevenção na sua dupla dimensão: a prevenção geral e a prevenção especial - conforme Acórdão do T.R.C. de 10-03-2010, processo n.º 1452/09.9PCCBR.C1, disponível em www.dgsi.pt.

134. Em termos de prevenção geral, e pese embora saibamos que não vale como elemento determinante, não deixa de ser interessante o que vem descrito no relatório social da Recorrente constante dos autos, a propósito do sentimento geral da comunidade da zona de vivência do casal.

135. Obviamente que sabemos que o crime de homicídio é um crime que sempre gera um grande alarido social e comoção. Todavia, também é do conhecimento geral da população, que o homicídio acaba, a grande maioria das vezes, por ser um crime isolado, ao contrário, por exemplo, dos crimes sexuais em que se regista uma grande taxa de reincidência, por serem muitas vezes acicatados por sentimentos irrepetíveis, em contextos muito próprios.

136. Assim, pese embora seja, obviamente, de aplicar uma pena de prisão, em termos de preocupações de prevenção geral, para reposição e reforço das expectativas comunitárias face à violação da norma, a verdade é que a pena de 19 anos de prisão revela-se muito gravosa, tendo em conta as especificidades do crime em questão e o contexto do mesmo, quer, bem assim, as necessidades de prevenção especial.

137. A Recorrente tem, actualmente, 44 anos e esteve presa preventiva, até ao momento, durante cerca de 1 ano e 8 meses. A pena que lhe foi aplicada, de 19 anos, implica que a mesma saia do sistema prisional (em traços gerais, sem ponderação de liberdade condicional), aos 62 anos; mesmo admitindo a possibilidade de liberdade condicional – que, obviamente, neste caso, sempre se verificará cumpridos dois terços da pena ou metade da pena –, a Recorrente apenas sairá do sistema prisional pelos 56 anos; mas, de todo o modo, apenas será expurgada do sistema judicial com os ditos 62 anos. Nesse momento, já os filhos da Recorrente terão perfeito as idades de 32 e 29 anos, e aquela estará perto da idade da reforma, sem conseguir ser empregada em qualquer lado.

138. Todas as ideias de reintegração social da Recorrente, preparando-a para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, se vêem desfeitos pela condenação ora em crise, pois que, a mesma impede a efectividade dessa mesma reintegração. Tendo em conta as circunstâncias em que ocorreu o crime em causa e a pessoa da vítima, não se pode pensar que não haja este sido um acto isolado na vida da Recorrente, que não se voltará a repetir (ou, pelo menos, que não é previsível que se volte a repetir), sendo certo que a Recorrente nunca teve qualquer contacto com o sistema prisional ou com o sistema judicial lato sensu em 42 anos de vida (facto provado 27).

139. Ademais, a postura da Recorrente em relação aos presentes autos sempre foi de colaboração, prestando declarações, juntando elementos probatórios, confessando parcialmente os factos (facto provado 28), dando ao Tribunal elementos importantíssimos quanto à dinâmica dos factos que de outra forma não se lograriam apurar e, bem assim, ao seu contexto (ainda que o Tribunal o não haja “reconhecido” em sede de matéria provada, apenas o fazendo parcialmente – factos provados 29 a 31).

140. Por outro lado, foi demonstrado (factos 41 a 48) que a Recorrente apresenta sentido crítico sobre os factos, preocupação sobre os mesmos, o que se revelou não só no momento imediatamente subsequente à prática dos actos, como desde então e até ao momento presente. A Recorrente é descrita como uma pessoa integrada social, profissional, cultural e familiarmente. Tem respeitado e cumprido todas as orientações em meio prisional, e aí se encontra também a trabalhar, de forma bastante positiva.

141. Face a todos estes elementos, que ora convocamos, e mesmo admitindo a condenação do Tribunal recorrido pelo crime de homicídio qualificado (o que não se concede, apenas se concebendo para efeitos de exposição), entende-se que não foram respeitados os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável, mormente, a necessidade, proporcionalidade e adequação.

142. Tendo em conta o supra referenciado, e, reitere-se, no contexto de uma condenação por homicídio qualificado (com a qual não se concorda, conforme supra exposto, apenas se concebendo para efeitos de raciocínio lógico, sem conceder), entende-se que a concreta medida da pena aplicada à Recorrente se devia situar mais perto do limite mínimo da moldura da pena, e portanto, numa pena entre 12 (doze) a 13 (treze) anos de prisão, razão pela qual deverão V. Exas. modificar a concreta medida da pena aplicada à Recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 71.º do Código Penal.

Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exas. se dignem julgar o presente recurso procedente, por provado, e, em consequência:

a) Declarar a nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia quanto aos três segmentos assinalados, nos termos do artigo 410.º n.º 3 e 379.º n.º 1 alínea c), ex vi artigo 434.º do C.P.P., e declarar a inconstitucionalidade acima suscitada, determinando-se a sua substituição por um outro que efectivamente conheça todas as questões suscitadas em recurso pela Recorrente;

b) Declarar a existência do vício notório da apreciação da prova nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.º, n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal, devendo o Acórdão recorrido ser declarado nulo e substituído por outro que ABSOLVA a Arguida da prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2 alínea b) do Código Penal;

c) Absolver a Arguida da prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2 alínea b) do Código Penal, por impossibilidade legal, atendendo ao não preenchimento dos tipos objectivo e subjectivo, condenando, a final, a Arguida pela prática do crime de ofensas à integridade física graves agravadas pelo resultado morte, nos termos e para os efeitos conjugados dos artigos 144.º alínea d) e 147.º, n.º 1, ambos do Código Penal;

Caso assim não se entenda, mantendo-se a condenação pelo tipo homicídio, o que apenas se concebe para efeitos de raciocínio, sem conceder, requer-se a V. Exas. se dignem:

d) Absolver a Arguida da prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2 alínea b) do Código Penal, por impossibilidade legal, atendendo ao não preenchimento dos tipos objectivo e subjectivo, condenando, a final, a Arguida pela prática do crime de homicídio privilegiado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 133.º do Código Penal;

Caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, sem se conceder, requer-se a V. Exas. se dignem:

e) Absolver a Arguida da prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2 alínea b) do Código Penal, por impossibilidade legal, atendendo ao não preenchimento dos tipos objectivo e subjectivo, condenando, a final, a Arguida pela prática do crime de homicídio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 131.º do Código Penal;

Ademais, em caso de condenação pela prática do crime de ofensas à integridade física graves agravadas pelo resultado ou em caso de condenação pela prática do crime de homicídio simples, requer-se a V. Exas. se dignem:

f) Aplicar à Arguida uma pena especialmente atenuada, conforme supra melhor densificado, e nos termos e para os efeitos do artigo 72.º do Código Penal;

No limite, e mantendo-se a condenação pelo crime de homicídio qualificado (o que não se concede), requer-se a V. Exas. se dignem:

g) Aplicar à Arguida uma pena próxima do seu limite mínimo, conforme supra melhor explicado, e de acordo com os imperativos constantes do artigo 71.º do Código Penal.

A Recorrente pretende, ainda, nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, discutir oralmente os pontos enunciados nas conclusões que apresenta, com particular acuidade para os seguintes:

-Da nulidade por omissão de pronúncia – artigo 410.º n.º 3 e 379.º n.º 1 alínea c), ex vi artigo 434.º do C.P.P.:

- Da impugnação da matéria de facto;

- Do erro notório na apreciação da prova;

- Da subsunção dos factos ao direito;

(i) Da errada subsunção dos factos ao elemento tipo do crime homicídio, e

(ii) Da desqualificação de homicídio;

- Do vício do erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.º, n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal, discutindo os concretos pontos em que se evidencia esse mesmo vício e as consequentes implicações para o exame crítico da prova e, a final, para a decisão da causa;

- Do enquadramento jurídico-penal:

- Da errada subsunção dos factos ao elemento tipo do crime homicídio;

- Do privilegiamento do crime;

- Da desqualificação do homicídio.

- Da medida concreta da pena: da análise das várias soluções jurídicas em questão, e, concretamente, da análise dos preceitos contidos nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal, com aplicação ao presente; da análise do excesso na determinação da concreta medida da pena.”

§1.(a).(ii). - RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

1. No processo comum coletivo nº 673/18.8JALRA., do Tribunal Judicial da Comarca ….. - juízo Central Criminal … ), por acórdão depositado em 19 de agosto de 2019, a arguida AA foi condenada pela prática, como autora material, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131° e 132°, nºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão; mais se determinou no acórdão declarar, em conformidade com o disposto no art. 69°-A, do Código Penal, a indignidade sucessória da arguida, nos termos e para os efeitos previstos na al. a) do art. 2034° e no art. 2037°, ambos do Código Civil, relativamente à herança aberta por óbito de DD.

Inconformada como o assim decidido, dele recorreu para o Tribunal da Relação … a referida arguida, pretendendo a respetiva revogação e substituição por outro, absolutório no que respeita ao crime por que foi condenada

 (i) impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto,

(ii) apontando-lhe o vício de erro notório na apreciação da prova,

(iii) questionando o enquadramento jurídico-penal feito pelo tribunal coletivo e considerando errada a subsunção dos factos ao elemento tipo do crime de homicídio, por entender que os factos preenchem antes a prática do crime de ofensa à integridade física grave, agravado pelo resultado morte, e, não procedendo tais pretensões,

 (iv) pugnando pela condenação pela prática de um crime de homicídio privilegiado ou, no limite, de um crime de homicídio simples, em pena de prisão especialmente atenuada ou, improcedendo essa pretensão,

(v) que a pena aplicada seja reduzida para medida próxima do respetivo limite mínimo.

O Tribunal da Relação …., conforme acórdão datado de 24 de março de 2020, negou provimento ao recurso e confirmou, em toda a sua plenitude, o acórdão da 1ª instância decidindo

- manter incólume a decisão sobre a matéria de facto nele fixada,

- não se apresentar aquele inquinado do vício de erro notório na apreciação da prova,

- não relevar dúvida de que a recorrente cometeu o crime por cuja prática foi condenada,

- mostrarem-se preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal do crime de homicídio qualificado, e

- revelar-se a pena concreta fixada adequada e justa, mostrando-se criteriosamente aplicada.

2. Permanecendo irresignada, a arguida recorre agora para o STJ do predito acórdão, in-vocando

(a) padecer o mesmo de nulidade, por omissão de pronúncia - CPP, art. 379°, al. c) - relativamente à impugnação da matéria de facto, visto ter-se limitado a tecer um juízo de valor quanto à totalidade da matéria levada à impugnação, que disse ter sido bem valorada pelo tribunal da 1ª instância, não apreciando em concreto os pontos de facto e a prova sindicada pela recorrente, omissão que configura também inconstitucionalidade, por violação do direito ao recurso e ao duplo grau de jurisdição salvaguardados pelo art. 32°, n.° 1, da CRP, quando interpretado no sentido de que a impugnação da matéria de facto se acha conhecida de forma satisfatória e legalmente decidida pela mera constatação da regularidade da formação da convicção do tribunal a quo ante a globalidade da prova produzida e fundamentação constante do acórdão recorrido,

(b) apresentar-se inquinado do vício de erro notório na apreciação da prova, por violação do princípio in dubio pro reo, por se ter limitado a discorrer sobre o mesmo numa perspetiva formal e distanciada, não apreciando o segmento recursivo expressamente alegado pela recorrente, mas antes procedendo à ponderação global da prova,

(c) apresentar-se ferido de nulidade - CPP, art. 379°, al. c) -, por ter omitido pronúncia sobre os enquadramentos jurídico-penais invocados pela recorrente,

(d) evidenciar errada subsunção dos factos ao elemento tipo do crime de homicídio, entendendo que o crime cometido foi o de ofensa à integridade física grave, agravada pelo resultado morte, ou o crime de homicídio privilegiado, e

(e) não ter respeitado os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável (necessidade, proporcionalidade e adequação), em razão do que lhe deverá ser aplicada uma pena especialmente atenuada ou mais perto do limite mínimo da moldura penal.

3. Atentando na motivação do recurso interposto do acórdão da 1ª instância e na motivação do recurso em presença, constata-se que a recorrente suscita neste exatamente as mesmas questões que colocara ao desembargo do tribunal da relação.

Todas as questões ora (re)suscitadas pela recorrente (algumas delas agora travestidas de nulidade) foram já bastamente dilucidadas no acórdão recorrido, posto que também (porque são exatamente as mesmas) colocadas ao acórdão proferido em 1ª instância, e não se lobriga qualquer razão que conduza a alteração do ali, e bem, decidido.

Veja-se a motivação de ambos os recursos e constatar-se-á, sem margem para qualquer dúvida, que entre ambas inexiste qualquer diferença relevante.

O presente recurso é, pura e simplesmente, reedição do anterior, dirigido ao tribunal de 2ª instância.

Em suma, da análise da motivação e conclusões do recurso apreciando ressalta, muito claramente, que a recorrente não assaca qualquer vício (sendo certo que no que respeita ao vício de erro notório na apreciação da prova de que estaria, pretensamente, inquinado o acórdão do tribunal da relação, e como é jurisprudência pacífica e consolidada do STJ, não deve este conhecer do mesmo, pois que se reporta a matéria de facto já objeto de pronúncia pela 2ª instância; com efeito, o conhecimento, enquanto fundamento do recurso, dos vícios taxados no nº 2 do art. 410° do CPP, por expressa invocação do recorrente em recurso perante o STJ, de decisão da 2a instância que deles conheceu, escapa aos poderes cognitivos do STJ, por a matéria de facto se considerar como definitivamente fixada), nulidade ou violação de norma ao acórdão da relação, antes renova os que já havia apontado ao da 1a instância e cujo argumentário naufragou.

Trata-se, bem-vistas as suas conclusões e fundamentos, não de um «recurso novo», nascido no processo de recurso da 2ª instância, mas de um «recurso de continuação», através do qual se pretende continuar a discutir no STJ uma decisão da 1ª instância que passou e foi integralmente confirmada pela relação.

Ora, um recurso assim configurado, sem qualquer questão nova, é inadmissível, visto a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição ter sido plenamente observada (CRP, art. 32°, n.°1) (Vd„ o Ac. STJ de 21/5/2003 (Proc. nº 616/03,3ª secção) - http://www.stj.pt/,).

Na verdade, "I - Quando é permitido um 2º grau de recurso, a impugnação recursória tem de ser sucessiva e jamais retroactiva: a segunda impugnação tem que discordar das soluções perfilhadas no 1º grau de recurso, com argumentos próprios, novos e incidentes sobre a decisão dessa instância recursóría e nunca com a reiteração pura e simples, dos argumentos e fundamentos com que se impugnou ou divergiu do primeiro acto decisório. II - Se tal fosse permitido seria admitir o eterno retorno à origem das discordâncias, negando qualquer valor à decisão que, em 1o grau, apreciou, discutiu, aceitou ou rebateu os argumentos impugnatórios alinhados nesse recurso, confirmando ou revogando a decisão impugnada. III - Quem discorda de uma decisão de Ia instância e recorre para um tribunal de 2° instância (um Tribunal de Relação), se também discordar da decisão por esta instância proferida em recurso, tem, quando puder recorrer para o STJ, de invocar as razões específicas dessa discordância e estritamente restringidas ao âmbito do seu conhecimento (...). (…)” (Assim, o Ac. STJ de 12/12/02 (Proc. n° 3221/02, 5ª secção) - http://www.stj,pt/)

Ou seja,

“IV- Quando o STJ é confrontado com um recurso da Relação, são os fundamentos do de-cidido em 2ª instância que importa verificar e, não, os da decisão de 1ª instância já su-fragados pelo tribunal recorrido. V - Daí que quando o recorrente se limita a uma espécie de recauchutagem (...) dos fundamentos do recurso que apresentou perante a Relação, sem nada trazer de novo à discussão, verdadeiramente não apresenta motivação. VI - O recurso que em tudo reedita o pretenso inconformismo do recorrente perante o deliberado em Ia instância não pode ser conhecido - não deveria, mesmo, ter sido admitido - por carência absoluta de motivação - arts. 411º, n° 3, 414°, n° 2, e 417°, n° 3, al. a), do CPP. (…)" (Cfr., o Ac. STJ de 14/11/02 (Proc. n° 3092, 5ª secção) - http://www.stj.pt).

4. As considerações supra expendidas valem, também, para o que à questão da medida da pena respeita, já que a recorrente, na essência, o que pretende é que essa instância recursiva, de revista, altere (diminuindo-a) a pena que lhe foi imposta (em confirmação do acórdão da primeira instância) no acórdão objeto do recurso apreciando.

Ora, perante tal pretensão, dir-se-á que o recurso interposto se apresenta como peça processual inepta, o que conduz à manifesta improcedência, pois que, em boa verdade, também tem por objeto a decisão da primeira instância, quando esta já foi apreciada em recurso pela Relação (Cfr., o ac. STJ de 24.10.2002 (proc. 02P2124), disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.).

É que, se é "susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do proce-dimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, afoita de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação", e se deve entender-se "que a questão do limite ou da moldura penal estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção", já assim tanto não ocorre quanto à "determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto do pena, para o controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada, o que, no caso concreto, se mostra de todo inverificado.” (Assim, o ac. STJ de 21.11.2002 (processo 02P3185), disponível no sítio supra. No mesmo sentido, os acs. STJ de 07.11.2002 (processo 02P3596) e de 16.01.2003 (processo 02P4647), publicados no mesmo sítio.)

Nesta perspetiva, afigura-se-nos que o recurso em presença deverá ser julgado manifestamente improcedente e, como tal, deve ser rejeitado [CPP, art. 420°, n° 1, al. a)].

5. Quando assim não venha a ser entendido, crê o Ministério Público que a medida da pena encontrada (em boa verdade, confirmada) para a recorrente no acórdão objeto do recurso deverá ser mantida, já que os bens jurídicos postos em crise, o dolo direto e intenso com que atuou e as suas concretas condições de vida permitem concluir que essa pena é adequada e se enquadra nos critérios legais, não se descortinando que preceito legal algum tenha resultado por ele violado.

Na verdade, os fatores que a recorrente entende permitirem uma mais branda pena pelo cometimento do crime foram criteriosamente sopesados no acórdão ora em apreço (e no acórdão da 1ª instância).

É que a pena imposta pelo tribunal recorrido não se mostra excessiva, uma vez que foi aplicada com respeito pelo disposto nos arts. 71 ° e 72° do Código Penal; aliás, a recorrente também não refere ou especifica em concreto como foram violadas tais normas, pretendendo antes que se atenda a circunstâncias que supostamente depõem a seu favor.

Ora, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do delinquente sendo que em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa.

A medida da culpa condiciona assim a própria medida da pena, estabelecendo um limite inultrapassável desta.

Nos termos do disposto no art. 71° do Código Penal, na determinação da medida da pena deve-se atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente. Essas circunstâncias estão inequivocamente referidas no acórdão recorrido, pelo que se considera criteriosamente doseada e adequada a pena aplicada.

Não se vislumbra que o tribunal recorrido não tenha aplicado devidamente os preceitos legais a observar aquando da fixação da pena nem que a mesma se mostre fixada com violação das regras da experiência ou desproporcionadas na sua quantificação, pelo que não pode proceder a pretensão da recorrente.

A pena que foi aplicada à recorrente pelo tribunal recorrido, que não excede a culpa, satisfaz as exigências de prevenção, atenta a moldura abstrata da pena de prisão aplicável; o tribunal recorrido respeitou o limite imposto pela culpa, atendeu às circunstâncias que depunham a favor e contra a recorrente e não esqueceu, também, a função de reintegração social da pena.

Acresce que, no caso concreto, as necessidades de prevenção geral e especial são manifesta e incontornavelmente prementes.

Cremos, assim, que o acórdão objeto do recurso deve ser confirmado, visto não padecer de qualquer vício nem violar nenhum dos normativos invocados pela recorrente, antes comportando uma decisão que se nos afigura justa, equilibrada e proporcional, traduzindo a resposta que a comunidade tem por adequada aos factos cometidos, sua gravidade e consequências.

6. Por tudo o exposto, e em conclusão,

- o recurso interposto deverá ser rejeitado, porque manifestamente improcedente, ou, assim não vindo a entender-se,

- o acórdão objeto do recurso deve ser confirmado, na sua plenitude, negando-se provimento às pretensões da recorrente.”

§1.(a).(iii).PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

1. - Por acórdão proferido em 24.03.2020, pela ….ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação …., foi julgado inteiramente improcedente o recurso interposto pela arguida AA, a qual fora condenada por acórdão proferido em 16.08.2019, pelo Juízo Central Criminal de …-J…..-do Tribunal da Comarca …, pela comissão em autoria material e na forma consumada de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, n º s 1 e 2, alínea b), do Código Penal, na pena de dezanove (19) anos de prisão.

2. - Inconformada, a arguida interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo nos termos que melhor se colhem da leitura da peça.

3. - O MP na 2ª instância, respondeu, elencando as questões objecto do recurso, a saber:

Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia - CPP 379º, alínea c), (numa dupla vertente da mesma, abrangendo a impugnação da matéria de facto e também, a qualificação jurídica dos mesmos); Erro notório na apreciação da prova; determinação da medida da pena. Com os fundamentos que se retiram da leitura da peça, refutou o bem fundado de tais críticas, concluindo pela rejeição do recurso e assim não se entendendo, pela sua improcedência.

4. - A recorrente, sob a conclusão b), afirma que pretende que se «declare a existência do vício da decisão, erro notório da apreciação da prova nos termos e para os efeitos do disposto, no art.º 410º, nº 2, alínea c) do CPP [..].

No artigo 434º do CPP (Poderes de cognição), preceitua-se que: “Sem prejuízo do disposto nos n º s 2 e 3 do art.º 410º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito”.

Na sua jurisprudência, densificando esta norma, o STJ vem reafirmando nemine discrepante que não lhe compete emitir juízos de censura crítica ao julgamento da matéria de facto, realizado pelas instâncias. O acórdão da Relação, perante o qual foi impugnada a decisão da matéria de facto, proferida pela 1ª instância, confirmando ou alterando a decisão desta, decide em definitivo da matéria de facto, objecto do processo. Assim, pode afirmar-se que de acordo com a referida jurisprudência uniforme, os vícios do arº. 410º, n º s 2 e 3 do CPP, não podem constituir fundamento de recurso perante o STJ. Apenas por iniciativa deste,- ex officio - pode haver lugar ao conhecimento dos referidos erros das decisões das instâncias, tão só e apenas, «nos casos em que a sua ocorrência torne impossível a decisão da causa, assim evitando uma decisão de direito alicerçada em matéria de facto manifestamente insuficiente, visivelmente contraditória ou viciada por erro notório de apreciação» do sumário do ACSTJ de 07.05.2014, proc. n º 250/12.7JABRG.G1-3ª Secção.

Neste conspecto, intervindo o STJ em recurso, já em 2º grau, exclusivamente de revista, e não se detectando, de todo o modo, vícios da decisão, não cabe a esta jurisdição conhecer do imputado vício do erro notório na apreciação da prova- CPP 410º, n º 2, alínea c). Mostrando-se, assim, nesta parte, o recurso manifestamente infundado, entende-se que deverá ser rejeitado -ut CPP 420º, n º 1, alínea a) e n º 3.     

4.1. - No atinente à arguida «nulidade da sentença», nas suas diversas vertentes, dir-se-á o seguinte:

Primo:

A recorrente começa por sustentar que no acórdão recorrido, não se emitiu pronúncia sobre a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, aqui radicando o primeiro fundamento da invocada nulidade da sentença - CPP 379º, n º 1, alínea c).

Para aferir da justeza deste ponto do presente recurso, procedemos à análise (CITIUS) da motivação inicial dirigida à Relação. Nela, aborda-se esta questão, de págs. 31-78 (da peça) começando na seguinte epígrafe:

“III – DO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO

A) Artigo 412.º, n.º 3, alínea a) do Código de Processo Penal – Pontos de facto que a Recorrente considera incorretamente julgados,

B) Artigo 412.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal – As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida”;

Indicando como, bases de facto:

• Prova documental, constante dos autos, mais especificamente: comunicação de notícia de crime, a fls. 1-A e ss. dos autos e auto de diligência a fls. 49 e ss. dos autos; Relatório pericial de psiquiatria forense de AA, a fls. 1054 a 1056, dos autos;

• Relatório médico do Serviço de Ortopedia do Hospital …, a fls… dos autos;

• ­ Relatório Hospital …, a fls… dos autos.

• Prova por declarações - da recorrente, em várias sessões de julgamento que identifica

• Prova testemunhal, depoimentos de:

• GG¸ HH; II; JJ; LL; MM.

Analisando, agora, o acórdão recorrido, verifica-se a págs. 81 (1755 dos autos)) sob 2.4.1. Da Impugnação da Matéria de Facto, que o Tribunal da Relação ….. sinaliza como pontos de facto incorrectamente julgados, especificados pela recorrente, os elencados sob o nº 25º, dos factos provados e sob o ponto O, dos factos não provados-CPP 412º, n º 3, alínea a). Como bases de facto, que supostamente imporiam decisão diversa da matéria de facto, indicou entre outras, prova oral produzida em audiência - CPP 412º, n º 3.

No acórdão, pese embora não se ter considerado validamente impugnada a matéria de facto -cf. o seguinte trecho da decisão, a págs. 1755 /81:“No que respeita ao objecto do recurso sobre a questão de facto, a apreciação da prova, baseada nas regras da experiência comum e na livre convicção feita pelo tribunal de 1ª instância poderia ser censurada por este tribunal, pois existe documentação das declarações prestadas no decurso da audiência de discussão e julgamento.

Contudo é necessário verificar o cumprimento do disposto no art.º 412º, n º s 3 e 4, do CPP.

O nº 3 deste preceito legal - 412º, do CPP, estabelece que, quando o recorrente impugne a decisão proferida sob a matéria de facto - no caso em análise não o fez - deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e bem assim as provas que impõem decisão diversa e as que devem ser renovadas”.

Explicitando, de seguida este seu entendimento, quanto ao cumprimento do ónus que o artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPP, coloca a cargo do recorrente que visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, afirma-se no acórdão sub judicio:

“Tal poderia ser suficiente para se considerar, manifestamente, improcedente o recurso, no que concerne à impugnação da matéria de facto”, Sic, págs. 1757/83,

Daqui se parte para a análise do recurso de facto. Com efeito, quanto ao referido “Relatório pericial de psiquiatria forense de AA”, subscrito por VV, anota-se não constituir qualquer prova pericial, mas uma mera avaliação psiquiátrica feita pela referida médica, de resto e além do mais sem acesso a qualquer elemento probatório para os autos carreado. Sublinhe-se, também, que a Relação não deixou de atentar nas declarações da testemunha II, na sessão do dia … .05.2019, qualificando o seu testemunho, como manifestamente parcial, pelas razões explicitadas no acórdão. Comentam-se também, as versões trazidas pelas testemunhas de defesa, LL, OO, e PP, as quais, escreve-se, não deixaram de «referir factos que tinham anteriormente tinham sido negados pela arguida, mormente a questão de não ter contado a ninguém de que seria vítima de violência doméstica». Analisa-se também, criticamente, o «discurso adaptativo da arguida», em função da prova que ia sendo produzida em audiência, tendo apresentado, sucessivamente, versões contraditórias e antagónicas entre si, demonstrando assim uma personalidade manipuladora». De resto, a leitura das restantes considerações feitas no acórdão sub judice para o qual remetemos, infirmam, a nosso ver, que exista a pretendida omissão de pronúncia, que a verificar-se, geraria a nulidade do mesmo, artigo 379º, n º 1, alínea c), do CPP.

Secundo:

No referente, ao alegado segundo fundamento de omissão de pronúncia, referente à subsunção jurídico-penal dos factos provados, assacada ao acórdão, pela recorrente:

De págs. 1775 dos autos, (101 do acórdão), a partir do ponto 2.4.4 – Subsunção dos factos ao direito, e até págs.1783 (109 do acórdão), como resulta, aliás com meridiana clareza, da sua leitura, a Relação pronunciou-se, sobre a qualificação jurídico-penal, dos factos provados (e não, naturalmente, daqueles que a recorrente gostaria de ver assentes). Partindo da consideração que a recorrente, foi condenada pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, n º s 1 e 2, alínea b), do Código Penal, a Relação, afasta, claramente, a peregrina tese trazida pela recorrente, que pretende enquadrar (caso improcedam as nulidades invocadas), os factos provados, no tipo legal, p. e p. pelo artigo 133º do CP - homicídio privilegiado - demonstrando-se, ao demais, que como é óbvio, estamos perante um homicídio qualificado. De resto, vindo, e bem, considerado que a recorrente não agiu dominada por uma compreensiva emoção violenta, ou motivo de relevante valor social ou moral que diminuam sensivelmente a sua culpa, logo se evidencia que a subsunção a tal tipo legal, não tem qualquer apoio nos factos provados. Por outro lado, o acórdão não deixa de refutar a inexistência da causa de exclusão da ilicitude, prevista no artigo 32º do CP - legítima defesa - que mais uma vez, não tem qualquer esteio probatório, como de resto, a tentativa votada ao fracasso, de querer enquadrar, a qualquer preço, o acervo fáctico provado, num crime de ofensa à integridade física grave, agravada pelo resultado (morte), p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 144º e 147º, nº 1, ambos do Código Penal. Daí que, fundamentar o recurso com base em omissão de pronúncia, nesta sede, só pode relevar, para dizer o menos, de uma falta de leitura adequada do acórdão.

4.2. - Como resulta a contrario do artigo do artigo 400º, n º 1, alínea f), do Código do Processo Penal, o acórdão condenatório da relação que confirme (dupla conforme) a pena aplicada na 1ª instância, como é aqui o caso, fixada em medida superior a oito anos, é recorrível.

Para além do que já vem considerado nas instâncias, dir-se-á que o crime em apreço, homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, n º s 1 e 2, alínea 2 b), do Código Penal, pelo bem jurídico tutelado - a vida humana - e pelas circunstâncias que aqui o qualificam, constitui um ilícito penal de grande gravidade. Daí que a moldura penal abstracta seja de 12 a 25 anos de prisão. No acórdão em análise, o Tribunal da Relação, já se pronunciou no sentido de que atendendo aos factos provados e às elevadíssimas necessidades de prevenção, dada a personalidade revelada, na comissão do crime pela recorrente, o tipo de dolo – directo - (comum ao tipo) mas em que avulta uma intensidade e persistência mantida ao longo de toda a sua execução; o grau da ilicitude é muito elevado, desde logo no desvalor da acção (a execução do crime, tem que se considerar bárbara, a requerer uma muito firme resolução, que perdurou, sem esmorecer, ao longo de toda a execução), bem como o facto da recorrente, ao abandonar prostrada a vítima junto à piscina lhe ter deixado um dos instrumentos utilizados na prática do crime, uma faca de cozinha profundamente espetada na coxa esquerda, o que mais nos faz, lembrar cenas de certa filmografia norte-americana, realizados por cineastas tais, como Quentin Tarentino ou Jack Linch), implicam uma grave responsabilidade penal.

Neste conspecto, a intervenção deste Alto Tribunal está reservada para a detecção de qualquer violação dos princípios e normas rectores das operações de determinação da pena. Não se nos afigurando ser o caso, mostrando-se a pena necessária, proporcional e adequada, deverá, a nosso ver ser inteiramente confirmada.

Neste conspecto, somos de parecer que:

1. - O segmento do recurso, atinente ao vício da decisão previsto no artigo 410º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal - erro notório na apreciação da prova - deve ser rejeitado - ut CPP 420º, nº 1, alíneas a) b).

2. - No mais, o recurso deve ser julgado inteiramente improcedente.”

§1.(a).(iv). – RESPOSTA (AO PARECER DO MP).

O Parecer do Dgmo. Procurador Geral Adjunto carimba estes autos daquilo a que, de certa forma, nos vimos habituando, sem nos conformar. A decisão de condenação proferida é reiterada pelas diferentes instâncias sem que, na verdade, se OLHE para as decisões com o sentido crítico a que a busca pela Justiça nos devia obrigar.

Começando pelo fim, o M.P. não tem qualquer pudor em adjectivar a conduta imputada à Arguida, sem a discutir, dizendo que “a execução do crime, tem que se considerar bárbara”.

Também o M.P. começa pelo fim. Aprecia o resultado do crime - a morte da vítima - sem se deixar sequer interpelar pelo móbil que, apesar de referenciado na decisão (pelas palavras da Arguida) não colhe, para o Tribunal.

Refere, ainda, o M.P., que o crime “mais nos faz, lembrar cenas de certa filmografia norte-americana, realizados por cineastas tais, como Quentin Tarentino ou Jack Linch”. A comparação não deixa de ser interessante. Contudo, não apenas de uma ou outra cena vive um filme. É preciso contar uma história. E qualquer filme de Quentin Tarentino ou Jack Linch teria o cuidado de explorar a história anterior ao crime - a motivação para a prática do crime. Não o fazendo, o resultado seria um filme incompleto, como incompleto é o Acórdão proferido pelo TR….

Respondendo ao ponto 4. do Parecer, debruçando-se sobre o ponto III do Recurso, refere o M.P. que os vícios do artigo 410.º n.º 2 e 3 do CPP “não podem constituir fundamento de recurso perante o STJ. Apenas por iniciativa deste, - ex officio – pode haver lugar ao conhecimento dos referidos erros das decisões das instâncias, tão só e apenas, «nos casos em que a sua ocorrência torne impossível a decisão da causa, assim evitando uma decisão de direito alicerçada em matéria de facto manifestamente insuficiente, visivelmente contraditória ou viciada por erro notório de apreciação».

Como aludimos no recurso, é pacífico na jurisprudência que, mesmo nos casos em que o tribunal de recurso esteja limitado ao conhecimento de questões de Direito, se do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, resultar um do vícios elencados no artigo 410.º n.º 2 do C.P.P., não pode aquele tribunal furtar-se à apreciação de tal matéria, sem necessidade de o recorrente fazer referência ao mesmo. O que não vale por dizer que o recorrente não o pode fazer, e que apenas há lugar a essa apreciação se o Tribunal tiver essa iniciativa. O recorrente pode chamar à atenção para o vício e o Tribunal, a que tal já estava obrigado, apreciará da sua existência – nesse segmento, e noutros, consoante os pontos onde entenda verificar-se o cometimento desse vício.

Onde se devia ler a desnecessidade da arguição de tal vício, pois que o mesmo tem sempre de ser oficiosamente conhecido, o M.P. vê uma impertinência da Arguida, ao suscitar determinados vícios.

Entendemos, assim, que o vício deverá ser apreciado na medida em que é por demais evidente no texto da decisão recorrida.

No que se refere ao ponto 4.1., o Tribunal discorre acerca do que diz a Arguida e do que diz o T.R……., tendo o cuidado de sublinhar, como elemento da prova enunciada pela Arguida no Recurso, o Relatório pericial de psiquiatria forense efectuado à Arguida (página 3), para mais à frente fazer referência ao excerto do Acórdão recorrido que refere tal relatório (página 4).

Alude, ainda, à parte em que o Acórdão menciona as testemunhas II, LL, OO e PP, para concluir que “De resto, a leitura das restantes considerações feitas no acórdão sub judice para o qual remetemos, infirmam, a nosso ver, que exista a pretendida omissão de pronúncia (…)”. Porém, como fizemos constar, as “considerações feitas” no acórdão sub judice são, na esmagadora maioria, transcrições da decisão de primeira instância!

Aí referimos as dificuldades tidas na delimitação entre o texto original do T.R….. e aquilo que eram (extensíssimas) transcrições efectuadas do texto da primeira instância.

A Arguida teve, até, o cuidado de enquadrar as transcrições para facilidade do Tribunal e do MP:

• Página 86 a 87 do Acórdão: o excerto contido entre “as declarações prestadas pela testemunha JJ (…)” até “(…) grande força anímica” é transcrição das páginas 8 a 10 da resposta do M.P.;

• Página 87 a 89 do Acórdão: o excerto contido entre “O relatório de exame pericial (…)” até “(…) contrariam a sucessão de acontecimentos relatada por AA” é transcrição das páginas 42 e 43 do Acórdão de primeira instância;

• Página 89 do Acórdão: o excerto contido entre “Acresce, ainda (…)” até “(…) ao permitir corroborar a sua tese” é transcrição da página 47 do Acórdão de primeira instância;

• Página 89 do Acórdão: o excerto contido entre “No que concerne à alegada fissura anal (…)” até “(…) relações sexuais anais” é transcrição da página 45 do Acórdão de primeira instância;

• Página 89 a 90 do Acórdão: o excerto contido entre “Ademais, a aparência da normalidade (…)” até “(…) o que não sucedeu” é transcrição das páginas 48 e 49 do Acórdão de primeira instância;

• Página 90 a 91 do Acórdão: o excerto contido entre “através de uma análise psiquiátrica forense (…)” até “(…) legítima defesa)” é transcrição da página 50 do Acórdão de primeira instância;

• Página 92 a 93 do Acórdão: o excerto contido entre “alguém que desfere (…)” até “(…) as marteladas que o atingiram na cabeça” é transcrição das páginas 9 e 10 da resposta do M.P.;

• Página 93 do Acórdão: o excerto contido entre “No que se refere à convicção alcançada (…)” até “(…) as marteladas que o atingiram na cabeça” é transcrição das páginas 51 e 52 do Acórdão de primeira instância.

O vício cometido pelo T.R...... estriba-se na ausência total de análise concreta da prova na qual assentou a impugnação da matéria de facto – veja-se que em nenhum momento são analisados, por exemplo, os excertos aludidos em recurso (cfr. transcrito pelo MP na página 3) dos depoimentos das testemunhas MM ou HH. Copiar o teor da anterior decisão (a recorrida!) e da resposta do M.P. em primeira instância, num verdadeiro trabalho de “copy paste”, não satisfaz a análise a que está obrigado o Tribunal de Recurso. Se ao recorrente apenas é apresentada a decisão de primeira instância com outras introduções, sem qualquer análise adicional, de que serve recorrer?

Dos excertos que o T.R...... destaca da decisão de primeira instância, coincidem alguns depoimentos da prova referida pela Recorrente, sem, contudo, se efectuar qualquer análise crítica. Ademais, não são apreciadas as partes concretas referidas pela Recorrente na qual entende nascer a imposição de decisão em sentido diverso.

O que é evidente para a Arguida é que o T.R...... apenas emitiu um juízo de concordância quanto à totalidade da matéria levada à impugnação que diz ter sido bem valorada pelo Tribunal de primeira instância.

No que concerne à nulidade da subsunção jurídico-penal dos factos provados, que o M.P. diz

dever-se a “uma falta de leitura adequada do acórdão”, retribuiremos o comentário nos mesmos termos.

Talvez não tenha ressaltado ao M.P. que também aqui o Tribunal a quo se limita, em grande escala, a apoiar-se no texto recorrido. É de tal forma fiel a tal texto, que faz uma transcrição (extensa) do Acórdão proferido em primeira instância, esclarecendo, na página 107, que “É óbvio que se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs. 131º e 132º n.ºs. 1 e 2, al. b)(…)”. E a legítima defesa a que o M.P. se refere, na página 5, como já sublinhámos, foi discutida em primeira instância, mas não foi suscitada pela Recorrente em sede de recurso! – daí o também invocado excesso de pronúncia.

Mais uma vez, copiar o texto da primeira instância não conforma a sindicância que se pretende numa fase de recurso.

Não procede o M.P. a qualquer análise sobre a invocada omissão de pronúncia no ponto II, no que concerne à alínea b) do recurso, sobre o vício de erro notório na apreciação da prova, pelo que sobre a mesma não se repetirá a Arguida.

Por fim, no ponto 4.2., que visa, tanto quanto percebemos, responder ao ponto IV do Recurso,

ao M.P. apenas lhe apraz apreciar o dolo e o crime de homicídio qualificado, sem atender a um único argumento da Arguida, com as tais considerações hollywoodescas a que logo à cabeça nos referimos. Conclui que a pena é necessária, proporcional e adequada, pelo que deve ser confirmada, limitando-se a apreciar e aplaudir a pena aplicada, pese embora a Arguida tenha discutido (i) o (errado) enquadramento jurídico-penal, (ii) a errada subsunção dos factos ao elemento tipo do crime homicídio, (iii) o privilegiamento do crime, (iv) a desqualificação do homicídio e (v) a medida concreta da pena.

A vítima era uma pessoa. Mas a Arguida também o é. E também foi vítima, tendo suportado durante muitos anos diversos abusos, sem que ninguém a visse. Mantém-se, até hoje, invisível.

É mais fácil confirmar a decisão do que a analisar, seriamente, e modificá-la no que é imperativo modificar.

Mas enquanto assim for, não se fará Justiça.

Pelo que, na certeza de que o Recurso será cuidadosamente apreciado por esse Alto Tribunal, deverá ser aquele procedente por provado, com as consequências legais aí escalpelizadas.”

§1.(a).(v). – QUESTÕES A MERECER APRECIAÇÃO.

No despacho de admissão de recurso, foram utadas e, consequentemente, eleitas as questões que deveriam/poderiam ser objecto de discussão na audiência de julgamento, requerida pela arguida/recorrente, a saber (i) a existência/emergência de uma nulidade por omissão de pronúncia da decisão recorrida (por falta de expressa e decantada impugnação da decisão de facto; por erro notório emergente do texto da decisão recorrida; e por ter deixado de proceder a uma glosada subsunção dos factos ao direito, nomeadamente quanto ao elemento da emoção violenta que, insiste, ter motivado a acção injusta da arguida [(sic) – ponto 52 das conclusões “quer quanto à omissão de pronúncia no que concerne à impugnação da matéria de facto, quer no que respeita ao erro notório na apreciação da prova e ainda quanto à subsunção dos factos ao direito”; (ii) o enquadramento/qualificação jurídico-penal da factualidade adquirida; (iii) determinação judicial, ou individualização judicial, da pena.

Para além destas questões – que foram objecto de expressa e enunciada proclamação – o tribunal, como comina o nº 1 do artigo 402º e nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, não deixará de se pronunciar sobre a emergência de qualquer dos vícios (contidos no texto da decisão) elencados nas alíneas do predito derradeiro preceito.

(Para o efeito, e porque importará atestar a existência de qualquer dos vícios, proceder-se-á à transcrição da motivação da decisão de facto)

§2.(i). NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA, POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA (artigo 379º, nº 1, ex vi do nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal)

A lei comina a invalidade do acto jurisdicional ditado por um órgão jurisdicional, quando este deixe de conhecer, ou omita uma pronúncia, expressa e vinculada, de um tema que tenha sido suscitado por qualquer sujeito processual, ou que, para o ajuizamento cabal do direito, ou do caso que o tribunal deve enfrentar, deva tomar conhecimento de forma oficiosa. As nulidades constituem-se como defeitos de aquisição cognitiva e/ou decisória por parte da entidade competente para emitir um juízo (postulativo e determinativo) sobre uma questão de que carece o direito cuja tutela é requestada para ser cabal e ajustadamente definido e conformado. Enformam uma impossibilidade de, no plano da discursividade congruente e lógico-racional, se constituir um acto completo e inconcusso para a compreensão e fixação do direito rogado e/ou carente de tutela (jurisdicional). Os actos jurisdicionais (continentes de um sentido decisório) estão antecedidos de um feixe informativo de questões (factuais-reais), enformadores e postulativos, que determinam e compelem a assumpção de um ajuizamento compósito mas, do mesmo passo, dotados da necessária congruência e completude para o juízo (ditame com sentido executivo) que se pretende constituir e vir a valer na ordem jurídica concreta.

Abstendo-se de uma indicação especificada da questão que o tribunal deixou de conhecer/pronunciar, o recorrente acoima a decisão recorrida de estar ervada de nulidade por omissão de pronúncia, notadamente, como se enunciou supra, de omissão quanto aos pontos de facto que estima não terem obtido um julgamento ajustado à prova (documental e testemunhal produzida); erro notório resultante de se terem dado como, provado e não provado, factos (item 25 e O)) que a compreensão do homem comum não lobriga e alcance, num razoar consentâneo com as regras de experiência comum, e por ter omitido pronúncia sobre questões suscitadas no atinente à subsunção dos factos ao direito.

A “[s]entença é uma decisão que culmina a instância que pronuncia um tribunal decisor com motivo de um “juicio oral”. “Por uma sentença em sentido próprio se decide se existe ou não uma pretensão punitiva estatal; essa sentença consiste pois numa condenação, absolvição ou na ordem de uma medida de “mejoramiento y seguridade”. (Claus Roxin e Bernd Schünemann, “Derecho Procesal Penal”, 29ª edición, Ediciones Didot, 2019, Caba, Argentina, pág. 603 e 266).

O objecto da sentença é o objecto do processo “quer dizer, o facto designado no auto de abertura como acontecer histórico, que se apresenta a seguir ao resultado do “juicio oral” (Claus Roxin e Bernd Schünemann, Ibidem, 603. Quanto ao conceito e funções do objecto do processo vide págs. 239 -248).

A sentença constitui-se, ou é qualificável, como um acto processual, ou seja como sendo “uma declaração que voluntariamente desencadeia uma consequência jurídica no processo, ou seja as que conforme a vontade declarada devem continuar («seguir») impulsando o processo (como, p. ex. «instancia de persecución penal» (instância de acção penal), acusação, ordem de detenção, «ordenación del juicio penal» (despacho de recebimento de acusação), sentença, interposição de recursos jurídicos)”. (Ibidem, 258)

A lei processual-penal não define sentença, devendo, no entanto, ela ser enformada e definida com o sentido e alcance que lhe confere o artigo 152º do Código de Processo Civil. (“Diz-se «sentença» o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura da causa”). Se substituirmos «causa principal», do processo civil, por «pretensão punitiva» deduzida em acusação, pública ou particular, em processo penal teremos, mutatis mutandis, o objecto sobre que deve incidir uma pronúncia, numa sentença, no contexto jurídico-processual penal.

A lei crisma, e taxa, como nulidade da sentença a omissão de pronúncia sobre uma questão que seja colocada, para resolução/solução, ao tribunal e ele se abstenha, ou faça caso omisso, do seu conhecimento. (“É nula a sentença: quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento” – alínea c) do nº1 do artigo 379º do Código de Processo Civil)

Na teleologia de uma decisão proferida por um tribunal que julgue uma «pretensão punitiva» as questões submetidas à apreciação do tribunal são aquelas que resultam da imputação penal formulada pelo promotor do da acção de reacção penal a um facto («unidade de acção») penalmente punível, bem assim, as eventuais causas de justificação, nulidades insanáveis que sejam susceptíveis de invalidar a correcção da formação de um juízo isento e imparcial (sobre os elementos integradores da consequência jurídica a impostar), por exemplo. A eleição das questões a conhecer, dada a natureza pública que o Direito penal privilegia, é fornecida, prevalentemente, pela acusação, pela defesa e, de forma oficiosa, pelo tribunal de julgamento, pela cogência de inteireza e completude que deve assumir o juízo que deva emitir acerca da solvabilidade da pretensão que lhe foi endereçada. 

O vício que se enucleia na omissão de pronúncia atina com um desprezo do órgão rogado (tribunal) pela requesta que lhe foi formulada, ou seja, pelo deficit de integridade decisória que exibe perante os sujeitos a quem deve cabal intenção cognoscente do conjunto processual que se desenrolou perante si para apreciação.

A sentença deve reverberar, assim, uma completude e congruência que a revele capaz de satisfazer os objectivos que com ela se pretendiam obter e alcançar, no plano do ordenamento judiciário.      

A congruência – princípio adoptado de forma expressa no ordenamento jurídico processual espanhol (cfr. artigo 218.º da Lei de Enjuiciamento Civil) – enquanto princípio referente ao desenvolvimento do processo, expressa os limites do juízo jurisdicional, isto é, o âmbito que se deve alcançar e que a sentença não deve ultrapassar, fundamentalmente no aspecto do pronunciamento do veredicto, mas também no intelectual e lógico (fundamentos da decisão). O mencionado principio, que no ordenamento jurídico processual indígena colhe assento nos artigos 264.º e 661.º do Código Processo Civil, desdobra-se em três vertentes ou assume-se como polarizador de três proposições paradigmáticas, a saber: adequação da sentença às pretensões das partes, de maneira que aquela dê arrimada resposta a todas estas; correlação entre as petições de tutela e os pronunciamentos da decisão; harmonia entre o solicitado e o decidido. (ver quanto à corrente do «narrativismo» e, no contesto dela a «teoria da coerência», Michelle Taruffo, “Hacia una Decision Justa”, Editorial CEJI, ZELA, Lim, Peru, Julho de 2020, págs. 524 a 528)

A congruência de uma sentença atina com uma qualidade que se refere, não à relação entre si das distintas partes e elementos da sentença, mas sim à relação da sentença com a pretensão dos sujeitos involucrados. Uma sentença é congruente na medida em que decide na coerência interna do processo e é incongruente, ainda que revelando coerência na sua argumentação lógico-racional, se se afasta da estrutura performativa que resulta ou decorre da composição de interesses postos em tela de juízo na causa.

Podem ocorrer incongruências quando na sentença deixam de se fazer declarações que as pretensões exigem ou omitem declarações ou decisões sobre pontos controversos e objecto de litígio entre os sujeitos processuais. As doutrinas, alemã e austríaca, falam, neste caso, no chamado “instituto do procedimento da integração”. Neste caso, se ocorre omissão de pronúncia não existe violação do princípio da congruência, ou seja, que a sentença não deve taxar-se de incongruente. Do que se trata é de uma sentença incompleta e o que haverá é que completá-la, mediante petição da parte. Segundo uma corrente chamar-se-ia a este vício “incongruência omissiva”, em violação do que se chama «princípio da exaustividade».       

A regra, ou princípio da incongruência ou incoerência, que, itera-se, deve cumprir-se entre as alegações de facto, não se aplica relativamente às alegações de direito da causa ou da contestação, já que pode ocorrer divergência e desconformidade entre estas alegações e a decisão, por o tribunal não estar sujeito e vinculado às alegações jurídicas ou indicações normativas que as partes forneçam. Na verdade, o tribunal está vinculado ao fundamento, não pela fundamentação, e a fundamentação inclui não só a forma de apresentar os argumentos, mas também os concretos elementos jurídicos aduzidos: os preceitos legais e os princípios jurídicos citados e o entendimento que deles as partes fazem. Consubstancia-se neste procedimento a regra “iura novit curia” – o tribunal conhece do direito e isto porque o direito não tem que ser provado; o tribunal pode e deve aplicar o direito que conhece como estime mais acertado, desde que se atenha á causa de pedir, que dizer, ao genuíno fundamento – não à fundamentação – da pretensão. O pressuposto da correcta aplicação da regra “iura novit curia”, é dupla: 1.º que o tribunal respeite, na sua essência a causa petendi da pretensão do litigante; 2.º que os demais litigantes tenham podido, do mesmo passo que o tribunal, conhecer e afrontar esse genuíno fundamento da pretensão, o que equivale à observância dos princípios da igualdade das partes e da audiência ou do contraditório.      

A lei delineia e modela a estrutura da sentença – cfr. artigo 659.º do Código Processo Civil - pontuando as partes em que se estrutura e as questões que deve apreciar e decidir. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de ervar o acto de nulidade.

No âmbito do ordenamento jusprocessual penal, a lei alanceia de írrita a decisão em que “o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse conhecer (…)”.

O que são questões que o tribunal tem a obrigação/dever de conhecer? Uma questão (jurídica) apresenta-se como um núcleo cognitivo agregado que condensa uma proposição enunciativa e performativa de um conjunto de sentido em que se integra e para cuja compreensão (decisiva) contribui. Apesar da sua função estrutural compósita, porque agregada a outras que integram um núcleo de decisão mais dilatado, uma questão (jurídica ou de facto) configura-se e preordena-se como uma unidade cognitiva autónoma e de compreensão intelectiva-racional própria. Ainda que co-natural da unidade de sentido onde se integra e para que contribui, a questão (jurídica ou de facto) assume uma dimensão pluri-compreensiva e ambivalente, por dever de sentido envolvente e integrador, não deixando, contudo, de colimar aportações significativas individuais e de raiz afirmativa própria.    

Por questão não deve ser tomada a mera exposição argumentativa, ou seja, a formulação de proposições performativas e conformadoras da formação de um núcleo de afirmação de sentido, lógico-racional, que as determina e lhe subjazem. Este núcleo ideal que conleva as proposições discursivas e enunciadoras, logicamente balizadas e estruturalmente conectadas, é que se poderá constituir como a questão temática a decidir. A diferença que se deve estabelecer entre questão (jurídica e de raiz temática) e proposições argumentativas e de explicitação do sentido é que a primeira se afirma como núcleo categorial decidível e as segundas se enfileiram como elementos ancilares e performativos do factor radical segregador.    

Numa concepção preceptiva do fazer jurisdicional só as questões (jurídicas e/ou de facto) concitam e reclamam aras de cognoscibilidade por parte de um órgão jurisdicional. As questões que se perfilam como enformadoras e congregadoras do núcleo de sentido radical (a questão) não atingem a dignidade que lhes permita obter um tratamento individual e de pronúncia decisória.

Isso mesmo tem vindo a ser afirmado, de modo inconsútil pela doutrina e pela jurisprudência.

Noutra jurisdição tivemos ocasião de predicar que: “esta nulidade está directamente relacionada com o comando previsto no art.º 660º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, e serve de cominação para o seu desrespeito [Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, págs. 142-143 nota 5 e 53 e segs.; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 247 nota 5 e 228 nota 2]. O dever imposto no art.º 660º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado. [J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228 nota 2.]. E para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes (sujeitos), e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, e a questão resolvida pelo juiz, identificada por estes mesmos elementos. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito [Vd. Ac. do STJ de 09-07-1982: B.M.J. 319 pág. 199. E é por isto mesmo, que já não o são os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos – embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes –, de que as partes se socorrem quando se apresentam a demandar ou a contradizer, para fazerem valer ou naufragar a causa posta à apreciação do tribunal. É de salientar ainda que, de entre a questões essenciais a resolver, não constitui nulidade o não conhecimento daquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela decisão de outra.”

Ainda que sem a crismar de omissão de fundamentação, a recorrente esgrime com uma defectiva, tíbia e emasculada fundamentação do tribunal para rebater a impugnação de facto imprimida no recurso interposto quanto à decisão de facto.

A falta de fundamentação de uma decisão judicial consubstancia um vício que coenvolve uma total e completa ausência de razoamento do julgador na justificação que apresenta das questões que foram postas a apreciação pelas partes a tribunal.

A motivação das decisões judiciais responde ao contexto de justificação, mas para entender que uma motivação está bem justificada necessariamente devemos acudir às premissas que fundamentam a decisão, quer dizer ao contexto de descobrimento. Deste modo (Así las cosas), entendemos que existe uma relação obrigatória de carácter sinalagmático entre a motivação (contexto de justificação) e arbítrio (contexto de descobrimento). Relação que autoriza considerar que não há motivação justificada sem um arbítrio licitamente exercido, tendo presente a necessidade de certeza moral em ambos contextos, entendida como critério suficiente e necessário de conhecimento da verdade processual que, atendidas as circunstâncias de cada caso, há-de esforçar-se na sua correspondência com a verdade material dos enunciados fácticos e jurídicos expressos na motivação.” [Cfr. Aliste Santos, Tomás-Javier, in “La Motivación de las Resoluciones Judiciales”, Marcial Pons, 2011, pag. 252.] (Tradução nossa)

A motivação cumpre, segundo Michele Taruffo, duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. [Cfr. Taruffo, Michele, in “Páginas sobre Justicia Civil”, Colección Proceso e Derecho, Marcial Pons, Madrid, 2009, págs. 515 a 526] “A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico do pronunciamento jurisdicional, no interior do processo. Esta função está conectada directamente com a impugnação da sentença e articula-se em dois aspectos principais: a) a motivação é útil para as partes que pretendam impugnar a sentença, dado que o conhecimento dos motivos da decisão facilita a identificação dos erros cometidos pelo juiz e em qualquer caso dos aspectos criticáveis da própria decisão e, portanto, torna mais fácil os motivos da impugnação. (…); b) a motivação da sentença é também útil para o juiz da impugnação, dado que facilita a tarefa de reexaminar a decisão impugnada, tomando em consideração as justificações aduzidas pelo juiz inferior.

[…] A função extraprocessual da motivação conecta-se directamente com a dimensão constitucional e a natureza garantista da correspondente obrigação, e ao mesmo tempo se explica e justifica na absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes. (…) Consiste fundamentalmente no facto de que a motivação se encontra destinada a fazer possível um controle externo (quer dizer, não limitado ao contexto do processo concreto no qual se pronuncia a sentença e não limitado às partes e ao juiz da impugnação) sobre as razões que sustentam a decisão judicial.” [Cfr. Taruffo Michle, in op. loc. cit., pág. 516-517]

A motivação de uma decisão desdobra-se em duas vertentes: a motivação da decisão de facto e a motivação ou fundamentação das questões de direito que a partes trouxeram ao tribunal como variáveis ou segmentos da questão de direito nuclear, a saber o direito subjectivo que reputam ter sido indutor da tutela peticionada.

O tribunal de recurso não está compelido – ou, pelo menos, a lei não comina esse dever –, na sindicância a que procede da decisão do tribunal inferior e na reanálise a que procede das questões que o recorrente coloca em tela de juízo, a utilizar uma fundamentação inovatória, diversificada e própria. Antes, na sua função sindicante da bondade, ou malversão dos argumentos utilizados pelo tribunal inferior para a solução da concreta questão de direito que estava constrangido a conhecer e a dar solução, o tribunal superior pode optar por aderir aos argumentos, se estes lhe parecerem adequados e ajustados à decisão adoptada e se mostrarem em conformidade com a solução jurídica adrede, ou ao invés, rechaçá-los, repondo uma argumentação, aí sim, própria e autónoma, que, na sua perspectiva, seja a que está conforme com a solução de direito a conferir aquela concreta e especifica questão. No primeiro dos apontados casos – adesão, por conformidade, à argumentação e fundamentação do tribunal inferior – o tribunal de recurso pode, tal como a lei lhe faculta dentro dos limites que baliza – (artigo 713.º, n.º 5 do Código Processo Civil, aqui aplicável por força do artigo 4º do Código de Processo Penal - remeter para a decisão do tribunal recorrido. Ainda que não use a faculdade/poder contida no citado preceito, sempre o tribunal pode limitar, por economia e dispensabilidade de iteração e renovação do argumentário utilizado, declarar que estima a fundamentação utilizada ajustada e adequada à solução encontrada. Com a adesão ao argumentário produzido pelo tribunal inferior, o tribunal superior incorpora na sua decisão, por vinculação cognoscente e inclusão do sentido de razoamento, a fundamentação, que reputa necessária e suficiente para que os destinatários adquiram a convicção do sentido decisional que o tribunal assume na decisão que irá proferir.

A função da fundamentação quedará, na adopção deste procedimento, total e perfeitamente completa e realizada de forma cabal e plena.

O tribunal da Relação ao ter assumido este procedimento, vale por dizer, ao ter anunciado que ocorria uma perfeita e sintónica adequação dos factos ao direito e que a decisão recorrida estava conforme as soluções jurídicas que ao caso cabiam, incorporou na sua decisão a argumentação que reputava dever ser aquela que ele próprio utilizaria na decisão que viesse a tomar na decisão de recurso. Ou dito de outra maneira, o tribunal da Relação incorporou na sua decisão a fundamentação do tribunal inferior, certamente, por estimar que a solução a conferir ao caso – incluindo a impugnação da decisão de facto impulsada pela arguida – ficaria plenamente respondida e dilucidada com a argumentação que tinha siso adoptada pelo tribunal recorrido.

No conspecto da jurisprudência, a nulidade de omissão de pronúncia, tem assumido um tratamento uniforme e perene. A nulidade só deve ser atendida quando a decisão omita de todo, ou seja, de forma completa e absoluta, a abordagem apreciativa de uma questão que, ostensivamente lhe tenha sido colocada por qualquer dos sujeitos processuais, ou por incumbência e dever, oficioso, de normação adrede.

A omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas, ou que o juiz oficiosamente deve apreciar.

Por sua vez o excesso de pronúncia significa que o Tribunal conheceu de questão de que não lhe era lícito conhecer porque não compreendida no objecto do recurso.

Essas nulidades não são insanáveis, porque não englobadas nas nulidades previstas no artº 119º do C. Processo Penal.

Englobam-se as mesmas no disposto na alínea c) do nº 1 do artº 379º do C.PP, que dispõe que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Porém, mesmo não alegadas essas nulidades, sempre seriam oficiosamente cognoscíveis em recurso, visto que as nulidades de sentença enumeradas no artº 379º nº 1 do CPP, têm regime próprio e diferenciado do regime geral das nulidades dos restantes actos processuais estabelecendo-se no nº 2 do mesmo artigo que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se com as necessárias adaptações o disposto no artigo 414º nº 4.(v. Ac, deste Supremo de 31 de Maio de 2001, proc. Nº 260/01, 5ª, SASTJ, nº 51,97)”. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Outubro de 2010, proferido no processo nº 70/07.0JBLSB.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça.

Ou ainda “I - A falta de fundamentação das decisões judiciais, situação que se traduz na falta de especificação dos motivos de facto e de direito da decisão – arts. 205º, n.º 1, da CRP e 97º, nº 4, do CPP – constitui mera irregularidade – art. 118º, n.ºs 1 e 2 –, a menos que se verifique na sentença, acto processual que, conhecendo a final do objecto do processo – art. 97º, n.º 1, al. a), do CPP –, a lei impõe obedeça a fundamentação especial, sob pena de nulidade – arts. 379º, n.º 1, al. a), e 374º, n.º 2, do mesmo diploma legal. II - Contudo, as exigências de fundamentação da sentença, prescritas no art. 374º, n.º 2, do CPP, não são directamente aplicáveis aos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, por via de recurso, mas tão-só por via de aplicação correspondente do art. 379º, ex vi art. 425º, n.º 4, do mesmo diploma legal, razão pela qual aquelas decisões não são elaboradas nos precisos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.ª instância (o que bem se percebe, visto que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação do objecto do processo). III - Com efeito, os recursos não têm por finalidade a prolação de uma segunda ou nova decisão. Antes e tão só a sindicação da já proferida. Por isso, o tribunal de recurso está apenas obrigado a sindicar a decisão recorrida, verificando, grosso modo, se a prova foi legal e correctamente valorada e apreciada, (caso lhe tenha sido pedido e caiba nos seus poderes de cognição o reexame da matéria de facto) e se o direito foi bem aplicado; e caso entenda que a valoração e apreciação da prova se mostram correctas e que o direito foi bem aplicado, pode limitar-se a explicitar as razões pelas quais adere aos juízos de facto e de direito formulados pelo tribunal recorrido, ou seja, à decisão sob recurso. IV - A invalidade decorrente de omissão de pronúncia, prevista na al. c) do n.º 1 do art. 379º do CPP, tem em vista as situações em que o tribunal, estando obrigado a apreciar ou a conhecer certa questão, ex officio ou por a mesma lhe haver sido directamente submetida a julgamento, sobre ela omite decisão tout court. V - Assim, aquela nulidade não ocorre quanto o tribunal deixa por apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só se verificando quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa das teses em presença.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.02.2007, proferido no processo nº 06P3932, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes).

Neste eito de pensamento, sobra apurar se o tribunal recorrido fez caso omisso da questão suscitada pela recorrente relativamente à impugnação da matéria de facto.

O tribunal recorrido enunciou como questão a debater na decisão a proferir a concreta e nuclear questão da impugnação da matéria de facto indicada pela recorrente como pontos de colidentes com a sua própria análise da prova e que havia sido produzida em audiência de discussão e julgamento. Na apreciação a que procedeu, escreveu, tribunal recorrido (sic).

Reafirma-se que a recorrente não impugnou, na verdadeira asserção da palavra a matéria de facto, limitando-se a criticar a forma como foi valorada a prova e a percepcioná-la de forma diversa.

O que a lei exige é que se indiquem provas que imponham decisão diversa e não que permitam outra decisão.

(…) Ora, não é suficiente especificar, de forma sectorial, algum ou outro, elemento da prova. Só a especificação de todos eles, os indicados pelo tribunal e os que se entende não foram tidos em conta, pode impor decisão diversa.

E as provas que impõem essa diversa decisão são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que o tendo sido ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida. Se a tais provas faltam esses pressupostos, não conduzem a outra decisão.

Outra observação é a da relevância dos pontos da matéria de facto para a decisão. É inócuo impugnar este ou aquele pormenor factual quando eles, mesmo que se verifique um menor rigor de valoração, não alterem, na sua essência, a estruturada e complexa matéria fáctica.

A análise do acórdão recorrido demonstra que o mesmo e baseou numa apreciação critica e global de toda a prova produzida no seu conjunto.

(…) A conclusão a retirar é a de que, da análise probatória global, efectuada igualmente pelo tribunal ad quo não pode, de todo, concluir-se por uma errada apreciação da prova em termos de julgamento pelo tribunal. Pelo contrário, os factos provados consignados e questionados, são totalmente pertinentes, por resultarem da conjugação de toda a prova, resultando a sua verificação de presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral de experiência.

Assim, a Recorrente pretende é substituir a sua convicção â convicção do Tribunal. O que a Recorrente impugna não é a matéria de facto dada como provada mas sim a convicção do Tribunal.

A Recorrente quer impor ao Tribunal a sua própria convicção, a ideia com que o mesmo ficou da prova, aquilo de que a própria quis convencer o Tribunal.

Pois que, no caso “sub judice”, tal como se mostra mencionado, resulta da fundamentação da matéria de facto que, o tribunal “a quo” na análise e fixação da matéria de facto, baseou-se na observação de conjunto de provas legalmente válidas e interpretou-as, de forma livre, mas não arbitrária.

Resta apenas referir que de todo se constata qualquer evidência que permita concluir a violação do princípio da livre apreciação da prova.

O princípio da livre apreciação da prova, como princípio estruturante do direito processual do continente europeu e, especificamente do direito processual penai português, assume, na dinâmica do processo de fundamentação da sentença penal simultaneamente, uma dupla função de ordenação e de limite.

Vinculado ao princípio da descoberta da verdade material, contrariamente ao sistema probatório fundado nas provas tabelares ou tarifárias que estabelece um valor racionalizado a cada prova, possibilita-se ao juiz um âmbito de discricionariedade na apreciação de cada uma das provas atendíveis que suportam a decisão.

Trata-se de uma discricionariedade assente num modelo racionalizado, na medida em que implica que o juiz efectue as suas valorações segundo uma discricionariedade guiada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação. Ou seja, «o princípio da livre convicção libertou o juiz das regras da prova legal mas não o desvinculou das regras da razão» cf. Michelle Taruffo, «Conocimiento científico y estándares de prueba judicial», Jueces para la Democracia, ínformación y debate, n° 52, Marzo, 2005, p. 67.

(…) Ora conforme foi referido o Tribunal no caso concreto, para chegar à sua decisão, "valorou um conjunto diverso de provas utilizando exactamente as regras da razão, fundadas na lógica e na experiência. Daí que não se vislumbra qualquer vício no seu modo de decidir e valorar essas provas que ponha em causa o principio da livre apreciação da prova." (vide, Ac. R C, de 25/11/2009, proferido no Proc. N.° 219/05.8GBPCV.C1).

O tribunal recorrido apreciando criticamente todas as provas produzidas, conjugando-as e confrontando-as, como se fez constar, de forma pormenorizada, crítica e especificada da respectiva fundamentação. É indiscutível que no acórdão é mencionada, portanto, a razão da valoração de todos os elementos probatórios e credibilidade dos depoimentos das referidas testemunhas.

A conjugação desses elementos probatórios serviu para a convicção do tribunal "a quo" na forma vertida na decisão recorrida,

Todos estes elementos de prova infirmam as afirmações, da recorrente, vertidas em alguns dos diversos pontos da sua conclusão da motivação de recurso e confirmam a matéria apurada e não provada consignadas.

Mas, pormenorizando, a matéria questionada pela recorrente, respeitante ao dolo (vide pontos n°s 25 e 26, da matéria de facto provada) dada a sua natureza subjectiva, é insusceptível de apreensão directa, só podendo captar-se a sua existência através de factos materiais, entre os quais o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, e por meio das presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou das regras gerais da experiência.

Isto, por recurso às regras de experiência e porque para se aferir ou não da existência da intenção criminosa, se há-de retirar os elementos confirmativos da sua verificação, da matéria fáctica dada como provada.

Relativamente à impugnada matéria de facto provada, constante do ponto n.° 25, relativa à intenção de matar o marido, teremos de concordar, em pleno, por inegável, melhor, irrefutável, com o afirmado na resposta do M°P°: "...alguém que desfere, pelo menos, 7 marteladas na cabeça de outrem, ... e, pelo menos, ao todo, 85 facadas e marteladas, em todo o seu corpo, tenha de atuar, necessariamente, com a intenção de tirar a vida a essa pessoa, pelo que se afigura de manifesta inutilidade tecer mais considerações sobre esta matéria.

Acresce que não corresponde à verdade que a arguida, após o desferimento de tais golpes, tenha ficado ao lado da vítima a acudi-la. De facto, o que se apurou, foi que a arguida, logo após ter deixado a vítima jazida junto à piscina com uma faca enterrada na coxa e a sangrar abundantemente, lavou-se na zona da churrasqueira, entrou em casa, dirigiu-se à lavandaria, tirou a roupa que trazia vestida e colocou-a no interior da cuba da máquina de lavar a roupa, subiu ao primeiro andar, foi à varanda e começou a gritar por socorro, alegando estar a ser assaltada por dois encapuzados e, só após, quando se apercebeu da presença dos vizinhos no interior da casa, é que se acercou do corpo moribundo do marido (cfr. declarações da arguida na sessão do dia … -05-2019, entre as 01:27:44 e01:31:05).

Ou seja, a concreta atuação da arguida, atendendo às mais elementares regras da experiência, foi no sentido de ter atuado com o expresso propósito de tirar a vida ao seu marido, sendo certo que, atento o teor do relatório produzido pela Polícia Judiciária, a folhas 695 a 737 dos autos, este encontrava-se deitado, a dormir no alpendre da sua casa, no momento em que a arguida lhe desferiu as marteladas que o atingiram na cabeça."

E, sobre esta mesma questão referente à intenção da arguida de matar o marido, é, acertadamente, referido no acórdão recorrido: "No que se refere à convicção alcançada quanto à factualidade atinente ao fim com que a arguida agiu, ao conhecimento e vontade com que atuou, bem como à sua consciência quanto à ilicitude da conduta levada a cabo (pontos 24 a 26), foi aquele extraído dos factos objetivos, analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum, atentas as circunstâncias do caso. É consabido que a factualidade em causa, que é de ordem psicológica - ainda que também normativa -, se afigura de difícil objetivação em termos de racionalidade do processo de apreensão da realidade. Todavia, a convicção alcançada resulta de uma análise global do comportamento da arguida, tendo em conta as regras da normalidade do acontecer.

Com efeito, quem desfere sete pancadas de martelo na cabeça de outrem e setenta e oito facadas em locais como a cabeça, pescoço e tronco de outra pessoa - locais esses que são generalizadamente reconhecidos como sendo locais vitais -, demonstra pretender matar essa pessoa através da causação de um nível substancial de sofrimento. Tinha a arguida necessariamente consciência da relação de proximidade existencial que tinha com a vítima, seu marido desde o ano de 2003.

Tal conduta é, aliás, comummente tida como penalmente proibida, tanto mais que estamos no domínio do chamado "direito penal de justiça.".

Nestes termos, será de concluir que o douto acórdão em recurso fez correcto e aceitado entendimento da matéria de facto dada como provada e não provada, pelo que não se vislumbra padecer o mesmo de qualquer erro na apreciação da prova ou da sua valoração.

Acresce que, como jurisprudencialmente assente nos Tribunais superiores, a atribuição ou não de credibilidade a uma qualquer fonte de prova testemunhai ou por declarações, baseia-se numa opção do julgador, fundada nos princípios da imediação e da oralidade que presidem à audiência de discussão e julgamento, pelo esta apenas poderá ser colocada em causa se resultar demonstrada a sua inadmissibilidade face às regras da lógica, da experiência comum ou dos conhecimentos científicos.

Certo é que o douto acórdão procedeu à análise crítica da prova produzida e relevante para a decisão e, de acordo com regras de lógica e experiência comum, formou o Tribunal a convicção daquela que, face a tal prova, se mostra ser a verdade material, apreciada à luz das regras da experiência, nada tendo sido veiculado que implique decisão diversa da constante no douto aresto em recurso.

Pelo que, e desde já ressalvando outro melhor e mais esclarecido entendimento, não se afigura, também aqui, que o douto acórdão padeça dos erros invocados pela ora recorrente.

Todos estes elementos apontam no sentido vertido do acórdão recorrido, designadamente, no que concerne aos factos consignados como não provados.

Não nos podemos esquecer que ao julgador não é permitido formular um juízo de " non liquet" sobre a prova produzida e que só a ele é exigida objectividade, podendo ser, e sendo-o muitas vezes, diferente a perspectiva com que a prova é entendida e avaliada, o que origina, a final, que se possam obter resultados dispares ou pelo menos não coincidentes.

Portanto, face a essa fundamentação da convicção feita pelo tribunal, colocar em causa a matéria de facto por se entender que há contradição entre depoimentos, cujo conteúdo não se mostra devidamente especificado, em matéria relevante, e mencionar determinados depoimentos que, ou não serviram de base á fundamentação da convicção do tribunal, ou concorreram para ela, em detrimento de outros que foram relevantes para a convicção da matéria fáctica, não pode ser considerado como impugnação da matéria de facto.

Assim, não se modifica tal matéria de facto, nos termos preceituados no art. 431° n.° 1 al. b),do C,P.P..” (Os fragmentos constante da transcrição efectuada encontram-se, no texto da decisão, interpolados por alusões doutrinárias concernentes com o princípio da livre apreciação da prova e outras considerações de  feição normativa – exigências da lei para que a impugnação da matéria de facto perante o tribunal possa ser atendida – que para a economia da apreciação da nulidade invocada não relevam.)

A transcrição efectuada evidencia (i) que a arguida, segundo a perspectiva do tribunal recorrido, não efectuou, correctamente, a pretensão (recursiva) de impugnação dos itens da matéria de facto que pretendia ver escrutinados pelo tribunal recorrido (ter-se-á limitado a contrapor à versão consignada pelo tribunal de primeira (1ª) instância a sua própria versão/interpretação dos depoimentos e outros meios de prova produzidos em audiência); (ii) não o tendo efectuado (correctamente) o segmento de recurso para impugnação da decisão de facto, o tribunal de recurso, ainda assim, não deixou de analisar os meios de prova que correspondiam aos pontos de facto que a arguida tinha indicado como devendo corresponder e conduzir a uma nova assumpção compreensiva e intelectiva do facto concreto; (iii) ao fazê-lo – e porque, segundo a sua perspectiva, a impugnação não foi correctamente efectuada – coonestou a valoração e convicção a que o tribunal de 1ª instância se alcandorou, não sem investir a sua própria e autónoma visão dos factos, à luza das audições  que terá procedido; (iv) a sobreposição da sua própria versão – adquirida pela audição dos depoimentos das testemunhas – não pode significar, ou fazer equivaler, como a recorrente pretende, na sua alegação, a uma aquisição acrítica do juízo valorativo formado pelo tribunal de 1ª (primeira) instância, antes uma versão compartida e consonante com aquela que o tribunal recorrido tinha afirmado.

A decisão recorrida, ao invés de ter rechaçado a impugnação da decisão de facto – como num pendor mais formalista poderia/deveria ter feito – ajustou a juízo apreciativo ao modo como a recorrente havia veiculado a impugnação dos pontos de facto que, na sua estimativa, deveriam ter merecido outro pendor conviccional do tribunal, se tivesse sido uma avaliação/valoração de acordo com aquela que é a interpretação que ela própria formula da prova produzida. (Concretamente, e de forma, impressiva o item 25 da factualidade provada e a línea O) da matéria de facto dada como não provada).  Se a recorrente não impugnava correctamente a decisão de facto – por indicação dos pontos concretos de que dissentia, indicando os meios de prova que, em seu juízo, impunham e deveriam ditar uma versão (contrária, ou pelo divertida) do facto impugnado – então o tribunal, não tendo descaratado esse segmento do recurso – rejeitando-o, por inobservância do ritualismo processual adrede – adequou a apreciação ao modo como a recorrente havia contraposto a sua versão dos factos. Isto é, assumiu os pontos de facto contraditados e apreciou-os com os similares argumentos utilizados pela recorrente. Vale dizer, com os meios de prova que, no entender da recorrente, propinariam uma interpretação diversa daquela que o tribunal de 1ª (primeira) instância os havia enformado e modelado.

Um excurso pela motivação – iterada nas conclusões – de recurso interposto para a Relação é possível confirmar a asserção produzida pelo tribunal da Relação. A impugnação dos pontos dissidentes vem exposta, de forma estendida, nos itens 54 e 55 das conclusões, tendo fornecido indicação da redacção que deveriam assumir, em contraposição com o asserido no texto da decisão, caso a sua impugnação viesse a vingar. O que se apura é que a recorrente indica (transcreve) o item e alínea em colisão de interpretação com o tribunal e depois “arrola” uma cópia de elementos probatórios ( documentos e testemunhas, aqui com indicação concreta das horas e locais, a que e onde, os depoimentos se encontram gravados) com que pretende alancear e derruir a enunciação assertiva contida nos pontos de facto impugnados. A recorrente, fazendo a indicação «generalizante e pervagante» dos depoimentos das testemunhas e dos documentos que impunham, em seu aviso, outra interpretação/valoração da prova produzida induziu o tribunal da Relação a proceder de forma similar. Isto é, o tribunal de recurso, à mingua de ter de se ater e lindar a sua apreciação a uma concreta e precisa indicação de exactos e confinados pontos, procedeu, de modo isonómico, ao avançado pela recorrente. Vale dizer que procedeu a uma reapreciação da matéria de facto impugnada investindo nos depoimentos de testemunhas – que afiança ter auditado – contrapondo à interpretação da recorrente a sua interpretação (dos depoimentos prestados em audiência), que, no caso, se compaginou e enfileirou com a que o tribunal de 1ª instância havia produzido.    

Não é possível, à luz de uma definição conceptual ajustada de nulidade (de omissão de pronúncia) operar uma critica à decisão recorrida. O tribunal, em esforço de cognoscibilidade e não deixando de disponibilizar a sua própria versão dos factos impugnados (neste caso em consonância com a interpretação (factual e valorativa) que havia sido encarreirada pelo tribunal de primeira (1ª) instância.

Relativamente ao erro notório na apreciação da prova, permitimo-nos uma análise mais acerada no ponto sequente.

No que concerne à subsunção jurídico-penal que a recorrente estima ter sido obliterada na decisão em sindicância escreveu o tribunal recorrido, na decisão em escrutínio (sic).

2.4.4 - Subsunção dos factos ao direito.

A arguida foi condenada pela prática, em autoria material de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p, e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 131° e 132°, nºs 1 e 2, al. b), do C do mesmo Código.

O citado art. 131° do Código Penal, preceitua que é o tipo base do homicídio, o seguinte:

"Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos."

O Artigo 132.º, sobre a epígrafe "Homicídio qualificado", preceitua:

"1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos.

2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente:

a) (...);

b) Praticar o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em 1.° grau;

O citado art. 132º do CP define o tipo de crime de homicídio qualificado, constituindo uma forma agravada de crime em relação ao tipo do art. 131º. Objectivamente, o tipo de crime assenta nos mesmos factos dos que estão previstos no art. 131º funcionando a qualificação na combinação de um critério de culpa com a técnica dos exemplos-padrão.

A qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação, um tipo-de-culpa que se reconduz que é conformado pela especial censurabilidade ou perversidade da conduta.

Os elementos objectivos e subjectivos deste tipo legal são, assim:

- Uma pessoa mata outra pessoa; e

- O dolo, como forma de realização do ilícito típico.

Matar outrem é acabar ou banir a vida humana, sendo sujeito passivo o homem completamente nascido e com vida.

O dolo, elemento subjectivo do crime, não está expressamente referido no texto do tipo legal, mas resulta da aplicação do comando geral do art. 13º do Código Penal, que prevê o mesmo nas modalidades de dolo directo, necessário ou eventual.

Portanto, no homicídio o bem jurídico protegido é a vida humana, o tipo objectivo ilícito do homicídio consiste em matar outra pessoa e o tipo subjectivo de ilícito do homicídio previsto no artigo 121º do C. Penal exige o dolo.

Ao incriminar o homicídio, o legislador pensou nos diferentes "modelos" de culpa e construiu um tipo (ou, ao menos, uma moldura penal diferenciada) para cada um. Deste modo, as condutas concretas nascem logo, do ponto de vista da culpa, simples.

Estamos perante situação de maior desvalor do tipo de ilícito.

Contudo, no caso "sub judicie" a arguida insurge-se contra a condenação pelo crime de homicídio, pois entende que, caso improcedam as nulidades invocadas, deveria ter sido condenado pela prática de um crime de homicídio privilegiado, p. e p. pelo art.º 133°, do Código Penal.

No que concerne à invocação da integração da actuação da arguida na previsão do art, 133°, do CP, dir-se-á que nele se estabelece casos de homicídio privilegiado atendendo a uma cláusula de exigibilidade diminuída legalmente concretizada,

Este preceito legal tem como base três conceitos de natureza emocional - a emoção violenta; a compaixão e o desespero -; e um conceito-tipo de natureza étíco-social - um motivo de relevante valor social ou moral -.

O citado art. 333° CP estabelece, ainda, duas cláusulas de valoração. Uma particular, referente, tão só, à emoção violenta, a compreensibilidade. Outra é geral, a diminuição da culpa do agente.

Esta diminuição sensível da culpa do agente não pode ficar a dever-se nem a uma imputabilidade diminuída, nem a uma diminuída consciência do ilícito, mas, tão só, a uma exigibilidade diminuída de comportamento diferente.

Verificados os pressupostos de que depende o privilegiamento, deve, obrigatoriamente, rejeitar a atenuação especial da pena. O princípio da proibição da dupla valoração de que o disposto no proémio do art. 71°/2 CP constitui apenas uma manifestação, proíbe que o mesmo substrato considerado para integração do art. 133° CP seja de novo valorado para efeito de atenuação especial da pena. Mas é evidente que, para além dos elementos descritos no art. 133° CP, podem no caso convergir outros e diferentes elementos relevantes para efeito dos arts. 71° e 72° CP. Nada impede nestes casos que, determinada a medida da pena face ao art, 133° CP aquela seja depois especialmente atenuada face às regras especiais de determinação da pena contidas nos arts. 72° e 73° CP.

O elemento privilegiador, invocado pela recorrente, a compreensível emoção violenta que o dominou, previsto no citado preceito, acentua: no grau de emoção e a necessidade de ela se verificar no momento da prática do facto, como causa do crime ("foi levado a matar"). Trata-se pois, de um estado psicológico que não corresponde ao normal do agente, encontrando-se afectadas a sua vontade, a sua inteligência e diminuídas as suas resistências éticas, a sua capacidade para se conformar com a norma.

A compreensível emoção violenta é um forte estado de afecto emocional provocado por uma situação pela qual o agente não pode ser considerado e à qual também o homem normalmente "fiel ao direito " não deixaria de ser sensível.

O requisito da "compreensibilidade" da emoção representa por isso ainda uma exigência adicional relativamente ao puro critério de menor exigibilidade subjacente a todo o preceito.

O crime do art. 133° CP é doloso, atenta a interpretação conjugada deste preceito legal com o art. 13° CP. Qualquer das modalidades do dolo, previstas no art. 14° CP (directo, necessário ou eventual) permite preencher o tipo subjectivo.

O dolo deve abranger todos os elementos que integram o tipo objectivo - deve referir-se à acção e ao objecto da acção.

Assim qualquer problema de erro sobre as circunstâncias do facto deve resolver-se nos termos do art. 1671 e 3 CP.

As várias situações previstas no art. 133° CP são elementos subjectivos do tipo de culpa, isto é, é exigida uma circunstância externa, mesmo que só representada pelo autor, que haja efectivamente incidir na formação da vontade. Mas, verificados os elementos subjectivos do tipo de culpa

Contudo, atenta a matéria de facto dada como provada, nos termos retro enunciados, não ficou provado que a vítima tivesse qualquer comportamento violento para com a arguida.

Portanto, teremos de considerar, que a arguida não agiu "...dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa... ".

OTO., a subsunção da matéria fáctica ao direito, não permite integrar o comportamento da arguida, na previsão do homicídio privilegiado, por falta dos seus pressupostos, mais propriamente, da cláusula de exigibilidade diminuída legalmente concretizada.

Portanto, o tribunal "a quo" tem razão quando afirma que: "Ante o discreteado, ocioso se torna afirmar que, ao contrário do propugnado pela defesa em sede de alegações, não existem quaisquer elementos que, ante a matéria de facto dada como provada, permitam concluir que a arguida tenha agido movida por compreensível emoção violenta, desespero ou motivo de relevante valor moral e com a sua conduta haja preenchido o crime de homicídio privilegiado, previsto e punido pelo artigo 133.° do Código Penal,"

Afastada está pois a previsão dos arts. 133°, do C.P..

Ora recorrendo a regras de experiência e porque para se aferir ou não da existência da intenção criminosa, se há-de retirar os elementos confirmativos da sua verificação, da matéria fáctica dada como provada,

Conforme escreve o Sr. Professor Manuel Cavaleiro de Ferreira em "Direito Penal Português" - Parte Geral I - Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa, se a intenção é vontade e esta é acto psíquico, acto interior são, contudo, grandes as dificuldades para dar praticabilidade a conceitos que designam actos internos, de carácter psicológico e espiritual. Por isso se recorre a regras da experiência, que as leis utilizam quando elas podem dar aos conceitos maior precisão...

Por outro lado, o conhecimento do carácter proibido da conduta do infractor é do conhecimento do homem médio, até de qualquer pessoa, portanto, da arguida.

Assim, atendendo à factualidade provada: A arguida dirigiu-se para o interior da sua residência "e entrou na posse, de modo não concretamente apurado, de um martelo com o peso de 0,46 quilogramas e com o comprimento total de 29,2 centímetros. Na parte superior, o martelo é composto por uma peça em metal ferroso, do tipo "bico de pato", com o comprimento de 10,5 centímetros e largura máxima de 2,5 centímetros, tendo num dos topos as dimensões de 2,5 centímetros x 2,0 centímetros e no outro as dimensões de 0,6 centímetros x 2,5 centímetros, sendo que o cabo de cor amarela, em plástico, tem o comprimento de 26,7 centímetros e é revestido a borracha de cor preta desde a sua base até aos 17,5 centímetros de altura.

Assente ficou que, munida desse martelo que agarrava pelo cabo, a arguida se acercou do alpendre onde DD e, com a parte de metal, desferiu-lhe, pelo menos, sete pancadas na cabeça, que causaram a DD dores de grande intensidade as lesões descritas no ponto 10) da matéria de facto provada.

Resultou, ademais, adquirido que, após, a arguida continuou a desferir a DD pancadas com a parte metálica do martelo, pelo menos por duas vezes, atingindo-o na mão direita, causando-lhe dores e as seguintes lesões: fratura diafisária da falange proximal do dedo médio, ferida contusa oblíqua disto-lateralmente, ao nível do dorso da falange proximal do 5.° dedo, medindo três milímetros de comprimento, ferida superficial oblíqua disto-lateralmente ao nível da porção distai do espaço interósseo entre o 4.° e 5.° dedos, medindo quatro milímetros de comprimento; escoriação ao nível do dorso da falange proximal do dedo anelar, medindo três milímetros de comprimento, ferida contusa oblíqua disto-lateralmente, ao nível do dorso da falange proximal do 5.° dedo, medindo três milímetros de comprimento, equimose arroxeada localizada sensivelmente ao nível da metade distai dos 4.°s e 5.°s metatársicos, prolongada distalmente até ao nível do dorso das falanges proximais dos dedos correspondentes, medindo cerca de quatro centímetros de eixo maior por três centímetros e meio de eixo menor.

Ficou provado que, após tais pancadas, a arguida, persistindo no seu propósito de tirar a vida a DD, foi buscar, a local não concretamente determinado, uma faca de cozinha de marca "ICEL" com trinta centímetros de comprimento total, medindo a lâmina dezoito centímetros de comprimento e 3,5 centímetros de largura máxima, e, empunhando tal faca com a mão direita, agarrando-a pelo cabo e com a lâmina virada para baixo, a arguida se aproximou de DD e espetou, pelo menos por dez vezes, o bico da faca com força, enterrando parcialmente a lâmina na zona dos ombros deste, na área posterior do pescoço, e que aí causaram diversas feridas corto-perfurantes.

Ao sentir esses golpes, DD levantou-se e caminhou na direção da piscina, utilizando os braços e as mãos para se defender dos diversos golpes que a arguida lhe ia infligindo, seja por corte com a lâmina, seja por perfuração com o bico da mesma, ao mesmo tempo que, em voz alta, pedia que o acudissem...

Os gestos defensivos efetuados por DD lograram atingir a arguida no seu membro superior direito, tendo-lhe aí causado equimose com áreas arroxeadas e avermelhadas no terço proximal da face anterior do braço, com as dimensões de 4 centímetros x 1,5 centímetros, equimose arroxeada no terço médio da face anterior do braço, com a dimensão de 1,5 centímetros de diâmetro, equimose arroxeada do terço distai da face anterior do braço, com as dimensões de 3 centímetros x 1,5 centímetros, equimose arroxeada no cotovelo, com as dimensões de 1,5 centímetros de diâmetro, equimose avermelhada na flexura do cotovelo, com as dimensões de 2 centímetros x 1 centímetro.

No entanto, a arguida continuou a desferir diversos golpes com a referida faca, atingindo DD em diversas zonas da cabeça, do pescoço, do tronco e dos membros superiores e inferiores, quer do lado direito, quer do lado esquerdo, só parando quando este, após cair no chão junto à piscina, deixou de ter reação,

A arguida, ao aperceber-se de que DD tinha deixado de reagir, espetou-lhe, profundamente a lâmina da faca na zona exterior da coxa esquerda, quase até ao cabo, e aí a deixou ficar.

Ficou assente que, no total e como se descreveu, a arguida desferiu, pelo menos, 79 (setenta e nove) golpes com a faca mencionada em diversas zonas do corpo de DD, cansando-lhe múltiplas dores e as lesões descritas no ponto IS) da materialidade fática assente.

Ora, adquirido ficou que, não obstante o auxílio prestado pelos vizinhos, DD veio a falecer passados poucos minutos, como consequência das lesões traumáticas cranianas, faciais, torácico-abdominais e dos membros superiores e inferiores, provocadas pelas pancadas do martelo e dos golpes da faca desferidos pela arguida."

É, pois, óbvio e inquestionável que, em face da matéria de facto provada, se verificam todos os requisitos do tipo legal do crime de homicídio, praticado pela arguida/recorrente, e do qual foi vítima, o seu marido, DD."

No caso "sub judice", é incontestável que a arguida praticou os factos contra aquele que era, à data, seu cônjuge. Como, bem, se refere no acórdão recorrido: "A conduta da arguida, praticada de forma inesperada (após simular uma saída com os filhos), contra o marido de há mais de uma década e pai dos seus dois filhos menores, que se encontravam a poucos metros do local (e que, por conseguinte, poderiam ser expostos ao cenário de extrema violência perpetrado contra o seu pai) é suscetível de revelar uma especial censurabilidade. A não desconsiderar a este respeito é, ainda, a circunstância de a morte de DD ter sido provocada pela inflicção de oitenta e cinco pancadas e golpes de martelo e de faca nas zonas cranianas, faciais, torácico-abdominais e dos membros superiores e inferiores - causadoras de substancial sofrimento à vítima -, tendo a arguida se mostrado indiferente aos pedidos de DD para que cessasse a sua conduta e, inclusivamente, no final da sua atuação, deixado espetada a lâmina da faca na zona exterior da coxa esquerda daquele - ato que igualmente não deixa de revelar uma especial crueldade, na medida em que reflete qualidades da personalidade da agente especialmente desvaliosas."

Do ponto de vista subjetivo, trata-se este de um crime doloso, em que, de acordo com a conceitualização da doutrina hoje dominante, se exige que o agente tenha conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do tipo objetivo de ilícito.

Por uma banda, é necessário que o agente, ao atuar, conheça os elementos suficientes a uma correta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à ação intentada; por outro lado, exige-se a verificação no facto de uma vontade dirigida à sua realização, que se pode manifestar com maior ou menor grau de intensidade, de acordo com o disposto no artigo 14.° do Código Penal.

No ajuizado caso, resultou provado que a arguida sabia que DD era seu marido, com quem estava casada há cerca de 15 anos, e que desse casamento resultavam deveres mútuos de respeito, cooperação e assistência, e que este era o pai dos seus dois filhos menores, que se encontravam a escassos metros do local dos factos.

Assente ficou, ainda, que a arguida representou e quis tirar a vida ao seu marido, o que conseguiu, e para tanto representou e quis desferir pelo menos 85 pancadas e golpes de martelo (as pancadas, com a parte metálica deste, foram desferidas na cabeça da vítima) e de faca no corpo deste, com o propósito alcançado de lhe causar a morte,

Por fim, ficou cristalizado que a arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram censuráveis, proibidas e punidas pela lei penal."

É óbvio que se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.°s. 131° e 132° nºs, 1 e 2, al. b), ambos do aludido compêndio substantivo.

Nada justifica a actuação brutal desumana e criminosa da arguida.

Outra conclusão não se poderá tirar a de que a arguida cometeu o crime de homicídio, nos termos referidos no douto acórdão em causa.

Portanto, no caso "sub judice" não se mostra verificada nenhuma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, nomeadamente a legítima defesa.

A exclusão da ilicitude da conduta por legítima defesa [art 32° do C Penal] exige a presença de cinco requisitos objetivos e um elemento subjetivo, a saber, (i) a agressão de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, (ii) a atualidade da agressão, (iii) a ilicitude da agressão, (iv) a necessidade da defesa, (v) a necessidade do meio e (vi) o conhecimento da situação de legítima defesa - os três primeiros requisitos objetivos referem-se à situação em que o agente atua e os dois últimos à ação de defesa. (Vide Ac. TRP, de 11-12-2013, proferido no Pro. N.º154/05.0GARSD.P1),

Estando provado, como temos vindo a referir e consta do ponto n° 25, da matéria de facto apurada que "A arguida representou e quis tirar a vida ao seu marido, o que conseguiu, e para tanto representou e quis desferir pelo menos 85 pancadas e golpes de martelo e de faca no corpo deste, com o propósito alcançado de lhe causar a morte." fica desse modo excluído o intuito defensivo, demonstrando-se, ao invés, o agressivo, pelo que em tal caso, já não se pode falar em legítima defesa nem em legítima defesa putativa (que se traduz na errónea suposição de que se verificam, no caso concreto, os pressupostos da defesa: a existência de uma agressão actual e ilícita).

No mesmo sentido, o afirmado no acórdão recorrido, face da factualidade apurada, "não se pode divisar qualquer comportamento ativo da vítima suscetível de ser qualificado como de agressão iminente ilícita. Com efeito, não resultou provado que DD tenha agarrado a arguida pelos cabelos, a tenha atirado para o sofá existente no alpendre, o que fez com que a arguida tivesse pegado num martelo que ali se encontrava e atingido o falecido, envolvendo-se ambos em confronto. Não ficou provado que DD, após se apoderar do martelo - e de ter atingido a arguida na cabeça -, tivesse pegado na faca que estava em cima da mesa ao pé da churrasqueira e, dizendo que a matava, tenha avançado na direção de AA, segurando a faca e o martelo em cada uma das suas mãos. De facto, as lesões que DD causou a AA no membro superior direito foram levadas a cabo com intuito defensivo, após aquele ter sido atingido com o martelo e já depois de ter sido atingido, pelo menos por dez vezes, com o bico da faca.

Não se mostram, assim, preenchidos os requisitos necessários à perfetibilizaçâo de uma atuação em legitima defesa, daí ter sido a conduta da arguida considerada ilícita."

A recorrente, ainda como alternativa, alega que "não há um único indício subjetivo de que a Arguida tivesse agido enformada por um dolo de homicídio. Antes pelo contrário, entende-se que, não só das declarações da Arguida - única forma de obtermos um contacto mais direto com o elemento subjetivo - mas até dos elementos objectivos (concretamente dos factos provados supra citados), resulta sim que existe um dolo de ofensa à integridade física."

Sem razão, todavia, pelos motivos já referidos. Pois que, o dolo, na sua actuação de homicida, é notório. A sua intenção de matar o marido é óbvia, pois como já afirmado, "assente ficou, ainda, que a arguida representou e quis tirar a vida ao seu marido, o que conseguiu, e para tanto representou e quis desferir pelo menos 85 pancadas e golpes de martelo (as pancadas» com a parte metálica deste, foram desferidas na cabeça da vítima) e de faca no corpo deste, com o propósito alcançado de lhe causar a morte, ... ficou cristalizado que a arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram censuráveis, proibidas e punidas pela lei penal."

Assim, a recorrente carece de razão, de novo, neste segmento do recurso.”

Em vista da transcrição efectuada, permitia-se-nos dizer, que omissão de pronúncia quanto à subsunção dos factos ao suposto preceito incriminador – e até a eventuais causa de justificação – foi algo que de não se pode acoimar, sem quebra de arrimo á verdade, o tribunal recorrido ter ficado incurso. O tribunal conheceu das alternativas ao crime que lhe havia sido imputado na acusação e que a recorrente havia contraposto no recurso. Nem, diga-se em abono e em arrimo dos princípios de cognoscibilidade e pronúncia, o tribunal estava cominado a conhecer, esmiuçadamente e esquadrinhando por elementos constitutivos, cada uma das hipóteses incriminatórias que a recorrente apontou – ofensa à integridade fisica agravada pelo resultado morte, homicídio privilegiado e homicídio qualificado. Poderia, numa economia de razões e encurtamento de argumentação, ter subsumido a conduta (activa) da recorrente ao preceito incriminador, dizendo que se verificavam os respectivos pressupostos e elementos, objectivos e subjectivos, e em seguida dizer, num remate (reducionista e minimalista) que a apreciação dos demais supostos incriminadores se encontravam «prejudicados». A recorrente pugnou – e continua a pugnar – pela integração da respectiva conduta num tipo de ilícito – ofensa á integridade fisica agravada pelo resultado da morte (artigo 147º do Código Penal) – e pretendia que o tribunal analisasse os elementos deste tipo de ilícito, sem o que ficaria a decisão incursa num vício endógeno de omissão de pronúncia. Em nosso juízo, a omissão de pronúncia não acoberta e agasalha esta omissão. Desde logo, porque o tribunal não está sujeito à alegação das partes quanto aos aspectos jurídicos da causa – ainda que não deva deixar de abordar todos os ângulos e perspectivas em que o caso se exprime e reverbera. Depois porque, com já deixamos esquissado, se o peticionante formula o respectivo pedido numa sequência alternativa – «a não ser do modo indicado, sempre deverá/poderá ser do modo que em seguida se indica» ou, «se não for pela forma pretendida pode, em alternativa, assumir esta forma» - o tribunal optando pelo pedido formulado em primeiro, pode, ou melhor será dizer, não tem, que se pronunciar quanto aos pedidos alternativos que lhe são endereçados. Se a recorrente diz que não deve condenado pelo crime de homicídio qualificado mas sim por um crime de ofensa á integridade fisica agravado, se o tribunal se propuser a analisar o crime de homicídio e concluir pelo preenchimento dos respectivos elementos constitutivos fica dispensado de emitir pronúncia, expressa e escandida, sobre os pedidos (alternativos) que lhe são formulados.

Desatende-se, pois, este segmento do recurso, isentando a decisão de qualquer vicio que a inquine.

(Em jeito de obiter dixit, e sem outro cuidado, dir-se-á que, ao contrário do que a recorrente insinua, o tribunal não cometeu excesso de pronúncia por ter analisado a possibilidade de existência de uma causa justificativa de legitima defesa, ou qualquer outra. O tribunal não está impedido, na sua amplitude cognoscente, de analisar a verificação de existência dos pressupostos/elementos que constituem o preenchimento ilícito-típico e de excluir a sua não verificação pela não ocorrência de causas de justificação. Aliás, diga-se, que em bom rigor, e num procedimento de completude cognitivo-analítica, o julgador deveria afastar sempre, e em qualquer processo de cognoscibilidade, a existência ou verificação de ocorrência de causa de justificação do ilícito por que se determina e que deve proferir um juízo condenatório. Só assim fica devidamente apartada qualquer inferência quanto ao juízo de culpabilidade gerador da aplicação de uma sanção penal.)

§2.(ii). – VICIOS DA DECISÃO RECORRIDA (Artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal)

O tribunal recorrido, apreciou o alanceado vício de erro notório na apreciação da prova (ínsito na decisão prolatada pelo tribunal de primeira (1ª) instância, naturalmente), com a sequente argumentação (sic).

Erro notório na apreciação da prova

A análise do texto do acórdão recorrido demonstra que o mesmo não padece do alegado vício expressos no nº 2, al. c), do aludido compêndio adjectivo.

O mesmo terá de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques - Recursos em Processo Penal/4ª edição/74, defendem que o erro na apreciação da prova consiste na falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se deu como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.

Pelos motivos já desenvolvidos nos parágrafos e ponto anterior, para os quais remetemos, dir-se-á o acórdão recorrido não padece de nenhum vícios ou nulidade, pois, no que ao erro notório respeita, do seu texto, não se vislumbra na apreciação da prova uma falha grosseira e ostensiva, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se deu como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, Dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.

No caso em análise a formulação da convicção esteve em consonância com as regras da lógica e da experiência comum e baseou-se em juízos lógicos e objectivos, respeitadores das regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.

Resulta, quer da audição do registo da prova, quer da análise da motivação dos factos, que o tribunal fez correcto uso do princípio da livre apreciação da prova, tendo valorado de forma completa e competente a prova produzida em sede de julgamento e que determinou a formação da convicção de que a arguida, AA, efectivamente. "sabia que DD era seu marido, com quem estava casada há cerca de 15 anos, e que desse casamento resultavam deveres mútuos de respeito, cooperação e assistência, e que este era o pai dos seus dois filhos menores, que se encontravam a escassos metros do local dos factos.

Assente ficou, ainda, que a arguida representou e quis tirar a vida ao seu marido, o que conseguiu, e para tanto representou e quis desferir pelo menos 85 pancadas e golpes de martelo e de faca no corpo deste, com o propósito alcançado de lhe causar a morte.

Por fim, ficou cristalizado que a arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram censuráveis, proibidas e punidas pela Sei penal."

Ora recorrendo a regras de experiência e porque para se aferir ou não da existência da intenção criminosa, se há-de retirar os elementos confirmativos da sua verificação, da matéria fáctica dada como provada e não provada

Por outro lado, o conhecimento do carácter proibido da conduta do infractor é do conhecimento do homem médio, até de qualquer pessoa, e, portanto, da arguida/recorrente.

Não nos podemos esquecer que ao julgador não é permitido formular um juízo de “non liquet” sobre a prova produzida e que só a ele é exigida objectividade, podendo ser, e sendo-o muitas vezes, diferente a perspectiva com que a prova é entendida e avaliada, o que origina, a final, que se possam obter resultados díspares ou pelo menos não coincidentes.

Concluindo, no caso em análise, este vício não se mostra verificado.”

Tendo a arguida acoimado a decisão recorrida de “plágio” – em termos informáticos de “copypast” – da decisão de primeira instância, quanto à formação da convicção e argumentação desenvolvida para justificar a interpretação das provas produzidas em julgamento, poder-se-ia, por ironia argumentativa, dizer-se, quanto a este tema de discussão recursiva, que, por truísmo, “se já foi declarada a não verificação do apontado vício à decisão “plagiada”, então o produto do “plágio” também não poderá estar ervada de um vício de que o “original plágio” está defeso.”

Demasiado fácil e pouco convencional.

A decidibilidade de um caso sujeito à avaliação/valoração do sistema judiciário carece de uma base coerente e congruente com regras de racionalidade e de lógica histórico-social e sistémica. A base factual em que deve assentar uma decisão deve prover-se de todos os dados e elementos compatíveis e significantes com a unidade natural de acção em que se identifica e substancia aquele núcleo típico donde deriva e se concerne a imputação, ou pressuposto de afirmação de responsabilidade criminal, a um determinado sujeito. A fissura ou disrupção do contexto lógico-fundamentador de uma decisão é susceptível de ocasionar descontinuidades de razoamento compreensivo e de inteligibilidade, supressoras de um comprometimento racional com a realidade e com uma linha orientadora de pressupostos de acção e procedimentos adquiridos pelo corrente e normal proceder e agir (assumido e experienciado) pela vivência do indivíduo em determinado meio e tessitura societária.

Uma situação de carência lógico-compreensiva (da base factual em que se funda e esteia uma decisão judicial) não pode deixar de ocasionar um discrasia do sentido decisório e da aptidão resolutiva do caso sujeito a julgamento, a reclamar a sua denúncia e reparação por meio de um processo integrador e reconversão da realidade histórico-social diferida e esconjurada.

O sistema processual-legal crisma o vício de carência e depreciação da realidade factual pressuposta e significativa de um determinado acontecer (nuclear e típico) da vida referido a um procedimento decisório (judicial) de “erro notório na apreciação da prova” (artigo 410º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal).   

Comentando o preceito adrede, postula Pereira Madeira (in Código de Processo Penal, Comentado, 2016, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, p. 1272) que “uma coisa é a indagação, por parte do tribunal ad quem dos vícios a que se refere o artigo 410º, outra bem diferente, actividade necessária a suprir esses vícios quando existam.

Verdadeiramente, na primeira hipótese, trata-se de uma tarefa puramente jurídica, de matéria de direito, afinal, já que mais nenhuma prova é necessária ao tribunal respectivo para que possa concluir pela eventual existência ou não dos falados vícios. Tal tarefa de indagação mais não constitui, afinal, que a aplicação da norma adjectiva do artigo 410º, ora em causa, às circunstâncias concretas da decisão em recurso. É a lei que inculca com clareza, ao impor que o vício resulte apenas da e só do texto da decisão recorrida, eventualmente com recurso suplementar à regras de experiência comum. Por isso fica excluída da previsão do preceito toda a tarefa de apreciação ou valoração da prova produzida, em audiência ou fora dela, nomeadamente a valoração de depoimentos, mesmo que objecto de gravação, documentos ou outro tipo de provas, tarefa reservada para o conhecimento em decisão sobre a matéria de facto.” Concretamente, acerca deste vício (erro nório na apreciação da prova)”, refere-se mais adiante (ibidem, págs. 1275) que “estão incluídas, evidentemente, as hipóteses de err evidente, escancarado, escandaloso, de que qualquer homem médio dá conta.

Porém, esta interpretação do preceito pecaria por demasiado restritiva do seu alcance e deixaria a descoberto muitas situações de matéria de facto viciada por erro notório da apreciação da prova.

Na verdade, seria inconcebível que, não obstante ser inacessível ao homem médio, mas evidente a qualquer jurista ou, mesmo para o tribunal, ainda assim, o vício não devesse ser sanado pela previsão do preceito em causa. Assim, estão aqui também previstas todas as situações de erro clamoroso, e, que numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente, ao tribunal de recurso, assegurar, em margem para dúvidas, comprovar que, nelas, a prova foi erroneamente apreciada.

Certo que o erro tem que ser «notório». Importa, pois, para assegurar essa notoriedade que ele ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha que ser devidamente escrutinado e sopesado à luz das regras da experiência, não necessariamente só do homem comum. Ponto é que, no fim, não reste qualquer dúvida sobre a existência do vício e que essa existência fique devidamente demonstrada pelo tribunal ad quem, demonstração essa que, naturalmente, deve ser acessível a toda a gente, enfim, agora sim, ao homem comum.”     

A sindicância de um vício emergente do contexto interno e próprio da decisão só é possível se da leitura interpretativa dessa decisão não reverberar um sentido de compreensibilidade (lógico-racional e dedutiva) que consolide e estabeleça com coerência e congruência o discurso decisional em que culminou a pronúncia. Adregando uma falha ou disrupção de conteúdo narrativo do contexto exposto, por carência de elementos e factores materiais que embasem o raciocínio condutor da pronúncia, pode detectar-se um vício inquinador da decisão susceptível de a invalidar para a segurança e eficácia da pronúncia jurisdicional. (Doutrinou-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 7.9.2016, proferido no processo nº 450/14.0JACBR.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, que “V - Sendo o recurso para o STJ um recurso de revista ampliada, configura-se, a possibilidade que é dada ao tribunal de recurso de conhecer a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a decisão de direito não encontre na mesma matéria uma base tal que suporte um raciocínio lógico subsuntivo que permita a conclusão; de verificar uma contradição insanável da fundamentação sempre que através de um raciocínio lógico conclua que da fundamentação resulta contrária ou que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a contradição entre os fundamentos aduzidos; de concluir por um erro notório na aprecia o da prova sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária, ou pelo menos diferente, da exposta pelo tribunal. VI - Carece de fundamento a invocação de tais vícios se não se vislumbra na análise da decisão recorrida, e só ela releva para o fim em vista, onde é que exista uma insuficiência dos factos para a decisão de direito ou se descortine um erro notório ou de desconformidade entre a fundamentação e a decisão.” – in www.dgsi.pt)

A recorrente não evidencia ou demonstra em que parte do texto da decisão recorrida se deve assinalar o dito erro notório na apreciação da prova, ou, dito de outro modo, a recorrente acoima a decisão recorrida – como já havia feito à decisão de primeira (1ª) instância – de erro notório não referente ao texto da decisão, mas à divertida e distópica interpretação que faz da prova produzida. Não é o texto, na sua literalidade, que enferma do erro, mas a interpretação que o julgador verteu no texto da sua próprio e sedimentada convicção ou juízo avaliativo da prova produzida em julgamento. O vício, na compreensão do alegado pela recorrente, tem de ser catado e sugado na produtor ou fonte do texto, sendo nesta sede e neste veio de manifestação do juízo interpretativo que a discordância se finca e esparsa. Sobre a mesma prova, a recorrente dissente do julgador e aí reside o erro (notório) que foi vertido no texto. Porém, na lição de Umberto Eco, “nada mais significativo que um texto que afirme o seu próprio divórcio de sentido.” (Umberto Eco, “Os Limites da Interpretação”, Difel, 1990, p. 18.

Lido (ou, melhor dito, relido) o texto da decisão recorrida não logramos descortinar alogias ou desconformidades de raciocínio que sejam incompatíveis com o que qualquer homem médio poderia acolher da leitura do texto. O texto tem um discurso unívoco e socavado na interpretação que lhe terá sido permitida pela análise da prova que tiveram a oportunidade de utar.

Ainda assim, por excesso e afeiçoados à divisa “quod abundat non nocet” dir-se-á que relativamente aos pontos que a recorrente acoima de alogias impressas na factualidade adquirida – não é este o termo mas o sentido é similar – elas só o são porque a recorrente pretende conferir uma perspectiva jurídica diversa daquela que o tribunal assumiu e por que enveredou.

Refere a arguida/recorrente que não encontra fio de raciocínio lógico, congruente e coerente no eito probatório que se desfila nos factos anteriores ao item 25 e a conclusão que aí vem asserida. (É, relembremo-lo, do seguinte teor o item 25 da matéria de facto adquirida “A arguida representou e quis tirar a vida ao seu marido, o que conseguiu, e para tanto representou e quis desferir, pelo menos, 85 pancadas e golpes de martelo e de faca no corpo deste, com o propósito alcançado de lhe causar a morte.”)

Nos itens anteriores a factualidade adquirida descreve os momentos de acção da arguida, com o desferimento de pancadas (contundentes) com um martelo, na cabeça da vítima, (7) e de golpes, incisos, cortantes e ferentes, em diversas partes do corpo (tórax, pescoço e finalmente na perna) da vítima (67), bem assim o modo de proceder (de abandono e descuro) da arguida relativamente ao estado em que a vítima se encontrava (prostrado no chão, ainda com vida – mas, certamente, desfalecido e em estado de inacção e inanidade fisica – e com uma faca espetada na parte lateral da perna e, decerto, a esvair-se em sangue (como atesta uma das primeiras testemunhas a chegar ao local e que tentou evitar que a vítima golfasse o sangue que lhe escorria da boca, GG, as outras terão sido o XX, a mulher e a II).

Concluir, por inferência do narrado/descrito nos itens antecedentes – onde, itera-se, se representou a acção agressiva da arguida mediante a o desferimento de marteladas e facadas em diversas partes (vitais) do corpo da vítima – que a arguida, com a acção descrita teve a intenção de tira a vida à vítima e que, com a descrita acção, representou e quis que da sua acção sobreviesse a morte da pessoa lesada e ofendida, não nos parece desconexo e incomum, e tão absconso, abstruso e incônscio que possa ferir a inteligência do homem comum.

Dir-se-ia que, talvez, – e nós fá-lo-íamos – o item 25 poderia ter sido antecedido de um, ou dois, itens explicativos de como com aqueles instrumentos e com o atingimento das partes do corpo e as feridas conseguidas, a arguido não poderia ter deixado de prefigurar a morte da vítima, porquanto as partes do corpo (atingidas) eram vitais e a abastança dos golpes desferidos eram idóneos e perfeitamente aptos s causar a causar da vítima. Ficaria, por certo, a sequência lógico-racional da ilação a efectuar mais explicitada e o fio de inferência dedutiva mais completo. No entanto, e salvo o devido respeito, não se nos afigura refractário a uma operação de inferência lógico-dedutiva, ao alcance de um homem comum (histórico-socialmente situado), que se tenha descrito a acção material da arguida, com descrição dos instrumentos utilizados na agressão e o atingimento nas partes do corpo referidas, e de seguida inferir que com essa acção a arguida tivesse representado e tivesse figurado tirar a vida à vítima, “o que conseguiu, e para tanto representou e quis desferir, pelo menos, 85 pancadas e golpes de martelo e de faca no corpo deste, com o propósito alcançado de lhe causar a morte.”.

Já no que à línea O), da matéria de facto não provada, concerne e pela qual a arguida pugna a existência de um erro notório da avaliação e apreciação/valoração da prova, dir-se-á que, salvo o devido respeito, se trata de uma divertida interpretação da prova entre o órgão decisor e a arguida.

Refere-se na referida alínea que (sic): “A partir do ano de 2005, DD, em número não concretamente apurado de vezes, obrigou a arguida ter relações sexuais de cópula vaginal e anal contra a sua vontade (o que lhe provocou uma fissura anal), dava-lhe joelhadas na barriga sem qualquer motivo e batia-lhe na cara e em outras partes do corpo (o que lhe provocava nódoas negras).

O resultado de não provado resulta da apreciação da prova efectuada pelo tribunal e que ficará explicitada na motivação que se transcreve infra. A alogia que, na alegação da arguida, resulta da não aquisição do facto como positivo/provada decorre da produção de produção que indica e não do texto da decisão. A arguida estima, na sua avaliação da prova produzida, que o depoimento das testemunhas que indica e da prova documental apresentada deveria ter conduzido a uma divertida e antinómica percepção/convicção do tribunal e desaguar num resultado factual (positivo) diverso. É uma diversa e antagónica avaliação/apreciação da prova que induz a arguida á afirmação de que o facto dado como “não provado” constitui um “erro notório” na apreciação da prova e não um erro que resulta da lesão/ferimento das regras da experiência comum e do que se foi apreciação da prova efectuada pelo tribunal em audiência de julgamento.

A avaliação dos elementos probatórios – que, itera-se, estão afastados da sindicância/escrutínio deste Supremo Tribunal de Justiça, a menos que se revele uma flagrante e ostensiva violação de regras de experiência vivenciadas por um qualquer indivíduo colocado, histórico-socialmente numa determinada tessitura social e de com um acervo sociocultural adquirido e praticado – não pode constituir-se como fundamento de existência de qualquer dos vícios elencados nas alíneas do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal. Diversas perspectivas, percepções e compreensões da realidade (histórico-factual e, portanto, dinâmica) a adquirir através de prova que sobre ela se haja de produzir para demonstrar/comprovar a existência, ou não, de um facto ocorrem de modo frequente e constante. A percepção/compreensão da realidade humana e social não se constitui como um dado de inteligibilidade estática e imutável, cambiando de perspectiva segundo a mundividência de cada um e o modo como cada um enfrenta a realidade que lhe é apresentada e lhe é dada viver. [Em jeito de curiosidade poderão ler-se, com proveito de Jordi Ferrer Beltrán, “Prueba y Verdad en el Derecho”, Marcial Pons, 2005 e “Valoración Racional de la Prueba”, Marcial Pons, 2007; Michele Taruffo, “La Prueba”, Marcial Pons, 2008 e “Simplemente la Verdad”, Marcial Pons, 2010; Susan Haack, “Filosofia del Derecho y de la Prueba, Perspectivas Pragmatista”, Marcial Pons, 2020; Marina Gascón Abellán, “Los Hechos en el Derecho. Bases argumentales de la Prueba, Marcial Pons, 2004; e por último, mas não menos interessante, um livro do Juiz italiano (também escritor) Giancarlo Carofiglio, “El Arte de la Duda”, igualmente publicado na Marcial Pons.]     

A divergência de apreciação da prova, desde que ela própria não se constitua como uma flagrante, ostensiva, aparatosa e grosseira violação da regras de experiência não pode constituir-se como fundamento para procedência da alegação/existência de “erro notório na apreciação da prova. [“O que constitui o carácter típico das máximas de experiência é o facto de que estas são máximas, e por esta razão são enunciadas na forma de «regras», quer dizer, como proposições de natureza tendencialmente geral. Muitos estereótipos podem ser facilmente traduzidos em máximas (por exemplo: o estereotipo da mulher fiel pode ser traduzido na máxima de experiência «todas as mulheres fieis se comportam assim e assim»; o estereotipo do traficante de droga pode ser traduzido na máxima «todos aqueles que se comportam assim e assim, são traficantes de droga». Sem embargo, queda o facto de que as máximas de experiência se referem tendencialmente a uma pluralidade de factos ou de comportamentos, cujo conhecimento se supõe derivado da experiência de estes factos ou comportamentos, e enunciam o que parece ser a regularidade na sua verificação” – Michele Taruffo, “Hacia una Decisón Justa”, Zela Grupo Editorial/Editorial CEJI, Peru, México, 2020, pág. 363.             

Por o que queda argumentado, não ocorre o apontado vício, nem já agora, qualquer dos outros (dois: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; e contradição insanável da fundamentação) ineridos nas alíneas do artigo 410º do Código de Processo Penal. 

§2. – FUNDAMENTAÇÃO.

§2.(A) – DE FACTO.

A solução da pretensão recursiva, firmar-se-á na factualidade que a seguir queda transcrita.

"Matéria de facto provada

(…) Da acusação pública

1) A arguida e DD, este nascido em ……-1967, casaram um com o outro no dia …-10-2003 e dessa união vieram a nascer os filhos QQ, no dia …….-2005, e ZZ, no dia ……-2008.

2) A arguida e o seu marido DD residiram, desde data próxima do seu casamento e até ao dia …-08-2018, na Rua …., em ….., onde viviam com os seus dois filhos.

3) A arguida, licenciada em…., à data de …-08-2018, exercia as funções de … do 3º ciclo do ensino básico no Agrupamento … ..

4) DD, licenciado em …., era … do ensino secundário e estava colocado também no Agrupamento de Escolas …. .

5) A arguida, no dia …-08-2018, peias 14h07m, telefonou para HH, sua amiga, e combinou com esta irem nessa noite, depois do jantar, juntamente com os seus filhos QQ, ZZ e AAA, ao Parque ……, para estes se distraírem com o jogo virtual dos …….

6) Após jantar com a arguida e com os dois filhos, DD deitou-se no sofá existente no alpendre, que se encontra próximo das portas de acesso à cozinha e à garagem.

7) De seguida, cerca das 21h00m, a arguida saiu com ambos os filhos de casa e dirigiu-se à viatura de marca ….., que se encontrava estacionada no logradouro defronte da garagem, para efeitos de irem buscar HH e o seu filho AAA e de todos se deslocarem ao Parque …...

8) A arguida disse então a QQ e a ZZ para entrarem no carro e, depois de colocar a sua mochila no interior da viatura, disse-lhes que tinha de ir à casa de banho e que estes esperassem no interior do mesmo.

9) De seguida, entrou em casa e entrou na posse, de modo não concretamente apurado, de um martelo com o peso de 0,46 quilogramas e com o comprimento total de 29,2 centímetros. Na parte superior, o martelo é composto por uma peça em metal ferroso, do tipo "bico de pato", com o comprimento de 10,5 centímetros e largura máxima de 2,5 centímetros, tendo num dos topos as dimensões de 2,5 centímetros x 2,0 centímetros e no outro as dimensões de 0,6 centímetros x 2,5 centímetros, sendo que o cabo de cor amarela, em plástico, tem o comprimento de 26,7 centímetros e é revestido a borracha de cor preta desde a sua base até aos 17,5 centímetros de altura.

10) Munida desse martelo que agarrava pelo cabo, a arguida acercou-se do alpendre onde DD se encontrava e, com a parte de metal, desferiu-lhe, pelo menos, sete pancadas na cabeça, que causaram, a DD, dores de grande intensidade e as seguintes lesões:

a. I- No hábito externo:

1 - Ferida contusa com formato aproximado de "L", com vértice posterior, localizada na porção superior da região parietal esquerda, medindo treze milímetros o ramo direito e catorze milímetros o ramo esquerdo;

2 - Ferida contusa, arei forme de concavidade posterior, localizada na porção posterior da região parietal direita, medindo catorze milímetros de comprimento;

3 - Ferida confusa com um ramo oblíquo para a frente e medialmente com vinte e quatro milímetros de comprimento, na porção média do qual parte um ramo quase ortogonal que se prolonga para trás e medialmente, medindo seis milímetros de comprimento, e cuja extremidade anterior se prolonga por um ramo ortogonal medindo três milímetros de comprimento, localizada ao nível da porção mais superior das regiões parietais;

4 - Ferida confusa com formato de transição entre “T" e uma estrela de três pontas, com os dois ramos mais anteriores em posição praticamente alinhada e transversal, medindo trinta e seis milímetros de comprimento (no conjunto) e o terceiro, que se prolonga posterior e lateralmente, com quinze milímetros de comprimento, localizada na transição entre a porção mais posterior da região parietal direita e a região occipital;

5 - Ferida confusa com formato de transição entre "T" e estrela de três pontas, com os dois ramos mais laterais esboçando uma linha com concavidade lateral, medindo trinta e três milímetros de comprimento, e o terceiro, medindo sete milímetros de comprimento, localizada na transição entre a porção posterior da região parietal esquerda e a região occipital;

6 - Ferida confusa com formato de transição entre "T" e estreia de três pontas, localizada na região occipital, sensivelmente ao nível da linha média, duas das quais relativamente alinhadas e medindo dois centímetros de comprimento e a terceira medindo um centímetro de comprimento;

7 - Ferida contusa com um ramo oblíquo para a frente e medialmente com vinte e quatro milímetros de comprimento, na porção média do qual parte um ramo quase ortogonal que se prolonga para trás e medialmente, medindo seis milímetros de comprimento, e cuja extremidade anterior se prolonga por um ramo ortogonal medindo três milímetros de comprimento, localizada ao nível da porção mais superior das regiões parietais;

b. II- No hábito interno:

8 - Na abóbada dos ossos da cabeça, área com formato aproximadamente bem demarcados, medindo 10 e 7 milímetros e abertura posterior, com ligeira depressão limitada tábua externa, por fratura e afundamento, mais acentuado junto ao ângulo, localizada na porção superior e posterior da região parietal esquerda, e;

9 - Área com formato aproximadamente triangular com dois bordos ortogonais, adjacentes ao ângulo mais notório, bem demarcados, medindo 10 e 5 mil metros, e abertura aparentemente anteromedial, com ligeira depressão limitada tábua externa, por fratura e afundamento, mais acentuado junto ao ângulo, localizada a nível da porção superior da região parietal direita, ligeiramente afastada da linha média;

10 - Soluções de continuidade dos tecidos e na continuidade das feridas supra descritas, rodeadas por infiltração sanguínea.

11) Após, a arguida continuou a desferir a DD pancadas com a parte metálica do martelo, pelo menos por duas vezes, atingindo-o na mão direita, causando-lhe dores e as seguintes lesões:

1 - A fratura diafísária da falange proximal do dedo médio

2 - Ferida contusa oblíqua disto-lateralmente, ao nível do dorso da falange proximal do 5.° dedo, medindo três milímetros de comprimento;

3 - Ferida superficial oblíqua disto-lateralmente ao nível da porção distai do espaço interósseo entre o 4.° e 5.° dedos, medindo quatro milímetros de comprimento;

4 - Escoriação ao nível do dorso da falange proximal do dedo anelar, medindo três milímetros de comprimento;

5 - Ferida contusa oblíqua disto-lateralmente, ao nível do dorso da falange proximal do 5.° dedo, medindo três milímetros de comprimento;

6 - Equimose arroxeada localizada sensivelmente ao nível da metade distal dos 4.°s e 5.°s metatársicos, prolongada distalmente até ao nível do dorso das falanges proximais dos dedos correspondentes, medindo cerca de quatro centímetros de eixo maior por três centímetros e meio de eixo menor,

12) Face ao atordoamento causado pelas pancadas sofridas, DD sentou-se no sofá, em estado combalido e a sangrar abundantemente da cabeça, pelo que a arguida, persistindo no seu propósito de tirar a vida a DD, foi buscar, a local não concretamente determinado, uma faca de cozinha de marca "….” com trinta centímetros de comprimento total, medindo a lâmina dezoito centímetros de comprimento e 3,5 centímetros de largura máxima.

13) Empunhando a mencionada faca com a mão direita, agarrando-a pelo cabo e com a lâmina virada para baixo, a arguida aproximou-se de DD e, espetou, pelo menos por dez vezes, o bico da faca com força, enterrando parcialmente a lâmina na zona dos ombros deste, na área posterior do pescoço, e que aí causaram diversas feridas corto-perfurantes.

14) Ao sentir esses golpes, DD levantou-se e caminhou na direção da piscina, utilizando os braços e as mãos para se defender dos diversos golpes que a arguida lhe ia infligindo, seja por corte com a lâmina, seja por perfuração com o bico da mesma, ao mesmo tempo que, em voz alta, pedia que o acudissem, tendo ainda proferido, por várias vezes, as frases "Ó AA, olha a faca, AA" e "Olha a faca AA, olha a faca".

15) Os gestos defensivos efetuados por DD lograram atingir a arguida no seu membro superior direito, tendo-lhe aí causado:

1 - Equimose com áreas arroxeadas e avermelhadas no terço próxima! da face anterior do braço, com as dimensões de 4 centímetros x 1,5 centímetros;

2 - Equimose arroxeada no terço médio da face anterior do braço, com a dimensão de 1,5 centímetros de diâmetro;

3 - Equimose arroxeada do terço distai da face anterior do braço, com as dimensões de 3 centímetros x 1,5 centímetros;

4 - Equimose arroxeada no cotovelo, com as dimensões de 1,5 centímetros de diâmetro;

5 - Equimose avermelhada na flexura do cotovelo, com as dimensões de 2 centímetros x 1 centímetro.

16) No entanto, a arguida continuou a desferir diversos golpes com a referida faca, atingindo DD em diversas zonas da cabeça, do pescoço, do tronco e dos membros superiores e inferiores, quer do lado direito, quer do lado esquerdo, só parando quando este, após cair no chão junto à piscina, deixou de ter reação.

17) A arguida, ao aperceber-se que DD tinha deixado de reagir, espetou-lhe profundamente a lâmina da faca na zona exterior da coxa esquerda, quase até ao cabo, e aí a deixou ficar.

18) No total e como se descreveu, a arguida desferiu, pelo menos, 19 (setenta em nove) golpes com a faca mencionada em diversas zonas do corpo de DD, causando-lhe múltiplas dores e as seguintes lesões:

A) Na cabeça:

I - No hábito externo:

1 - Ferida incisa C 01 oblíqua anteriormente e para a direita, localizada na porção superior da metade esquerda da região frontal, medindo cinquenta e três milímetros de comprimento;

2 - Ferida incisa C 0 oblíqua para a frente e medialmente, localizada na porção superior da região parietal esquerda medindo setenta e cinco milímetros de comprimento;

3 - Ferida incisa C 0, oblíqua para a frente e medialmente, localizada ligeiramente abaixo e atrás da ferida previamente descrita, medindo vinte e oito milímetros de comprimento;

4 - Ferida incisa C 0 descrevendo uma discreta concavidade inferior na porção lateral, medindo sessenta milímetros de comprimento, com uma cauda mais superficial e comprida ao nível esquerdo, medindo quinze milímetros de comprimento, localizada na metade direita da região frontal, entre a linha de inserção do couro cabeludo e o supercílio ipsilateral;

5 - Três feridas incisas em aparente continuidade a primeira C 05 oblíqua ligeiramente ascendente, localizada ao nível da porção mais superior da face anterior do pavilhão auricular direito, que atinge os ramos da anti-hélix e cessa antes de alcançar a fossa triangular, medindo vinte milímetros a segunda C 0, que atinge a porção mais anterior da hélix por trinta milímetros a terceira C 0 localizada na face, junto inserção anterior do pavilhão auricular, prolongando-se por vinte milímetros;

6 - Ferida incisa C 0 sensivelmente transversal, localizada ao nível da anti-hélix do pavilhão auricular direito, medindo três milímetros de comprimento;

7 - Ferida corto-perfurante com componente inciso C 0 sensivelmente transversal, localizada ao nível da concha do pavilhão auricular direito, medindo vinte milímetros de comprimento e um trajeto descendente, com atingimento de cartilagem e tecidos, com uma profundidade aparente de cerca de trinta milímetros;

8 - Ferida incisa C 10 sensivelmente transversal, localizada no lóbulo do pavilhão auricular direito, medindo vinte milímetros de comprimento;

9 - Duas feridas incisas lineares C 11 e C 1 localizadas na porção inferior da região pré-auricular, sensivelmente ao mesmo nível que a ferida imediatamente acima descrita, não se excluindo que possam ter sido produzidas em ato contínuo com aquela, a superior medindo vinte milímetros comprimento e a outra dez milímetros de comprimento;

10 - Ferida corto-perfurante com componente inciso C 1 sensivelmente transversal com extremidade posterior mais afilada, localizado ao nível do início anterior da hélice do pavilhão auricular esquerdo, medindo vinte milímetros de comprimento e um trajeto descendente na espessura de tecidos da cabeça;

11 - Ferida incisa superficial C 1 ao nível do ramo anterior da antihélix do pavilhão auricular esquerdo e da lesão imediatamente acima descrita, sugerindo ter sido produzida simultaneamente com aquela;

12 - Ferida incisa C 15 oblíqua inferoanteriormente, ao nível posterior e superiormente ao 1 bulo e início da inferior da hélix, medindo sete milímetros de comprimento;

13 - Ferida incisa C 1 oblíqua inferoanteríormente, no lóbulo do pavilhão auricular esquerdo, com transecção parcial antero-posterior do mesmo, que sugere ter sido produzida simultaneamente com a ferida imediatamente acima descrita, medindo dezasseis milímetros de comprimento;

14 - Ferida corto-perfurante, produzida em ato contínuo com a lesão imediatamente acima descrita, com componente inciso C 1 medindo vinte e dois milímetros de comprimento e extremidade posterior mais afilada, localizado na porção mais inferior da região retroauricular esquerda, junto inserção do pavilhão auricular, e um trajeto descendente na espessura dos tecidos da cabeça e pescoço;

15 - Escoriação na face posterior do pavilhão auricular direito, medindo três milímetros de comprimento;

16 - Escoriação infracentimétrica na porção superior da vertente lateral direita do dorso do nariz;

17 - Escoriação lateralmente e direita da porção inferior do dorso do nariz, medindo  cinco milímetros de comprimento por doze milímetros de largura;

18 - Escoriação na porção lateral direita da região mentoniana, medindo três milímetros de comprimento por dois milímetros de largura.

II - No hábito interno:

19 - Soluções de continuidade dos tecidos e na continuidade das feridas supra descritas, rodeadas por infiltração sanguínea;

B) No pescoço:

I - No hábito externo:

20 - Ferida incisa 01 sem atingimento do plano muscular, oblíqua inferoanteriormente, localizada na porção superior da região cervical lateral direita medindo vinte e cinco milímetros de comprimento;

21- Ferida incisa 0 sem atingimento do plano muscular, com trajeto em formato aproximado de ascendente, de concavidade inferior na porção posterior e concavidade posterior na porção anterior, localizada desde a porção inferior da região cervical posterior ao terço médio da região cervical lateral direita, mais profunda na porção posterior e média, medindo noventa milímetros de comprimento que anteriormente apresenta duas caudas divergentes, uma, superior, medindo cinquenta milímetros de comprimento e a outra, quarenta milímetros de comprimento;

22 - Ferida corto-perfurante com componente inciso ligeiramente oblíquo inferomedialmente, localizado imediatamente distai extremidade posterior da lesão imediatamente acima descrita, medindo quinze milímetros de comprimento, e um traje to de cerca de dois centímetros na espessura dos tecidos cervicais;

23 - Ferida corto-perfurante com componente inciso (P04) sensivelmente longitudinal, localizado medialmente lesão imediatamente acima descrita e ligeiramente medial e imediatamente abaixo do ponto de inflexão da curvatura da lesão referenciada como 0, medindo vinte e quatro milímetros de comprimento, e um trajeto de cerca de cinco centímetros na espessura dos tecidos cervicais. Inferiormente lesão descrita visualizava-se uma cauda que se prolongava inferiormente por quinze milímetros

24 - Ferida incisa 05 oblíqua infero-anteriormente, localizada no terço superior da região cervical lateral esquerda, medindo doze milímetros de comprimento

25 - Ferida corto-perfurante com componente inciso 0 de extremidade mais afilada posterior, localizado na transição entre o terço superior e médio da região cervical lateral esquerda, distando menos de um centímetro e com orientação idêntica lesão imediatamente acima descrita, e um trajeto descendente na espessura dos tecidos cervicais homolaterais;

26 - Ferida corto-perfurante com componente inciso (P_J)7) de extremidade mais afilada posterior, localizada no terço médio da porção posterior da região cervical lateral esquerda, medindo vinte e três milímetros de comprimento, e um trajeto descendente inferoanteriormente na espessura dos tecidos cervicais homolaterais;

II - No hábito interno:

27 - O tecido celular subcutâneo, soluções de continuidade dos tecidos e na continuidade de feridas descritas no hábito externo, rodeadas por infiltração sanguínea

28 - Os músculos, trajeto colapsado na espessura do músculo esternocleido-mastoideu esquerdo, de difícil individualização, rodeado por infiltração sanguínea e infiltração sanguínea de músculos pré-vertebrais mais extensa esquerda;

29 - Os vasos e nervos, solução de continuidade parcial da artéria carótida esquerda em continuidade com o trajeto descrito na espessura do músculo esternocleidomastoideu esquerdo, com extensa infiltração dos tecidos adjacentes;

30 - A faringe e esófago, infiltração sanguínea abundante dos tecidos retrofaríngeos e porção superior do esófago.

C - No tronco:

I - No hábito externo:

31 - Escoriação na porção inferior da face lateral direita do abdómen, medindo seis milímetros de eixo maior por dois milímetros de eixo menor;

32 - Escoriação no terço inferior da metade direita da região lombar medindo vinte e dois centímetros de comprimento por seis centímetros de largura

33 - Escoriação linear transversal ao nível da região inguinal esquerda, prolongando-se lateralmente, medindo onze centímetros e três milímetros de comprimento, com extremidade mais alargada medindo a medial quatro milímetros de largura e a lateral dois milímetros de largura

34 - Lesão T 01 superficial, linear, ligeiramente arciforme de concavidade medial e inferior, sugestiva de ter sido provavelmente produzida por instrumento a atuar de forma cortante, localizada na porção lateral do terço superior da face anterior do hemitórax direito, medindo quarenta e cinco milímetros de comprimento.

35 - Ferida corto-perfurante T0 na face lateral do hemitórax direito, ao nível da porção inferior da região axilar homolateral, em relação com a ferida corto-perfurante com componentes incisos 0 e 0 a descrever posteriormente, medindo nove milímetros de comprimento

36 - Ferida corto-perfurante com componente inciso (TAO, sensivelmente longitudinal, localizado no terço médio da face anterior do hemitórax direito e com a extremidade inferior sensivelmente ao nível de uma linha imaginária transversal a passar ao nível dos mamilos, medindo vinte e nove milímetros de comprimento, e um trajeto descendente posteromedialmente na espessura dos tecidos da parede torácica.

37 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 0, ovalado, sensivelmente longitudinal, localizado no terço inferior da face anterior do hemitórax direito, medindo vinte e cinco milímetros de comprimento, e um trajeto descendente medialmente na espessura dos tecidos da parede torácica

38 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 05 transversal, localizado no epiastro, direita da linha média, medindo seis milímetros de comprimento e curto trajeto na espessura dos tecidos da parede abdominal anterior;

39 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 0 oblíquo inferomedialmente com extremidade inferior mais afilada, localizada na porção posterior da face lateral da parede abdominal anterior, ao nível do flanco direito, medindo vinte e oito milímetros de comprimento e um trajeto descendente na espessura dos tecidos da parede abdominal;

40 - Ferida coito-perfurante com componente inciso T 0 oblíquo inferomedialmente com extremidade inferior mais afilada, localizada na face lateral da parede abdominal anterior, ao nível do flanco direito e da lesão imediatamente acima descrita mais anteriormente mesma, medindo vinte e oito milímetros de comprimento e um trajeto descendente na espessura dos tecidos da parede abdominal;

41 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T0 oblíquo inferomedialmente com extremidade inferior mais afilada, localizada na face lateral da parede abdominal anterior, inferiormente lesão imediatamente acima descrita, medindo trinta milímetros de comprimento e um trajeto descendente na espessura dos tecidos da parede abdominal;

42 - Ferida corto-perfurante com componente inciso (TAJ)9) de formato ovalado transversal, localizado inferiormente lesão imediatamente acima descrita, praticamente em contato com a extremidade inferior daquela, medindo vinte e três milímetros de comprimento e um trajeto na espessura dos tecidos da parede abdominal;

43 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T10 oblíquo inferomedialmente, localizado no terço superior da porção lateral da face anterior do hemitórax direito, medindo três centímetros de comprimento, com a extremidade superior mais afilada e associada a uma cauda de um centímetro, e um trajeto oblíquo descendente postero-medial na espessura dos tecidos da parede torácica;

44 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 11 arciforme de concavidade inferior por distorção causada pelos tecidos, rodeado por um halo e uim tico arroxeado que se prolongava inferior e lateralmente, localizado ao nível do mamilo esquerdo e atingindo a porção inferior e medial da aréola, medindo quatro centímetros de comprimento, e um trajeto descendente na espessura dos tecidos da parede torácica;

45 - Ferida corto-perfurante T I na face lateral do hemitórax esquerdo, ao nível da porção inferior da região axilar homolateral, que sugere ter sido produzida em ato contínuo com a ferida corto-perfurante com componentes incisos E 0 e E 0 a descrever posteriormente, medindo treze milímetros de comprimento;

46 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 1 oblíquo inferoanteriormente, localizado no terço médio da face lateral do hemitórax esquerdo, medindo trinta milímetros de comprimento, e um trajeto descendente na espessura dos tecidos da parede torácica;

47 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 1 medindo cinco milímetros de comprimento e um trajeto muito curto descendente na espessura dos tecidos da parede torácica;

48 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 15 sensivelmente longitudinal com extremidade superior mais afilada, localizado no epiastro, medindo trinta milímetros de comprimento, e um trajeto na espessura dos tecidos da parede torácica;

49 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 1 sensivelmente transversal, localizado no terço médio da porção posterior da face lateral do abdómen, medindo trinta milímetros de comprimento, e um trajeto oblíquo inferomedialmente na espessura dos tecidos da parede torácica;

50 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 01 ovalado oblíquo inferoposteriormente, com extremidade posterior mais afilada, localizado na porção superior da região supra-escapular esquerda, e um trajeto descendente na espessura dos tecidos dorsais;

51 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 0 sensivelmente longitudinal, com extremidade inferior mais afilada, localizado na porção superior da região escapular esquerda, inferiormente lesão imediatamente acima descrita, medindo trinta e um milímetros de comprimento, e um trajeto sensivelmente descendente medialmente na espessura dos tecidos dorsais;

52 - Ferida corto-perfurante com componente inciso (TP_03) sensivelmente longitudinal, com extremidade inferior mais afilada, localizado medialmente na porção superior da região escapular esquerda inferiormente lesão imediatamente acima descrita, medindo vinte e cinco milímetros de comprimento, e um trajeto discretamente lateral-medial na espessura dos tecidos dorsais;

53 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 0 sensivelmente longitudinal, com extremidade inferior mais afilada, localizado na região escapular esquerda, medialmente s duas lesões imediatamente acima descritas, medindo vinte e oito milímetros de comprimento, e um trajeto discretamente lateral-medial na espessura dos tecidos dorsais;

54 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 05 sensivelmente transversal, localizado na porção inferior e medial da região escapular direita, com extremidade lateral mais afilada, medindo treze milímetros de comprimento, e um trajeto descendente na espessura dos tecidos dorsais;

55 - Ferida corto-perfurante com componente inciso (TP_06) sensivelmente longitudinal, localizado inferiormente região escapular esquerda, lateralmente lesão imediatamente acima descrita, medindo seis milímetros de comprimento, e um curto trajeto na espessura dos tecidos dorsais;

56 - Lesão com formato de cruz orientada longitudinalmente, com o ramo transverso localizado na transição entre o terço superior e médio, resultando aparentemente de duas feridas incisas, a primeira T 0 transversal medindo dez milímetros de comprimento e a outra T 0 medindo dezasseis milímetros de comprimento;

57 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 0 oblíquo inferolateralmente, com extremidade inferior mais afilada, localizado inferiormente lesão imediatamente acima descrita e ligeiramente esquerda da linha média, medindo vinte e um milímetros de comprimento, e um trajeto na espessura dos tecidos dorsais;

58 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 10 oblíquo inferolateralmente, localizado no terço inferior da face posterior do hemitórax esquerdo, medindo quarenta e quatro milímetros de comprimento, e um trajeto descendente inferomedial na espessura dos tecidos dorsais

59 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 11 oblíquo inferomedialmente, localizado na porção lateral da metade esquerda da região lombar, medindo trinta milímetros de comprimento, e um trajeto descendente medialmente na espessura dos tecidos dorsais;

60 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 1 sensivelmente transversal, localizado ao mesmo nível e medialmente lesão imediatamente acima descrita, medindo trinta e seis milímetros de comprimento e um trajeto descendente na espessura dos tecidos dorsais;

61 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 1, oblíquo inferomedialmente, localizado na porção lateral da metade esquerda da região lombar inferiormente lesão referenciada como Til, medindo trinta e três milímetros de comprimento, e um trajeto ligeiramente ascendente na espessura dos tecidos dorsais;

62 - Ferida corto-perfurante com componente inciso (TP14), sensivelmente transversal, localizado inferiormente lesão referenciada como T 1, medindo vinte e seis milímetros de comprimento, e um trajeto ascendente na espessura dos tecidos dorsais;

63 - Ferida corto -perfurante com componente inciso (TP_15), sensivelmente transversal e centrada na linha média, ao nível da porção mais inferior da região lombar, na transição para a região sacro-coccea, medindo vinte e nove centímetros de comprimento, e um trajeto ligeiramente da esquerda para a direita na espessura dos tecidos dorsais;

64 - Ferida incisa T 1, oblíqua infero-lateralmente, com abertura arciforme de concavidade medial, localizada na porção superior e lateral da região supra escapular direita, medindo cinquenta e dois milímetros de comprimento, que se encontrava associada a uma área escoriada que se prolongava lateralmente a partir do bordo mais lateral da lesão;

65 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 1, oblíqua inferomedialmente, localizado na região supraescapular medial e ligeiramente inferior lesão imediatamente acima descrita, medindo vinte e oito milímetros de comprimento, e um trajeto descendente na espessura dos tecidos dorsais;

66 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T í, oblíqua inferomedialmente, localizado na região supraescapular entre as duas lesões imediatamente acima descritas, medindo vinte e oito milímetros de comprimento, e um trajeto discretamente medial na espessura dos tecidos dorsais;

67 - Ferida corto-perfurante com componente inciso (TP 1, sensivelmente longitudinal, localizado na porção superior e lateral da região escapular direita, inferiormente as três lesões imediatamente acima descritas, medindo vinte e seis milímetros de comprimento, e um trajeto medial-lateral na espessura dos tecidos dorsais;

68 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 0, sensivelmente longitudinal, localizado medialmente lesão imediatamente acima descrita, medindo vinte e quatro milímetros de comprimento, e um trajeto medial-lateral na espessura dos tecidos dorsais;

69 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 1, oblíquo inferomedialmente, localizado medialmente no terço médio da porção medial da região escapular direita, medindo quinze milímetros de comprimento, e um trajeto lateral-medial na espessura dos tecidos dorsais;

70 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T, ligeiramente oblíquo inferolateralmente, localizado medialmente no terço inferior da região escapular direita, lateralmente lesão imediatamente acima descrita, medindo vinte e um milímetros de comprimento, e um trajeto medial-lateral na espessura dos tecidos dorsais;

71 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T, longitudinal, localizado no terço inferior da região escapular direita, lateralmente lesão imediatamente acima descrita, medindo seis milímetros de comprimento, e um curto trajeto na espessura dos tecidos dorsais;

72 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T, oblíqua inferoanteriormente, localizado na transição entre a face posterior do tórax e a região axilar direita, medindo vinte milímetros de comprimento, e um trajeto na espessura dos tecidos dorsais;

73 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 5, oblíqua inferoanteriormente, localizado inferiormente lesão imediatamente acima descrita, medindo vinte milímetros de comprimento, e um trajeto na espessura dos tecidos dorsais;

74 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T, oblíqua inferomediaímente, com extremidade medial mais afilada, localizado no terço inferior da face posterior do hemitórax direito, direita da linha média, medindo dezoito milímetros de comprimento, e um trajeto na espessura dos tecidos dorsais;

75 - Esboço de três feridas incisas superficiais na porção posterior da face lateral do hemitórax direito, ao mesmo nível da lesão imediatamente acima descrita a superior T, oblíqua inferoanteriormente, medindo doze milímetros de comprimento uma T , localizada inferiormente imediatamente acima descrita, medindo dez milímetros de comprimento a terceira T, localizada mais anteriormente, com onze milímetros de comprimento

76 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 0, oblíqua inferoposteriormente, localizada na mesma região e inferiormente as lesões imediatamente acima descritas, medindo dezoito milímetros de comprimento, e um trajeto descendente na espessura dos tecidos dorsais;

77 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T 1, oblíquo inferoposteriormente, com extremidade medial mais afilada, localizado na porção lateral da metade direita da região lombar, com caudas superior e inferior, sendo mais comprida esta última, medindo trinta e seis milímetros de comprimento, e um trajeto na espessura dos tecidos lombares;

78 - Ferida corto-perfurante com componente inciso T , transversal, localizado na porção lateral da metade direita da região lombar, mais inferior e posterior lesão  imediatamente acima descrita, medindo trinta e seis milímetros de comprimento, e um trajeto na espessura dos tecidos lombares.

II - No hábito interno: a) No tórax:

79 - Nas paredes, soluções de continuidade e infiltração sanguínea dos tecidos em relação com as feridas com extensão para a profundidade descritas no hábito externo, destacando-se:

a. solução de continuidade da parede ao nível da porção anterior do espaço intercostal direito, na continuidade do trajeto em relação com a ferida referenciada como TA_03;

b. solução de continuidade da parede ao nível da porção anterior do espaço intercostal direito, na continuidade do trajeto em relação com a ferida referenciada como TA_04;

c. solução de continuidade pelo segmento médio transição posterior do 1. Espaço intercostal esquerdo na continuidade de trajeto com direção e origem difíceis de determinar devido ao colapso e interposição de estruturas ósseas

d. solução de continuidade da parede ao nível da porção anterior do espaço intercostal esquerdo, na continuidade do trajeto em relação com a ferida referenciada como TAJ3.

80 - a clavícula, cartilagens e costelas esquerdas, traço de fratura linear pelo bordo anterior da costela em relação com a ferida descrita no hábito externo, referenciada como TAJO;

81 - No pericárdio e cavidade pericárdica, solução de continuidade ao nível da porção superior e esquerda do saco pericárdico, na continuidade do trajeto a descrever a nível do lobo superior do pulmão esquerdo, medindo milímetros de comprimento;

82 - Na artéria aorta, solução de continuidade da parede do segmento ascendente, na vertente esquerda, na continuidade do trajeto a descrever no lobo superior do pulmão esquerdo, medindo milímetros de comprimento, numerosas placas de ateroma dispersas na íntima;

83 - Na pleura parietal e cavidade pleural direita, solução de continuidade da pleura parietal na continuidade dos trajetos descritos ao nível dos espaços intercostais, a primeira medindo 1 milímetro de comprimento, e hemotórax devido a 5 centímetros cúbicos de sangue fluido;

84 - Na pleura parietal e cavidade pleural esquerda, soluções de continuidade da pleura parietal na continuidade do trajeto descritos ao nível dos 1. e espaçosinter costais, a primeira, verticalizada e que se continuava para o lobo superior, medindo vinte milímetros de comprimento, e hemotórax, devido a 5 centímetros cúbicos de sangue fluido;

85 - O pulmão direito e pleura visceral, trajeto na continuidade da ferida descrita ao nível do espaço intercostal ipsilateral, na espessura do lobo médio, medindo a solução de continuidade de entrada, localizada anteriormente, 1 milímetros de comprimento e de saída, localizada posteriormente, milímetros, rodeadas de infiltração sanguínea;

86 - No pulmão esquerdo e pleura visceral, trajeto na continuidade da ferida descrita ao nível da porção posterior do 1. espaço intercostal, na espessura do lobo superior, medindo a solução de continuidade de entrada, localizada superoposteriormente, milímetros de comprimento e a outra, localizada inferoanteriormente, 1 milímetros, trajeto na continuidade da ferida descrita ao nível do espaço intercostal, na espessura do lobo inferior esquerdo, medindo a solução de continuidade de entrada, localizada anteriormente, milímetros de comprimento e a outra, localizada posteriormente 1 milímetros de comprimento, rodeadas de infiltração sanguínea;

87 - No diafragma, solução de continuidade da hemicúpula diafragmática direita, na continuidade do orifício descrito ao nível do espaço intercostal direito que se continua para o fígado e solução de continuidade de fibras da face superior da hemicúpula diafragmática esquerda;

88 - solução de continuidade do tecido conjuntivo em redor da porção distai do se mento descendente torácico da aorta e da veia hemiázigos, sem atingimento destes vasos, com infiltração sanguínea dos tecidos adjacentes, em continuidade aparente com o trajeto descrito no lobo inferior do pulmão esquerdo;

b) No abdómen:

89 - Nas paredes, soluções de continuidade dos tecidos em relação e em continuidade com as feridas descritas no hábito externo, rodeadas por infiltração sanguínea;

90 - No fígado, solução de continuidade no lobo direito, na continuidade da lesão descrita na hemicúpula diafragmática direita;

91 - No estômago, duas soluções de continuidade, uma na face antero-superior e outra na face postero-inferior, e mucosa com algumas sufusões sanguíneas;

92 - Nos intestinos, solução de continuidade do cólon ascendente;

93 - No pâncreas, infiltração sanguínea dos tecidos peripancreáticos da face anterior;

C) No membro superior direito:

I - No hábito externo:

94 - E esquimose tonalidade acastanhada, localizada na porção medial do terço superior do antebraço, medindo quatro centímetros de eixo maior por três centímetros de eixo menor;

95 - Escoriação na porção lateral da face posterior do cotovelo medindo cinco milímetros de diâmetro;

96 - Escoriação arciforme de concavidade anterior, localizada ligeiramente acima e anteriormente acima da imediatamente acima descrita, medindo um centímetro de comprimento;

97 - Escoriação pelo terço inferior do bordo radial do antebraço medindo quatro milímetros de diâmetro;

98 - Esquimose arroxeada na porção distai do dorso da mão, ao nível dometacárpico, prolongando-se até ao nível da falange proximal do dedo correspondente, medindo sete centímetros e meio de eixo maior por três centímetros e meio de eixo menor;

99- Escoriações no dorso do dedo médio, a maior medindo três milímetros de comprimento;

100 - Esquimose arroxeada no dorso das falanges média e distai do dedo indicador medindo seis centímetros e meio de comprimento por três centímetros de largura

101 - Duas escoriações ao nível da porção distai do metacárpico, a maior medindo cerca de um centímetro de comprimento por meio centímetro de largura;

102 - Ferida incisa corto-perfurante com componente inciso 01 longitudinal, localizado na face anterior do ombro medindo vinte milímetros de comprimento, um trajeto descendente e medial com cerca de onze centímetros de comprimento;

103 - Ferida incisa corto-perfurante com componente inciso 0 no terço médio da face anterior do braço, um trajeto na espessura dos músculos e tecidos e um segundo componente incisivo 0 na porção lateral da região axilar, ovalado, com entalhes na porção inferior e uma extremidade superior mais afilada, medindo dois sete milímetros de comprimento. Em relação e na continuidade do trajeto desta ferida corto-perfurante encontra-se a ferida descrita na face lateral do hemitórax ipsiíateral, ao nível da porção inferior da região axilar ver referência T 0;

IT - No hábito interno:

104 - Soluções de continuidade dos tecidos em relação e na continuidade com as feridas descritas no hábito externo, rodeadas por infiltração sanguínea;

D) No membro superior esquerdo:

I - No hábito externo:

105 - Escoriação oblíqua inferoposteriormente na porção posterior da face lateral do ombro medindo um centímetro de comprimento;

106 - Escoriação de aspeto apergaminhado e tonalidade amarelada na face lateral do cotovelo medindo um centímetro e meio de comprimento por meio centímetro de largura.

107 - Escoriação de aspeto apergaminhado oblíqua inferomedialmente, na transição do terço superior para o terço médio da face posterior do antebraço medindo quatro centímetros e meio de comprimento, com largura máxima de um centímetro na porção média, afílando-se para as extremidades;

108 - Quatro esquimoses localizadas na transição da face posterior e o bordo radial do antebraço, a maior medindo três centímetros de comprimento;

109 - Duas escoriações na face palmar do polegar, a maior medindo um centímetro de comprimento

110 - Lesão E 01 superficial, linear, arciforme de concavidade inferior, sugestiva de ter sido provavelmente produzida por instrumento a atuar de forma cortante, localizada na face lateral do ombro, medindo seis centímetros de comprimento;

111 - Ferida corto-perfurante com componente inciso EO ovalado, ligeiramente oblíquo inferioanteriormente com extremidade superior mais afilada, localizado na transição entre o terço superior e médio da face lateral do braço, medindo trinta milímetros de comprimento, um trajeto ascendente da esquerda para a direita na espessura dos tecidos musculares da região anterior o braço, e um segundo componente inciso EO , localizado no terço proximal da face anteromediaí do braço, medindo treze milímetros de comprimento. Em relação e na continuidade do trajeto desta ferida corto-perfurante encontra-se a ferida descrita na face lateral do hemitórax ipsilateral, ao nível da porção inferior da região axilar ver referência T1

112 - Ferida corto-perfurante com componente inciso (MSE_04) com formato ovalado distorcido e extremidade mais afilada proximalmente, oblíquo postero-inferiormente, localizado no terço superior da face lateral do braço, medindo trinta milímetros de comprimento, um trajeto descendente da esquerda para a direita e de trás para a frente, na espessura dos tecidos musculares da região anterior o braço, e um segundo componente inciso E 05 , ligeiramente oblíquo inferiormente e para a direita, no terço médio da face anterior do braço, medindo oito milímetros de comprimento

113 - Ferida corto-perfurante com componente inciso, com formato ovalado e extremidade mais afilada proximalmente, no terço superior da face posterior do antebraço E 0, medindo trinta milímetros centímetros de comprimento, um trajeto descendente anteroposterior na espessura dos tecidos do antebraço, com um segundo componente inciso E 0 com bordos lineares mas com algumas irregularidades na porção proximal, localizado na porção medial do terço médio da face posterior do antebraço, medindo quarenta milímetros de comprimento;

114 - Ferida incisa E 0 rodeada de halo e equimótico arroxeado, sensivelmente transversal, com abertura denotando orientação antero-posterior na ínteração com a lâmina, com atingimento profundo do plano muscular da porção proximal da região tenar, medindo cinco centímetros de comprimento;

115 - Ferida incisa E 0 rodeada de halo e uim tico arroxeado, descrevendo um trajeto com o formato aproximado de um "S" itálico, sensivelmente acompanhando a prega palmar proximal, com abertura denotando orientação próximo-distal na interação com a lâmina e atingímento de tecidos da região intermédia e tenar na profundidade medindo cem milímetros de comprimento;

116 - Ferida incisa E 10 rodeada de halo equimótico arroxeado, com discreta concavidade distai, localizada entre a prega palmar distai e proximal, com abertura denotando orientação proximo-distal na interação com a 1 mina e atingímento de tecidos da região intermédia e tenar na profundidade, medindo quarenta milímetros de comprimento;

117 - Ferida incisa E 11, superficial, localizada entre as duas feridas imediatamente acima descritas, medindo cerca de um centímetro de comprimento;

118 - Ferida incisa E 1, rodeada de muito discreto halo e uim tico arroxeado, arciforme de concavidade superior e abertura denotando orientação disto-proximaimente na interação com a lâmina, prolongando- se a extremidade medial proximalmente, ao nível da face palmar da porção distal do metacárpico, medindo vinte e dois milímetros de comprimento;

119 - Ferida incisa E 1, arciforme de concavidade proximal, ao nível da extremidade distal da face palmar do e. metacarpos, medindo trinta e três milímetros de comprimento;

120  - Ferida incisa E 1, ao nível da falange proximal do dedo mínimo, em continuidade aparente com a ferida imediatamente acima descrita, medindo dezoito milímetros de comprimento;

II - No hábito interno:

121 - soluções de continuidade dos tecidos em relação e na continuidade com as feridas descritas no hábito externo, rodeadas por infiltração sanguínea.

D) No membro inferior direito;

I - No hábito externo:

122 - Escoriação na face anterior do joelho e terço superior da face anterior da perna, com pontas cutâneas na porção inferior, medindo quatro centímetros e meio de comprimento por três centímetros de largura;

123 - Escoriação na região maleolar lateral medindo um centímetro e meio de comprimento por um centímetro de largura;

124 - Ferida corto-perfurante com componente inciso I 01 de formato ovalado, oblíquo inferiormente de trás para a frente, localizado no terço médio da face lateral da coxa, em correspondência com as soluções de continuidade descritas na parte lateral homolateral dos calções, medindo quinze milímetros de comprimento, e um trajeto aparentemente ligeiramente ascendente da direita para a esquerda, atingindo a faseia femoral sem a perfurar;

II - No hábito interno:

125 - Soluções de continuidade dos tecidos em relação e na continuidade com as feridas descritas no hábito externo.

D) No membro inferior esquerdo;

I- No hábito externo:

i. Escoriação no joelho e terço superior da face lateral da perna, medindo dois centímetros de comprimento por um centímetro de largura i. Escoriação apergaminhada na porção lateral do terço proximal do dorso do pé, medindo um centímetro de comprimento por um centímetro de largura;

iii. Escoriação ao nível da face dorsal da extremidade distal do o metacarpo, medindo cinco milímetros de comprimento por dois milímetros de largura;

iv. Ferida corto-perfurante com componente inciso IE 01 de formato ovalado distorcido na porção superior, oblíqua inferoposteriormente, localizado no terço inferior da face lateral da coxa, em correspondência com a faca descrita a perfurar os calções, medindo quarenta milímetros de comprimento, e um trajeto praticamente horizontal, com um comprimento idêntico ao da lâmina que se encontrava inserida praticamente ao cabo, da esquerda para a direita, na espessura dos tecidos da coxa;

v. Ferida corto-perfurante com componente inciso (MIE_0 de formato ovalado, oblíquo inferoanteriormente, localizado ligeiramente acima e frente da anteriormente descrita, em correspondência e na continuidade das soluções de continuidade descritas ao nível da parte lateral homolateral dos calções, e um trajeto ligeiramente descendente, da esquerda para a direita e de trás para a frente, na espessura dos tecidos da coxa, atingindo cerca de onze centímetros de profundidade;

II - No hábito interno:

vi. Soluções de continuidade dos tecidos em relação e na continuidade com as feridas descritas no hábito externo, rodeadas por infiltrações sanguíneas.

19) De seguida, e porque o vestuário e calçado que trazia tinham também vestígios de sangue, a arguida entrou em casa pela porta da cozinha, dirigiu-se à zona onde se encontravam as máquinas da roupa, descalçou as sapatilhas e despiu parte do vestuário que envergava, composto por uma camisola em lycra, da marca "…..", de cor preta e desenhos em tons de rosa, e por umas calças em lycra de desporto, da marca "…..", de cor preta, ficando apenas com a roupa interior, composta por cuecas e um soutien desportivo.

20) Após deixar a faca espetada na coxa esquerda de DD, a arguida, não obstante se aperceber que este ainda respirava, dirigiu-se a lavatório da churrasqueira e tentou lavar-se dos vestígios de sangue de DD que se encontravam em diversas zonas do seu corpo.

21) De seguida, e porque o vestuário e calçado que trazia também tinham vestígios de sangue, a arguida tirou a camisola e as calças que envergava e subiu ao primeiro andar, abriu a porta da varanda do seu quarto e gritou insistentemente por socorro, dizendo que era um assalto e que tinham sido dois encapuzados,

22) Entretanto, a vizinha II conseguiu abrir o portão da garagem e aí entrou juntamente com os vizinhos GG e XX, os quais encontraram DD caído junto à piscina, com ferimentos no corpo, ensanguentado e a respirar com crescente dificuldade, tendo então XX utilizado o seu telefone para ligar para o 112.

23) Não obstante o auxílio prestado pelos vizinhos, DD veio a falecer passados poucos minutos, como consequência das lesões traumáticas cranianas, faciais, torácico-abdominais e dos membros superiores e inferiores, acima descritas, provocadas pelas pancadas do martelo e dos golpes da faca desferidos pela arguida.

24) A arguida bem sabia que DD era seu marido, com quem estava casada há cerca de 15 anos, e que desse casamento resultavam deveres mútuos de respeito, cooperação e assistência, e que este era o pai dos seus dois filhos menores, que se encontravam a escassos metros do local dos factos.

 25) A arguida representou e quis tirar a vida ao seu marido, o que conseguiu, e para tanto representou e quis desferir, pelo menos, 85 pancadas e golpes de martelo e de faca no corpo deste, com o propósito alcançado de lhe causar a morte.

26) Em tudo agiu a arguida de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram censuráveis, proibidas e punidas pela lei penal.

Mais se provou

27) A arguida não apresenta antecedentes criminais registados.

28) A arguida admitiu parcialmente a prática dos factos.

29) Em data não concretamente apurada, DD torceu o braço à arguida na cozinha da casa do casal.

30) Em data não concretamente apurada, mas ocorrida no ano de 2018, DD bateu ao filho QQ, provocando-se nódoas negras no braço.

31) DD, com uma frequência não determinada, chamava o filho QQ de "burro, estúpido, atrasado mental, deficiente."

32) AA nasceu em …., filha única de um casal com uma situação económica estável, sendo o pai … e a mãe …. . Nos primeiros anos de vida foi criada por uma ama em casa, até aos três anos de idade, altura em que ingressou no jardim infantil.

33) Aos seis anos de idade iniciou o seu percurso escolar no Colégio …. em …, escola que frequentou até completar o 6º ano de escolaridade.

34) A partir do 7º ano de escolaridade começou a frequentar o ensino público e, embora com alguma dificuldade inicial de adaptação, este decorreu sempre bem de forma empenhada e investida, tendo tido no 12° ano necessidade de repetir a disciplina de matemática.

35) No ano em que completou os 18 anos de idade e terminou o ensino secundário, o pai sofreu um …..

36) No ano seguinte, a arguida foi para …. frequentar o curso de ….. pelo Instituto Superior de Educação e Ciências, tendo ficado a residir num apartamento emprestado por um tio.

37) Após terminar o curso, a arguida regressou a …… a casa dos pais e começou a trabalhar como …...

38) Nos primeiros anos esteve colocada em várias localidades, com contractos precários e tendo necessidade de se deslocar diariamente muitos quilómetros.

39) É no contexto da profissão que conheceu um ano depois, num "chat" …., o futuro marido (a vítima no presente processo), com quem veio a namorar três anos e com quem casou aos 28 anos de idade.

Este era oito anos mais velho e residia e lecionava no ……

40) A habitação onde a família vivia foi construída em terrenos próprios dos pais da arguida e foi através da ajuda destes que fizeram a construção da estrutura da casa. Foi necessário um pequeno empréstimo bancário para finalizar as obras de construção, cuja amortização foi cumprida com apoio dos pais da arguida.

41) Em termos pessoais, a arguida revela capacidade para um adequado grau de adaptação social, conseguindo reconhecer os comportamentos esperados e adequados às situações.

42) Presa no Estabelecimento Prisional …. interruptamente desde …-08-2018, a arguida tem adotado um comportamento ajustado às normas e regras do sistema penitenciário, indicador de algum autocontrolo e de estabilidade emocional. Tem mostrado um trato assertivo e afável com técnicos e funcionários e mostra-se respeitadora e cumpridora de todas as orientações que lhe têm sido dadas.

43) Encontra-se a trabalhar numa ….. no pavilhão, onde é assídua e empenhada.

44) É capaz de racionalizar a situação em que se encontra, bem como as circunstâncias que deram origem à mesma, sem dificuldades nem impedimentos emocionais.

45) Tem vindo a ser acompanhada, desde que deu entrada no estabelecimento prisional, regularmente em consultas de psiquiatria e psicologia, com adesão às mesmas.

46) Contudo decorrente da situação em que se encontra, a arguida apresenta muita ansiedade, mostrando-se preocupada com as repercussões da situação jurídico-penal.

47) Pese embora tenha consciência da sua atual situação jurídico-penal, a arguida verbaliza projetos para o futuro, nomeadamente a vontade em assumir as suas funções maternais e poder voltar a trabalhar, para reorganizar a sua vida familiar e social.

48) A arguida é socialmente percecionada como sendo uma pessoa boa profissional, tranquila, apaziguadora, íntegra e boa mãe.

Do pedido de indemnização cível

49) A demandante FF era próxima do ofendido, sendo visita habitual da sua casa,

50) A demandante e o assistente EE sofreram com a morte de DD.

51) DD sofreu dores intensas ao ser atingido por um martelo e por uma faca.

Matéria de facto não provada

A. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia …-08-2018, a arguida, por motivos relacionados com o descontentamento que sentia com a vida que tinha em comum com o seu marido e bem como por este se pretender divorciar, situação com a qual não se conformava, gizou um plano para lhe tirar a vida usando um martelo e para atribuir a autoria da morte a pretensos assaltantes de residências.

B. Em execução desse plano, a arguida atuou do modo descrito nos pontos 10) a 18).

C. Em hora e por forma não concretamente apurada, a arguida, com o propósito de causar sonolência a DD e de assim impedir que este se defendesse dos golpes que lhe pretendia infligir com um martelo na cabeça, deu-lhe a ingerir, sem que este se apercebesse, medicamentos de designação não apurada os quais continham porções farmacológicas dos princípios ativos de alprazolam (ansiolítico) e mirtazapina (antidepressivo).

D. Após jantar com a arguida e com os dois filhos, DD deitou-se no sofá existente no alpendre, que se encontra próximo das portas de acesso à cozinha e à garagem, e, por efeito das substâncias medicamentosas supra mencionadas, adormeceu.

E. A arguida saiu com ambos os filhos de casa e dirigiu-se à viatura de marca ….. para efeitos de ir buscar HH e o seu filho AAA e de todos se deslocarem ao Parque ….. e no regresso encontrar DD sem vida e atribuir a sua morte a um assalto.

F. Devido às pancadas a que se refere o ponto 10), DD acordou sobressaltado e, instintivamente, tentou proteger-se tendo colocado as mãos e os braços defronte da sua cabeça.

G. Após tais pancadas, DD conseguiu levantar-se e repelir os ataques da arguida, tendo-a empurrado com as mãos e atingindo-a na zona malar esquerda, causando-lhe uma equimose com 1 centímetro x 0,5 centímetros, o que fez com que esta largasse o martelo que empunhava, que caiu no chão em local próximo.

H. A arguida agiu de modo frio e calculista, em execução metódica de plano previamente elaborado, no contexto do qual decidiu administrar fármacos ao seu marido para lhe diminuir a resistência, utilizar um martelo que sabia ser apto a tirar-lhe a vida e de que dispunha na caixa de ferramentas em casa, utilizar uma amiga e os filhos numa atividade lúdica para dissimular o seu envolvimento na morte de DD e atribuir essa responsabilidade a assaltantes, ideia esta que formulou e sobre a qual ponderou até ao início da sua execução no dia …-08-2018.

I. No decurso dessa execução, que se prolongou pelo menos durante a tarde e a noite do dia …-08-2018, a arguida, vendo que não conseguia concretizar o plano somente com o uso do martelo, decidiu utilizar a mencionada faca de cozinha, cujas características letais bem conhecia, para espetar e cortar o corpo do seu marido em zonas vitais, não só para lhe tirar a vida, mas também para lhe aumentar as dores físicas e o sofrimento psicológico.

J. A arguida atuou por se encontrar descontente com o seu casamento e não se conformar que o seu marido se quisesse divorciar,

K. A arguida atuou com o propósito alcançado de causar grande sofrimento a DD.

L. Na ocasião referida no ponto 9), DD passou pela arguida, que se encontrava a estender a roupa, deu-lhe uma joelhada na barriga e disse: "vai ao parque porque vens mais viçosa, vai ser hoje".

M. Nessa sequência, DD agarrou a arguida pelos cabelos, atirou-a para o sofá existente no alpendre, o que fez com que a arguida tivesse pegado num martelo que ali se encontrava e atingido o falecido, envolvendo-se ambos em confronto.

N. De seguida, DD, após se apoderar do martelo - e de ter atingido a arguida na cabeça -, pegou na faca que estava em cima da mesa ao pé da churrasqueira e, dizendo que a matava, avançou na direção de AA, segurando a faca e o martelo em cada uma das suas mãos.

O. A partir do ano de 2005, DD, em número não concretamente apurado de vezes, obrigou a arguida ter relações sexuais de cópula vaginal e anal contra a sua vontade (o que lhe provocou uma fissura anal), dava-lhe joelhadas na barriga sem qualquer motivo e batia-lhe na cara e em outras partes do corpo (o que lhe provocava nódoas negras).

P. Em data não concretamente apurada, DD empurrou a arguida pelas escadas, o que fez com que a mesma fraturasse um pé.

Q. DD bateu violentamente no filho QQ quando este tinha três anos de idade.

Do pedido de indemnização cível

R. A condição de saúde do assistente ficou abalada com a morte do filho.

S. A demandante está a ter dificuldades em conciliar o sono,

T. O que se está a refletir no seu desempenho profissional.

U. O sofrimento dos demandantes é agravado pelo facto de não encontrarem uma razão para o sucedido, não conseguindo encerrar o assunto.

Do elenco da matéria de facto considerada provada e não provada foi eliminada a matéria conclusiva, de índole jurídica ou de caráter irrelevante à luz das possíveis soluções jurídicas a dar à causa.

Motivação da decisão de facto

A convicção do Tribunal quanto à factualidade considerada provada radicou na análise crítica, concatenada e ponderada da prova produzida em julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção do julgador (artigo 127º do Código de Processo Penal), concretamente, na análise das declarações da arguida e das testemunhas.

Valorada foi, ainda, a prova documental junta aos autos e indicada na acusação ou analisada em sede de audiência de julgamento e, bem assim, a prova pericial, apreciada segundo o critério postulado pelo nº 1 do artigo 163º do Código de Processo Penal.

Vejamos, em pormenor.

A matéria de facto plasmada no ponto 1) foi considerada assente tendo em conta o conteúdo dos documentos consubstanciados nos extratos informáticos de fls. 857 a 864.

A arguida, na linha do sucedido em fase de inquérito, em sede de interrogatório prestado perante magistrada do Ministério Público, confessou a materialidade fáctica vertida nos pontos 2) a 8) e 19) a 21), assim como a autoria das lesões que provocaram a morte a DD.

Declarou que, no dia dos factos, havia combinado com a sua amiga HH levar os seus dois filhos e os filhos desta ao parque para caçar "…..", sendo que, antes de abandonar a sua habitação, deixara os filhos no interior do carro e se ausentara para ir à casa de banho.

Em tal ocasião, aproveitara para estender uma máquina de roupa, tendo sido nesse momento que a vítima DD passara por si e que, de forma inopinada, sem que tivesse existido qualquer discussão prévia, lhe dera uma joelhada na barriga (o que faria com frequência), dizendo: "vai ao parque porque vens mais viçosa, vai ser hoje". Afirmou a arguida que interpretou estas palavras como tendo o arguido "contratado alguém", não obstante não saber para que efeito.

Prosseguiu, relatando que DD a agarrou pelos cabelos, a atirou para o sofá que se visualiza na fotografia número 10 constante do relatório preliminar de inspecção judiciária de fls. 20 a 48, o que fez com que a arguida tivesse pegado num martelo - cujas concretas características constam do auto de exame direto de fls. 56 - que ali se encontrava e atingido o falecido, envolvendo-se ambos em confronto. Foi neste momento que, segundo a agente, DD, após se apoderar do martelo - e de a ter atingido na cabeça -, pegou na faca que estava em cima da mesa ao pé da churrasqueira - cujas concretas características constam do auto de apreensão de fls, 196 e que foi recolhida em sede de autópsia - e disse que a matava, avançando na sua direção.

AA transmitiu que, nesse momento, perdera "a noção" do que fez e, "numa acção momentânea", "espetou a faca", não sendo capaz, todavia, de explicar o modo como havia logrado retirar a faca supostamente empunhada pelo marido.

A arguida confirmou que, após desferir as facadas, despiu a roupa que trajava e que se encontrava cheia de sangue - apreendida através do auto de fls. 53 e retratada nas fotografias número 29 a 31 constantes do relatório preliminar de inspeção judiciária de fls. 20 a 48 -, declarando não saber se a tinha colocado na máquina de lavar, tentou lavar-se dos vestígios de sangue e foi à varanda do primeiro andar gritar a pedir socorro, acabando por admitir que quando os vizinhos chegaram ao local, havia falado em assalto e em "encapuzados" para se eximir de responsabilidades.

A versão láctica apresentada pela arguida quanto à dinâmica dos confrontos com DD não adquiriu robustez em termos de credibilidade para ancorar o convencimento do Tribunal a respeito da matéria de facto probanda. Em primeiro lugar, porque a própria arguida entrou em contradição frontal no seu depoimento. Num primeiro momento, garantiu nunca ter ministrado medicamentação ao marido sem o seu consentimento, afirmando não saber se a vítima tomava ansiolíticos ou antidepressivos. Alterou, todavia, a sua versão a este respeito após a testemunha HH ter revelado, de modo espontâneo, um episódio ocorrido já após a arguida ter sido presa preventivamente, volvidos quatro dias a uma semana desde a prática dos factos.

HH, de modo circunstanciado, com a cadência típica de quem diz a verdade e sem dar mostras de qualquer animosidade em relação à arguida, narrou que a agente lhe havia pedido para dizer à sua mãe CC para deitar fora os iogurtes que estavam no frigorífico da sua casa, tendo a testemunha ajudado a progenitora naquela tarefa. Uma vez que CC não quisera deitar os iogurtes no lixo perto da casa da arguida - atitude que HH atribuiu ao facto de CC ser uma pessoa religiosa, não pretendendo que os vizinhos a vissem a deitar comida fora -, a depoente prontificou-se a levar os sacos do lixo contendo os iogurtes para os caixotes existentes perto da sua residência. No entanto, pouco tempo depois, CC voltou a contactar a testemunha, dirigiu-se aos contentores do fixo onde esta havia colocado os iogurtes e, após deles retirar os mesmos, justificara o seu comportamento por aqueles terem Xanax,

Após estas declarações, a arguida retratou-se e, num discurso ele próprio eivado de contradições, afirmou ter dado um Xanax de 0,25 gramas que obteve da sua mãe à vítima, que lho pedira, um ou dois dias antes dos factos, para afirmar, logo de seguida, ter colocado uma Xanax nos iogurtes que se encontravam no frigorífico, à revelia do marido "para ele andar mais calmo", asseverando, momentos depois, ter sido a própria vítima a ir buscar a caixa de Xanax à farmácia de CC.

As declarações de AA tendentes a desculpabilizar a sua conduta perderam credibilidade ante a veiculação por parte da agente de versões contraditórias dos factos em momentos temporais diversos - tanto que a reformulação táctica foi precipitada, não por um rebate de consciência espontâneo, mas por um depoimento testemunhal que se mostrou adverso à sua tese. E a verdade é que o descrédito que mereceu o apontado segmento declaratório da arguida contaminou a parte restante das suas declarações. Numa outra formulação: não foi possível ao Tribunal, ante a sobredita contradição frontal de versões fácticas e na ausência de outros elementos de prova de índole objetiva, seccionar o depoimento da arguida de molde a credibilizar uma parte e a descredibilizar a outra.

De resto, outros elementos de prova apontaram para a inverosimilhança da tese da agente no que concerne a diferentes pontos da materialidade decidenda.

Relativamente à dinâmica dos factos que conduziu à morte da vítima relatada por AA, uma primeira estranheza avultou a respeito da circunstância de DD ter agredido a esposa de modo absolutamente gratuito, sem que tivesse existido qualquer discussão prévia entre o casal. Por outro lado, a arguida começou por dizer que tinha sido o episódio da joelhada a iniciar o episódio da agressão, para depois asseverar que a joelhada havia surgido já após se encontrar encostada à parede. Ademais, AA afiançou que atuara porque a vítima se dirigira a si com uma faca, não tendo conseguido explicar como conseguira tirar a faca ao marido que, medindo 1,702 metros (cfr. fls. 834 do relatório de autópsia médico-legal), tinha um porte superior ao seu.

Por outro lado, se a dinâmica dos acontecimentos relatada pela arguida tivesse correspondido à realidade do sucedido, seria altamente improvável que a agente, que no decurso de todo o confronto havia estado numa posição de inferioridade em relação a DD, apenas tivesse sofrido as lesões referidas no ponto 15), descritas no relatório médico pericial de fls. 376 a 379 - enquanto a vítima foi atingida com oitenta e cinco pancadas e golpes de martelo e de faca. Ora, a fazer-se fé na versão láctica apresentada pela arguida, o mais provável seria que, numa contenda tida com a vítima (mais alta e mais encorpada que a agente), aquela apresentasse feridas de maior extensão e natureza díspar, e não apenas as lesões retratadas a tis. 44-46. Tais fotografias foram tiradas pelo especialista adjunto do gabinete de criminalística de ….. da PJ BBB no hospital de …. horas após a ocorrência dos factos, tendo a inspetora da PJ que igualmente acompanhou a agente ao hospital, de nome CCC, referido que em momento algum a arguida se queixou de dores na cabeça - o que seria expectável, caso a mesma tivesse sido atingida neste local.

A desproporção das lesões inculca, ao invés, que a arguida assumiu uma posição de predomínio - causado, presumivelmente, pelo efeito surpresa - em relação à vítima.

Ademais, as lesões sofridas pela agente - todas no braço e mão - são compatíveis com uma atuação de agressão por parte de AA, não se tendo verificado quaisquer alterações no tórax ou no abdómen da arguida, zonas onde esta referiu ter sido atingida.

De resto, se a arguida tivesse, como fez crer, atuado para se defender da vítima, o mais congruente com as regras da normalidade do acontecer seria que a agente, acometida de uma forte pressão psicológica, tivesse transmitido tai facto às pessoas que ocorreram ao local após a prática dos factos. Não o fez.

Ao invés, as primeiras palavras que a arguida disse (2 - Realce-se que os depoimentos indiretos que se seguem foram valorados pelo Tribunal, na medida em que a "fonte" dos mesmos - "in casu", a arguida - foi chamada a depor. Foi, pois, assegurado o amplo exercício do contraditório. Neste sentido, vide o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.04.2012, processo número 431/09.OGCACB.Cl, acessível em www.dgsi.pt., assim como o acórdão do Tribunal Constitucional nº 440/99, de 8 de julho, que considerou que "os artigos 129.71 e 128.71 do Código de Processo Penal quando interpretados no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indiretos de testemunhas que relatem conversas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge de forma intolerável e desproporcionada o direito de defesa do arguido.") ao seu vizinho e padrinho do filho ZZ, GG - que, descrevendo a sucessão de acontecimentos plasmada nos pontos 22 e 23, foi a primeira pessoa a aproximar-se do corpo da vítima e a manter-se ao seu lado até chegar o TNEM, cerca de vinte e cinco minutos depois - foi “oh GG, ajuda-me aqui, se o meu marido morre o que vai ser de mim e dos meus filhos”, tendo, nesse mesmo instante, tido a frieza de espírito para dizer à testemunha, após esta perguntar o que se havia passado, que estava no primeiro andar, tinha ouvido barulho e chegara ao jardim e vira aquele cenário, assim como dois encapuzados a saltar o muro.

Igualmente o vizinho XX - que, ouvindo gritos de socorro por parte da vítima e as expressões "olha a faca, DD, olha a faca AA", nessa sequência, foi chamar o vizinho GG - precisou que a arguida, nesse momento, veiculara a história dos dois indivíduos encapuzados, encontrando-se lastimosa a dizer "ai, DD, DD...".

As mesmas expressões foram ouvidas pela esposa desta testemunha, UU, que, antes das 21 horas do dia dos factos - e uma vez que o telheiro da sua casa é contíguo ao da casa da agente - detalhou, com uma emoção contida e denotando fluidez de discurso, que, após ouvir os dois membros do casai a gritar por causa da faca, ouvira a vítima a dizer "AA não me dês mais facadas, AA não me mates", nunca mais tendo ouvido a voz da arguida desde então.

Ora, se AA tivesse efetivamente sido compelida a agir por ter sido vítima por parte de DD de uma tentativa de agressão com martelo e faca, o mais provável - de acordo com a normalidade do agir humano - seria que, pelo menos à sua amiga próxima e também vizinha da frente II, tivesse relatado o que acontecera verdadeiramente. No entanto, a testemunha II - depondo de modo defensivo, com notória preocupação em não veicular qualquer facto que se apresentasse desfavorável em relação à arguida e denotando um indisfarçável nervosismo -, referiu que, tendo chegado a casa da agente após os factos, não obstante ter estado sentada a sós com esta, nunca falara acerca do que se passara naquela noite - situação que persistiu até ao momento, não obstante a testemunha ter ido já visitar a arguida por cinco vezes ao estabelecimento prisional e ter trocado duas ou três cartas com a mesma.

A arguida justificou o facto de ter omitido que DD a tentara matar com a circunstância de se encontrar muito nervosa e apenas se pretender eximir de responsabilidades. Todavia, a verdade é que o estado de alteração da agente não a impediu de, logo naquele momento, inventar a história dos encapuzados - também ouvida por DDD, vizinha da arguida que, ouvindo os gritos, acorreu a casa desta, e pelos dois agentes da PSP …. EEE e FFF que, encontrando-se de patrulha às ocorrências, foram chamados ao local dos factos -, quando seria mais provável que o estado de descontrolo emocional em que seguramente a arguida se encontrava a levasse a contar a suposta verdade, tanto mais que esta também iria atenuar a sua responsabilidade.

A versão de que a vítima teria tentado matar a arguida apenas surge posteriormente, já a arguida se encontrava presa, relatando por carta a HH que "era ele ou era ela", exatamente as mesmas palavras utilizadas para explicar o sucedido à sua prima PP, à tia OO e à amiga HH.

Mas não só.

O relatório do exame pericial realizado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária - detalhadamente explicitado pelo inspetor da PJ SS, subscritor do relatório final de fls. 695 a 737, cujo teor foi por si confirmado - e que documentou fotograficamente a autópsia realizada à vítima (cfr. fls. 386 a 398) sugere uma sucessão de acontecimentos diferente da relatada pela arguida.

Com efeito, a fotografia número 31 de fls. 584 exibe, como vestígio í, as almofadas que se encontravam na cama do alpendre como contendo uma chamada "mancha de saturação" ou "saturation stain", sendo que por cima das almofadas se identificaram diversas manchas de sangue que permitem a sua identificação como um padrão de impacto, designado como um padrão de manchas de sangue resultante de um objeto que toca/bate em sangue líquido (cfr. fls. 586). Tais manchas indiciam que, ao contrário do que a arguida fez crer, junto das almofadas terá ocorrido pelo menos uma agressão à vítima.

Por outro lado, a análise das manchas de sangue denominadas "manchas de salpicos" e "padrões de impacto" identificadas como vestígios 2, 3 e 4 a fls. 587 inculca que pelo menos três agressões terão ocorrido na zona da parede lateral da cama, o que não se mostra consonante com o facto de a arguida ter relatado que as agressões se deram quando a vítima avançou para ela munida da faca e do martelo. Adicionalmente, a existência de manchas de sangue de "padrão gota" (padrão de manchas de sangue resultante de um líquido que pinga em cima de outro líquido e em que peio menos um deles é sangue) - assinalada a roxo a fls., 595 - aponta, como frisou de modo pormenorizado SS, para a circunstância de ter existido deposição de sangue naquele local (sangue a cair no mesmo), isto é, no chão localizado ao pé do sofá,

SS explicou que, perante a análise dos vestígios hemáticos existentes no local, tudo indica que as primeiras lesões da vítima foram sofridas na cabeça (por ser uma zona muito irrigada) e que a vítima se encontraria deitada porque as lesões foram provocadas lateralmente - como decorre do teor do relatório de autópsia médico-legal de fls. 832 a 852 (cfr., em especial, fls. 844 a 845).

O inspetor da Polícia Judiciária, depondo de modo circunstanciado e pausado, explicou que a deposição do material hemático é muito rápida, pelo que se DD se tivesse levantado logo não teria existido a mancha de sangue retratada a fls. 585 (vestígio 1), se o mesmo se tivesse levantado logo não teria existido escorrência de sangue e, bem assim, se a vítima tivesse sido atingida noutro lugar e, após, caído no sofá não existiriam as projeções de sangue presentes na parede.

De resto, como deu conta o inspetor da Polícia Judiciária SS, DD apresentava ferimentos na parte interna da mão - como se visualiza na fotografia número 50 de fls. 42 do relatório preliminar de inspeção judiciária -, o que indicia que a vítima, a ceita altura, adotou uma posição defensiva.

Em síntese, as afirmações produzidas por SS, que se mostram congruentes com os vestígios hemáticos retratados no relatório sob escrutínio, veiculadas por uma testemunha que não apresenta qualquer motivo objetivamente identificável para prejudicar a arguida, contrariam a sucessão de acontecimentos relatada por AA.

Estes elementos, em conjugação com os já descritos, contribuíram para que o Tribunal considerasse não provada a matéria de facto plasmada nos pontos L) a N).

Quanto à natureza, extensão e consequências das lesões sofridas por DD (pontos 10 e 18) foram estas consideradas assentes tendo em conta o teor do relatório de autópsia médico-legal de fls. 832 a 852 - que, atenta a sua coerência interna e grau de fundamentação foi considerado um meio particularmente apto a esteirar a convicção do Tribunal a respeito da matéria de facto em análise.

AA, fazendo uma retrospetiva do seu casamento com DD, relatou que era vítima de agressões tísicas e ofensas verbais continuadas por parte do marido, que descreveu como sendo uma pessoa altamente controladora que ameaçava que se a arguida se tentasse libertar do seu domínio iria infligir sofrimento aos filhos comuns (o que fez com que a agente nunca tivesse tomado a iniciativa de se separar).

A arguida relatou que a vítima a violou durante vários anos (com relações sexuais de cópula vaginal e anal, com esta última a causar-lhe fissuras no ânus, que justificaram a ida da agente ao gastroenterologista), tendo DD chegado a espancar o filho mais velho quando este tinha três anos de idade.

AA garantiu ser muito reservada e não ter contado o sucedido a ninguém. Todavia, tal afirmação foi infirmada por ulterior prova testemunhal produzida.

CC, mãe da arguida, apresentando um discurso parcial e altamente defensivo, demonstrando constante preocupação e não veicular factos que se pudessem afigurar desfavoráveis à agente e não escondendo ter todo o interesse na libertação imediata da filha (o que se afigura compreensível, à luz da relação de proximidade existencial intercedente entre as duas) garantiu que a arguida havia contado o sucedido à sua empregada GGG.

CC, replicando em parte a versão da arguida, referiu que o então genro deu ao neto "uma sova aos três anos que o deixou todo negro" e que ameaçou os filhos que lhes iria "partir os ossinhos e os metia no hospital". Afirmou que, apesar do facto de a filha nunca lhe ter contado que o marido a agredia, a testemunha desconfiava que tal sucedesse porque via a arguida com "óculos grandes" e com nódoas negras nos olhos e nos braços, nunca lhe tendo perguntado o porquê de tais marcas. Acrescentou ter visto DD a puxar os cabelos, a bater na cara e a pontapear o menor QQ e que, ainda assim, para além de nunca ter denunciado a situação, conseguiu manter uma relação próxima com o genro, que recebia para jantar e almoçar (situação que não deixa de causar estranheza, atenta a elevada gravidade das ações imputadas à vítima).

PP e OO, respetivamente prima e tia da arguida, também garantiram que AA lhes havia contado que era agredida por DD. A segunda testemunha - para quem a arguida "é como se fosse uma filha" - começou mesmo por afiançar que a vítima agredia AA com murros, pontapés e bofetadas "muitas vezes" à sua frente, para depois, num exercício de reformulação que feriu a credibilidade do seu depoimento, declarar nunca ter assistido a nenhuma agressão.

NN - amiga da arguida há cerca de trinta anos, com quem convivia quando esta se deslocava a casa da tia OO, com uma frequência de uma ou duas vezes por mês - aduziu que AA "aparecia toda negra" ao pé de si, tendo contado à testemunha que apanhava "tareia" do marido e afirmado que sua mãe, CC, sabia do sucedido - o que a própria, como se fez alusão, negou.

Adicionalmente, o depoimento de MM - ……. e colega da arguida nos últimos três anos, com quem partilhava a sala - não se mostrou idóneo, ante a sua inconcludência, a escorar o convencimento do Tribunal a propósito da matéria em crise.

É verdade que a testemunha chegou a ver a agente com nódoas negras (que AA atribuiu à lavagem do carro ou a uma atividade realizada no quintal), tendo a arguida lhe dito que ia "ao gastro" porque não se podia sentar (situação que, mais tarde, através de carta remetida à testemunha já quando se encontrava detida no estabelecimento prisional, veio a associar à circunstância de ser violada pelo então marido). No entanto, a existência de uma fissura anal pode ser causada por múltiplos fatores - como fezes duras, a causa para tal identificada pelos relatórios médicos do Hospital …. de fls. 1135 a 1137, datados de 18.04.2012, 08.05.2014 e 26.02.2018, que são totalmente omissos na associação de tal fissura a relações sexuais anais. Do mesmo modo, as relatadas nódoas negras - que, de forma alguma, se vislumbram na fotografia dos olhos da arguida de fls. 1324-a, extraídas da "pen" constante de fls. 1363 - podem ter a sua génese numa multiplicidade de situações.

Outras testemunhas que conviviam com a arguida também não denotaram conhecimento direto a respeito da matéria de facto probanda. HH - amiga da arguida há cinco/seis anos, com quem esta combinou encontrar-se no dia dos factos - depondo de modo credível, de forma circunstanciada e sem demonstrar animosidade para com a vítima (que referiu ser bom ….. e bom colega), deu conta de que AA lhe havia contado que DD tinha dito ao filho QQ "achas que a HH quer chatos de merda a jantar lá em casa?" e que, nas férias de 2018, a arguida lhe tinha enviado fotografias do seu filho mais velho com marcas no pescoço, perguntando à depoente se deveria irá polícia.

II - vizinha da frente e amiga próxima da arguida, que foi visitar cerca de cinco vezes ao estabelecimento prisional - referiu, num depoimento marcado pelo nervosismo, ter visto a arguida no ano de 2018 com marcas nos braços e, em uma ocasião, a cozinhar com óculos de sol, acrescentando nunca ter visto DD a bater nos filhos, mas apenas estes a fugirem para a sua garagem. Rematou que AA lhe contara um episódio em que tinha caído pelas escadas a baixo (o que teria causado os traumas no tornozelo esquerdo e no joelho direito mencionados na documentação clínica datada de 14,11.2016 de fls. 1191), tendo sabido mais tarde pela empregada GGG que a arguida havia sido empurrada - o que foi negado pela própria GGG, que aduziu desconhecer o motivo que levou à queda da arguida.

Já LL - vizinha da arguida de 2001 a 2017, cuja casa se localizava na parte traseira da casa da agente, tendo vista para a piscina da arguida -, também não assistiu a qualquer episódio de agressão da vítima à arguida, limitando-se a narrar ter ouvido DD a bater no cão da família, a chamar a arguida de estúpida, incompetente e deficiente e, na sequência do choro de QQ, DD a dizer "estúpido e parvo." A testemunha referiu mesmo ter ouvido AA a dizer, em data em que ZZ não seria ainda nascido (e, por isso, antes do ano de 2008, momento em que a própria arguida omitiu que a vítima tivesse tido algum comportamento agressivo em relação ao filho QQ) "oh, DD, caramba, havia necessidade de teres feito isto? Deixaste o menino a sangrar..."

Ora, para além de um episódio em que DD terá torcido um braço à arguida na cozinha da casa do casal (ponto 29) - relatado por GGG que, não obstante ter sido empregada …… de AA e de ter relativamente a esta uma relação de amizade, depôs de modo credível, revelando isenção ao procurar adequar o seu relato à realidade do sucedido e ao não anuir a todas as questões que favoreceriam a tese da agente -, os restantes depoimentos testemunhais, não dispondo de conhecimento direto sobre a matéria probanda, não apresentaram a virtualidade de escorar o convencimento do Tribunal a respeito da factologia em crise.

Não apenas porque todas as pessoas que referiram que AA lhes havia contado antes dos factos que tinha sido batida e até violada por DD apresentavam relações de proximidade existencial em relação à agente e, em decorrência, um interesse no desfecho da causa no sentido da desresponsabilização de AA. Não só porque os sucessivos depoimentos apresentaram contradições frontais entre si - a que se foi fazendo referência "supra" -, que atingiram a sua credibilidade. Mas também porque - e decisivamente - a própria arguida (a primeira interessada em que a sua versão fáctica fosse confirmada por terceiros) referiu nunca ter contado os episódios de violência a ninguém, por ser muito reservada.

Não é crível que a arguida tivesse contado abertamente a, pelo menos, três pessoas sobre as agressões de que era vítima e não se recordasse de o ter feito, quando foi reiteradamente questionada pelo Tribunal sobre esse ponto. Menos credível é que a arguida tivesse optado por omitir ter relatado os factos a terceiros, quando tal circunstância lhe seria favorável, ao permitir corroborar a sua tese,

Neste conspecto, o cenário que se mostra mais congruente com as regras da normalidade do acontecer - e que se crê ter sucedido - é aquele segundo o qual as testemunhas indicadas, ouvidas em julgamento em dias diversos ao dia em que a agente prestou declarações, ao terem tido conhecimento da versão apresentada pela arguida, efabularam a factologia sob escrutínio, com o intuito de corroborar o depoimento prestado pela amiga ou familiar.

Assim, para que o Tribunal adquirisse a convicção subjetiva acerca da realidade da matéria de facto expressa nos pontos O) a Q) - ou, pelo menos, para que chegasse ao limiar da dúvida quanto à sua verificação, dúvida essa que sempre seria favorável à agente -, mister seria que, na ausência de testemunhas presenciais dos factos, fosse possível atribuir verosimilhança ao teor das declarações prestadas pela arguida a este respeito.

Ora, múltiplos elementos contribuíram para que o Tribunal não fosse capaz de considerar verídico o depoimento da arguida nesta sede.

Em primeiro lugar - e ainda que se conceda que a arguida, não obstante ser uma pessoa economicamente independente e com formação superior, suportou, durante anos, os atos de violência extrema (inclusivamente sexual) perpetrados por DD porque tinha medo de que, no cenário de separação, aquele exercesse retaliações em relação aos filhos -, não deixa de causar estranheza que AA, ao longo de mais de dez anos, nunca tenha tido um desabafo com alguém próximo a tal propósito. Por outro lado, joga mal com a posição de total subordinação em relação à vítima que a agente fez passar o teor da mensagem enviada pela arguida à amiga II no dia anterior à prática dos factos (cfr. fls. 53 do relatório de extração constante do apenso, relativo ao telemóvel apreendido à arguida a fls. 55), em que, referindo-se a DD, declarou que este estava "todo cagado de medo" e a "agarrar-se à porta" com a sua condução.

Ademais, a aparência de normalidade relativamente à vida familiar do casal extraiu-se de declarações de várias testemunhas ouvidas em audiência de julgamento que se encontravam próximas do seu círculo vivencial.

Com efeito, não apenas FF - irmã da vítima, que deduziu um pedido de indemnização cível no processo vertente e que, nessa medida, revela interesse no desfecho da causa - deu conta de tal aparência. Segundo a demandante, AA apenas se queixava de DD não cooperar, dizendo, quando assistia na televisão a casos de violência doméstica, referindo-se ao marido: "se alguma vez ele me fizesse isso, era logo as malas, ou melhor, os sacos do ……, à porta...". Igualmente o marido da demandante TT deu conta de que era a arguida que tinha ascendente sobre o marido - sendo esta a conduzir a viatura do casal, delegando tarefas e pedindo-lhe para fazer coisas enquanto aquele estava a ver futebol.

Mas, para além disso, testemunhas como GG - vizinho do casal durante cerca de quinze anos e padrinho do filho ZZ e que, pelo mesmo até 2017, frequentava com regularidade a casa do casal - e UU - que habita na casa contígua à casa do casal desde 2007 -, que não apresentam qualquer motivo, objectivamente identificável, para prejudicar a arguida, não se aperceberam de qualquer facto que indiciasse a existência de um conflito familiar entre AA e DD. O primeiro, amigo íntimo dos dois, referiu nunca ter presenciado discussões entre estes, tendo a segunda depoente asseverado que, não obstante a proximidade física com a casa, nunca, até ao dia dos factos, havia ouvido discussões entre o casal.

Os depoimentos destas testemunhas, atenta a sua razão de ciência e o modo descomprometido como foram prestados, concorreram para descredibilizar as declarações acima mencionadas da vizinha LL - que, para além de nunca ter frequentado a casa do casal, tinha uma casa mais afastada da casa deste do que a habitação de UU. Em síntese, a ser verdade que DD chamava nomes aos familiares todas as semanas (principalmente durante a hora de almoço dos dias da semana), durante vários anos, o mais provável seria que UU - que mora na casa localizada imediatamente à esquerda da arguida retratada a fls. 564 - tivesse, em algum momento, ouvido tais expressões - o que não sucedeu.

Uma última palavra para sublinhar que o depoimento da médica psiquiatra, que habitualmente coordena programas de mestrado e de doutoramento na área criminal da Faculdade de Direito da Universidade ….., JJ - que subscreveu o relatório constante de fls. 1054 e 1055, elaborado na sequência de uma entrevista, com a duração de três horas, tida com a arguida já no estabelecimento prisional - não se apresentou apto a infirmar a convicção atrás explanada a propósito da ausência de crédito a atribuir ao depoimento da arguida.

Efetivamente, e na sequência da recusa da arguida em ser submetida a uma perícia sobre a personalidade por parte da DGRSP - cfr. fls. 357 -, a médica psiquiatra em questão efetuou uma análise psiquiátrica forense - distinta da análise psicológica - que se baseou unicamente na versão dos factos apresentada por AA, sem que lhe fossem facultados quaisquer elementos do processo e, em particular, o conteúdo do despacho de acusação. Ainda assim, JJ referiu não ter encontrado na arguida os índices classificados como stress pós-tráumatico tipo 2 (frequente nos casos de violência doméstica muito reiterada, como a arguida fez crer corresponder ao seu caso). Ademais, quando confrontada, em sede de audiência, com a circunstância - admitida pela própria arguida - de, após a prática dos factos, ter subido ao primeiro andar para gritar por socorro e ter fabricado a história dos "encapuzados", a testemunha afirmou que tal atitude não se mostra compatível com uma alteração emocional (que seria típica numa pessoa que tivesse acabado de assassinar outra em legítima defesa).

Já no que concerne aos episódios descritos nos pontos 30 e 31, o juízo quanto ao mesmo esteirou-se nas declarações prestadas por QQ, de 13 anos, filho da arguida. Não obstante a testemunha não ter escondido que a avó CC tinha falado consigo, em momento anterior ao julgamento, acerca do que aquela apelidou dos "maus tratos" que DD infligiria ao jovem, este demonstrou segurança ao afirmar que às vezes o pai lhe batia provocando nódoas negras - recordando-se de uma ocasião em que a arguida fotografou estas nódoas, como apontam as fotografias de fls. 1324 e 1325 -, assim como o chamava "burro, estúpido, atrasado mental, deficiente."

A testemunha, a despeito de apresentar uma ligação emocional intensa com a arguida - ligação essa afirmada por várias testemunhas - revelou espontaneidade e franqueza, ao não esconder que a avó tinha falado consigo acerca do sucedido -, mas ressalvando que o relatado "tinha acontecido mesmo" e que a avó tão-só lhe tinha avivado a memória de factos que fizera por esquecer, denotando cuidado em adequar o seu relato à realidade do ocorrido e não reproduzindo acriticamente uma versão fáctica integralmente favorável à arguida (QQ declarou, a título de exemplo, nunca ter visto o pai bater à mãe e nunca ter intuído que AA tivesse medo de DD).

Os descritos fatores contribuíram para credibilizar o depoimento do jovem, depoimento esse que se veio a revelar concordante com o prestado pelo primo da arguida, HHH, que, sem embargo de ter um contacto pontuai com o casal, relatou, com uma emoção contida e sem dar mostras de parcialidade que, em março de 2018, havia visto nódoas negras no braço de QQ, tendo perguntado o que acontecera, pergunta a que o jovem não deu resposta. O depoente precisou que, nessa sequência, em 28,04.2018 (data do batizado do seu filho mais novo), interpelara a arguida, perguntando-lhe o que se havia passado com QQ, não tendo esta respondido e começado a chorar.

No mesmo sentido, e em data que não soube precisar, mas ocorrida no último ano letivo, a colega da arguida III narrou que AA lhe havia contado que DD tinha batido no filho mais velho, tendo aquela tido necessidade de se colocar entre os dois.

No que se refere à convicção alcançada quanto à factualidade atinente ao fim com que a arguida agiu, ao conhecimento e vontade com que atuou, bem como à sua consciência quanto à ilicitude da conduta levada a cabo (pontos 24 a 26), foi aquele extraído dos factos objetivos, analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum, atentas as circunstâncias do caso. E consabido que a factualidade em causa, que é de ordem psicológica - ainda que também normativa -, se afigura de difícil objetivação em termos de racionalidade do processo de apreensão da realidade. Todavia, a convicção alcançada resulta de uma análise global do comportamento da arguida, tendo em conta as regras da normalidade do acontecer.

Com efeito, quem desfere sete pancadas de martelo na cabeça de outrem e setenta e nove facadas em locais como a cabeça, pescoço e tronco de outra pessoa - locais esses que são generalizadamente reconhecidos como sendo locais vitais -, demonstra pretender matar essa pessoa através da causação de um nível substancial de sofrimento. Tinha a arguida necessariamente consciência da relação de proximidade existencial que tinha com a vítima, seu marido desde o ano de 2003.

Tal conduta é, aliás, comummente tida como penalmente proibida, tanto mais que estamos no domínio do chamado "direito penal de justiça."

A perceção social do caráter da arguida (ponto 48) foi relatada, de modo convergente e com a cadência típica de quem diz a verdade, por parte da sua colega MM, III - colega da arguida há 14 anos, que de 2013 a 2018 partilhou com aquela o mesmo agrupamento escolar e que tinha por hábito vê-la uma vez por semana - e por JJJ - cuja filha foi aluna do ensino especial da arguida, tendo esta feito questão de acompanhar a menina e mãe a uma consulta médica a …...

Para considerar assente a facticidade relativa às condições económicas, sociais e pessoais da arguida (pontos 32 a 47), o Tribunal lançou mão do teor do relatório social junto aos autos a fls. 1158 a 1161, acompanhado da informação prestada pela DGRSP de fls. 1396 verso.

Finalmente, e no que tange à convicção lograda a propósito dos antecedentes criminais da agente, foi considerado o conteúdo do seu certificado de registo criminal constante do processo,

Por último, a convicção formulada a respeito da matéria de facto plasmada nos pontos 49 a 51 - para além de se revelar congruente com as regras da normalidade do acontecer - foi narrada pelo marido da demandante TT, o qual, não obstante a relação de proximidade existencial em relação à demandante, depôs de modo credível e fazendo precisões típicas de quem pretende adequar o seu relato à realidade do sucedido.

O juízo quanto à FACTUALIDADE NÃO DEMONSTRADA ficou a dever-se à ausência ou incipiência de prova produzida a tal respeito ou à circunstância de a mesma se encontrar em contradição com a matéria de facto considerada provada - para cuja fundamentação se remete.

Em particular, e para além do que já ficou dito, não foi produzida prova concludente - e com isto já estamos a considerar o teor do relatório do exame pericial realizado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária acerca da sucessão de acontecimentos descrita nos pontos F e G.

Por outro lado, o Tribunal não ficou convencido, para além da dúvida razoável, acerca da circunstância de a arguida ter gizado um plano para assassinar a vítima. Com efeito, ainda que no cadáver da mesma tenham sido detetadas porções farmacológicas do princípio ativo alprazolam e que a arguida tenha confessado que colocava Xanax em iogurtes destinados a ser consumidos por DD - não sendo provável que a vítima tivesse por hábito tomar tal medicação, já que, de acordo com o afirmado pela própria agente, aquele lhe havia pedido que obtivesse tal medicamento da parte de CC -, o certo é que o modo como a saída para o parque no dia dos factos foi programada com HH joga mal com a existência do aludido plano.

Senão vejamos.

HH, de forma pausada e sem revelar hesitações no discurso, relatou que, no dia dos factos, AA ligou depois de almoço a convidar o seu filho para passar a tarde na piscina e, após, ir apanhar "…". O convite não foi aceite por AAA (que preferiu ficar a jogar "……"), tendo as mães combinado que se manteria "a parte dos ….", depois de jantar (um programa que se mostrava habitual).

Ora, se AA tivesse elaborado um plano de homicídio, crê-se que dificilmente convidaria o amigo dos filhos para passar a tarde em sua casa. Isto porque um tal plano de homicídio, para uma pessoa que nunca foi condenada pela prática de qualquer crime, implicaria tipicamente uma situação de pressão psicológica substancial, que desaconselharia - e agora estamos a lançar mão de um critério de normalidade - a presença de terceiros em casa.

Assim, ainda que - até por referência às declarações confessórias da arguida - não se preste a controvérsia que esta tenha administrado Xanax à vítima sem o conhecimento de DD o saber, a verdade é que o cenário fáctico alternativo ao articulado na acusação e avançado pela arguida - a de que colocou tal medicação nos iogurtes para que DD andasse mais calmo, num contexto em que, meses antes, a vítima batera no filho mais velho do casal, provocando-lhe nódoas negras - não se afigura, à luz das regras da experiência comum, totalmente esdrúxulo ou implausível. Como tal, o Tribunal não afastou a possibilidade, baseada numa probabilidade não despicienda, da sua ocorrência.

Mas mais: se AA tivesse o intuito de administrar o Xanax à vítima com o fito de o matar no dia dos factos com o recurso a um martelo, seria pouco provável que colocasse tal medicação nos iogurtes existentes no frigorífico, já que a agente não tinha garantia de que DD os fosse ingerir em tempo útil. Plausível seria, ao invés, que a arguida colocasse tal medicação na comida ou na bebida do jantar prévio à prática dos factos, o que conferiria maiores hipóteses de sucesso ao seu plano. Ora, não foram recolhidos quaisquer elementos- nem mesmo na reinspecção ao locai realizada, no dia seguinte à prática dos factos pelo inspetor da PJ LLL, que confirmou o teor do relatório de lis. 191 a 192 - que apontem para a existência de um procedimento desta natureza.

Destarte, o Tribunal, ainda que mobilizando as regras da normalidade do acontecer subjacentes ao estabelecimento de presunções judiciais, nas quais assenta a construção de prova indiciária - não considerou os descritos elementos suficientes para transpor a dúvida razoável acerca da factologia probanda. Uma dúvida que se qualifica de insanável – na medida em que é inultrapassável, não se tendo ficado a dever a um défice de investigação ou de, pelo menos, a ausência de esforços sérios no que respeita ao poder-dever de instrução da causa -, de razoável - porque positiva, racional, que ilide a certeza contrária - e de objetivável -já que não se trata de uma dúvida arbitrária, um mero pressentimento ou um puro palpite, antes uma dúvida para a qual determinadas razões, como as elencadas, podem ser dadas.

Do mesmo modo, o Tribunal não ficou razoavelmente convencido de que a arguida tivesse atuado com o móbil de causar sofrimento ao então marido. Na ausência de um plano homicida por parte da agente e da identificação de um motivo claro para a sua atuação, o elevadíssimo número de facadas desferidas é suscetível de ter tido a sua génese num estado de alteração emocional profunda da arguida, antes que num tal propósito.

Havendo uma dúvida de tal teor quanto à factualidade em análise, impunha-se mobilizar o princípio "in dúbio pro reo", princípio relativo à prova que releva da existência de uma presunção de inocência a favor da arguida (cfr. artigo 32º da Lei Fundamental) e constitui um complemento irrenunciável do princípio da livre apreciação da prova.

Por conseguinte, a factualidade elencada nos pontos A a E, H a I e K na medida que se apresenta desfavorável à arguida e foi tida como duvidosa, foi considerada pelo Tribunal, em obediência ao "in dúbio", não assente.

Não foi, por outro lado, apurada a causa da atuação da arguida. Para além de CC, nenhuma testemunha relatou que a vítima tivesse relações extraconjugais e, nessa decorrência, tivesse intenção de se divorciar (ponto J).

Com efeito, avulta como líquido que, à data da ocorrência dos factos, a relação do casal se encontrava deteriorada. Sustentam esta conclusão o teor das mensagens trocadas entre a arguida e a amiga II elencadas do relatório de extração constante do apenso (cfr. página 52), assim como a circunstância de a empregada doméstica da arguida GGG relatar que "no fim" (após a morte da mãe de DD, que teria ocorrido em janeiro de 2018) os dois já não se falarem, dormindo a vítima no quarto do filho ZZ (facto que foi corroborado pelo outro filho do casal, QQ). Por outra banda, a violência da atuação da arguida - que o inspetor da PJ SS disse "não ter visto muito" no decurso do seu percurso profissional - terá, de acordo com um juízo de normalidade, sido motivada por alguma causa, dotada de um mínimo de materialidade. Não foi, todavia, produzida prova cabal suscetível de convencer o Tribunal, para além da dúvida razoável, relativamente a essa mesma causa - que, como tal, avultou como não identificada.

A demais prova documental a que se não fez referência "supra", não obstante ter sido objeto de análise, não foi considerada apta a, atento o seu teor, esteirar positiva ou negativamente a convicção do Tribunal a respeito da matéria de facto probanda.

A matéria constante da acusação que se não mostra elencada nos factos provados ou não provados foi excluída de tal elenco por se revelar de índole conclusiva, de natureza jurídica ou de carácter irrelevante, à luz das possíveis soluções jurídicas a dar à causa.”

§3.(B). – DE DIREITO.

§3.(B).1. – ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL.

Estima a recorrente – pensamos que vingando alterações à decisão de facto por que pugnava, na sua peroração – que não se verificariam os elementos do tipo incriminador, objectivo e subjectivo, devendo a arguida ser condenada pela prática (sic) “do crime de ofensas à integridade física graves agravadas pelo resultado morte, nos termos e para os efeitos conjugados dos artigos 144.º alínea d) e 147.º, n.º 1, ambos do Código Penal; se assim, não viesse a ser entendido, então o tribunal deveria absolver a arguida do crime de homicídio qualificado e condená-la (sic); “pela prática do crime de homicídio privilegiado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 133.º do Código Penal”; decaindo as apontadas desinências, ainda assim, a arguida pugna pela absolvição do crime de homicídio qualificado e a integração da su conduta no tipo radical, homicídio simples, previsto no artigo 131º do Código Penal; sobrevindo um juízo de culpabilidade indutor de um crime de ofensas corporais agravadas pelo resultado ou por homicídio simples a pena a aplicar deveria ser especialmente atenuada (artigo 72º do Código Penal); se, por ende, a decisão do tribunal se fincar na qualificação jurídico-penal roborada nas instâncias, então o tribunal deveria impor à arguida uma “pena próxima do seu limite mínimo, conforme supra melhor explicado, e de acordo com os imperativos constantes do artigo 71.º do Código Penal.”

A lei tutela a vida da pessoa humana e manda punir aquele que tirar a vida a outrem com uma pena de oito a dezasseis anos de prisão. Se a excisão da vida for efectuada em modos ou circunstâncias que exprimam ou reverberem que se possam qualificar de especial censurabilidade ou perversidade, então a lei comina uma pena de doze (12) a vinte e cinco anos (25) anos. [Vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Fevereiro de 2014, proferido no processo nº 168/11.0GCCUB.S1, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, e em cujo sumário se doutrinou: (“I - O art. 132.º do CP define o tipo de crime de homicídio qualificado, constituindo uma forma agravada de crime em relação ao tipo do art. 131.º. Objectivamente, o tipo de crime assenta nos mesmos factos dos que estão previstos no art. 131.º funcionando a qualificação na combinação de um critério de culpa com a técnica dos exemplos-padrão. II - A qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação, um tipo-de-culpa que se reconduz que é conformado pela especial censurabilidade ou perversidade da conduta.” Ou ainda o quanto à caracterização da qualificação do crime de homicídio e da relevância do tipo de culpa que se esmalta com a categorização de censurabilidade e perversidade, o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 2019, no Processo nº 24/17.9JAPTM.E1.S1, relatado pelo Conselheiro Lopes da Mota, e que pela profusão e cópia de doutrina e jurisprudência que ensancha se deixa extractado, na parte interessante.

Como tem sido repetidamente afirmado na doutrina e na jurisprudência constante deste Tribunal, o crime de homicídio qualificado p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º do Código Penal constitui um tipo qualificado por um critério generalizador de especial censurabilidade ou perversidade, determinante de um especial tipo de culpa, mediante uma cláusula geral concretizada na enumeração dos exemplos-padrão enunciados no n.º 2 deste preceito, relativos ao facto e ao agente, indiciadores daquele tipo de culpa agravado, cuja confirmação se deve obter, no caso concreto, pela ponderação, na sua globalidade, das circunstâncias do facto e da atitude do agente [assim, nomeadamente, o acórdão de 12.07.2018, Proc. 74/16.2JDLSB.L1.S1, cit., mencionando os acórdãos de 5.7.2017, Proc. 1074/16.8JAPRT.P1 (Rosa Tching), de 19.2.2014, Proc. 168/11. 0GCCUB.S1 (Santos Cabral), e de 18.10.2007, Proc. 07P2586 (Santos Carvalho), em www.dgsi.pt, bem como a jurisprudência e doutrina neles citadas, incluindo Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, comentário ao artigo 132.º do Código Penal, Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 1998, Augusto Silva Dias, Direito Penal - Parte Especial: Crimes Contra a Vida e a Integridade Física, AAFDL, 2005, Fernando Silva, Direito Penal Especial, Crimes Contra as Pessoas, Quid Juris, 2008]. «Exige-se, pois, que o agente tenha agido com culpa agravada, ou seja, que as concretas circunstâncias da sua conduta permitam justificar um especial juízo de censura, pela particular gravidade do facto revelada nessas circunstâncias, as quais, na ausência de motivo susceptível de, em concreto, diminuir ou neutralizar a sua valoração, a verificarem-se, se deve considerar preencherem o critério de especial censurabilidade ou perversidade para efeitos de realização do tipo qualificado do crime de homicídio», como se sublinhou no acórdão de 12.07.2018, citado.

31. A propósito dos conceitos normativos de «especial censurabilidade e perversidade» (artigo 132.º, n.º 1, do Código Penal), escreveu-se no acórdão de 18.10.2007 (Proc. 07P2586, cit.), citando Teresa Serra (loc. cit., p. 63-65), como se recordou no acórdão de 12.07.2018, Proc. 74/16.2JDLSB.L1.S1, cit.) e, mais recentemente, no acórdão de 02.10.2019, no processo n.º 3622/17.7JAPRT-P1.S1 (ainda não publicado):«Como se sabe, a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito. No artigo 132.º, trata-se de uma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores. Com a referência à especial perversidade, tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade. Significa isto pois, um recurso a uma concepção emocional da culpa e que pode reconduzir-se «à atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo do autor, de que fala Binder. Assim poder-se-ia caracterizar uma atitude rejeitável como sendo aquela em que prevalecem as tendências egoístas do autor. Especialmente perversa, especialmente rejeitável, será então a atitude na qual as tendências egoístas ganharam um predomínio quase total e determinaram quase exclusivamente a conduta do agente... Importa salientar que a qualificação de especial se refez tanto à censurabilidade como à perversidade. A razão da qualificação do homicídio reside exactamente nessa especial censurabilidade ou perversidade revelada pelas circunstâncias em que a morte foi causada. Com efeito, qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete».

32.  E sobre o tipo de culpa agravado do artigo 132.º considerou-se no acórdão de 19.2.2014 (Proc. 168/11.0GCCUB.S1, cit., apud mesmo acórdão de 12.07.2018):«Refere Silva Dias (...) que a verificação do exemplo padrão do n.º 2 do art. 132.º não implica, apenas indicia, a presença de um caso de especial censurabilidade ou perversidade. Tal indício, e não mais do que isso, tem de ser confirmado através de uma ponderação global das circunstâncias de facto e da atitude do agente nele expressas. (...)

O que determina a agravação é sempre um acentuado desvalor da atitude do agente, quer o mesmo se exprima numa maior intensidade do desvalor da acção, quer numa motivação especialmente desprezível.

Nas palavras de Margarida Silva Pereira ["Os Homicídios" pág. 40] a caracterização do art. 132.º do CP passa pela intersecção de três eixos fundamentais, a saber: a exclusão da aplicação automática; a aferição da qualificação por um critério de culpa no sentido de que se utilize os parâmetros consagrados e tipificados para aquilatar se no caso concreto existe de igual forma uma culpa especial e a permissão do recurso à analogia pois que ao juiz cabe sempre a possibilidade de construir em concreto os pressupostos da afirmação de uma especial censurabilidade, ou perversidade, os quais, embora não subsumíveis aos exemplos padrão, constituem, ainda assim, a demonstração de uma especial intensidade da culpa. Todavia, importa salientar que a valoração da culpa operada pelo art. 132.º do CP não aparece desligada de uma ilicitude qualitativamente mais intensa. (...)

A qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação, sendo um tipo de culpa. Seguindo Roxin, por tipo de culpa entende-se aquele que, na descrição típica da conduta, contém elementos da culpa que integra factores relativos à actuação do agente que estão relacionados com a culpa mais grave ou mais atenuada. A culpa consiste no juízo de censura dirigido ao agente pelo facto deste ter actuado em desconformidade com a ordem jurídica quando podia, e devia, ter actuado em conformidade com esta, sendo uma desaprovação sobre a conduta do agente. O juízo de censura, ou desaprovação, é susceptível de se revelar maior ou menor sendo, por natureza, graduável e dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta, traduzindo igualmente um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela actuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica superando as proibições impostas. (...)

O especial tipo de culpa do homicídio qualificado é conformado através da especial censurabilidade ou perversidade do agente. Como refere Figueiredo Dias a lei pretende imputar à especial censurabilidade aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção ao nível da atitude do agente de formas de realização do acto especialmente desvaliosas e à especial perversidade aquelas em que o juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades do agente especialmente desvaliosas. Enumera o normativo em análise um catálogo dos exemplos padrão e o seu significado orientador como demonstrativo do especial tipo de culpa que está associado à qualificação». 

A especial censurabilidade derivada  e consignada como factor de valoração e categorização qualificativa do crime de homicídio advêm, idealmente, no caso da alínea b) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, do estabelecimento predefinido e de uma relação pré-constituída e criada por decorrência de um relacionamento interpessoal gerador de laços que se firmam e desenvolvem por uma inicial comunhão de vontades que se assumem numa partilha conjugada de vida pessoal e lastrado por uma inextrincável incisão na vida pessoal dos indivíduos que decidem essa partilha. Constituindo-se um dado sociológico inafastável que uma relação iniciada (e no ritual transcendente “prometida” manter até à morte) pode não lograr subsistir ao erodir do relacionamento interpessoal, o facto é que a lei consagra (bem  ou mal) um especial valor ao relacionamento (conjugal) estabelecido e prevê como circunstância reveladora de uma especial censurabilidade o facto de a excisão da vida ter sido produzida por um dos indivíduos involucrados na relação (afectiva e convivencial) que haja sido mantida ou se mantenha.

A arguida manteve um relacionamento conjugal com a vítima durante 15 (aproximadamente) sem quebra da solidariedade com o companheiro (embora com manifestações de falta de apoio ou de agravos pontuais, quanto ao relacionamento com o filho mais velho, como se depreende da factualidade provada)

A decisão recorrida, no eito da decisão de primeira (1ª) instância, justificou a imputação formulada na acusação (na parte em que a acolheu), com a fundamentação que a seguir queda transcrita (sic).

“(…) Assim, atendendo à factualidade provada: A arguida dirigiu-se para o interior da sua residência "e entrou na posse, de modo não concretamente apurado, de um martelo com o peso de 0,46 quilogramas e com o comprimento total de 29,2 centímetros. Na parte superior, o martelo é composto por uma peça em metal ferroso, do tipo "bico de pato", com o comprimento de 10,5 centímetros e largura máxima de 2,5 centímetros, tendo num dos topos as dimensões de 2,5 centímetros x 2,0 centímetros e no outro as dimensões de 0,6 centímetros x 2,5 centímetros, sendo que o cabo de cor amarela, em plástico, tem o comprimento de 26,7 centímetros e é revestido a borracha de cor preta desde a sua base até aos 17,5 centímetros de altura.

Assente ficou que, munida desse martelo que agarrava pelo cabo, a arguida se acercou do alpendre onde DD e, com a parte de metal, desferiu-lhe, pelo menos, sete pancadas na cabeça, que causaram a DD dores de grande intensidade as lesões descritas no ponto 10) da matéria de facto provada.

Resultou, ademais, adquirido que, após, a arguida continuou a desferir a DD pancadas com a parte metálica do martelo, pelo menos por duas vezes, atingindo-o na mão direita, causando-lhe dores e as seguintes lesões: fratura diafisária da falange proximal do dedo médio, ferida contusa oblíqua disto-lateralmente, ao nível do dorso da falange proximal do 5.° dedo, medindo três milímetros de comprimento, ferida superficial oblíqua disto-lateralmente ao nível da porção distai do espaço interósseo entre o 4.° e 5.° dedos, medindo quatro milímetros de comprimento; escoriação ao nível do dorso da falange proximal do dedo anelar, medindo três milímetros de comprimento, ferida contusa oblíqua disto-lateralmente, ao nível do dorso da falange proximal do 5.° dedo, medindo três milímetros de comprimento, equimose arroxeada localizada sensivelmente ao nível da metade distai dos 4.°s e 5.°s metatársicos, prolongada distalmente até ao nível do dorso das falanges proximais dos dedos correspondentes, medindo cerca de quatro centímetros de eixo maior por três centímetros e meio de eixo menor.

Ficou provado que, após tais pancadas, a arguida, persistindo no seu propósito de tirar a vida a DD, foi buscar, a local não concretamente determinado, uma faca de cozinha de marca "ICEL" com trinta centímetros de comprimento total, medindo a lâmina dezoito centímetros de comprimento e 3,5 centímetros de largura máxima, e, empunhando tal faca com a mão direita, agarrando-a pelo cabo e com a lâmina virada para baixo, a arguida se aproximou de DD e espetou, pelo menos por dez vezes, o bico da faca com força, enterrando parcialmente a lâmina na zona dos ombros deste, na área posterior do pescoço, e que aí causaram diversas feridas corto-perfurantes.

Ao sentir esses golpes, DD levantou-se e caminhou na direção da piscina, utilizando os braços e as mãos para se defender dos diversos golpes que a arguida lhe ia infligindo, seja por corte com a lâmina, seja por perfuração com o bico da mesma, ao mesmo tempo que, em voz alta, pedia que o acudissem...

Os gestos defensivos efetuados por DD lograram atingir a arguida no seu membro superior direito, tendo-lhe aí causado equimose com áreas arroxeadas e avermelhadas no terço proximal da face anterior do braço, com as dimensões de 4 centímetros x 1,5 centímetros, equimose arroxeada no terço médio da face anterior do braço, com a dimensão de 1,5 centímetros de diâmetro, equimose arroxeada do terço distai da face anterior do braço, com as dimensões de 3 centímetros x 1,5 centímetros, equimose arroxeada no cotovelo, com as dimensões de 1,5 centímetros de diâmetro, equimose avermelhada na flexura do cotovelo, com as dimensões de 2 centímetros x 1 centímetro.

No entanto, a arguida continuou a desferir diversos golpes com a referida faca, atingindo DD em diversas zonas da cabeça, do pescoço, do tronco e dos membros superiores e inferiores, quer do lado direito, quer do lado esquerdo, só parando quando este, após cair no chão junto à piscina, deixou de ter reação,

A arguida, ao aperceber-se de que DD tinha deixado de reagir, espetou-lhe, profundamente a lâmina da faca na zona exterior da coxa esquerda, quase até ao cabo, e aí a deixou ficar.

Ficou assente que, no total e como se descreveu, a arguida desferiu, pelo menos, 79 (setenta e nove) golpes com a faca mencionada em diversas zonas do corpo de DD, cansando-lhe múltiplas dores e as lesões descritas no ponto IS) da materialidade fática assente.

Ora, adquirido ficou que, não obstante o auxílio prestado pelos vizinhos, DD veio a falecer passados poucos minutos, como consequência das lesões traumáticas cranianas, faciais, torácico-abdominais e dos membros superiores e inferiores, provocadas pelas pancadas do martelo e dos golpes da faca desferidos pela arguida."

É, pois, óbvio e inquestionável que, em face da matéria de facto provada, se verificam todos os requisitos do tipo legal do crime de homicídio, praticado pela arguida/recorrente, e do qual foi vítima, o seu marido, DD."

No caso "sub judice", é incontestável que a arguida praticou os factos contra aquele que era, à data, seu cônjuge. Como, bem, se refere no acórdão recorrido: "A conduta da arguida, praticada de forma inesperada (após simular uma saída com os filhos), contra o marido de há mais de uma década e pai dos seus dois filhos menores, que se encontravam a poucos metros do local (e que, por conseguinte, poderiam ser expostos ao cenário de extrema violência perpetrado contra o seu pai) é suscetível de revelar uma especial censurabilidade. A não desconsiderar a este respeito é, ainda, a circunstância de a morte de DD ter sido provocada pela inflicção de oitenta e cinco pancadas e golpes de martelo e de faca nas zonas cranianas, faciais, torácico-abdominais e dos membros superiores e inferiores - causadoras de substancial sofrimento à vítima -, tendo a arguida se mostrado indiferente aos pedidos de DD para que cessasse a sua conduta e, inclusivamente, no final da sua atuação, deixado espetada a lâmina da faca na zona exterior da coxa esquerda daquele - ato que igualmente não deixa de revelar uma especial crueldade, na medida em que reflete qualidades da personalidade da agente especialmente desvaliosas."

Do ponto de vista subjetivo, trata-se este de um crime doloso, em que, de acordo com a conceitualização da doutrina hoje dominante, se exige que o agente tenha conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do tipo objetivo de ilícito.

Por uma banda, é necessário que o agente, ao atuar, conheça os elementos suficientes a uma correta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à ação intentada; por outro lado, exige-se a verificação no facto de uma vontade dirigida à sua realização, que se pode manifestar com maior ou menor grau de intensidade, de acordo com o disposto no artigo 14.° do Código Penal.

No ajuizado caso, resultou provado que a arguida sabia que DD era seu marido, com quem estava casada há cerca de 15 anos, e que desse casamento resultavam deveres mútuos de respeito, cooperação e assistência, e que este era o pai dos seus dois filhos menores, que se encontravam a escassos metros do local dos factos.

Assente ficou, ainda, que a arguida representou e quis tirar a vida ao seu marido, o que conseguiu, e para tanto representou e quis desferir pelo menos 85 pancadas e golpes de martelo (as pancadas, com a parte metálica deste, foram desferidas na cabeça da vítima) e de faca no corpo deste, com o propósito alcançado de lhe causar a morte,

Por fim, ficou cristalizado que a arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram censuráveis, proibidas e punidas pela lei penal."

É óbvio que se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.°s. 131° e 132° nºs, 1 e 2, al. b), ambos do aludido compêndio substantivo.

Nada justifica a actuação brutal desumana e criminosa da arguida.

Outra conclusão não se poderá tirar a de que a arguida cometeu o crime de homicídio, nos termos referidos no douto acórdão em causa.

Portanto, no caso "sub judice" não se mostra verificada nenhuma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, nomeadamente a legítima defesa.

A exclusão da ilicitude da conduta por legítima defesa [art 32° do C Penal] exige a presença de cinco requisitos objetivos e um elemento subjetivo, a saber, (i) a agressão de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, (ii) a atualidade da agressão, (iii) a ilicitude da agressão, (iv) a necessidade da defesa, (v) a necessidade do meio e (vi) o conhecimento da situação de legítima defesa - os três primeiros requisitos objetivos referem-se à situação em que o agente atua e os dois últimos à ação de defesa. (Vide Ac. TRP, de 11-12-2013, proferido no Proc. N.º154/05.0GARSD.P1),

Estando provado, como temos vindo a referir e consta do ponto n° 25, da matéria de facto apurada que "A arguida representou e quis tirar a vida ao seu marido, o que conseguiu, e para tanto representou e quis desferir pelo menos 85 pancadas e golpes de martelo e de faca no corpo deste, com o propósito alcançado de lhe causar a morte." fica desse modo excluído o intuito defensivo, demonstrando-se, ao invés, o agressivo, pelo que em tal caso, já não se pode falar em legítima defesa nem em legítima defesa putativa (que se traduz na errónea suposição de que se verificam, no caso concreto, os pressupostos da defesa: a existência de uma agressão actual e ilícita).

No mesmo sentido, o afirmado no acórdão recorrido, face da factualidade apurada, "não se pode divisar qualquer comportamento ativo da vítima suscetível de ser qualificado como de agressão iminente ilícita. Com efeito, não resultou provado que DD tenha agarrado a arguida pelos cabelos, a tenha atirado para o sofá existente no alpendre, o que fez com que a arguida tivesse pegado num martelo que ali se encontrava e atingido o falecido, envolvendo-se ambos em confronto. Não ficou provado que DD, após se apoderar do martelo - e de ter atingido a arguida na cabeça -, tivesse pegado na faca que estava em cima da mesa ao pé da churrasqueira e, dizendo que a matava, tenha avançado na direção de AA, segurando a faca e o martelo em cada uma das suas mãos. De facto, as lesões que DD causou a AA no membro superior direito foram levadas a cabo com intuito defensivo, após aquele ter sido atingido com o martelo e já depois de ter sido atingido, pelo menos por dez vezes, com o bico da faca.

Não se mostram, assim, preenchidos os requisitos necessários à perfetibilização de uma atuação em legitima defesa, daí ter sido a conduta da arguida considerada ilícita."

A recorrente, ainda como alternativa, alega que "não há um único indício subjetivo de que a Arguida tivesse agido enformada por um dolo de homicídio. Antes pelo contrário, entende-se que, não só das declarações da Arguida - única forma de obtermos um contacto mais direto com o elemento subjetivo - mas até dos elementos objectivos (concretamente dos factos provados supra citados), resulta sim que existe um dolo de ofensa à integridade física."

Sem razão, todavia, pelos motivos já referidos. Pois que, o dolo, na sua actuação de homicida, é notório. A sua intenção de matar o marido é óbvia, pois como já afirmado, "assente ficou, ainda, que a arguida representou e quis tirar a vida ao seu marido, o que conseguiu, e para tanto representou e quis desferir pelo menos 85 pancadas e golpes de martelo (as pancadas» com a parte metálica deste, foram desferidas na cabeça da vítima) e de faca no corpo deste, com o propósito alcançado de lhe causar a morte, ... ficou cristalizado que a arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram censuráveis, proibidas e punidas pela lei penal.

Toda a defesa da arguida se centra – tanto na impugnação da qualificação jurídico-penal, como já acontecera na impugnação da matéria de facto – (i) na falta de comprovação fáctico-intelectual da intenção de tirar ao vida ao marido (artigo 25º da matéria de facto provada); e (ii) na existência de uma situação de violência doméstica, traduzida em abusos sexuais, rectius violações, inclusive de cópula anal, que lhe terá provocado uma fissura no ânus, por que teve de receber assistência médica, e para com o filho mais velho (QQ) e de eventuais perturbações/taras de feição e natureza sexual (relatadas com algum detalhe na primeira audição da arguida pela Policia Judiciária – fls.).  

A arguida não logra desconstruir a narrativa que foi sedimentada pelas decisões consonantes proferidas pelas instâncias. E não o logrou porque, na verdade, não se descortinam incongruências ou alogias susceptíveis de derruir e erodir a comprovação factual obtida pelas instâncias. A arguida não logrou provar, malgrado os imprecisos e pervagantes relatos de algumas testemunhas – abstemo-nos da respectiva nomeação – que a vida dela, depois dos 2 (dois) primeiros anos de casada,  e principalmente desde o nascimento do primeiro filho (QQ), foi assolada por um contínuo de desconsiderações pessoais e familiares, de abusos sexuais recorrentes, de falhas de estima e entreajuda e de privações de no plano da vivência familiar. As impostações das testemunhas são espúrias e omissas em concretizações, mesmo das amigas mais chegadas, que apenas pressentiram a existência algum desânimo familiar e esvaecimento no relacionamento dos cônjuges.

Argumentar-se-á, não sem sustento, que nas situações em que ocorra um quadro qualificativo de violência doméstica, pela sua natureza eminentemente privada e íntima, se deve atender aos depoimentos da pessoa que suporta(ou) os actos de violência. Se não deixamos de assentar nessa forma de apreciação dos factos que cevam as situações de violência doméstica, não podemos deixar de anotar que algum indício a pessoa há-de demonstrar para a existência dessa situação. A arguida, ainda que habitando numa zona rural, ou pelo menos, despejada das características de uma zona citadina ou cosmopolita, não deixa de ser uma pessoa que frequentou e obteve graduação superior e com um nível de desembaraço que lhe seria permitido formular queixas, veladas ou explicitas, tanto junto de colegas como amigas. Percorrendo os depoimentos o que sobra são alusões, referências ocasionais e esparsas a situações de desconforto familiar e em que são as próprias testemunhas a perguntar se não estaria a pensar em divorciar-se. Por muito que prezemos a prova directa e pessoalíssima que deve vingar neste tipo de situações e quadros factuais, só uma fidelização e crença indómita na palavra da arguida faria um tribunal deixar de analisar os restantes meios de prova e concluir pela não verificação factual-histórica de um quadro de violência familiar típico. Aceita-se a existência de queixas e um amolecimento do viço familiar, que reverbera e transluz de algumas conversas com amigas, mas a prova produzida não induzes, nem por forma abdutiva, a existência de uma situação de supressão/quebra dos laços de familiaridade padrão entre famílias que convivem diariamente e têm de se confrontar com quezílias, agravos e dissídios naturais entre quem convive e “disputa” o mesmo espaço de relacionamento e de movimentação quotidiana. 

Toda a argumentação da arguida, para se esgueirar à imputação da qualificativa por que acabou ajuizada e condenada, se esteia na inexistência de dolo “de morte”. A arguida quis libertar-se da pressão que a vítima em determinado momento quis exercer sobre ela – segundo ela, na primeira abordagem da Polícia Judiciária, para a violentar – e para se eximir a essa pressão acabou por se munir de um martelo – que por ali se encontraria em cima de uma mesa – e com ele percutiu a cabeça da vítima que terá tentado resistir e não logrou mais de que ir – quiçá atordoado – até junto da piscina, onde a arguida, entretanto já munida de uma faca o dilaceraria e recortaria nas partes superiores do corpo, cabeça, pescoço e tórax.

Ocioso dizer que para que ocorra uma acção punível, torna-se, imprescindível que o agente aja com dolo, em qualquer das suas formas, directo, necessário e eventual. [Refere Fernanda Palma, ibidem p. 81, que “numa obra [Ascombe, G. E. M. Intention, 2ª ed. 1963] determinante da Filosofia sobre o conceito de intenção, poderemos assentar em que o comportamento intencional é aquele para o qual a pergunta porquê tem como resposta exclusiva a própria vontade de o agente realizar a essa conduta.” No mesmo sentido Claus Roxin, “Derecho Penal. Parte General. Tomo II. Especiales Formas de Aparición del Delito, Civitas/Thomson Reuters, Madrid, 2014, p. 456.]

Em pós a uma distinção das formas de manifestação do dolo – intenção ou propósito (dolus directus de primeiro grau), o dolo directo (dolus directus de segundo grau) e dolo eventual (dolus eventualis), Claus Roxin alcança uma forma unitária de descrição do dolo, como ““saber e querer (conhecimento) e vontade” de todas as circunstâncias do tipo legal.”  

A este respeito, o requisito intelectual (“saber”) e o volitivo (“querer”) estão em cada caso diferentemente configurados nas suas relações entre si. No caso da intenção, no lado do saber basta com a suposição de uma possibilidade, ainda que seja só escassa, de provocar o resultado, p. ex. um disparo a grande distância. Dado que se persegue o resultado e que, portanto, o “querer” é muito pronunciado, quando o disparo dá no alvo (“da en el blanco”) concorre de todos os modos um facto doloso consumado.” [Claus Roxin, Depreco Penal. Parte General. Tomo I. Fundamentos. La Estructura del Delito. Civitas, Madrid, 1997, p. 415.]      

Neste eito definitório alinha Hans-Heinrich Jescheck quando assevera que “o dolo significa conhecer e querer os elementos objectivos pertencentes ao tipo.” “O conhecimento do autor deve referir-se aos elementos do tipo situados no passado e no presente; para além disso, o autor há-de prever nos seus rasos essenciais os elementos típicos futuros, em especial o resultado e o processo causal. A vontade consiste na resolução de executar a acção típica. Estende-se a todos os elementos objectivos constitutivos conhecidos pelo autor que serem de base à decisão da acção. (…) o dolo deve concorrer no momento da acção, sendo irrelevante um dolo antecedente ou subsequente.” [Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal. Parte General. Volume I, Bosch, Barcelona, 1978, p. 398-399.]  

Para que ocorra, na participação da realização de tipo de ilícito pressupõe-se, que “junto com a tipicidade e antijuridicidade do facto do autor, também o seu carácter doloso. Esta indicação legal expressa é supérflua se se ubica sistematicamente o dolo como parte subjectiva do tipo, como se corresponde com a opinião dominante (…). Pois, em tal caso, da exigência de um facto típico do autor se desprende que este deve ser também doloso.” [Claus Roxin, Derecho Penal. Parte General. Tomo II. Especiales Formas de Aparición del Delito, Civitas/Thomson Reuters, Madrid, 2014, p. 205.] 

A intenção de concretização de um resultado, de um fim, ou objectivo de acção, representa-se exteriormente mediante a efectivação/execução de um conjunto de actos e acções operadas pelo indivíduo/agente que, tendo conjecturado a realização desse resultado, é impulsionado por um querer, voluntariamente assumido e formado, em direcção à concretização do resultado que quis obter. Á representação formada e querida, no plano intelectivo e psicológico, o agente ade a materialização no plano físico, exteriorizando por essa forma o querer induzido na acção.

Segundo a arguida não teria tido a intenção de matar a vítima (marido) mas tão só de se defender de uma agressão eminente – intenção de manter relacionamento sexual – e que a nimiedade de golpes desferidos no corpo da vítima terão sido desencadeados por uma “raiva incontida e instintiva”, como soe dizer-se. Dessa acção de defesa e de reversão num ataque de acção ofensiva “instintiva e incontida” terão os ferimentos verificados no relatório de autópsia e que terão determinado a morte do marido.

Se, como pensamos, a vontade se reverbera e expressa na acção do agente, teremos de convir que a forma como a arguida abordou a agressão – não se provou qualquer acção ou iniciativa agressiva por parte do marido –, como a prosseguiu e como a rematou revela, de forma inauferível e irremível, uma vontade de dar a morte ao marido. A arguida desferiu 7 (sete) golpes com um martelo na cabeça do marido e mais de setenta golpes com uma faca – que deixou fincada na perna esquerda do marido, quando o abandonou a esvair-se em sangue, junto à piscina – em partes do corpo que qualquer pessoa sabe que são vitais. A forma como os golpes se mostram distribuídos pelo corpo – o que é possível visualizar na reportagem fotográfica efectuada pelos peritos da Polícia Judiciária (fls. 42,43) – evidenciam que a arguida atingiu a vítima em partes vitais, pescoço e tórax, e que só deixou de golpear a vítima quando esta terá ficado prostrada e imóvel, com a aparência de desfalecimento próprio de quem já não tem sinais de vida. A arguida só terá abandonado a vítima, dessangrando-se, quando esta desfaleceu, o que evidencia uma vontade de não desistir e manter a sua vontade de obter o resultado (morte da vítima) o que seria logrado quando este deixasse de evidenciar qualquer reacção vital. A reacção posterior da arguida figura-se, quiçá, um pouco esdrúxula, ao tentar escamotear a sua acção figurando uma tentativa de assalto.

Definitivamente não conseguimos vislumbrar como, com a actuação espelhada nos elementos colectados no processo, se pode querer afastar a intenção de tirar a vida à vítima. Poderão, não negamos, comparecer no discorrer da actuação da arguida, surgir alguns pontos sombreados, ou de um claro esmaecido, mas se tal ocorre é porque os actores/intervenientes são apenas os dois sujeitos e, sendo que um deles não poderá contar a sua versão, apenas fica a versão da arguida, que, com o devido respeito, em muitos aspectos é totalmente desfasada da realidade e da dinâmica exposta pelos sinais auscultados e analisados pelos peritos e pelas primeiras testemunhas chegadas ao local. O que ressalta é um quadro de ferimentos desferidos pela arguida e efectuados em partes do corpo de que, quem os executou, não poderia deixar de ter em vista a morte da pessoa atingida.

Nesta factualidade quadro se esmerila a representação da intenção de matar, por parte da arguida.

Á arguida foi imputado um crime de homicídio qualificado previsto nos artigos 131º e 132º, nº 2, alínea b) do Código Penal.

A arguida procura afastar a circunstância qualificativa por, em seu juízo, dever atender-se ao estado de deterioração do relacionamento conjugal e pela situação de esbatimento do viço conjugal já vigente entre a arguida e a vítima.

O quadro circunstancial poderia vingar se tivesse sido adquirido para o processo o que a arguida alega como sendo a realidade vivencial do casal. Não vinga, dada matéria de facto que está plasmada na decisão recorrida e apenas esta se prefigura como válido e operante para a decisão a proferir, pela resposta conferida às questões relativas a omissões e erros das instâncias.

O quadro factual não consente um afrouxamento da relação familiar consentâneo com a hipótese adiantada de que a lassidão do relacionamento familiar, susceptível de distender e lassar os laços comuns e típicos de uma família, poderia inflectir o enquadramento da conduta ilícita do agente no exemplo de qualificação contido na alínea b) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal.

Depositamos a argumentação expendida na imputação que vem das instâncias e que reputamos corresponder à factualidade adquirida, por não existirem elementos válidos e sólidos que a contrariem.

Assente a qualificação nos preditos termos, fica prejudicada a apreciação das hipóteses alternativas impulsionadas pela arguida, a saber o preenchimento dos pressupostos do crime de homicídio privilegiado e, por maioria de razão, de ofensa à integridade fisica agravada pelo resultado da morte.   

§3.(B).2. – DETERMINAÇÃO/INDIVIDUALIZAÇÃO JUDICIAL DA PENA.

Definido o enquadramento jurídico-penal expresso pela conduta da arguida, sobra a determinação concreta da pena correspondente à culpabilidade da agente. 

Sopesando as circunstâncias concretas em que a acção se desenvolveu e o resultado se materializou, a decisão recorrida, argumentou que (sic): “Importa atender logo ao grau de ilicitude do facto, à maior ou menor gravidade do ilícito considerando-se o modo de execução (quando não constitui elemento essencial do crime), a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente.

No caso "sub judice" atendeu-se, na fixação da pena em concreto, "à prevenção geral e especial

No que à prevenção geral diz respeito, note-se que as exigências se afiguram elevadas. O modo de cometimento do facto - o número elevado de lesões provocadas na vítima, em articulação com o substancial grau de sofrimento infligido nesta - colocam o caso em apreço acima do nível médio das exigências gerais-preventivas feitas sentir na generalidade das situações em que crimes desta índole são cometidos. A estabilização contrafáctica das expetativas comunitárias na validade da norma infringida requer, pois, a aplicação à agente de uma pena distanciada do limite inferior da moldura legal aplicável.

Em sede de medida concreta da pena, há que ponderar, ainda, o grau de ilicitude do facto, que se reputa de substancialmente elevado. Com efeito, para além do carácter relativamente duradouro do vínculo matrimonial intercedente entre a vítima e a agente, assim como do facto de o ex-casal ter dois filhos em comum - o que faz aumentar o grau de violação dos deveres impostos à arguida -, há que considerar, a este propósito, a natureza e ampla extensão das lesões provocadas e o superlativo grau de sofrimento que a arguida infligiu à vítima, circunstâncias que denotam uma intensíssima energia criminosa. Por outro lado, há que não obnubilar a circunstância de a arguida ter praticado os factos em local próximo ao local onde se encontravam os seus dois filhos menores - os quais, com uma probabilidade não reduzida, poderiam ser expostos ao episódio altamente traumático consubstanciado pelo cenário de assassinato de um dos seus progenitores.

A arguida agiu, ainda, com a forma mais intensa de dolo, o dolo direto. A sua culpa, é, por isso, elevada, porque moldada no aludido dolo (sendo que, de acordo com a doutrina do duplo escalão, o dolo reparte-se também em dolo da culpa).

Quanto à conduta do agente, anterior à prática dos factos, há que fazer menção a que a arguida, com 44 anos de idade, é primária e admitiu parcialmente a prática dos factos, o que revela que, pelo menos em parte, interiorizou o desvalor da sua conduta - não obstante de, logo após a comissão do crime, ter procurado eximir-se de responsabilidades, ao simular a existência de um assalto prévio. A seu favor cumpre igualmente realçar a circunstância de a agente ter dois filhos menores a seu cargo, o facto de se encontrar sócio profissionalmente inserida - sendo …… de profissão -, o facto de, enquanto presa preventivamente, ter adotado um comportamento ajustado às normas e regras do sistema penitenciário, encontrando-se a trabalhar numa oficina no pavilhão. A valorar positivamente é, por fim, a circunstância de a arguida se encontrar a ser acompanhada em consultas de psiquiatria e psicologia, demonstrando adesão às mesmas.

Não se vislumbra, todavia, o preenchimento dos pressupostos da atenuação especial da pena expressos no art. 72°, do CP, que diminuam, de forma acentuada, a ilicitude do facto, a culpa da agente, ou a necessidade da pena.

L que, não ficou, por qualquer forma, demonstrado, e muito menos provado, ter a arguida actuado em legítima defesa ou por qualquer outro motivo passível de fazer diminuir a ilicitude do facto ou a sua culpa.

O que resultou do julgamento é que a arguida "atuou de forma especialmente violenta e cruel, atacando o seu marido quando este se encontrava a dormir no alpendre da casa da família, tendo-lhe causado a morte de forma especialmente sádica e dolorosa, pois desferiu mais de oitenta golpes de faca no corpo de DD, quando este lhe implorava que parasse de lhe dar facadas e que não o matasse.'*

Ora atendendo à moldura abstracta do crime de homicídio praticado pela arguida - 12 a 25 anos de prisão - e dado todo o circunstancialismo supra descrito, a pena concreta, de 19 anos de prisão, fixada no acórdão recorrido, é adequada e justa, mostrando-se criteriosamente aplicada, no acórdão recorrido.

Neste mesmo sentido, entre outros, o Acórdão do STJ de 09.07.2014, referindo no seu sumário: "I. O arguido foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. b), do CP, na pena de 16 anos e 6 meses de prisão. II. Ao nível da determinação da medida concreta da pena, há que assinalar a elevada ilicitude da conduta. (...) munido de um martelo com cabeça em metal, desferiu sucessivamente 16 pancadas na cabeça da vítima e noutras partes do corpo, nomeadamente nas mãos, com as quais a vítima pretendia proteger a cabeça, pancadas essas que provocaram múltiplas lesões na cabeça. III. A escolha da cabeça como zona corporal privilegiada para objeto da agressão, a intensidade desta e a sucessão dos golpes revelam um dolo intensíssimo. De acentuar também a crueldade ínsita na utilização de um martelo como instrumento do crime, provocando necessariamente intenso sofrimento na vítima. A ilicitude e a culpa são, pois, muito intensas. IV. Nenhumas atenuantes de relevo se apuraram. A confissão foi parcial e pouco significativa. A ausência de antecedentes criminais também tem escasso valor atenuativo, por corresponder á situação de normalidade das pessoas fiéis ao direito. O mesmo se dirá da integração social, já que este tipo de crime não está normalmente associado á marginalidade ou a um comportamento socialmente desviante. V. (...) VI. A pena fixada mostra-se claramente insuficiente para cumprir essas funções preventivas da pena. Tendo em consideração a moldura penal (de 12 a 25 anos de prisão), entende-se ser adequada uma pena de 19 anos de prisão que, satisfazendo as finalidades preventivas da pena, não excede de forma alguma a medida da culpa.'

Ensaiando um bosquejo (sumário) do conceito e fins das penas, poder-se-ia dizer que com a pena, o Estado através do sistema penal (viger numa sociedade de configuração ideológica demoliberal) dispõe-se a rechaçar e reagir ao desrespeito que alguém assume perante um comando legal que contenha uma proibição de fazer, agir ou omitir pretendendo com essa reacção confirmar a inteireza da norma (de proibição) e a sua validade e eficácia societária. Dir-se-á que com a pena o sistema pretende negar a negação consumada pelo agente de um preceito normativo-social válido. (Numa definição impressiva, Jesus-Maria Silva Sánchez, refere que “A pena (estatal) associa-se substancialmente à inflicção pelo Estado de um mal simbólico-comunicativo ao agente responsável de um delito, a quem se reprova juridicamente. Constitui, pois, uma reacção estatal ao delito. A ela só lhe é consubstancial o sofrimento inerente à própria comunicação, que tem lugar em virtude da sua imposição como tal pena incluso sem esta mediante a declaração do injusto culpável responsavelmente cometido” – “Malum passionis. Mitigar el dolor del Derecho Penal”, Atelier, 2018, 113-114. (tradução do castelhano)    

A pena, na asserção de Claus Roxin, “só resulta legítima quando é preventivamente necessária e, ao mesmo tempo, é justa no sentido de que evita ao autor qualquer carga que vá além da culpabilidade do facto”, (Claus Roxin, “La Teoria del Delito en la Discussión actual”, Editorial Grijley, 2007, p.71.) actuando a culpabilidade como pressuposto fundamentador da pena “posto que nunca pode impor-se uma pena se ela não estiver presente, assim como tão pouco a pena pode ir além da sua medida. No entanto a tarefa da pena é igualmente preventiva, pois ela não deve retribuir mas sim impedir a comissão de delitos (crimes). Em câmbio, a culpabilidade só tem a função de limitar, ema aras da liberdade dos indivíduos, magnitude dentro da qual devem perseguir-se objectivos preventivos. Disto resulta, por política criminal, aquele princípio da dupla limitação que caracteriza a minha sistematização da categoria da responsabilidade: a pena não deve ser imposta nunca sem uma legitimação preventiva, mas tão pouco pode haver pena sem culpabilidade ou mais além da medida desta. A pena de culpabilidade é limitada através do preventivamente indispensável; a prevenção é limitada através do princípio da culpabilidade.” (Claus Roxin, op. loc. cit. ps. 52-53.) (“A praxis de responsabilizar segundo a medida do merecido pode definir-se e legitimar-se num sistema de imputação ética e jurídica que opere debaixo da ideia de liberdade como expressão de respeito ante o autor que se haja servido da sua capacidade para configurar o mundo arbitrariamente de um modo concreto (isto é, de forna contrária ao dever) e não de outro (isto é, conforme ao dever.” – (Michael Pawlik, “Confirmación de la Norma y Equilibrio en la Identidad. Sobre la Legitimación de la Pena Estatal, Editorial Atelier, Barcelona, 2019, p. 57)

Na perspectiva funcionalista de Günther Jakobs, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. (Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualización Judicial de la Pena”, Ediciones Universidad Salamanca, 1999, p. 121) “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Para uma abordagem mais aprofundada sobre a acepção «social de culpabilidade» veja-se Bernd Schünemann, págs. 98 a 114, “La Culpabilidad: Estado de la Questión”; in “Sobre el Estado de la Teoria del Delito” (Seminário en la Universitat Pompeu Fabra), Claus Roxin, Günther Jakobs, Bernd Schünemann; Wolfang Frish e Michael Köhler; Cuardernos Civitas, 2016.) 

A pena foi assumida no Estado liberal com uma dupla função, de prevenção de delitos e retribuição por um mal cometido. Num Estado com uma preocupação social e de raiz democrático, o direito penal “deve assegurar a protecção efectiva de todos os membros da sociedade, pelo que há-de tender para a prevenção de delitos (Estado social), entendidos como aqueles comportamentos que os cidadãos entendem danosos para os seus bens jurídicos - “bens” não num sentido naturalista nem ético-individual, mas sim como possibilidades de participação nos sistemas sociais fundamentais –, e na medida em que os mesmos cidadãos considerem graves tais factos (Estado Democrático). Um tal direito penal deve, pois, orientar a função preventiva da pena com arrimo (“arreglo”) aos princípios de exclusiva protecção de bens jurídicos, de proporcionalidade e de culpabilidade.” Para este autor “são dois, pois, os aspectos que deve adoptar a prevenção geral no Direito penal de um Estado social e democrático de Direito: junto ao aspecto intimidatório (também chamada a prevenção geral negativa), deve concorrer o aspecto de uma prevenção geral estabilizadora ou integradora (também denominada prevenção geral ou positiva).” (Santiago Mir Puig, “Estado, Pena e Delito. Função da Pena no Estado Social e Democrático de Direito”, Editorial Bdef, Montevideu e Buenos Aires, pág. 105.)    

Hassemer afirma que «la función de la pena – afirma – es la prevención general positiva”, que “no opera mediante la intimidación sino que persigue la proteción efectiva de la fiscalización social de la norma. Ello supone dos cosas: por una parte, que la pena ha de estar limitada por la proporcionalidad, – por la retribuición por en hecho; por outra parte, que la misma ha de suponer un intento de resocialización del delincuente, entendida como ayuda que ha de prestársele en la medida de lo posible.”

(No mesmo eito pode colher-se lição em Enrique Bacigalupo, in “Justicia Penal y Derechos Fundamentales”, Marcial Pons, 2002, p. 117, quando assevera que “A gravidade da culpabilidade determina o limite máximo da pena, mas não obriga – como na concepção de Kant – à aplicação da pena adequada á culpabilidade. Por debaixo desse limite é possível observar exigências preventivas que, inclusive, podem determinar uma redução da pena adequada á culpabilidade. Dito de outra maneira: a retribuição da culpabilidade, que provém das teorias absolutas, só determina o limite máximo da pena aplicável ao autor, sem excluir a possibilidade de dar cabida às necessidades preventivas, proveniente das teorias relativas, até ao limite fixado pela culpabilidade.”)

O ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, consagrou uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (“conditio sine qua non”) e de limite da pena”. (Cfr. Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.)

Para este Professor [Taipa de Carvalho], as penas devem visar, em primeira linha privilegiar a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. (Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit.,pag. 327)

A ordem jurídico-penal viger, estabelece no art. 71 nº 1 do C.P. que "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente societária e comunitária para a reprovação do comportamento do agente e a correlata necessidade no asseguramento da confiança (da sociedade) na norma, traduzido na punibilidade de condutas contrárias ao sentido conformador-normativo) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Mediante o estabelecimento e indicação de critérios, o legislador fornece ao juiz orientações para a formação cognitiva de juízos avaliativos e condensadores dos pressupostos e da fixação de premissas que possibilitam a conformação e determinação das escolhas a realizar perante um concreto responsável em face da realidade factual ressumada pela facticidade adquirida pelo julgamento. Assim na individualização da pena o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha uma insubstituível tarefa mediadora, construtiva e constitutiva das reacções penais ajustadas ao caso e convincentes da sua justeza perante a sociedade que se destinam a influenciar.

Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:

– O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente;

– A intensidade do dolo ou negligência;

– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

– A conduta anterior ao facto e posterior a este;

– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. (Paragonado com o estabelecido no artigo 71º do nosso ordenamento jurídico-penal, pontua-se no apartado II do § 46 do StGB, que o tribunal deverá na “medición” da pena ponderar as circunstâncias favoráveis e contrárias ao autor. “com este fim se contemplarão particularmente: - os fundamentos da motivação e os fins do autor; - a intencionalidade que se deduz do facto e a vontade com a qual se realizou o facto; - a medida do incumprimento do dever; - o modo de execução e os efeitos inculpatórios do facto; - os antecedentes do autor, a sua situação pessoal e económica, assim como a sua conduta depois do facto, especialmente os seus esforços para reparar os danos, e os seus esforços para acordar uma compensação com o prejudicado.”)

A pena contém, na sua impressão conotativa e ontológica, dois vectores axiais (i) a culpa do agente produtor de um resultado contrário a uma proibição legal (comando estipulado pela normação emanada do Estado); e (ii) a prevenção que com a imposição de uma inflicção se pretende alcançar na comunidade em que as normas vigentes imperam e, por outro lado, fazer reflectir o agente da sua contradição cognitiva ao sistema de leis vigente e prevalente na sociedade em que se insere e, eventualmente, impulsionar a respectiva reversão, por forma a conformar a sua pauta de conduta com o conceito sociopolítico prevalente.  

Num seminário sobre os fins das penas, (Claus Roxin, “Fundamentos Politico-criminales del Derecho Penal” (“La determinación de la pena a la luz y de la teoria de los fines de la pena), Hammarabi, Buenos Aires, págs. 143 a 166) Claus Roxin advoga, acompanhando Hans Scultz, que na determinação da pena se trata de retribuir a culpabilidade (“O princípio – fundamentado segundo opinião generalizada na Constituição – nulla poena sine culpa (princípio da culpabilidade) não significa nesta situação senão que «o suposto de facto e a consequência jurídica devem estar em proporção adequada», quer dizer, a imputação ao autor deve ser necessária, por estar descartada a possibilidade de resolver o conflito sem castigar o autor. Também a medida da culpabilidade se vê limitada pelo necessário. Sobretudo, o conteúdo da culpabilidade não é algo prévio ao Direito, sem consideração às situações sociais.” – Günther Jakobs, op. loc. cit. pág. 588-589.), devendo na operação de determinação aplicar a «teoria da margem de liberdade», que a jurisprudência alemã formulou da forma seguinte: “Não se pode determinar com precisão que pena corresponde à culpabilidade. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada no seu grau máximo pela pena adequada (à culpabilidade). O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não pode, portanto, impor uma pena que na sua magnitude ou natureza seja tão grave que já não se sinta por ela como adequada à culpabilidade, No entanto, o juiz…poderá decidir até donde pode chegar dentro dessa margem de liberdade.” (À teoria da margem da liberdade opõe-se a teoria da «pena exacta», segundo a qual «a la culpabilidad» só pode corresponder una pena exactamente determinada (punktuell). – Clus Roxin, op. loc. cit. P. 146.) 

De forma definitiva assevera Hans-Heinrich Jescheck que “fundamento da determinação da pena é a culpabilidade. Com esta declaração fundamental reconhece-se expressamente o princípio da culpabilidade e expressa-se que o sentido da pena deve ver-se em todo o caso na retribuição da culpabilidade. Sem embargo, junto a esta declaração, se estabelece no §46 I 2 o dever do juiz ter em conta e todo o acto de determinação da pena os efeitos que podem esperar-se tenha a pena na vida futur do réu na sociedade”. (Autor citado em Tratado de derecho Penal, Volumen Segundo, Bosch, Barcelona, p. 1200)      

Para Bacigalupo a culpabilidade só logra a sua função de parâmetro delimitador da pena, se for referido à «culpabilidade do facto». “Isto requer excluir das considerações referentes à culpabilidade as que se referem a uma ponderação geral de personalidade como objecto do juízo de reprovação (“juicio de reproche”). Concretamente o juízo de culpabilidade relevante para a individualização da pena, deve excluir como objecto do mesmo referências à conduta anterior ao facto (sobretudo a penas sofridas), a perigosidade, ao carácter do autor, assim como á conduta posterior ao facto (que só pode compensar a culpabilidade do momento da execução do delito.”    

Noutra perspectiva, o conteúdo de culpabilidade, impõe a “a um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Cfr. Gunther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.)

Na análise a que procede sobre o Estado, a Pena e o Delito, e escrutinando as distintas doutrinas que se têm vindo a impor no espectro da aplicação das penas Santiago Mir Puig opina que: «O princípio de culpabilidade em sentido amplo, aqui manejado, não deve confundir-se com a exigência de certa proporção entre a pena e a gravidade do delito.

Entendida como possibilidade de relacionar um facto com um sujeito e não como possibilidade de converter em demérito subjectivo o facto realizado, a culpabilidade no indica la quantia da gravidade do mal que deve servir de base para a graduação da pena. A referida quantia vem determinada pela gravidade do facto antijurídico do qual culpa o sujeito. A concepção contrária só pode ser admitida por quem aceite que a pena não se impões para prevenir factos lesivos, mas outrossim como retribuição da atitude interna que o facto reflecte no sujeito. - pág. 206.

Por um lado a prevenção geral pode manifestar-se pela via da intimidação dos possíveis delinquentes, ou também como prevalecimento ou afirmação do Direito aos olhos da colectividade. No primeiro sentido, a ameaça da pena persegue imbuir de um temor que sirva de freio à possível tentação de delinquir. Dirige-se somente aos eventuais delinquentes. Num segundo sentido, como afirmação do direito, a prevenção geral persegue, mais do que a finalidade negativa de inibição, a internalização positiva na consciência colectiva da reprovação jurídica dos delitos e, por outro lado, a satisfação do sentimento jurídico da comunidade. Dirige-se a toda a sociedade, e não só aos eventuais delinquentes. – pág. 43

Daí, pois, um primeiro limite que a prevenção encontra em si mesma: a gravidade das penas tendentes a evitar delitos não pode negar até ao máximo do que aconselharia a pura intimidação dos eventuais delinquentes, outrossim que deve respeitar o limite detida por certa proporcionalidade com a gravidade social do facto. Por outra parte a exigência de proporcionalidade desprende também aa conveniência de ressaltar o mais grave respeito do menos grave em ordem a frenar em maior grau o mais grave. - pág. 44

Frente ao delinquente ocasional, a prevenção especial exigiria só a advertência que implica a imposição da pena. Para o delinquente no ocasional corrigível, seria precisa a ressocialização mediante a aplicação de um tratamento destinado a obter a sua correcção. Por último, para o delinquente incorrigível a única forma de alcançar a prevenção especial seria inoculá-lo, evitando assim o perigo mediante o seu internamento “asegurativo”. O efeito de advertência se designa às vezes como “intimidação especial”, para expressar que se dirige só ao delinquente e não à colectividade, como a intimidação que persegue a prevenção geral. A ressocialização adopta às vezes modalidades especiais: assim, como tratamento educativo ou como tratamento terapêutico para sujeitos com anomalias mentais. (Cfr. Santiago Mir Puig, in “Estado, Pena y Delito” Editorial B de f, Montevideu – Buenos Aires, 2006 Págs. 43, 44, e 206. Tradução nossa)

Do mesmo passo, Santiago Mir Puig faz derivar desta função preventiva uma concepção de pena em que “a pena há-de cumprir (e só está legitimada para cumprir) uma missão política de regulação activa da vida social que assegure o seu funcionamento satisfatório, mediante a protecção dos bens jurídicos dos cidadãos. Isso supõe a necessidade de conferir à pena a função de prevenção dos factos que atentem contra esses bens, e não basear o seu encargo, ou incumbência, numa hipotética necessidade ético-jurídica de não deixar sem resposta, sem retribuição, a infracção da ordem jurídica.” (Santiago Mir Puig, ibidem, pág. 114.)

Partindo da ideia de que a eficácia preventiva da pena pode estar referida aos potenciais delinquentes (prevenção geral) ou aqueles que já hajam delinquido (prevenção especial), e de que a pena pode produzir um efeito preventivo de formas diversas, consideramos que a legitimidade do recurso à mesma há-de vincular-se à sua eficácia preventiva e ao respeito do princípio de proporcionalidade, que (sem prejuízo da eficácia preventiva derivada da sua vigência e da sua importância para estabelecer as penas dos distintos delitos) teria uma função de limite garantístico: a pena é legítima quando, sem rebaixar os limites que derivam do princípio de proporcionalidade, resulta eficaz desde o ponto de vista preventivo; mais concretamente, quando proporciona a máxima eficácia preventiva, atendendo tanto à sua eficácia preventiva geral, como à sua eficácia preventiva especial, e aos distintos sentidos (“cauces”) através dos quais o recurso à pena pode produzir um efeito preventivo (função preventiva limitada pelo princípio da proporcionalidade).

Como o resto das teorias preventivas, a proposta pressupõe aa eficácia preventiva da pena. A sua singularidade radica em que faz depender todas as decisões relacionadas com ela (classe e duração da pena que se ameaça com impor, classe e duração da pena imposta e, no concreto caso, forma de execução da pena) do saldo preventivo global das distintas alternativas e do respeito pelo princípio da proporcionalidade. Para que primeiro o legislador, e a seguir o Juiz (e, no caso concreto, a administração penitenciária), adoptem aquelas decisões tendo em conta a sua eficácia preventiva, deverão conhecer a eficácia preventiva das distintas alternativas. A complexidade da conduta humana, e as limitações do próprio ser humano para conhecer os elementos que influem nela, dificultam a aplicação prática daquela proposta, como também dificultam a de qualquer teoria preventiva. No entanto, tais dificuldades não obrigam a abandoná-las. Obrigam a ser prudentes, tentar obter o máximo conhecimento possível sobre a eficácia preventiva da melhoria pena, reconhecer os limites do conhecimento disponível e promover a melhoria do mesmo. E, no caso concreto, também obrigam a reconhecer os limites da capacidade da pena para produzir um efeito preventivo, e a valorar as consequências de intentar incrementá-lo.” (Cfr. Sergi Cardenal Montraveta, “Eficacia Preventiva General Intimidatória de la Pena”, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia”, (RECPC 17-18 (2015), pág. 3.)

As escoras da pena assentam, na concepção dominante, na culpa e na prevenção, devendo o tribunal, na individualização concreta da pena, ponderar, aquilatar e idear os factores concretos que podem intervir e equivaler os interesses em jogo.    

Na doutrina estrangeira sugere-se que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o seu comportamento posterior ao delito”. (Winfried Hassemer (Winfried Hassemer, “Fundamentos del Derecho Penal”, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, pág. 127).

Fundamento da determinação da pena é a significação do delito para a Ordem jurídica (conteúdo do injusto), e a gravidade da reprovação que se faz ao réu pelo facto cometido (conteúdo de culpabilidade. No entanto estes factores, fundamentais para a determinação da pena, não estão totalmente desvinculados entre si, a culpabilidade jurídico-penal vem referida ao injusto: a sua extensão determina-se pelo conteúdo culpável do injusto do facto. A culpabilidade tem, não obstante, também junto a isto, elementos autónomos que carecem de paralelo no âmbito do injusto (por ex., o grau de capacidade da culpabilidade; a evitabilidade do erro de proibição, autênticos elementos da atitude interna). Tanto o injusto, como a culpabilidade, entendidos como elementos materiais do delito, são conceitos graduáveis. Isto significa que, entre outras coisas, entidade do dano, a forma de execução do facto e a comoção da paz jurídica determinam o grau de injusto do facto, tanto com a desconsideração, a premeditação, a situação de necessidade, a tentação, a juventude, os transtornos mentais ou o erro devem ser valorados para graduar a culpabilidade.” (Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Volumen Segundo, Bosch Editora, Barcelona, 1981, p. 1207.) 

(“Na lesão ou colocação em perigo do objecto da acção protegido reside o desvalor do resultado do facto, na forma da sua comissão o desvalor da acção. O desvalor da acção consiste tanto nas modalidades externas do comportamento do autor, com nas circunstâncias que radicam na sua pessoa. Segundo isto, é preciso distinguir entre desvalor da acção (pessoal) referido ao facto e referido ao autor. O desvalor do resultado ou da acção se convertem em injuso do resultado ou da acção, respectivamente, ao ser recolhidos nos tipos penais.” – Hans-Heinrich Jescheck, op. loc. cit. p. 323) (Para uma perspectiva da categoria do que se constitui como injusto e da sua justificação e imputação, veja-se Michael Pawlikemann  – Urs Kindhäuser – Javier Wilenmann – Javier Pablo Mañalich, in “La antijuridicidad en el Derecho Penal. Estudios de las Normas Permissivas y la legitima Defensa”, Bdef, Buenos Aires, 2020, ps. 99-176.)

Pondera-se, na jurisprudência, que a escolha e determinação da medida, ou para medição, da pena “reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. (“A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07)

Consignada a pena nos preditos moldes, e arredada, por não interessar ao caso em apreço, a figura da “determinação legal da pena, ainda que para a operação de individualização judicial da pena não nos possamos alhear deste conceito, por constituir o limite que o legislador consignou como sendo aquele que protege de forma prevalente e eficaz, e num dado momento histórico, um determinado bem jurídico”, procuraremos indagar quais os critérios e justificações que deverão guiar e lastrar a determinação da medida concreta de uma pena, o que vale por dizer quais serão ou deverão ser os princípios rectores em que poderá ancorar-se uma adequada valoração da conduta de um agente infractora norma protectora de bens jurídicos. (Na procura de directivas e vectores de orientação que ajudem na determinação concreta da pena seguem-se de perto os ensinamentos colhidos em Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, bem como dos ensinamentos recolhidos na obra já citada supra de Gunther Jakobs, de Winfried Hassemer, in “Fundamentos del Derecho Penal”, de Claus Roxin, in “Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal” e Anabela Miranda Rodrigues, in “A Determinação da Pena Privativa de Liberdade” e Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato”, Marcial Pons, 2015.)

A culpa serve, na determinação concreta da escolha, um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial. Dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou segurança individuais. «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas». (Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111 e ainda Anabela Rodrigues (- Problemas fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin (2002), “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, 177/208, estudo também publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182.)

Anabela Rodrigues, bem como Taipa de Carvalho, ao defenderem que o limite mínimo da pena nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral, devendo eleger, em cada caso, aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto. Tutela dos bens jurídicos não, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada. Neste sentido, constitui indicador razoável afirmar-se que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra. (“O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça.

[Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.” – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007).

Discorrendo sobre o princípio da proporcionalidade, refere Mata Barranco que, “no momento judicial o âmbito de projecção do princípio da proporcionalidade manifesta-se claramente tanto na fase judicial de concreção da pena legalmente prevista – se se prefere, de determinação judicial da pena – como na individualização em sentido específico. Diz-se inclusivamente que a denominada aritmética penal, que não é senão a completa técnica que o tribunal tem que levar a cabo para determinação da pena que corresponde ao autor, está inspirada no princípio da proporcionalidade.

Em primeiro lugar, o Código estabelece determinadas regras vinculadas à determinação judicial da pena em relação, por exemplo, ao grau de execução do delito, à participação, ao erro de proibição, à concorrência de eximentes incompletas, de atenuantes e agravantes ou aspectos concursais, modulando-se a resposta penal com base na diferente gravidade do facto e da culpabilidade do autor nos supostos concretos. (…)

Em segundo lugar, ao juiz fica-lhe sempre uma margem de arbítrio, mais ou menos amplo, na determinação quantitativa da pena, ou inclusivamente qualitativa quando o preceito penal contemple penas alternativas, penas de imposição potestativa ou a possibilidade de aplicar substitutos penais que permita um melhor ajuste entre a gravidade do facto – em toda a sua complexidade – e a gravidade da pena, que tem que aplicar – de todo o modo proporcional – atendendo ao conjunto de circunstâncias objectivas e subjectivas do delito cometido, tal e como costumava exigir, por outro lado a própria normativa penal.

Aquela primeira função judicial, ainda que próxima a esta de individualização judicial propriamente dita, se entende conceptualmente separável da verdadeira função autónoma individualizadora do juiz, que não procede a uma delegação do legislador, diz-se, mas sim que se apresenta como competência exclusiva da jurisdição enquanto se trata de determinar uma pena em função das peculiaridades de cada caso e de cada autor (…) por isso se qualifica este acto de individualização judicial como de discricionariedade juridicamente vinculada, pois o juiz pode mover-se livremente, em princípio, dentro do marco legal do delito – que quele concreta -, mas orientado por princípios que haverão de extrair-se desde logo das declarações expressas da lei, quando existam, assim como dos fins do Direito penal no seu conjunto, ou ainda dos fins da pena partindo da função e limites do Direito penal.”) (Norberto J. de la Mata Barranco, “El Princípio de Proporcionalidad Penal”, Tirant lo Blanch, “Colección Delitos”, Valência, 2007, 221-223.)

Como se alcança do que a doutrina vem ensinando “o conceito de proporcionalidade, o juízo sobre a proporcionalidade de uma norma – não só de uma sanção, mas também de uma norma enquanto ao que prescreve ou proíbe e enquanto á consequência do seu incumprimento – afecta, e deve fazê-lo, tanto à delimitação da tutela que trata de conseguir como ao mecanismo sancionatório que prevê para o lograr e, por isso mesmo, ideia de proporção deve poder permitir restringir tanto a sanção desnecessária ou excessiva como limitar comportamentos susceptíveis dela. (…) O princípio de proporcionalidade penal rechaça, com se disse, o estabelecimento de cominações legais - proporcionalidade em abstracto – e a imposição de consequências jurídicas – proporcionalidade em concreto – que careçam de relação valorativa com o facto cometido, contemplado este no seu significado global. De uma forma mais sintética, exige que as consequências da infracção penal, previstas ou impostas, não sejam mais graves – se é que se pode equiparar a gravidade de umas e outras – à entidade da mesma. (…) mas também – ou justamente por isso – se há-de destacar a necessidade e vincular o conceito de proporção à relação entre a medida imposta e a finalidade pretendida pela norma a aplicar e com os fins, no nosso caso, da pena e do Direito penal; serão estes – tratando de garantir uma convivência na qual se maximize a liberdade de cada um sem detrimento superior da do resto – os que determinam a gravidade do facto a «enjuiciar».” (Norberto J. de la Mata Barranco, ibidem, pág. 289-290. “A exigência de proporção tem umas implicações, em todo o caso, que talvez não captam os conceitos de razoabilidade, racionalidade ou ausência de arbitrariedade, por quanto permite incorporar um conteúdo limitador da actuação estatal que, em princípio, estes não têm que atender. Com ser difusa a ideia de proporção, porque não indica mais que uma correspondência ou correlação de magnitudes, sem dúvida oferece uma base de actuação mais concreta – no âmbito penal – que a estes conceitos e nesse sentido aporta um plus de segurança, relativa, na restrição de liberdades porque, ao menos, remete para determinadas magnitudes ou referências a partir das quais pode efectuar uma ponderação de qual deve ser o grau de intervenção.” – ibidem, p.291)

Iterando a vertente da pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente merece, ou seja, deve corresponder ao desvalor social do injusto cometido. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. (Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.); Cfr. ainda por mais recentes os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2008 e 09.04.2008; proferidos, respectivamente, nos proc.s nºs 07P4724 e 08P1011; disponíveis em www.stj.pt.)

A imposição de uma pena depende do estabelecimento/consolidação de um juízo de culpabi-lidade que pressupõe exigências de verificação a) “de um princípio de responsabilidade pelo facto. “Exige um “direito penal do facto” e opõe-se a castigar o carácter ou o modo de ser – directa ou indirectamente. Ainda que o homem contribua para a formação da sua personalidade, esta escapa em boa parte ao seu controle. Deve rechaçar-se a teoria da “culpabilidade pela conduta de vida” ou a “culpabilidade do carácter”. Este princípio [da responsabilidade pelo facto] entronca com o da legalidade e a sua exigência de tipicidade dos delitos: o “mandato” e determinação da lei penal reclama uma descrição diferenciada da cada conduta delitiva”; b) a exigência de imputação objectiva do resultado lesivo a uma conduta do sujeito. Nos delitos de conduta positiva, isso requer a relação de causalidade entre o resultado e a acção do sujeito, mas para além disso são precisas outras condições que exige a moderna teoria de imputação objectiva e que giram em torno da necessidade de criação de um risco tipicamente relevante que se realize no resultado”; c) a exigência do dolo ou culpa (imputação subjectiva). Considerada tradicionalmente a expressão mais clara do princípio de culpabilidade, faz insuficiente a produção de um resultado lesivo ou a realização objectiva de uma conduta nociva para fundar a responsabilidade penal”; d) A necessidade de culpabilidade em sentido estrito, que exige a imputabilidade do sujeito e a ausência de causas de exculpação- também a possibilidade ed conhecimento da antijuridicidade, se esta não se inclui no dolo.” (Santiago Mir Puig, ibidem. “Sobre o Princípio de Culpabilidade como Limite da Pena”, pág. 203.)

Ainda que concordemos que a função da pena deva assumir-se como um pendor marcadamente preventiva, não podemos deixar de, na escolha e determinação concreta da pena, considerar o facto conduzido pela vontade de delinquir do agente – desvalor da acção – e o resultado em que a acção desvalorativa se concretizou. A imposição de uma pena que, partindo destes dois parâmetros definidores da conduta ilícita e típica do agente, seja colimada pela culpabilidade do agente impõe como paradigma da pena proporcional ao facto que deve encampar a actividade do julgador na hora de ponderar o quantum penológico a impor.    

Factor de ponderação inarredável na formação de uma pena justa e arrimada com os valores constitucionalmente consagrados é a proporcionalidade entre o desvalor da acção referido ao conteúdo do bem jurídico contido na norma violada, o desvalor do resultado enquanto atingimento e vulneração histórico-social e concreta de um sentimento socialmente relevante e o retraimento social que se pretende com a imposição da sanção da sanção penal.

No ensinamento de Silva Sanchez (Individualización judicial de la Pena”, p.139) “é difícil, na realidade, falar de discricionariedade no âmbito da individualização judicial da pena e que, seguindo a terminologia da doutrina alemã, afinal do que poderá falar-se é de uma “discricionariedade juridicamente vinculada. A maioria da doutrina entende sim possível continuar aludindo a uma certa discricionariedade no exercício da actividade judicial, limitada, submetida a uma conjunto de critérios valorativos, que não permita tomar decisões com base em considerações opostas a princípios cuja transgressão afasta o arbítrio das pautas de racionalidade, mesura e proporcionalidade que lhe devem presidir; sem embargo autor explica, em meu juízo com acerto, que isso já não é uma verdadeira discricionariedade, mas sim autêntica aplicação pura, regrada do Direito, pois não se trata de eleger entre várias possibilidades igualmente correctas, que é o que caracteriza a discricionariedade, mas sim concretar os juízos de valor da lei e conseguir os fins daquela em cada passo. Determinando a pena concreta. (…)

Por isso o Tribunal Supremo distinguiu o que a discricionariedade enquanto uso motivado das faculdades de arbítrio não susceptíveis de revisão em apelação, cassação ou amparo – quando se executa correctamente –, da arbitrariedade, definida pela ausência de motivação do uso de tais faculdades, vetada e revisível, diz-se numa diferenciação que não obstante reside somente no facto da motivação da individualização (…).” (Norberto J. de la Mata Barranco, ibidem, pág. 229-230.)     

Numa recensão louvável da jurisprudência e de uma “desmadejada” doutrina sobre a determinação da pena, respigamos o que a propósito foi escrito no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça datado de 20 de Junho de 2018, no processo 3343/15, já citado. (Incluem-se as notas de rodapé no números apósitos).  

O art. 40.º do CP constitui um repositório da doutrina defendida entre nós que entende que os fins da penas «só podem ter natureza preventiva – seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa--, não natureza retributiva.» (Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal. Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal sobre a Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2001, pág. 104.)

A medida da pena há-se encontrar-se de acordo com a combinação do disposto nos arts. 40.º e 71.º através da conjugação da culpa, da prevenção geral e da prevenção especial, esse “triângulo mágico” de que falava Zift. (Cit. por Anabela Miranda Rodrigues em O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, pág. 148.”( Sobre o historial do art. 71.º do CP, cfr. o cit. Ac. STJ de 29/6/2011, Proc. 21/10.5GACUB.E1.S1, Rel. Raul Borges.)

Referindo-se ao relacionamento da culpa e da prevenção, escreve Anabela Miranda Rodrigues em O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 155, que «É essa composição que oferece o artigo 40.º, ao condensar em três proposições fundamentais o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena – e levantando, assim, obstáculos definitivos à eventual persistência de correntes jurisprudenciais erradas e funestas»(sublinhado nossos) (Relativamente à culpa, não é dogmaticamente pacífica a sua concepção: para uns, Anabela Miranda Rodrigues, Jorge de Figueiredo Dias, constitui apenas limite da pena e não seu fundamento; para outros, v.g., Maria Fernanda Palma, Direito Penal. Conceito material de crime, princípios e fundamentos. Teoria da lei penal: interpretação, aplicação no tempo, no espaço e quanto às pessoas, cit., págs. 87 e 108, constitui fundamento da pena.

Na jurisprudência deste STJ, considerando a culpa como fundamento e limite da pena, cfr., v.g., Acs. de 13/10/2000, Proc. 200/06.0JAAVR.C1.S1; de 27/4/2011, Proc. 210/08.2JBLSB.

L1.S1; de 15/2/2012, Proc. 85/09.4PBPST.L1.S1; de 22/1/2013, Proc. 182/10.3TAVPV.L1.S1; de 15/5/2013, Proc. 154/12.3JDLSB.L1.S1, relatados pelo Cons.º Santos Cabral; Ac. de 31/5/2017, CJACSTJ, XXV, T. II, págs. 208 e ss.

Refere-se naquele Ac. de 15/2/2012, Proc. 85/09.4PBPST.L1.S1, que «Nunca é demais acentuar o papel da culpa como critério fundamentador da medida da pena, ao invés da preponderância que alguns outorgam à prevenção geral, colocando-a acima da retribuição da culpa pelo delito quando é esta, na realidade, que justifica a intervenção penal. A culpa é a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão. A prevenção é unicamente uma finalidade da mesma.»)  

«A norma do artigo 40.º - escreve-se no Ac. STJ de 16/1/2008, Proc. 4565/07, Rel. Henriques Gaspar - condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, senda a culpa o limite da pena mas não seu fundamento.

Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo.

O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40º determina, por isso, que os critérios do artigo 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação.

O modelo de prevenção - porque de protecção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

A medida da prevenção, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.». (Entendimento replicado no Ac. STJ de 13/1/2011, Proc. 369/09.1JELSB.L1.S1, do mesmo Relator e noutros arestos deste STJ (cfr., v.g., Ac. STJ de 29/6/2011, Proc. 1878/10.5JAPRT.S1, Rel. Raul Borges).” (in www.dgsi.pt) 

A moldura legal estabelecida para o crime que se estima comprovado pela factualidade consolidada orça entre 12 (doze) e 25 (vinte e cinco) anos. – cfr. artigo 132º, nº 1 do Código Penal.

Na moldura penal estabelecida – sem abdicar e descartar dos conceitos gerais enunciados no nº 1 do artigo 132º do Código penal – pode caber um vasto e estendido leque de formulações prático-materiais de culpabilidade, mas que por facilidade de arrumação conceptual assinalaríamos e ficcionaríamos em três níveis: menos intensa, que ocorrerá, em traços largos, quando, por exemplo, existe um acumulado de factores anteriores e/ou concomitantes à acção injusta e o agente reage motivado por emoções induzidas de desforço ou para saldar um agravo ou doesto anterior, em que, admitidas determinadas circunstâncias poderiam vir a ser integrada nas alíneas b), l) e m); de intensidade mediana, quando o agente realiza o acto injusto descomprometido com qualquer situação anterior, mas tão só por formulação de vontade de querer tirar a vida a outrem (idem as alíneas indicadas para a situação anterior); e intensa, ou gravosa, quando o agente age movido por motivos totalmente alheios a motivações anteriores e dirige o querer e a vontade para satisfazer instintos básicos e primários, embasado em total alheamento pela vida humana, como será o caso dos exemplo referidos nas alíneas c), d), e f) d nº 2 do artigo 132ºdo Código Penal.

A modelação conceptual de culpa, que se ensaiou não pode, obviamente, ser definitiva e fechada, longe disso, mas tão só um guia para a um visionamento pragmático-conceptual passível de orientar e conferir o conceito com a acção prática concretamente plasmada na factualidade adquirida para o julgamento do facto e, mais concretamente para a determinação judicial da pena.

Assumindo, e adoptando, o guião ensaiado e procurando conferir uma densidade conceptual à acção (injusta) perpetrada pela arguida, pensamos dever integrá-la na modalidade de culpa moderada.

Em abnegada, lhana e escorreita defesa da primazia e supremacia da mensuração do doseamento da pena pelo paradigma e padrão axial da culpa, escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Junho de 2017, proferido no processo nº 28/10.4GAVNF.S1, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça”: “A finalidade das penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do Código Penal, estabelecendo o nº 1 deste preceito que, “a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, por sua vez, o nº 2 acrescenta que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”

O que significa que em caso algum pode haver pena sem culpa (sem conhecer a medida desta) ou acima da culpa (ultrapassar a sua medida).

Nulla poena sine culpa.

O princípio da culpa, segundo FIGUEIREDO DIAS. Consequências jurídicas do crime § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”

Mas, com o devido respeito, porque “a culpa é condição necessária”, necessariamente que a culpa é também fundamento da pena.

De outro modo, como pode haver pena sem culpa?!!!

A censura jurídico-penal só é possível, só encontra o seu fundamento ético, na existência de culpa do agente que infringiu motu proprio, o bem jurídico protegido com tutela penal,

Na definição do conceito de pena escrevem ENRIQUE ORTA BERENGUER e JOSE L: GONZALES CUSSAC, Compendio de Derecho Penal (Parte General e y Parte Especial), tirant lo blanch, Valência, 2004, p,.251, (tradução nossa), “Na actualidade, seu conceito se define pela concorrência de cinco características: a) A pena consiste necessariamente na imposição de um mal ao delinquente, isto é, supõe a privação ou restrição de um direito fundamental; b) a pena como mal ou privação de um direito se impõe por causa da violação da lei; e neste sentido é a sua consequência jurídica; c) a pena se impõe exclusivamente à pessoa ou pessoas responsáveis pela violação da lei, d) deve ser imposta ou administrada pelas autoridades fixadas na lei; e) a imposição da pena exprime a reprovação e censura pela violação da lei, pelo que se infringe como um castigo, e neste sentido, conceitualmente é retribuição pelo mal cometido.”

As teorias da prevenção ao fundamentarem a pena na prevenção geral e especial não arredam – nem podem, sob pena de infringirem a matriz ética primária do direito penal – excluir o direito penal do facto como um direito penal de culpa.

Se a prevenção geral pretende justificar a defesa do ordenamento jurídico ou da comunidade, não é esta uma comunidade de seres humanos, os destinatários das normas e os sujeitos da culpa?

E que outra coisa é a prevenção especial senão a exigência de socialização do agente na remissão da culpa através da reintegração social, ou seja, a educação do agente que pela sua culpa desprezou a norma penal?

A função da pena costuma referenciar-se em três finalidades: a retributiva como realização da justiça por meio do castigo. A prevenção geral como meio de se evitar a prática de novos delitos pelos cidadãos da comunidade que integram, e a prevenção especial para evitar a prática de novos delitos pelo agente infractor.

Sem a pena, imposta estadualmente através do Poder Judicial, pela lesão de bens jurídícos fundamentais de tutela jurídico-criminal, a convivência humana na comunidade social onde se integra e constitui, seria impossível.

Porém, se as finalidades da prevenção (geral e especial) da pena justifiquem o cumprimento da função da pena, não a justificam por si só, ou de forma exclusiva.

“Pelo contrário, a justificação da pena pela sua utilidade, somente pode ter lugar dentro dos limites que dimanam do princípio da proporcionalidade, como justa retribuição do injusto culpável.

Portanto, na função de tutela jurídica haverão de radicar-se tanto o fundamento justificativo da pena, como os limites dessa justificação. De maneira que se a ideia de tutela conduziu à justificação do castigo pela sua utilidade, a necessidade de que a mesma seja jurídica exige que não possa obter-se a qualquer preço, mas unicamente dentro dos limites que dimanam do princípio de proibição do excesso ou proporcionalidade em, sentido amplo.” (v. Enrique Orta Berenguer e José.L, Gonzales Cussac, ibidem, p.254)

A função da culpa é imanente ao desvalor jurídico-penal da acção ou omissão desenvolvida na violação do bem jurídico.

Pena sem culpa, não pode existir, em qualquer Estado de Direito, democrático e material, porque qualquer Estado que se reclame de Direito há-de fundar-se na dignidade da pessoa, do ser humano, e a culpa é a responsabilização jurídico-penal da pessoa pela acção ou omissão causalmente adequada à lesão do bem jurídico-penal, consagrado pelo ordenamento jurídico da comunidade política em que se insere.

Por isso a culpa é fundamento e limite da pena.

Concordamos com FIGUEIREDO DIAS quando refere que “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso” e de “constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- v. FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss; , mas já não concordamos quando salienta que “a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização.” E de que  “A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático.” (idem, ibidem)

Mas não pode ignorar-se, com o devido respeito, por outros entendimentos, que a culpa é a amplitude ético-criminal da determinação da medida concreta da pena e não se destina somente a limitar o máximo da pena.

A culpa como proibição de excesso da prevenção, na determinação da pena, não significa que a culpa seja mera baliza punitiva, mas situa-se no mesmo campo, e no mesmo patamar da prevenção, numa dialéctica em que a culpa é fundamento e limite da pena

Para se conhecer a medida da culpa, tem de se apreciar e avaliar a culpa. e por isso, se compreende também que o artigo 71° do Código Penal ao estabelecer o critério da determinação da medida concreta da pena, disponha em primeiro lugar  que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei “é feita em função da culpa do agente”, acrescentando depois “ e das exigências de prevenção.”

É que uma coisa são as finalidades da pena e outra, é a determinação da medida concreta destas.

Acrescente-se que também o artº 72º nº 1, do CP, prevê a diminuição acentuada da culpa como um dos fundamentos da atenuação especial da pena.

FIGUEIREDO DIAS, apesar da sua concepção sobre as finalidades da pena, reconhece que “ a culpa jurídico-penal não é uma «culpa em, si», mas uma censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-ilícito”, pois que “pela via da culpa releva para a medida da pena a consideração do ilícito típico, […] «o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente» (v. Direito Penal Português, As consequência jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, p. 239, § 323)

Em suma, apenas “não relevam para a medida da pena, pela via da culpa, quaisquer consequências atípicas ou extratípicas do facto, mas apenas as consequências atípicas, no sentido social do tipo como um todo, a um seu singular elemento constitutivo ou à sua concretização”- idem, ibidem, p. 239, §324

Consequências extratípicas só poderão relevar – e deverão relevar muitas vezes – não pela via da culpa, mas pela da prevenção (v.g. insegurança geral causada por uma série de crimes particularmente graves, pavor determinado por ataques sexuais particularmente repugnantes, etc; nomeadamente, pela via da prevenção geral positiva ou de integração, com a consequente necessidade acrescida de tutela dos bens jurídicos e de preservação das expectativas comunitárias” (idem, ibidem, p. 241, § 326.)

Pois, como se sabe: “Do que aqui se trata é, pois da construção de um tipo complexivo total (ou, na verdade, se se preferir, de um tipo para efeito da medida da pena), que suporta a consequência jurídica, tendo em vista as exigências não só da culpa, como da prevenção,”, distinguindo-se assim, “o conjunto de elementos que releva para a medida da pena pela via da culpa daquele que para ela releva pela via da prevenção”- (idem, ibidem, p 234,

Além das exigências de prevenção, protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade), a culpa é também fundamento, antes do limite da pena.

A prevenção, não é, pois, fundamento exclusivo da determinação da medida da pena.

Em sentido similar, como ressalta também do artigo de Hans-Heinrich Jescheck, Evolucion del concepto jurídico-penal de culpabilidade en Alemania Y Áustria, Revista Electrónica de Ciência Penal y Criminologia, traducción de Patrícia Esquinas Valverde, RECPC 05-01 (2003), sendo a liberdade de decisão um facto antropológico evidente, a sanção ou pena entronca na merecida resposta de desaprovação da comunidade jurídica perante o facto injusto e culpável – o ilícito punível - pelo seu agente.

Se a função primordial ou determinante da pena fosse feita apenas em função da prevenção (geral e especial,) e a culpa considerada apenas como seu limite, como poderia entender-se a relevância das características da sua matriz ética?

Ao ser apontada a culpa como mero limite da pena, desde logo faz ressaltar a natureza antropológica da culpa na sua característica liminar de imanência à conduta desvaliosa activa ou omissiva do agente do facto.

Por isso, a montante do limite da pena, a culpa, “também deve ser codecisiva para toda a determinação da mesma “

Se a culpa radica na imputação ética do facto incriminado, como pode o juiz perder o ponto de conexão da culpa – dimensão ético-jurídica do facto – na repercussão da mesma nos objectivos da prevenção especial?

O problema da liberdade na violação dos bens jurídico-criminais envolve e convoca em toda a amplitude a dimensão da culpabilidade.

Se assim não for, como poderá censurar-se o facto ilícito punível, e em que medida a pena a aplicar se mostra justa a adequada à sua reintegração social?

Como poderá estabelecer-se a proporcionalidade da pena se, independentemente do limite da culpa, não tiver em conta as características desta?

O n ° 2 do mesmo artigo do Código Penal, estabelece, que:

Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência:

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, concorrer na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.

Quer dizer, na concretização legal da pena, na sua individualização como última fase da determinação da medida concreta desta, deve o tribunal atender à natureza e grau de gravidade do facto,, a considerações de prevenção geral e especial à punição aplicável ao delinquente concreto, e ào conjunto das condições e circunstâncias pessoais deste, de forma a que no conjunto dessas circunstâncias - todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele - e no quadro mais ou menos flexível da gravidade do facto, individualiza a pena aplicável.,

São pois dois os critérios – em função da culpa e das exigências de prevenção - que devem guiar a tarefa individualizadora, do julgador, na determinação concreta da pena, ou seja na adaptação da pena ao caso concreto e ao indivíduo: a gravidade do facto que se fundamenta na retribuição proporcional ao crime cometido, orientada por critérios de prevenção geral, e nas circunstâncias pessoais do agente, envolvendo a culpa no desvalor da acção e no resultado e as decorrentes exigências de prevenção especial.” (in www.dgsi.pt)

A arguida teve como fim da acção, que encetou e realizou, tirar a vida ao marido. Fê-lo, por motivação não apurada, mas mediante uma acção consequente e afincada de provocar ferimentos no corpo do marido passíveis de lhe causarem a morte. A arguida quis, itera-se, sem motivo imediato descoberto, tirar a vida do marido e fê-lo de forma indómita, percuciente denodada, a avaliar pelo número de golpes, com o martelo e a faca, com que fendeu e incisou o corpo da vítima. 

A excisão da vida a um ser humano representa a mais intensa e ominosa acção lesiva que é possível assacar a um indivíduo, por se tratar de um bem insubstituível e uma supressão de feição irreparável. A culpa – entendida como censura e reprovação de uma acção realizada numa comunidade histórico-socialmente situada – assume uma gradação e intensidade mais acerada se a acção tem por objecto a vida de uma pessoa com quem se conviveu durante 15 anos.

A arguida é …, tem assumido na reclusão a que está sujeita uma comportamento adequado e contributivo para comunidade prisional, pelo que as exigências de prevenção especial não se tornam prementes. 

Como se escreveu no acórdão citado (de 28 de Junho de 2017) citando Figueiredo Dias, em 1993, Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 255, p. 197:um pouco por toda a parte – e, de modo particular, tanto na jurisprudência alemã, como na doutrina portuguesa - se revela a tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista. Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Esta última posição é mais correcta […],

Mas já assim não será, e aquela tradução será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.”

Os limites da proporcionalidade e da densificação da culpabilidade não se nos afiguram vulnerados com a imposição da pena, pelo que se mantém.



§4. – DECISÃO.

Na defluência do que fica exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida.

- Custas pela recorrente.


Lisboa, 16 de Dezembro de 2020


Gabriel Martim Catarino (Relator)

Manuel Augusto de Matos

António Pires da Graça – Presidente da Secção


(Declaração nos termos do artigo 15º-A da Lei nº 2072020, de 1 de Maio: O acórdão tem a concordância do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Adjunto, Dr. Manuel Augusto de Matos, não assinando, por o julgamento, em conferência, haver sido realizado por meios de comunicação à distância.)